Direito Civil

Agravo de Instrumento. Ação de Reintegração de Posse. Concessão de medida liminar. Ônus da prova. Posse nova.

Agravo de Instrumento. Ação de Reintegração de Posse. Concessão de medida liminar. Ônus da prova. Posse nova.

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

EGRÉGIA XXXXXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA

 

                    PROCESSO :  XXXXXX

 

RECURSO:       AGRAVO        

 

AGRAVANTE: XXXXXXXXXX       

 

AGRAVADO: XXXXXXXXXXX

 

                    RELATORA:  EXMA.  DESA. XXXXXXXXXXXX

 

PROCURADORA DE JUSTIÇA: XXXXXXXXXX

 

 

 

 

 

Ilustre Desembargadora  Relatora:

 

 

 

 

 

Trata o presente do Agravo de Instrumento interposto por XXXXXXXX contra decisão que concedeu a medida liminar nos Autos da Ação de Reintegração de Posse, ou de Manutenção de Posse, conforme afirma o MM. Juiz a quo, que tem como requerente o Sr. XXXXXXXXXX.

 

 

Em síntese, os autos informam que:

 

 

 

 

1.              XXXXXXX, ora Agravado, ajuizou Ação de Reintegração de Posse (fls. 14 a 17) contra o Agravante. Alegou que em 04.04.88 negociou a cessão de direitos sobre várias benfeitorias, localizadas em área de terras do Governo do Estado, no município de Porto de Moz, com a Sra. XXXXXXXX e que posteriormente providenciou junto ao ITERPA a regularização da área. Disse ainda que o acordo estipulado na transação não foi cumprido, e que recentemente, o Agravante destruiu os piquetes de demarcação do ITERPA, ampliou a casa objeto da transação e passou a dizer que não vai sair do local, apesar de ter sido uma das testemunhas da transação, quando assinou o recibo de venda. Pediu a concessão da medida liminar.

 

2.              O MM. Juiz XXXXXXXXXXX, em exercício na Comarca de Porto de Moz, concedeu a liminar, conforme consta do despacho interlocutório de fls. 11 e 12. Disse entender justa a pretensão do Autor, ora Agravado, que apresentou  título definitivo de propriedade expedido pelo órgão competente e outras provas.

 

3.              XXXXXXXXX interpôs Agravo (fls. 02 a 9). Alegou não ter conseguido obter cópias autenticadas dos Autos. Disse que o próprio Agravado reconheceu em sua Inicial que o Agravante encontra-se na posse do imóvel objeto do litígio desde 04.04.88 e que assim já eram decorridos 10 anos e oito meses, quando propôs a Ação de Reintegração de Posse. Citou o art. 508 do Código Civil. Citou doutrina. Citou o art. 924 do Código de Processo Civil. Citou jurisprudência, também para mostrar que não cabe liminar, quando verificada a existência de posse velha. Disse que foi concedido mandado de manutenção da posse, em Ação de Reintegração, mas que tanto em um quanto no outro caso, devem estar sobejamente comprovados a turbação ou o esbulho, ou a posse anterior. Demonstrou, citando trecho da Exordial, que o próprio Agravado reconheceu que nunca deteve a posse do imóvel. Citou os arts. 927 e 928 do CPC. Disse que o Agravado não tem direito de pleitear a posse do imóvel. Citou jurisprudência. Alegou a falsidade documental e que o Agravado já vive no imóvel desde 1.980. Disse que o ITERPA não poderia emitir título de propriedade em área pertencente à União. Alegou o periculum in mora, para o Agravante, que corre o risco de ver destruído tudo que construiu nesses mais de dez anos, além do que foi deixado por sua sogra. Alegou cerceamento de defesa. Pediu a concessão de novo prazo para contestação no processo de reintegração. Pediu a suspensão da liminar. Pediu a imediata reintegração do Agravante.

 

4.              O Exmo. Desembargador XXXXXXXXXX determinou (fls. 19) que fossem requisitadas informações do MM. Juiz a quo.

 

5.              A Exma. Desembargadora XXXXXXXXXXXX determinou (fls. 20) ao MM. Juiz a quo que fosse providenciada a citação do Agravado para responder, no prazo legal, para posteriormente decidir a respeito da atribuição de efeito suspensivo ao agravo.

 

6.              O MM. Juiz informou, às fls. 25 e 26. Disse que se trata de Ação de Manutenção de Posse, e não de Reintegração. Historiou o ocorrido. Disse que houve uma transação, perfeitamente legal e inquestionável. Disse que, tendo sido descumprida a cláusula de desocupação do imóvel, ficou configurado o esbulho possessório e que por essa razão, concedeu a liminar inaudita altera pars, ora agravada. Disse não ter cabimento a alegação de posse velha, porque se trata de manutenção de posse, em face do esbulho ocorrido. Disse também não ter cabimento a alegação contra o ITERPA nem a de que o documento de venda foi obtido sob coação.

 

7.              O Agravado apresentou Contra-Razões, às fls. 34 a 37. Historiou o ocorrido. Afirmou que o Agravante não estava na posse do imóvel, porque se assim fosse, a transação efetuada com a Sra. XXXXXXXX teria sido efetuada não com ela, e sim com o Agravante. Disse que o Agravante se aproveitou da boa-fé do Agravado, que permitiu que ele residisse gratuitamente na casa de madeira. Disse que o Agravante nunca plantou, criou ou produziu nada, tentando fazê-lo somente após a propositura da Ação de Reintegração. Disse ainda que o Agravante, de má-fé, requereu financiamento junto ao Banco do Brasil de Almeirim, dando como garantia esse imóvel. Disse que a turbação ocorreu no primeiro semestre de 98, quando o Agravante destruiu os marcos do ITERPA e que assim é possível a concessão da liminar, porque a ação foi proposta dentro do prazo do art. 924 do CPC. Citou doutrina. Pediu a manutenção da liminar. Juntou os documentos de fls. 38 a 48.

 

8.              Distribuídos os Autos para a Segunda Câmara Cível Isolada, vieram a esta Procuradoria.

 

 

É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:

 

É certo que pelo princípio do ônus da prova, quando alguém possui uma pretensão, e deseja que a mesma seja reconhecida através da via jurisdicional, deve em  regra provar o fato constitutivo da relação litigiosa. Sobre isso fala o mestre Moacyr Amaral dos Santos:

 

 

Ambas as regras impõem ao autor a prova do fato em que se fundamenta o pedido, ou seja, do fato constitutivo da relação jurídica litigiosa. A conseqüência é que, não provado pelo autor o fato constitutivo, o réu será absolvido. ( Moacyr Amaral dos Santos – Primeiras Linhas de Direito Processual Civil)

 

         Corroborando o entendimento, ensina Ernane Fidelis dos Santos:

 

Um dos mais relevantes princípios subsidiários da verdade real é o da distribuição do ônus da prova. De acordo com tal distribuição, o fato deve ser provado por essa ou aquela parte, de tal forma que ao juiz não deixe nenhuma dúvida, que se interpreta sempre contra quem tem o encargo probatório. (Ernane Fidelis dos Santos – Manual de Direito Processual Civil) (o grifo é nosso)

 

 

 

         Tal princípio foi acolhido pelo inciso I do art. 333 do CPC, que por sua vez reza:

 

     Art. 133. O ônus da prova incumbe:

 

I – ao autor, quando ao fato constitutivo do seu direito;

 

 

Bom, adentrando especificadamente à realidade do presente Agravo, percebe-se que, em ação possessória, o aludido princípio vem expresso no art. 927 do referido Diploma Legal.

 

Art. 927. Incumbe ao autor provar:

 

 I – a sua posse;

 

II – a turbação ou esbulho praticado pelo réu;

 

III – a data da turbação ou do esbulho;

 

IV – a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.

 

         Não obstante todos os pressupostos acima citados serem importantes, pode-se dizer que o terceiro é de extrema relevância para a concessão de liminar em ação possessória, objeto deste Recurso, haja vista que caso a posse seja velha (mais de ano e dia), não cabe a aludida medida cautelar, conforme dispõe o art. 508 do CC. Dessa forma, cabe ao autor demonstrar a tempestividade do seu pedido. Aliás, mesmo que ele não peça na Exordial, caso fiquem comprovados os requisitos do art. 927, o juiz pode conceder a cautela, de ofício. Ensinam Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery:

 

Se a parte demonstrou na inicial que a posse é de força nova e que o procedimento imprimido é o especial, nada obsta que o juiz conceda a liminar ainda que ela não tenha sido pedida na inicial. O juiz pode concedê-la ex officio, em nome do princípio do impulso oficial (CPC 262) ( Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery – Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante Civil em Vigor) ( o grifo é nosso)

 

         Fala outrossim Vicente Greco Filho:

 

Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração; no caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada. (Vicente Greco Filho – Direito Processual Civil) ( o grifo é nosso)

 

 

         Pois bem, foi concedida pelo MM. Juiz de Direito da Comarca de Porto de Móz, Dr. XXXXXXXXX, uma liminar inaudita altera pars ( art. 928, 1ª parte, do CPC), do que data vênia se discorda, tendo-se em vista ausência de provas para tal, levando-se em conta as peças processuais juntadas neste Agravo. Ora, segundo o próprio Agravado em suas Contra-Razões, de fls. 34, o Sr. XXXXXXXXX estava residindo no imóvel sob sua aquiescência. Posteriormente, achando que o imóvel não pertencia ao Agravado, mas sim ao Estado, retirou os piquetes de demarcação colocados pela ITERPA na área. Analisando apenas o ponto de vista da concessão da liminar, objeto deste Agravo, bem como as provas nele contidas, nota-se que o Agravado, na sua Exordial, apesar de ter tentado demonstrar a titularidade do seu domínio (já que falta a segunda parte da Certidão do Cartório de Registro de Imóveis), não comprovou o esbulho ou a turbação do seu imóvel. Pior ainda, não demonstrou a tempestividade do seu pedido cautelar, já que se a posse for velha, o possível esbulho ou turbação só poderá ser remediado por decisão definitiva (sentença), ou seja, pelos meios ordinários.

 

Por último, é importante ressaltar que o MM. Julgador, que concedeu a liminar em tela, quando das informações prestadas, deu o seguinte esclarecimento:

 

Este Juízo considerou que, descumprida a cláusula de desocupação do imóvel em 30/0/88, (sic) automaticamente ficou caracterizado, configurado, o Esbulho Possessório, pelo que a ação procedente, adequada, foi o da Manutenção em decorrência do esbulho ocorrido e configurado, eis que se tratou de uma nova situação relativa ao bem objeto da pendência, razão pela qual foi deferida a liminar inaudita altera pars, ora agravada.

 

Com a devida vênia, discorda-se em dois pontos do entendimento do Douto Julgador. Primeiro, se o esbulho, conforme o convencimento do nobre Magistrado, foi caracterizado no ano de 1988, quando do descumprimento da cláusula de desocupação do imóvel, a posse não é nova, mas velha (mais de ano e dia), já que a ação possessória foi ajuizada em 1998. Sendo assim, não cabe liminar, por força do art. 508 do Código Civil. Depois, porque o MM. Juiz da Comarca de Móz entendeu que existem provas que caracterizam, configuram, um esbulho. No entanto, a ação adequada não é a de manutenção, como quer o Ilustre Julgador, mas sim de reintegração de posse.

 

                   Por todo o exposto, esta Procuradoria de Justiça opina pelo conhecimento do Agravo e pelo seu provimento, para que seja reformada a respeitável decisão hostilizada, em razão da ausência de provas, neste Recurso (testemunhais, documentais, periciais), que demonstrem a pretensão cautelar do Agravado.

 

 

         É o parecer.

 

                                       Belém,       novembro   de 1999

 

   

 

                   Procuradora de Justiça

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Agravo de Instrumento. Ação de Reintegração de Posse. Concessão de medida liminar. Ônus da prova. Posse nova.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/obrigacoes/agravo-de-instrumento-acao-de-reintegracao-de-posse-concessao-de-medida-liminar-onus-da-prova-posse-nova/ Acesso em: 22 nov. 2024