Agravo de Instrumento. Ação Cautelar de Separação de Corpos. Fundamentação das decisões interlocutórias. Inépcia da inicial. Exigência de outorga uxória. Doação inoficiosa. Nulidade absoluta. Agressão física.
Fernando Machado da Silva Lima*
Ilustre Desembargadora Relatora:
Trata o presente do Agravo de Instrumento interposto por XXXXXXXXX contra a decisão do MM. Juiz de Direito, Dr. XXXXXXXXXX, que deferiu o pedido de liminar, consubstancializado nos Autos da Ação Cautelar de Separação de Corpos, ajuizada por XXXXXXXXX.
Em síntese, os autos informam que:
1 – XXXXXXXXX interpôs o recurso de Agravo, não se conformando com a decisão do MM. Juiz de Direito, Dr. XXXXXXX, que deferiu o pedido de liminar, inserido nos Autos da Ação Cautelar de Separação de Corpos, ajuizada por sua esposa, Sra. XXXXXXXX. Primeiramente, argumenta o Agravante que a Decisão do MM. julgador, acima referido, deve ser declarada nula, haja vista contrariar o disposto no inciso IX, art. 93, da Constituição Federal, que estabelece que todas as decisões judiciais deverão ser motivadas, sob pena de nulidade, bem como o art. 165 do Código de Processo Civil, que determina que as decisões interlocutórias serão fundamentadas, ainda que de modo conciso. Afirma também que a Petição Inicial da Autora é inepta, por não apresentar os requisitos do inciso III, do art. 801 do CPC, quais sejam, a lide e seu fundamento. Segundo o Agravante, a presente Ação Cautelar, por ser de natureza preparatória, deveria fazer menção à Ação Principal, razão pela qual deve ser indeferida. Fala que o entendimento jurisprudencial é no sentido de restringir ao máximo a concessão de medida liminar inaudita altera pars, no âmbito da Ação de Separação de Corpos, quando o Autor postula a saída do seu consorte. Por último, sustenta o Agravante a tese de que o mesmo não poderia ser compelido a deixar a residência do casal, pelo fato desta estar gravada em ônus reais de usufruto vitalício para sua pessoa. Pede assim, sua volta à residência do casal, bem como o efeito suspensivo ao presente Agravo. Cita a doutrina e a Jurisprudência. Junta documentos.
2 – Às fls. 47, o ilustre Relator, DesembargadorXXXXXXXX, negou o efeito suspensivo ao Agravo, entendendo que não estão presentes os requisitos necessários para tal.
3 – Às Contra-Razões, a Agravada, primeiramente, argumenta que a Decisão hostilizada está perfeitamente fundamentada, já que o ilustre Julgador não deixa dúvidas do seu convencimento sobre a possibilidade de dano irreparável. Tal convencimento judicial, segundo a Agravada, fulcra-se nas alegações levantadas, assim como nos documentos acostados aos Autos, caracterizadores do fumus boni juris e do periculum in mora. Fala que a sua Petição não pode ser considerada inepta, haja vista que a simples propositura da ação cautelar de separação de corpos é indicativa da ação principal a ser proposta, qual seja, a ação de separação judicial. Dessa forma, de acordo com a Agravada, é prescindível o requisito legal da menção expressa na cautelar de que a ação principal será a de separação judicial. Por último, afirma que o imóvel situado na Rua XXXXXX, nº 900, Ed. XXXXXX, apto. XXXXX, foi adquirido na constância do casamento (cujo regime é o da comunhão universal), e que por esse motivo a constituição de usufruto vitalício em favor do Agravante é nula, em razão da ausência da outorga uxória. Cita a jurisprudência. Junta Documentos.
4 – Às fls.
5 – Vieram então os Autos a esta Procuradoria de Justiça, para que a mesma se manifeste sobre o litígio em tela.
É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:
Primeiramente, recorre-se à inteligência da jurisprudência para mostrar os pressupostos de admissibilidade da concessão de medida cautelar de separação de corpos:
APELAÇÃO CÍVEL
ANO DO PROCESSO: 88
UF: DF – DISTRITO FEDERAL
REG.INT.PROCES: 47.966
NÚMERO: APC0017906
DATA DA DECISÃO: 24.05.89
SEGUNDA TURMA CÍVEL
DESEMBARGADORA MARIA THEREZA BRAGA PÁGINA: 0
EMENTA:
CAUTELAR: HÁ DE SER ADMITIDA SE PRESENTES O FUMUS BONI JURIS E O PERICULUM IN MORA.
DECISÃO:
DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, POR UNANIMIDADE,
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
CAUTELAR
SEPARAÇÃO DE CORPOS (o grifo é nosso)
Adentrando ao caso concreto, constata-se que não prevalece a alegação do Agravante no sentido de ser usufrutuário vitalício do imóvel situado na XXXXX, nº XX, apto. XXXXX, cujos nu-proprietários são os filhos do casal. É certo que foi realizado um contrato de compra e venda (conforme fls. 32), sendo adquirentes os menores XXXXX e XXXXXXX, no ato representados pelo seu pai, ora Agravante, sem a participação do outro consorte, ora Agravada. É evidente que tal negócio jurídico foi realizado com o intuito de prejudicar a Agravada, evidência essa que fica mais caracterizada quando o Agravante institui a seu favor uma cláusula de usufruto vitalício. Percebe-se, outrossim, que tal operação de compra e venda, de natureza onerosa, mascara uma outra, de natureza gratuita, no caso uma doação. Dispõe o art. 1.171 do CC que a doação dos pais aos filhos importa adiantamento da legítima. Até aí tudo bem, os pais podem fazer doações aos seus filhos. Porém, tal dispositivo não pode ser interpretado isoladamente, mas sim sistemáticamente, já que suas restrições estão disciplinadas em outros artigos. A primeira, inserida no art. 1.176 do CC, que reza: nula é também a doação quanto à parte, que exceder a de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. É a chamada doação inoficiosa, que fulmina o ato com a nulidade absoluta. A outra, que provoca a anulação do ato, ou nulidade relativa, vem prevista nos arts. 235, inciso IV, e 242, inciso I do CC, respectivamente, para as doações que exigem a outorga uxória e a outorga marital. Assim dispõe o art. 235, inciso IV:
Art. 235. O marido não pode, sem consentimento da mulher, qualquer que seja o regime de bens:
IV – fazer doação, não sendo remuneratória ou de pequeno valor, com os bens ou rendimentos comuns (art. 178, § 9º, I, b) (o grifo é nosso)
Ora, o referido preceito, salvo algumas exceções legais, é perfeitamente aplicado às doações feitas pelos cônjuges aos filhos. Sobre as exceções, elenca o professor Silvio Rodrigues:
IV. Fazer doação, não sendo remuneratória ou de pequeno valor, com os bens ou rendimentos comuns. Tal proibição, é de constante evidência. Aliás, na própria regra se encontram duas exceções, que se completam com as constantes do artigo subseqüente. Eis umas e outras:
a) Não são proibidas as doações remuneratórias porque, visando pagar um serviço recebido, em rigor, não constituem liberalidade.
b) Não são proibidas as doações de pequeno valor. Para apurar se uma liberalidade é de pequena ou maior monta, leva-se em consideração o patrimônio do doador.
c) Os dotes ou doações nupciais feitos às filhas e as doações aos filhos por ocasião de se casarem, ou estabelecerem economia separada, não se encontram, tampouco, abrangidos pela regra em análise (CC, art. 236) (Silvio Rodrigues – Direito Civil)
A liberalidade feita pelo Agravante aos filhos não se enquadra nas exceções mostradas acima. Necessitava então, o ato, do consentimento da Agravada, sob pena de ser anulável. Aliás, se o entendimento fosse outro, situações como a evidenciada nos presentes Autos, bailariam na mais completa injustiça. Criaria destarte uma potente arma jurídica, qual seja, os filhos, que seriam utilizados hipocritamente pelo cônjuge de má-fé para atingir seu consorte. Seria, sem dúvida, uma arma hipócrita, pois, à primeira vista, qualquer indivíduo aplaudiria a atitude de um pai ou de uma mãe que pensa no futuro da prole, mal sabendo que a essência subjetiva daquele ato é outra, ou seja, a de prejudicar seu consorte. Sendo assim, fica caracterizado que a Apelada preenche o primeiro requisito exigido para a concessão da medida cautelar de separação de corpos, qual seja, o fumus boni juris.
Ficou comprovado também, através de Boletins de Ocorrência, bem como de Laudos de Exame de Corpo de Delito (inseridos às fls. 57), que o Agravante possui uma natureza agressiva, pelo menos em relação a sua esposa, o que, com fulcro em tal assertiva, fica demonstrada a existência do segundo e último pressuposto cautelar, ou seja, o periculum in mora. Sim, pois, determinar a volta do Agravante à residência da família, é o mesmo que assinar a sentença de morte da Agravada. Aliás, fica-se na dúvida do real motivo da insistência do Agravante em querer retornar ao salientado imóvel. Destarte, especula-se: será que é para terminar de espancar a esposa? É inconveniente, e até mesmo ilógico, imaginar duas pessoas que litigam em juízo, morando sob o mesmo teto, ou até mesmo dormindo na mesma cama. Essa, sem dúvida, é a razão principal que levou o legislador a criar a medida cautelar de separação de corpos, prevista no § 1º do art. 7º da Lei n. 6.515/77 (Lei do divórcio e da separação judicial). A jurisprudência entende da mesma forma:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RIP:00019608 DECISÃO:29.06.1993
PROCESSO:ROMS NUM:0001920 ANO:92 UF:BA TURMA:03
RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA
FONTE:
DJ DATA:30.08.1993 PG:17289
EMENTA:
PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. PRESSUPOSTOS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA PARA LHE DAR EFEITO SUSPENSIVO. NÃO SE APRESENTANDO ILEGAL A DECISÃO QUE DEFERE MEDIDA CAUTELAR DE AFASTAMENTO DO MARIDO DO LAR CONJUGAL, PARA EVITAR CONSTRANGIMENTO E AGRESSÃO A MULHER, MOTIVO NÃO HA PARA QUE SE DE EFEITO SUSPENSIVO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO.
RELATOR:
MINISTRO DIAS TRINDADE
DECISÃO:
POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ORDINARIO.
INDEXAÇÃO:
INEXISTENCIA, ILEGALIDADE, ATO JUDICIAL, DEFERIMENTO, LIMINAR, SEPARAÇÃO DE CORPOS, OBJETIVO, AFASTAMENTO, EVENTUALIDADE, AGRESSÃO, MULHER.
CATÁLOGO:
MANDADO DE SEGURANÇA
ATO JUDICIAL
ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER
MANDADO DE SEGURANÇA
ANO DO PROCESSO: 89
UF: DF – DISTRITO FEDERAL
REG.INT.PROCES: 51.588
NÚMERO: MSG0002062
DATA DA DECISÃO: 26.06.90
CÂMARA CÍVEL
DESEMBARGADOR VALTENIO MENDES CARDOSO PÁGINA: 0
EMENTA:
“MANDADO DE SEGURANÇA. SEPARAÇÃO DE CORPOS. AGRESSÕES FÍSICAS, PRATICADAS PELO CÔNJUGE VARÃO CONTRA SUA ESPOSA E COMPROVADA PELO EXAME PERICIAL, IMPORTAM VIOLAÇÃO GRAVÍSSIMA DOS DEVERES MATRIMONIAIS, AUTORIZANDO O DEFERIMENTO DA MEDIDA ACAUTELATÓRIA DE SEPARAÇÃO DE CORPOS, EM FACE DO CLIMA DE HOSTILIDADES REINANTES ENTRE O CASAL. SEGURANÇA DENEGADA.”
DECISÃO:
DENEGAR A SEGURANÇA. UNÂNIME.
DIREITO CIVIL
SEPARAÇÃO DE CORPOS
AGRESSÃO ( o grifo é nosso)
Tal fato (agressões físicas) é tão relevante, que, sozinho, serve de fundamento para a concessão de liminares in inaudita altera pars , conforme a demonstra jurisprudência pátria:
AGRAVO DE INSTRUMENTO
ANO DO PROCESSO: 91
UF: DF – DISTRITO FEDERAL
REG.INT.PROCES: 54.399
NÚMERO: AGI0003281
DATA DA DECISÃO: 16.05.91
PRIMEIRA TURMA CÍVEL
DESEMBARGADOR NÍVIO GERALDO GONÇALVES PÁGINA: 0
EMENTA:
SEPARAÇÃO DE CORPOS – LIMINAR CONCEDIDA SEM AUDIÊNCIA DA PARTE CONTRÁRIA – EFICÁCIA DA MEDIDA – EXAME DE PROVA – INADMISSIBILIDADE – RECURSO IMPROVIDO.
O JUIZ PODE, VALIDAMENTE, CONCEDER LIMINAR SEM AUDIÊNCIA DA PARTE CONTRÁRIA, COMO ANTECEDENTE DA AÇÃO DE SEPARAÇÃO, BASTANDO A DEMONSTRAÇÃO DE DIVERGÊNCIA E DE DESAMOR ENTRE OS CÔNJUGES. A CADUCIDADE PREVISTA PARA A EFICÁCIA DAS LIMINARES EM GERAL, NÃO ALCANÇA A CONCEDIDA EM PROCEDIMENTO CAUTELAR DE SEPARAÇÃO DE CORPOS.
PARA A CONCESSÃO DA LIMINAR DE SEPARAÇÃO DE CORPOS, A ÚNICA PROVA A SER EXAMINADA PELO JUIZ É A EXISTÊNCIA DO CASAMENTO, SENDO INOPORTUNA E IMPERTINENTE A DISCUSSÃO E APRECIAÇÃO DE FATOS QUE DEVAM SER OBJETO DE JULGAMENTO NO ÂMBITO DA AÇÃO PRINCIPAL.
DECISÃO:
CONHECER E DESPROVER, UNANIMEMENTE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
SEPARAÇÃO DE CORPOS
LIMINAR (o grifo é nosso)
Ora, se basta apenas a demonstração de divergência e desamor entre os cônjuges para autorizar o magistrado a conceder a salientada liminar, então, estará absolutamente revestido de autorização o juiz que conceder uma medida cautelar de separação de corpos, quando ficar comprovado nos autos, que o marido agride a sua companheira.
Por todo o exposto, esta Procuradoria de Justiça opina pelo conhecimento do Agravo e pelo seu improvimento, para que seja mantida a respeitável Decisão hostilizada.
É o parecer.
Belém, dezembro de 1999
* Professor de Direito Constitucional da Unama
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