Reexame de Sentença e Apelação Cível. Mandado de Segurança. Exercício de cargo comissionado. Adicional. Incorporação da gratificação no valor de 100%. Art. 130 da Lei nº 5810/94 (RJU). Desinvestidura durante a vigência do RJU. Decisão anterior do STF. Princípio constitucional da isonomia.
Fernando Machado da Silva Lima*
EGRÉGIA XXXXXXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA
PROCESSO : N° XXXXXXXXXX
REEXAME DE SENTENÇA E APELAÇÃO CÍVEL
SENTENCIANTE: JUÍZO DE DIREITO DA XXXa VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL
SENTENCIADO/APELANTE: IPASEP- INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA DOS SERVIDORES DO ESTADO DO PARÁ
SENTENCIADA/APELADA: XXXXXXX
RELATOR : EXMA. DESA. XXXXXXXXXXX
PROCURADORA DE JUSTIÇA : XXXXXXXXXXXXXX
Ilustre Desembargadora Relatora :
Tratam os presentes Autos do Reexame de Sentença e Apelação Cível, nos Autos do Mandado de Segurança com pedido de liminar, impetrado por XXXXXXXXXXXX, contra ato do Exmo. Sr. Presidente do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado do Pará – IPASEP.
Em síntese, os Autos informam que :
1. Em sua Exordial, de fls.
2. O MM. Juiz XXXXXX indeferiu a liminar (fls. 62) .
3. O IPASEP prestou as Informações (fls.
4. O Ilustre Promotor de Justiça Dr. XXXXXXXXXX opinou, às fls. 76- 84. Disse que o pleito da Autora trata de questão pacífica na jurisprudência de nosso Tribunal de Justiça. Transcreveu diversas decisões. Disse que o art. 130 e parágrafos tem aplicação imediata. Opinou pelo deferimento do pedido da Autora.
5. O MM. Juiz decidiu, às fls. 91-99. Após o exame da legislação, disse que se a desinvestidura se der durante a vigência do RJU, o servidor terá direito ao adicional. No caso em exame, essa desinvestidura ocorreu em 01.03.97, e que assim, a Autora tem direito à vantagem pleiteada. Citou jurisprudência. Julgou procedente o mandamus, condenando o IPASEP a pagar a diferença em relação aos 30% (trinta por cento) que já haviam sido reconhecidos anteriormente.
6. O Ipasep apelou, às fls. 103- 111. Repisou o argumento de que a Resolução do Conselho Previdenciário contraria as disposições constitucionais. Citou Hely Lopes Meirelles. Pediu a reforma da decisão.
7. Às Contra-Razões (fls. 114- 122), a Apelada disse que não pode o IPASEP alegar a inconstitucionalidade da Resolução 039 contra o particular, se essa Resolução permanece até hoje em vigor, sendo aplicada enquanto o servidor está no exercício do cargo. Disse que deve ser aplicado o princípio da isonomia entre os funcionários. Citou José Afonso da Silva. Disse que não existe dúvida de que as atribuições exercidas pela Apelada são iguais ou assemelhadas às do DAS.3, porque foi o próprio IPASEP que chegou a essa conclusão, e estabeleceu a isonomia através da Resolução 039. Citou o art. 122 do RJU. Citou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Citou jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Citou Francisco Campos, a respeito do princípio constitucional da igualdade.
8. Distribuídos os Autos, vieram a esta Procuradoria, para exame e parecer.
É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:
Dispõe o § 1o do art. 39 da Constituição Federal:
§ 1o- A lei assegurará, aos servidores da administração direta, isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.
A isonomia garantida aos funcionários públicos civis pela norma acima transcrita decorre diretamente de um dos princípios fundamentais de nosso ordenamento constitucional, consagrado no caput do art. 5o da Constituição Federal, que enumera os direitos e garantias individuais. Essa norma, que garante a igualdade perante a lei, pode ser considerada como o princípio básico de nossa ordem jurídica, exatamente porque servirá ao intérprete, na exegese constitucional.
No âmbito estadual, coerentemente, a Lei no. 5.810/94, que instituiu o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado, assegurou em seu art.
Art. 122- É assegurada a isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados, aos servidores do Poder Executivo, ou entre servidores do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.
Alega o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores Públicos do Estado do Pará – IPASEP, que a Resolução no. 39 do Conselho Previdenciário, de 10.06.94, é inconstitucional. Cita o art. 91 da Constituição do Estado do Pará, no sentido de que cabe à Assembléia Legislativa do Estado, com a sanção do governador (lei), dispor sobre todas as matérias de competência do Estado, para em seguida destacar o inciso X, que trata da criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, e fixação dos respectivos vencimentos. O IPASEP grifou a expressão “fixação dos respectivos vencimentos”, como se isso tivesse sido feito através da citada Resolução do Conselho Previdenciário. A alegação é dessas que só em relatar se refuta, porque a simples preexistência da relação funcional autorizava o administrador a providenciar para que se tornasse efetivo o princípio da isonomia. Ademais, se o IPASEP reconhecia, em relação à funcionária que estava no exercício do cargo de secretária, com base na Resolução no. 39 do Conselho Previdenciário, o direito à percepção da correspondente gratificação, como poderia agora negar a essa mesma funcionária, sob o fundamento de inconstitucionalidade dessa Resolução, a incorporação do adicional decorrente do exercício da função comissionada?
O Colendo Supremo Tribunal Federal já examinou a matéria (04.04.97), no Agravo de Instrumento 195521-5, sendo Relator o Ministro Maurício Corrêa, e Agravante o Estado do Pará. O IPASEP, inconformado, alegava a violação ao texto constitucional, na medida em que
“a lei no. 5.810/94 não apresenta norma expressa de direito intertemporal, deixando lacuna a ser colmatada, necessariamente, pelos princípios constitucionais e dispositivos que estabelecem a irretroatividade das leis”.
Alegava, ainda, que a decisão recorrida importava em descumprimento do princípio da legalidade, porque a Resolução do Conselho Previdenciário não poderia alterar a Lei 5.810/94.
No entendimento do Relator, Ministro Maurício Corrêa, o agravo de instrumento não poderia prosperar,
“porque o Presidente desta Corte já se pronunciou quanto ao tema, no despacho proferido na suspensão de segurança no. 1.033-6/PA, que decidiu: não é plausível a objeção básica do Estado de que a lei nova não poderia retroagir para alcançar o tempo de exercício de cargos em comissão ou funções gratificadas anterior à sua vigência. De logo, a situação não me parece ser de retroação, mas de aplicação imediata; de outro lado, quando se entendesse ser o caso da chamada retroatividade mínima (Matos Peixoto, apud Moreira Alves, ADIN 493, RTJ 143/724, 744), o certo é que a proibição constitucional da lei retroativa não é absoluta, mas restrita às hipóteses de prejuízo ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (Pontes de Miranda, Comentários á Constituição de 1.946, l953, IV/126), do que, evidentemente, não se trata. Até porque, de regra, não os pode invocar contra o particular o Estado de que dimana a lei nova. Por derradeiro, a “quaestio juris” foi elucidada à luz de norma de direito local (Lei no. 5.810/94), instituidora do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado do Pará, circunstância que inviabiliza o extraordinário. Incide, pois, o óbice da Súmula 280/STF.
A Apelada exerceu, por mais de dez anos, desde 1.985, as funções de confiança de secretária (DAI.02.2) e Sub-Chefe (DAI.02.4). No entanto, o IPASEP somente considerou o tempo em que a Apelada exerceu a função de Secretária, do Departamento de Habilitação e Empréstimo do IPASEP, no período de 24.01.94 a 01.03.97, reconhecendo seu direito a incorporar, apenas, 30% (trinta por cento) do valor correspondente ao cargo comissionado DAI.02.2.
O IPASEP entendeu, erradamente, que a incorporação prevista no art. 130 da Lei 5.810/94 (Regime Jurídico Único), sendo vantagem nova, aplica-se tão-somente aos servidores públicos que, a partir do advento da lei instituidora, preencham os requisitos para a sua concessão, não podendo ser computado, para esse fim, o período anterior ao advento da mencionada lei.
O Ilustre Representante do parquet, em seu Parecer de fls. 80-84, entendeu que o pleito da Autora trata de questão pacífica em nossos Tribunais. Transcreveu farta jurisprudência favorável ao direito da postulante, da qual pedimos vênia para excertar o seguinte trecho:
“É ela (a lei 5.810/94) a Constituição dos servidores públicos. Através dela, o Governo, unilateralmente, criou deveres, impôs normas as mais diversas, que se impõem à obediência de todos, mas também criou direitos para todos em igualdade de condições, inclusive para os que entraram no serviço público antes e depois dela. Por isso que, o liame que regula as relações entre o Poder Público e os funcionários não é de âmbito contratual, mas estatutário. Não é possível, pois, que alguns servidores tenham determinados direitos e outros não, em condições iguais, só porque ingressaram no serviço público antes ou após a vigência da nova lei. Mas ao revés, qualquer funcionário público, seja de que categoria for, que satisfizer os requisitos previstos naquele Estatuto, tem direito a perceber as vantagens ali previstas, independentemente de os ter adquirido antes ou depois de sua vigência. Para exemplificar, seria um contra-senso que a Constituição vigente só tivesse contemplado as empregadas domésticas com direito a salário mínimo, a férias e 13o salário, as que se empregassem após a sua vigência”. (Acórdão 28.218, Relator Desembargador Nelson Rodrigues Amorim)
O Ilustre Magistrado a quo acatou integralmente esse entendimento, que decorre, conforme já demonstrado, da melhor doutrina e da pacífica jurisprudência dos nossos Tribunais. Ressalta ele que não existe caráter repristinatório na Lei 5.810/94 e que tampouco essa Lei retroage, para atingir situações pretéritas, interessando basicamente a data da desinvestidura, que no caso em exame ocorreu em 01.03.97, portanto na vigência dessa Lei, daí decorrendo o direito líquido e certo da Autora à percepção da vantagem pleiteada.
EX POSITIS, esta Procuradoria de Justiça se manifesta pelo manutenção do Decisum, devendo XXXXXXXXXX receber, a partir da data da impetração do Mandamus, a incorporação pretendida, no valor de 100% (cem por cento) da gratificação correspondente ao cargo DAS.1.3.
É O PARECER
Belém, março de 2.000.
* Professor de Direito Constitucional da Unama
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