Notas elementares sobre competência*
Intimamente ligados ao instituto da jurisdição, a investidura e a competência ocupam, atualmente, o centro das preocupações dos processualistas instrumentalistas. O campo da investidura está ligado ao fato de que a jurisdição, conceito abstrato, depende de “alguém para exercê-la”, o qual deve receber a outorga desse “poder” de realizá-la, de modo a fazer valer a vontade do ordenamento. Entretanto, há fatores determinantes para que o exercício da jurisdição se dê por inúmeros órgãos dela investidos, campo este que é reservado a competência.
A investidura sempre se verificará por várias modalidades, sendo a mais comum delas o concurso público de provas e títulos. Todos os requisitos formais de essência e todas as solenidades dessas diversas formas acham-se devidamente descritos no ordenamento jurídico. Ela outorga ao juiz a integralidade da jurisdição. Todos os juízes são investidos do mesmo e idêntico poder-dever-função-atividade, quantitativa e qualitativamente considerado.
Porém, inúmeros fatores levam o legislador a considerar critérios para que alguns dos investidos venham a exercer a jurisdição em determinados casos e não em outros. Tais critérios de fixação da competência são tão importantes que uma eventual incompetência pode até gerar uma nulidade, vício de extrema gravidade.
A interface entre os temas investidura e competência, como não poderia deixar de ser, é a jurisdição. Aquela é condição para o seu exercício; esta, decorre da fixação de critérios para uma divisão da totalidade da massa de relações processuais. Portanto, jamais para a divisão da própria jurisdição. Por isso, pode-se afirmar que, atualmente, o tradicional conceito segundo o qual a competência é uma suposta “medida da jurisdição” não é mais válido.
Analisando os aspectos técnicos processuais, há alguns autores que defendem que a investidura e a competência seriam pressupostos de “existência” da relação processual, enquanto outros afirmam que são de “desenvolvimento válido e regular” do processo.
Pelo fato de, indiscutivelmente, a investidura se apresentar como essencial para a consideração da possibilidade de atuação do poder-dever-função-atividade jurisdicional, parece claro que é um pressuposto para a existência da relação. Um pedido julgado por juiz não investido, por exemplo, não teria sequer sido julgado diante da inaptidão da sentença de alterar a situação das partes envolvidas.
Além da investidura, o ordenamento jurídico exige que o exercente do poder seja competente para aquele determinado conflito de interesses, a fim de evitar a nulidade do processo. Com a inicial endereçada ao juízo competente, então, dá-se o nascimento à relação processual. Tal endereçamento se apresenta como um pressuposto – no mínimo – para que a relação processual possa se desenvolver e alcançar finalidades.
Investidura e jurisdição se apresentam como pressupostos processuais. Eis uma de suas funções: viabilizar a própria relação processual que, por contemplar a presença do Estado deve ser regulada e exigir a presença ou ausência de elementos outros. Diversos daquelas que se considera no plano do direito material. A ausência desses pressupostos leva à extinção daquela relação processual, sem que ela possa alcançar a finalidade para a qual foi criada.
Mesmo quando se consideram os diversos órgãos que exercem a jurisdição, não se observa uma diversificação essencial de suas atividades, pois, na essência, ela se desenvolve da mesma forma, considerando-se quaisquer juízos entre aqueles previstos na estrutura do Judiciário.
Competência considerada como a “medida da jurisdição” remete, invariavelmente, a se aceitar a possibilidade de imaginar que o juiz que pode exercê-la no caso concreto que se lhe é apresentado teria “uma jurisdição diversa” dos demais. Medi-la, significaria quantificá-la concluindo-se que há “qualidades de jurisdição” diversas. Além do mais, a jurisdição constitui manifestação do Poder Soberano do Estado e, como tal, não pode ser dividida, cindida ou parcelada. Contudo, a percepção da atribuição de competências diversas aos diversos órgãos jurisdicionais faz surgir uma pergunta: como não se admitir a “divisão” da jurisdição, se a percebemos “dividida”?
Antes, deve-se ter em mente três fatos importantes: (a) a investidura não se confunde com a competência; (b) a investidura é essencial para que a jurisdição se exerça e; (c) há, pelas dimensões territoriais, opções políticas etc., e pelo grande número de investidos nos diversos órgãos que compõem a estrutura do Judiciário, a necessidade da realização de um processo de eliminação gradual dos juízes incompetentes para que se alcance o competente.
Já se sabe que o exercício da jurisdição pressupõe a investidura e que a competência guarda pertinência com a possibilidade do exercício da jurisdição em determinados casos. Sendo assim, apesar de todos os magistrados serem investidos integralmente da jurisdição, podem fazê-la atuar apenas em determinados territórios; em relação a determinadas pessoas; em determinadas matérias; em determinados graus de jurisdição etc.
No Brasil, não se encontra a previsão de um único órgão competente para o exercício de toda atividade jurisdicional do Estado, fato pelo qual há vários critérios para a conseqüente determinação do juízo competente para determinado caso. Por isso há a necessidade de mentalmente se eliminar aqueles que não poderão atuar no caso concreto que será apresentado ao Judiciário. Eliminam-se os incompetentes para se chegar aos competentes.
Levando-se em conta um caso concreto, desde que já se saiba que o caso deve/pode ser decidido por uma autoridade judicial brasileira, sabe-se que um dos diversos juízos previsto da estrutura do Judiciário julgará o conflito de interesses, mesmo que para essa conclusão haja a necessidade de se afirmar a inexistência de aplicação de um critério claro de fixação de competência; isso se dará porque há um juízo detentor da competência residual – Justiça Comum Estadual.
Mediante um caminho mais ou menos longo, realizar-se-á a busca do órgão investido que exercerá a jurisdição naquele determinado caso concreto. Como foi mencionado anteriormente, há a necessidade de um processo de eliminação gradual dos juízes incompetentes para que se alcance o competente, o que se faz através de um método.
Primeiramente deve-se observar se não se trata de competência original do STF, do STJ (seja pela ausência de configuração de hipótese constitucional), dos Tribunais Superiores (seja pela incompatibilidade das matérias a eles reservadas para julgamento) e a constatação da ausência de matéria que leve o caso concreto a um desses Tribunais Superiores pela incompatibilidade das matérias, também se conclua que o caso não revela harmonia alguma com as matérias reservadas às denominadas justiças especializadas.
Posteriormente, após chegar a conclusão que a justiça comum deverá julgar o caso concreto, deve-se analisar se o caso não deveria ser julgado pela “justiça comum federal” – caso deva, ou se trata de competência dos Tribunais Regionais Federais, ou dos juízos federais de primeiro grau de jurisdição, analisando a seção judiciária a que o caso se amolda. Mas se o caso cabe à justiça comum estadual, deve-se observar se a competência original é dos Tribunais de Justiça ou se é de primeiro grau de jurisdição.
Caso seja deste último, por fim, deve-se determinar o local do Estado-membro e, em seguida, determinar a comarca, passando-se a questionar a existência de algum elemento na demanda que a dirija para uma daquelas varas especializadas, caso exista uma delas no foro; ou se, ausente esse elemento no caso concreto, a demanda deve ser distribuída entre aqueles juízos detentores da competência residual.
Considerando que, através deste caminho, foram eliminados os incompetentes, cabe uma pergunta: se a “competência é a medida da jurisdição”, qual seria o conceito de incompetência? Competência é a possibilidade de o juiz, regularmente investido, atuar a jurisdição num dado caso concreto. Faça-se a simples negativa do conceito, e o de incompetência surgirá: a impossibilidade de um juiz atuar a jurisdição de que é investido num caso concreto, acarreta como conseqüência a conclusão de que é incompetente.
Portanto, não há qualquer utilidade na consideração de um conceito abstrato de competência, ou seja, desvinculando-a de um caso concreto. O legislador considerou grupos de casos concretos em que determinados investidos poderão fazer atuar a jurisdição. Os casos são agrupados na medida da coincidência temática ou das qualidades dos sujeitos (partes) envolvidos nesses casos, ou na conveniência da manutenção de determinado caso em determinado local.
Os critérios utilizados pelo legislador levam em consideração, basicamente: (a) a necessidade da divisão dos processos entre os diversos órgãos investidos de jurisdição, diante de seu número excessivo; (b) que a estrutura do Poder Judiciário é formada de órgãos colegiados e órgãos monocráticos – competência funcional; (c) a pessoa que será julgada – fixação de competência em razão da pessoa; (d) a especialização do órgão que irá julgar o caso concreto – competência fixada em razão da matéria que será julgada; (e) a distribuição territorial dos serviços considerando o local de ocorrência dos fatos – competência territorial ou de foro; e (f) o valor da causa, que já foi um critério mais prestigiado e que hoje tem sua importância mais relativizada.
* Texto enviado de forma anônima
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