Direito Civil

Apelação Cível. Pedido de falência. Falta de liquidez dos títulos. Protesto. Ônus da Prova. Saque de triplicata.

Apelação Cível. Pedido de falência. Falta de liquidez dos títulos. Protesto. Ônus da Prova. Saque de triplicata.

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

 

EGRÉGIA XXXXXXXXXXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA

PROCESSO : N° XXXXXXXX

APELAÇÃO CÍVEL

APELANTE: XXXXXXXXXXX

 

APELADO: XXXXXXXXXXX S/A

 

RELATOR : EXMA. DESA. XXXXXXXXXXXXXXX

 

PROCURADORA DE JUSTIÇA : XXXXXXXXXXXXX

 

 

 

Ilustre Desembargadora Relatora :

 

 

Tratam os presentes Autos do Pedido de Falência, formulado pela empresa XXXXXXXXXXXX Ltda, contra a empresa XXXXXXXX  S/A, com fundamento no artigo 1º do Decreto-Lei nº 7.661/45.

 

 

Em síntese, os Autos informam que:

 

1 – A Requerente alega que é credora da empresa XXXXXXXXXX S/A, pela importância de R$56.571,75 (cinqüenta e seis mil, quinhentos e setenta e um reais e setenta e cinco centavos), representada por duplicatas mercantis devidamente protestadas. Pede, então, a declaração de falência, com base no artigo 1º do Decreto-lei nº 7.661/45.

 

2 – A Requerida manifestou-se pela nulidade da citação, afirmando que a mesma foi realizada de forma errônea, ou seja, preterindo-se o disposto no artigo 12 do CC, bem como no art. 215 do Código de Processo Civil.

 

3 – Às fls. 87, a MMa. Juíza de Direito da XXa Vara Cível dos Feitos da Fazenda Pública, acolheu a alegação da Requerida, determinando a abertura de novo prazo para defesa.

 

4 – A Requerida suscita a preliminar de inépcia da petição inicial por falta de liquidez dos títulos utilizados para pedir a quebra. Alega, então, que os documentos anexados aos autos pela Requerente não são títulos executivos, mas sim, apenas notas de conhecimento de transporte, que não satisfazem as exigências contidas no artigo 4º, inciso III, do Decreto-lei nº 7661/45. Afirma que a Requerente está, indevidamente, utilizando o processo falimentar como meio de cobrança. Em relação ao mérito, argumenta que a decretação da falência deve ser afastada, em razão da inexistência concreta do estado de insolvência da Requerida. Pede a condenação da Requerente pela má utilização dolosa do processo falimentar, na forma do art. 20 do Decreto-Lei nº 7661/45.

 

5 – Às fls. 106, o Ilustre Representante do Parquet manifestou-se pela não decretação da quebra, em razão da ausência de título executivo, haja vista que os documentos anexados aos autos não preenchem os requisitos legais (Lei nº 5.474/68), necessários para serem caracterizados como duplicatas mercantis.

 

6 – A Requerente afirma que as duplicatas mercantis emitidas estão em plena consonância com o disposto no § 1º do artigo 2º da Lei nº 5.474/68. Fala que deixou de anexá-las aos autos, em razão das mesmas terem sido retidas pela Requerida, e que, por força disso, precisou realizar protestos por indicação, nos termos do artigo 31 e seguintes do Decreto 2044, de 1908. Por último, argumenta que não promoveu a emissão das triplicatas, tendo em vista que tal procedimento só é permitido em caso de perda ou extravio dos títulos, conforme o disposto no artigo 23, da Lei nº 5.474/68.

 

7 – Às fls. 122, o MM. Juiz de Direito da XXa Vara Cível, Dr. XXXXXXXXX, julgou improcedente o pedido da empresa XXXXXXXXXXXX, por entender que não existe nos autos, título executivo revestido das formalidades legais necessárias, na forma do artigo 1º do Decreto-lei nº 7. 661/45. Não reconhece ainda a ocorrência de dolo por parte da Requerente, deixando de condená-la a perdas e danos, na forma prevista no artigo 20, do salientado Diploma Legal.

 

8 – A Requerente interpôs recurso de Apelação, razoando no sentido de que o Juízo a quo proferiu julgamento fora do pedido (extra-petita), quando fundamentou-se sobre fatos que não foram objeto da defesa. Afirma que a Jurisprudência é pacífica no sentido de admitir o pedido de falência instruído com duplicata não aceita e não devolvida.

 

9 – Às Contra-Razões, a Requerida alega a impossibilidade da decretação da falência, em razão do Requerente não ter instruído o seu pedido com o documento essencial à sua pretensão, qual seja, o título executivo (duplicatas mercantis), desobedecendo destarte o disposto no artigo 1º do Decreto-lei nº 7.661/45.

 

É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar.

 

 

Primeiramente, não pode prosperar o argumento da Apelante, no sentido que o MM. Julgador a quo proferiu julgamento extra-petita, quando afirmou que o pedido de falência não está devidamente instruído com documento necessário para fundamentá-lo (título executivo – duplicata mercantil), explicando em seguida que, no caso de retenção, o procedimento correto é o protesto por indicação, fundamentado com documento que comprove o recebimento do título pelo Requerido (protocolo de entrega). Igualmente, não analisou fora do pedido, quando explicou que não presenciava nos autos, prova da entrega das duplicatas à Requerida, nem da retenção das mesmas, motivo pelo qual julgou improcedente o pedido. A razão disto está no fato de que a salientada questão se reveste de interesse público, podendo o juiz levantá-la, mesmo que não tenha sido suscitada pelas partes. Aliás, o que não é o caso, pois foi feita, no curso do processo, alusão à falta de documento idôneo para legitimar o pedido de falência com base no artigo 1º do Decreto-lei nº 7.661/45 (sistema da impontualidade). O competente Magistrado apenas elucidou certos pontos, explicando o modus operandi correto, específico à lide em tela, para legitimar o pedido de falência. No entanto, mesmo que a referida questão não tivesse sido levantada no decorrer do litígio, poderia perfeitamente o Magistrado comentá-la, conforme esclarece o eminente professor Ernane Fidélis dos Santos:

 

Há, porém, “questões” que, em razão de seu aspecto formal e do interesse público que nelas se revela, podem e devem ser conhecidas pelo juiz, de ofício, como ocorre nos casos de nulidade absoluta de atos jurídicos (CC, art. 146) e quando há inexistência, no processo, de documento que a lei considera da essência do ato. Em pedido reivindicatório, o autor não apresenta o título de jus in re (a transcrição, por exemplo). Em inventário e partilha, o requerente instrui a petição com certidão de registro de óbito, feito dez anos da morte, em contrariedade aos arts. 78 e 109 da Lei de Registros Públicos. Um menor de dezesseis anos firmou contrato, a nulidade é absoluta (CC, art. 145, I). Em ambos os casos, o juiz pode e deve conhecer de ofício e julgar a questão com as respectivas conseqüências, com julgamento restrito, porém, aos limites da lide (art. 468).

 

 Tratando-se de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido do processo, de condições da ação, de coisa julgada, litispendência e perempção, o juiz delas conhece de ofício (art. 267, § 3º) (Ernane Fidélis dos Santos – Manual de Direito Processual Civil) ( o grifo é nosso)

 

         Transcreve-se o artigo 1º do Decreto-lei nº 7.661/45, que traz os pressupostos legais necessários à decretação da falência pelo princípio da impontualidade: art. 1º. Considera-se falido o comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líqüida, constante de título, que legitime  a ação executiva. (o grifo é nosso). Dessa forma, para se requerer a falência com base nesse dispositivo, é necessária a existência de um título executivo que configure obrigação líqüida, que esta obrigação esteja vencida e que o comerciante não tenha pago, sem relevante razão de direito. Como ensina o professor Dylson Doria, no seu Curso de Direito Comercial: Não basta, com efeito, à caracterização da falência o inadimplemento puro e simples, sendo antes de mister que esse inadimplemento se revista das exigências constantes de lei especial. 

 

         Pois bem, a Apelante anexou aos presentes Autos, notas de conhecimento de cargas, sem força de título executivo, ao contrário do exigido pela Lei Falimentar, posteriormente alegando que as duplicatas de prestação de serviço foram retidas pela Apelada, porém, não demonstrando tal assertiva. O inciso I, do artigo 333 do Código de Processo Civil é claro: Art. 333. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quando ao fato constitutivo do seu direito;. Sobre o assunto, são bastante elucidativos os comentários dos professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery:

 

O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para a obtenção do ganho da causa. A produção probatória, no tempo e na forma prescrita em lei, é ônus da condição da parte.

 

O autor precisa demonstrar em juízo a existência do ato ou fato por ele descrito na inicial como ensejador de seu direito. (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery – Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor.

 

         Corolário disso, é a constatação de que salientado protesto foi realizado em desacordo com os preceitos legais, conforme o ensinamento do eminente professor Fábio Ulhoa Coelho, complementado pelo não menos ilustre Rubens Requião:

 

A retenção da duplicata pelo comprador impede, por óbvio, a sua apresentação pelo vendedor ao cartório de protesto. Para a efetivação do ato formal, nesse caso, a lei admite que o credor indique ao cartório os elementos que identificam a duplicata em mãos do sacado. A partir dos dados escriturados no Livro de Registro de Duplicatas, que o emitente desse título é obrigado a possuir, extrai-se boleto, com todas as informações exigidas para o protesto (nome e domicílio do devedor, valor do título, número da fatura e da duplicata etc.). Esse boleto é enviado ao cartório para processamento do protesto. (Fábio Ulhoa Coelho – Curso de Direito Comercial).

 

No caso de protesto por indicação do portador, o inciso II do art. 29 do Decreto nº 2.044, que alude à “transcrição literal da letra e das declarações nela inseridas pela ordem respectiva”, será substituído pela reprodução das indicações feitas pelo portador do título. Essas indicações, evidentemente, não podem ser simplesmente oferecidas verbalmente, mas por escrito, fundadas em documento (protocolo de entrega) que prove o recebimento do título pelo sacado. (Rubens Requião – Curso de Direito Comercial) ( o grifo é nosso)

 

         Destarte, o professor Fábio Coelho ensina que o credor deverá demonstrar, além de outros elementos identificadores da duplicata, o fato de que a mesma está em mãos do sacado. Nada mais lógico, pois a retenção do título pelo devedor é o fundamento maior desse tipo de protesto. Para isso, o professor Rubens Requião dá a sua contribuição, ensinando que tal fato poderá ser provado através do protocolo de entrega, que comprova o recebimento do título pelo devedor.

 

         É importante ressaltar que o referido procedimento é aplicável tanto à duplicata de compra e venda, como a de prestação de serviço, conforme entende Dylson Dória: À fatura e à duplicata ou triplicata de serviços aplicam-se as disposições referentes à fatura e à triplicata de venda mercantil. (Dylson Dória – Curso de Direito Comercial).

 

         A Apelante alega outrossim que não emitiu triplicatas em razão da mesma ser exclusiva para os casos de perda e extravio de títulos. No entanto, tal entendimento não é comungado pela doutrina e pela jurisprudência, senão vejamos:

 

A rigor, a lei autoriza o saque da triplicata apenas nas hipóteses de perda ou extravio (LD, art. 23). Mas embora a retenção da duplicata não corresponda a nenhuma das situações previstas legalmente, não existe prejuízo para as partes na emissão de triplicata também nesse caso. Em outros termos, na medida em que o credor pode remeter ao cartório de protesto o boleto com as indicações que individualizam a duplicata retida, também se admite que a triplicata veicule tais informações, tendo em conta inclusive que a fonte é a mesma: a escrituração mercantil do vendedor. (Fábio Ulhoa Coelho – Curso de Direito Comercial).

 

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 

RIP:00004866  DECISÃO:23.10.1990

 

PROCESSO:RESP   NUM:0003253 ANO:90 UF:RS  TURMA:04

 

RECURSO ESPECIAL

 

FONTE:

 

DJ       DATA:19.11.1990   PG:13262

 

RSTJ     VOL.:00015        PG:00418

 

EMENTA:

 

DIREITO COMERCIAL. DUPLICATAS NÃO DEVOLVIDAS. TRIPLICATAS. EXTRAÇÃO. LICITUDE. LEI 5.474.68, ART. 23. DISSIDIO. RECURSO CONHECIDO MAS DESPROVIDO. I  – NÃO VEDA A LEI A EXTRAÇÃO DE TRIPLICATA EM FACE DE RETENÇÃO DA DUPLICATA PELA SACADA. II – INTELIGENCIA DO ART. 23 DA LEI 5.474.68.

 

RELATOR:

MINISTRO SALVIO DE FIGUEIREDO

 

DECISÃO:

 

POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO. VEJA: RT 453.115; APELAÇÃO 217191-TJSP; JUR. BRASILEIRA 45.78; RT 365.253; RTJ 101.328; RE 95.981.1-SP (STF).

 

REFERÊNCIA LEGISLATIVA:

 

LEG:FED LEI:005474 ANO:1968

 

ART.23 ART.13 PAR.1 PAR.2 ART.15 .

 

LEG:FED SUM:000400 ANO:****

 

140(STF) .

 

LEG:FED DEC:006899 ANO:**** .

 

LEG:FED LEI:002041 ANO:****

 

ART.31 .

 

DOUTRINA:

 

OBRA: TITULOS DE CREDITO, FORENSE, 1980, 1A. ED. VOL. II, N. 138,

 

AUTOR: FRAN MARTINS                               – P. 207.208

 

INDEXAÇÃO:

 

DIREITO COMERCIAL, LEIS, DOUTRINA, JURISPRUDENCIA, ADMISSÃO, EXTRAÇÃO, TRIPLICATA, AUSENCIA, DEVOLUÇÃO, DUPLICATA.

 

CATÁLOGO:

 

TITULO DE CREDITO

 

DUPLICATA

 

EMISSÃO DE TRIPLICATA

 

 

 

 

 

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 

RIP:00009316  DECISÃO:28.06.1991

 

PROCESSO:RESP   NUM:0010941 ANO:91 UF:RS  TURMA:03

 

RECURSO ESPECIAL

 

FONTE:

 

DJ       DATA:26.08.1991   PG:11401

 

EMENTA:

 

COMERCIAL. EXTRAÇÃO DE TRIPLICATAS. OBRIGATORIEDADE E FACULDADE. O ART. 23 DA LEI 5474.68 OBRIGA O VENDEDOR A EXTRAIR TRIPLICATA, EM CASOS DE EXTRAVIO OU PERDA DA DUPLICATA, MAS  NÃO EXCLUI A FACULDADE DE FAZE-LO EM CASOS DE RETENÇÃO DA DUPLICATA, OU EM SITUAÇÕES ASSEMELHADAS QUE TOLHEM A CIRCULAÇÃO DO TITULO E DEIXAM SEM POSSIBILIDADE DE APARELHAR SUA EXECUÇÃO.

 

RELATOR:

 

MINISTRO DIAS TRINDADE

 

 

 

DECISÃO:

 

POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DO RECURSO ESPECIAL. VEJA: RESP 1493-PR (STJ)

 

REFERÊNCIA LEGISLATIVA:

 

LEG:FED LEI:005474 ANO:1968

 

ART.23 .

 

LEG:FED CFD:****** ANO:1988

 

CF-88     CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 

ART.105 INC.3 LET:A     LET:C .

 

LEG:FED SUM:000007 ANO:****

 

140 STJ .

 

INDEXAÇÃO:

 

SUSTAÇÃO, PROTESTO, ANTERIORIDADE, AÇÃO ANULATORIA, TITULO. OBRIGATORIEDADE, EXTRAÇÃO, TRIPLICATA, HIPOTESE, EXTRAVIO, DUPLICATA. POSSIBILIDADE, TRIPLICATA, HIPOTESE, RETENÇÃO,DUPLICATA, SACADO, AUSENCIA, ACEITE, INEXISTENCIA, PAGAMENTO. NECESSIDADE, GARANTIA, CREDOR. INEXISTENCIA, VIOLAÇÃO, LEI FEDERAL. DISSIDIO JURISPRUDENCIAL, FALTA, COMPROVAÇÃO, ACORDÃO, PARADIGMA,INEXISTENCIA, DIVERGENCIA, PUBLICAÇÃO, REPERTORIO DE JURISPRUDENCIA, AUSENCIA, CREDENCIAMENTO. (ROSANA)

 

CATÁLOGO:

 

TITULO DE CREDITO

DUPLICATA

EMISSÃO DE TRIPLICATA

RECURSO ESPECIAL

DIVERGENCIA DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL

PROVA DA DIVERGENCIAI ( o grifo é nosso)

 

 

         EX POSITIS, esta Procuradoria de Justiça se manifesta pela manutenção da r. decisão do Juízo a quo, não devendo destarte ser decretada a falência da empresa XXXXXXXXXXX S/A.

 

 

É O PARECER.

 

                  Belém,       março de 2000.

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Apelação Cível. Pedido de falência. Falta de liquidez dos títulos. Protesto. Ônus da Prova. Saque de triplicata.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/obrigacoes/apelacao-civel-pedido-de-falencia-falta-de-liquidez-dos-titulos-protesto-onus-da-prova-saque-de-triplicata/ Acesso em: 06 ago. 2025