Direito Civil

Parecer: Recurso Contra Decisão Proferida por Turma do Conselho Recursal no Juizado Civil

Parecer: Recurso Contra Decisão Proferida por Turma do Conselho Recursal no Juizado Civil

 

 

Sergio Wainstock*

 

 

XXXXXXXXXXX, moveu uma ação de cobrança de alugueis (Processo nº  xxxxxxxx) em face de XXXXXXXXXXX,  no Iº  Juizado Especial Cível da Comarca de Nilópolis, alegando que os aluguéis entre novembro de 1998  e maio de 1999  não haviam sido pagos e,  assim, pleiteou, judicialmente,  os valores correspondentes aos 7 meses (novembro de 1998 a maio de 1999),  no valor total de R$ 2.100,00  (7 x R$ 300,00). 

 

Após produzida defesa e colhida todas as provas, pelo MM. Juiz foi proferida a  sentença no sentido da improcedência da ação, ressaltando, a sentença,  que os depoimentos colhidos trazem prova contrária aos fatos narrados na inicial; que o Reclamante afirma que a desocupação se deu em Março de 1999, ocasião em que as chaves lhe foi repassada por um vizinho de nome H.;  e que os alugueres correspondentes a agosto e setembro/98 foram cobrados em ação antecedentes;  e, por outro lado,   a defesa afirmou que a desocupação do imóvel se deu em 11 de Outubro de 1998;  que embora a parte ré (o locatário)  admita ter utilizado o imóvel até 11/10/98, a verdade é  que o pedido inicial não inclui esses dias de outubro; que, atender, mesmo parcialmente,  o pedido, para impor ao Reclamado o pagamento desses onze dias do mês de outubro constituiria decisão extra petita; que, finalmente, o pedido que concerne a cobrança dos alugueis de novembro de  1998 a maio de 1999, quando o imóvel já não era ocupado pelo inquilino (Reclamado) é improcedente.

 

Não obstante a fundamentação jurídica, nas razões do recurso, de relevantes princípios de direito,  qual seja, a de que a  responsabilidade do locatário pelos encargos do contrato de locação com cláusula “até entrega das chaves” permanece enquanto o locador não for cientificado da devolução; que a  responsabilidade do locatário pelos encargos do contrato de locação só cessa com a entrega das chaves pelo locatário (ao locador) e a imissão do locador na posse do bem; que a data da entrega das chaves ao locador ou em juízo e que delimita o prazo da resolução do contrato de locação, não importando o fato da desocupação do prédio ter ocorrido anteriormente,  não foi dado provimento ao recurso em segundo grau  – pelo Eg. Conselho Recursal –  tendo em vista os elementos de prova carreados aos autos, inclusive o próprio  depoimento pessoal, contraditório,   do locador. A decisão da Turma do Conselho Recursal foi  no seguinte teor:   

 

“EMENTA  -Locação residencial. A ausência de comprovação escrita da entrega das chaves de imóvel alugado, pela inquilina ao senhorio, pode ser suprida através de prova testemunhal idônea. Autor que na qualidade de locador propõe ação em face do réu, que era fiador da avença locatícia em questão, objetivando cobrar aluguéis no período de novembro/98 a maio/99, época em que apontou na petição inicial, ter sido o imóvel desocupado (fls.03). Reclamante que em seu depoimento pessoal prestado em Juízo, afirmou. Que recebeu as chaves de vizinho da locatária, no mês de março de 1999 (fls.11), em contradição com o que havia alegado na peça vestibular da presente lide, talvez ante a prova produzida pela mencionada inquilina, no sentido de que passou a residir em outro imóvel alugado, a partir de março de 1999 (fls.19). Testemunha do réu que depondo às fls.13 destes autos, afirmou expressamente que a entrega da chave do imóvel de propriedade do autor, foi procedida em 11.10.1998, ao Sr. H., dono de um bar vizinho ao aludido imóvel, segundo proposta do próprio reclamante. Afirmações contraditórias do reclamante no tocante à data da entrega da chave do  imóvel locado, que prejudicam a verossimilhança de suas alegações inaugurais e comprometem a seriedade da pretensão exordíal. Autor que confirma ter recebido a chave das mãos da pessoa nomeada pelas testemunhas que depuseram às fls.13/14. Prova testemunhal que se apresenta coerente na sua respectiva produção, do inicio até o final. Autor que não se lembra quando alugou o imóvel novamente (fls.11). Reclamante que fez obras no

imóvel, mas não cobrou os valores gastos do fiador, reclamado nesta ação, embora sustente a responsabilidade do réu até a efetiva entrega das chaves do imóvel locado. Sentença de improcedência do pedido autoral que se confirma. Recurso desprovido.

 

VOTO – A R.. Sentença recorrida de fls. 11/12 deve ser mantida integralmente, por seus próprios fundamentos, e na forma da ementa deste Acórdão, razão pela qual se conhece do recurso interposto às fls. 21/28, mas nega-se provimento ao mesmo, ficando condenado o recorrente no pagamento das custas do processo e dos honorários do advogado do recorrido, estes na taxa de 10% sobre o valor da causa. Rio de Janeiro, 24 de maio de 2001.”

 

A despeito da justiça ou injustiça da decisão,  o que se indaga, agora,  é  a possibilidade de reforma da decisão, mediante algum recurso ou alguma outra medida judicial, considerando-se, inclusive, que já houve trânsito em julgado do decisum.

 

O  Juizado Especial Cível foi criado pela Lei nº 9.099/95, tratando-se  de  uma opção, mais rápida e menos onerosa – fora da justiça comum –  para as partes lesadas pleitearem o seu direito nas causas cíveis de menor complexidade  (art. 3º).  

 

Por outro lado,  em realidade,  nos casos de execução de sentença, o  Código de Processo Civil é  fonte subsidiária as normas dos Juizados Especiais, por expressa remissão feita pela lei 9.099/95 em seu art. 52,  e em alguns outros casos,  por princípio geral de direito.

 

Pergunta-se, dessa forma,  qual o instrumento hábil para impugnar as decisões dos Juízes de primeiro e de segundo grau e de quem seria a competência para o seu julgamento ?  

 

Ora, diz o  art. 41 da Lei 9099/95: 

 

“Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio Juizado. § 1º. O recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado”.   

 

É, assim,  fato inquestionável que das decisões de primeiro grau, nos juizados cíveis,  caberá recurso para uma das turmas compostas por três juízes, do próprio juizado cível.

 

No entanto, das decisões das turmas do Conselho Recursal não cabem, ou melhor,   não comportam Recurso Especial para apreciação do Superior Tribunal de Justiça. (conf. STJ – REsp 21.664-7 – MS – 4ª T. – Rel. Min. Fontes de Alencar – DJU 17.05.1993).   A Constituição Federal menciona, apenas, que caberá ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;  b) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal;  c) der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal (art. 105, III). 

 

Ou seja, somente as causas decididas pelos Tribunais Estaduais, pelos Tribunais dos Territórios e pelo Tribunal do Distrito Federal, em única ou última instância, são impugnáveis através de Recurso Especial. E, portanto,  o entendimento de ser incabível o RECURSO ESPECIAL contra decisão de Turma de Juízes encarregados de julgar recursos oriundos de Juizados Especiais,  está de acordo com a jurisprudência unânime de nossos tribunais:

 

JUIZADO ESPECIAL – RECURSO (CABIMENTO) “Não cabe recurso especial contra decisão proferida, nos limites de sua competência, por órgão de segundo grau dos juizados especiais” (Súmula nº 203). 5. ……….(STJ – REsp 103580 – SC – 3ª T. – Rel. Min. NilsonNaves – DJU 05.10.1998 – p. 73)

 

JUIZADO ESPECIAL DE PEQUENAS CAUSAS – RECURSO ESPECIAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – A teor do disposto no inciso III do art. 105 da Constituição, decisão de Juizado Especial de Pequenas Causas é insuscetível de ser impugnada por meio de recurso especial,……… (STJ – Rcl 229-2 – SP – 2ª S. – Rel. Min. Costa Leite -.DJU 01.08.1994)

 

RECURSO ESPECIAL – JUIZADO DE PEQUENAS CAUSAS – Não cabe para esta Corte, recurso especial de decisão proferida por Colégio Recursal do Juizado Especial de Pequenas Causas. (STJ – Ag 71.969-3 (AgRg) – SP – 3ª T. – Rel. Min. Cláudio Santos – DJU 18.09.1995)

 

DECISÃO DE COLEGIADO RECURSAL DE JUIZADO ESPECIAL DE PEQUENAS CAUSAS – RECURSO ESPECIAL – INADMISSIBILIDADE – PRECEDENTES – AGRAVO DESPROVIDO – A jurisprudência das Turmas que integram a Segunda Seção desta corte já assentou o descabimento do recurso especial interposto contra decisão proferida por Colégio Recursal de Juizado Especial de Pequenas Causas. (STJ – AR no AI 57.312-5 – 4ª T. – SP – Rel. Min. Sálvio Figueiredo – DJU 20.02.1995)

 

JUIZADO DE PEQUENAS CAUSAS – Ao contrário do cabimento do RE para o STF em que o art. 102, III, da CF menciona, apenas, que a decisão recorrida deve ser de “única ou última instância” sem, portanto, referir-se a “Tribunal”, não cabe, para o STJ, recurso especial de decisão de Turma vinculada a Conselho Recursal de Juizado Especial de Pequenas Causas (CF, art. 98, I, in fine). (STJ – AgRg no AI 70.499-8 – RS – 3ª T. – Rel. Min. Cláudio Santos – DJU 18.09.1995)

 

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – Recurso especial. Juizado especial. Descabimento. Somente as causas decididas por TRFs Estaduais, do Distrito Federal e Territórios, em única ou última instância, são impugnáveis através de recurso especial. Incabível esse apelo contra decisão de Turma de Juízes encarregados de julgar recursos oriundos de juizados especiais. (STJ – REsp. 34.336-SC – 2ª T – Rel. Min. Peçanha Martins – DJU 26.05.1997)

 

JUIZADO ESPECIAL – 1. Segundo orientação desta Corte, os colégios recursais dos juizados especiais não são considerados tribunais dos estados, daí não ser cabível, na presente hipótese, o recurso ordinário previsto no art. 105, inciso II, alínea b), da Constituição Federal. 2. Agravo regimental improvido. (STJ – AgRg-RMS 9947 – SP – 3ª T. – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 12.04.1999)

 

Deduzindo-se que não cabe  Recurso Especial das decisões proferidas pelas Turmas do Conselho Recurso do Juizado Especial, caberia, então, a impetração da ação Mandado de Segurança,  contra tais decisões ?

 

Os juristas atribuem ao Mandado de Segurança a natureza jurídica de ação, que visa a proteger direito certo e líquido, não amparado por habeas corpus ou habeas data, contra ato abusivo ou ilegal de autoridade pública ou de seus delegados e que reclama uma prestação jurisdicional sumária e in natura, ou seja, que assegure rapidamente ao titular o próprio exercício do direito ofendido, e não o seu equivalente econômico. Daí dizer-se que o mandado de segurança é uma ação diferenciada e reforçada, de eficácia potenciada.

 

O  Mandado de Segurança não é, contudo, apenas uma ação judicial apta a proteger direito certo e líquido contra ameaça ou lesão provocada por ato ilegal ou abusivo proveniente do Poder Público, como à primeira vista pode parecer. Esta medida também é, em si mesmo, uma garantia constitucional fundamental, figurando em nossa Constituição Federal dentro do capítulo referente aos direitos individuais e coletivos, especificamente no art. 5º, LXIX.

 

No autorizado magistério de ALFREDO BUZAID, o Mandado de Segurança é “uma ação judiciária, que se distingue das demais pela índole do direito que visa a tutelar”, ou seja, direito certo e líquido, “que ocupa” – ainda na voz do ilustre processualista – “a posição mais elevada na escala (de importância dos direitos subjetivos) (…). Nele está expressa a mais solene proteção do indivíduo em sua relação com o Estado e representa, nos nossos dias, a mais notável forma de tutela judicial dos direitos individuais que, por largo tempo, foi apenas uma auspiciosa promessa.” (Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 56, Págs. 221/222).

 

Exerce, assim, o Mandado de Segurança, a valiosa função de instrumento hábil posto à disposição dos cidadãos para coibir e corrigir atos ilegais ou abusivos praticados por autoridades públicas ou por agentes no exercício do poder público. Exprime, tal medida, a intenção inequívoca do legislador constituinte em ver obedecidos os princípios da legalidade, os princípios da impessoalidade e os princípios da moralidade, inscritos no art. 37, caput, da Constituição Federal.

 

Fixados a natureza jurídica para a impetração do Mandado de Segurança, chega-se à conclusão, inequívoca,  de que, é, a um só tempo, remédio processual e garantia constitucional; o Mandado de Segurança, em seu cabimento e amplitude, há de ser admitido de forma amplíssima, tendo-se por ilegítimo tudo que amesquinhe tal parâmetro.

 

Mas, no caso de mero julgamento do mérito de causa, em segunda e última instância,  por uma das Turma do Juizado Especial,  estariam presentes os requisitos que possibilitam a impetração da ação do mandado de segurança, tais como, a  violação de direito líquido e certo, de atos ilegais ou abusivos praticados por autoridades públicas ou por agentes no exercício do poder público?  É evidente que não, apesar da eventualidade de um erro de julgamento ou de um julgamento injusto.

 

Cumpre ressaltar, primeiramente, que a competência para julgar mandado de segurança impetrado contra sentença de primeiro grau (do Juizado Especial) é do próprio órgão colegiado,  previsto no art. 41, § 1º da Lei nº 9.099/95.  

 

E  das decisões proferidas pelas Turmas do Conselho Recursal, não poderá ser apreciada, a ação de Mandado de Segurança, como se fosse um novo grau de recurso, segundo entendimento unânime de nossos tribunais e doutrina. E, além do mais, inexiste vinculação entre o Juizado Especial e os Tribunais do Estado, nem lei que atribua ao Tribunal de Justiça ou ao próprio Superior Tribunal de Justiça,  competência para julgar mandado de segurança contra ato ou decisão da Turma Recursal do Juizado Especial Cível, consoante jurisprudência de nossos tribunais neste sentido:

 

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – TRIBUNAL DE JUSTIÇA – Inexiste lei atribuindo ao tribunal de justiça competência para julgar mandado de segurança contra ato da turma recursal do juizado especial cível. Recurso ordinário impróvido. (STJ – RO-MS 10357 – RJ – 4ª T. – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – DJU 01.07.1999 – p. 178)

 

PROCESSUAL CIVIL – LOCAÇÃO – RMS – LEI Nº 9.099/95, ART. 41, § 1º – JUIZADO ESPECIAL – SENTENÇA QUE HOMOLOGA CONCILIAÇÃO EM AÇÃO DE DESPEJO – MANDADO DE SEGURANÇA – INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL – REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO COMPETENTE – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES – 1. A competência para julgar mandado de segurança impetrado contra sentença que, no juizado especial, homologa conciliação em ação de despejo, é do próprio órgão colegiado previsto no art. 41, § 1º da Lei nº 9.099/95, e não do Tribunal de Justiça. 2. Reconhecendo o Tribunal de Justiça a sua incompetência para o julgamento de mandado de segurança, interposto contra sentença do juizado especial, nada obsta que remeta os autos aquele juízo especial. 3. Recurso ordinário parcialmente provido. (STJ – RO-MS 10235 – MA – 5ª T. – Rel. Min. Gilson Dipp – DJU 25.10.1999 – p. 106)

 

MANDADO DE SEGURANÇA – Juizado Especial – Penhora de bens – Publicação incorreta – Inexistência de vinculação entre Juizados e Tribunal de Justiça – Competência exclusivamente do próprio Colegiado específico para aferição de sentenças no Juizado proferidas – Explicitação do artigo 41, parágrafo 1º da Lei n. 9.099/95, sobre a composição de colegiado competente para o exame de recursos – Incabível, por ato processual, a impetração de Mandado de Segurança perante Tribunais. (TJSP – MS 37.244-4 – 4ª CDPriv. – Rel. Des. Fonseca Tavares – J. 03.04.1997)

 

 

CONCLUSÃO

 

Portanto,  em suma,  reitere-se,  incabível o RECURSO ESPECIAL contra decisão de Turma de Juizes do Conselho Recursal. E, da mesma forma,  não cabe a impetração da ação Mandado de Segurança,  contra decisões proferidas pelas Turmas do Conselho Recursal,  do Juizado Especial.

 

Este é o nosso parecer.

 

 

* Consultor Jurídico

 

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Como citar e referenciar este artigo:
WAINSTOCK, Sergio. Parecer: Recurso Contra Decisão Proferida por Turma do Conselho Recursal no Juizado Civil. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/obrigacoes/parecer-recurso-contra-decisao-proferida-por-turma-do-conselho-recursal-no-juizado-civil/ Acesso em: 22 fev. 2025