Direito Penal

Direito Penal – Parte Geral III

Por Otávio Goulart Minatto* 

1. O tipo penal nos crimes dolosos: 

 

Conceito de dolo: É a intenção ou a consciência de realizar uma conduta que esta descrita no tipo penal. 

 Fases da conduta: 

a)      Fase interna: Quando tudo é apenas um pensamento do autor. Enquanto se mantém nessa fase, não pode ser tipificada; 

b)      Fase externa: É a exteriorização da vontade.  

 Teorias adotadas pelo CP: Utiliza-se das teorias da vontade e do assentimento para caracterizar o dolo. Dolo é a pessoa desejar alcançar o resultado ou aceitar os riscos de poder produzi-lo. 

Espécies de dolo:  

 

 

 a)      Dolo natural: É o desprovido de qualquer juízo de valor. É a simples constatação de eu a pessoa tinha a consciência e a vontade de provocar determinado ato; 

 

b)      Dolo normativo: É o dolo natural acrescido de um juízo valorativo, que é a consciência da ilicitude. É o dolus malus. Para alguns autores, essa corrente está ultrapassada; 

 c)      Dolo direto ou determinado: É quando há total correspondência entre a exteriorização da vontade com o planejamento da fase interna. 

 

d)      Dolo indireto ou indeterminado: A pessoa não planeja atingir o resultado diretamente, mas aceita que possa produzi-lo (dolo eventual), ou não se importa em eventualmente alcança-lo (dolo alternativo). Ex (de dolo alternativo): O homem que, enciumado, espanca sua mulher objetivando feri-la ou mata-la. Os dois resultados eram esperados. Ex (de dolo eventual): A pessoa que dirige em alta velocidade, não vendo na possibilidade de atropelar alguém motivo para interromper sua conduta; 

 e)      Dolo de dano: Vontade de produzir uma lesão efetiva a um bem jurídico (CP, arts. 121, 155, etc.); 

 f)        Dolo de perigo: Mera vontade de expor o bem a um perigo de lesão (CP, arts. 132, 133, etc.); 

 g)      Dolo genérico: É a simples vontade de praticar o núcleo da ação, sem ter uma finalidade específica para isto. Nos crimes que não exigem elemento subjetivo (finalidade especial) o dolo genérico é suficiente. Ex: No homicídio, a simples vontade de matar alguém, sem finalidade; 

 h)      Dolo específico: É a vontade de atingir um resultado específico contido no tipo penal. Nos tipos normais, que exigem uma finalidade específica, o dolo específico é essencial. Ex: No seqüestro, além de raptar a pessoa, deve estar caracterizada a intenção de exigir dinheiro em troca da libertação do seqüestrado; 

 i)        Dolo geral, erro sucessivo ou aberratio causae: Ocorre nos casos peculiares em que o autor, após realizar ato, que acredita ter alcançado determinado resultado, age de forma que acaba produzindo o resultado anteriormente desejado. Para o direito penal, tal erro é irrelevante, pois a vontade inicial era de produzir o resultado, independente o modo que o resultado foi atingido. Ex: O genro que, após ter envenenado a sogra, joga o que acredita ser o cadáver no mar e acaba matando-a, pois ela não tinha morrido por envenenamento, somente morreu quando afogada.   Dolo de primeiro grau e de segundo grau:   De primeiro grau é quando o objetivo do autor é alcançar a finalidade do ato. Já no de segundo grau, o objetivo visado são os desdobramentos provocados pelo resultado. Por isso, o dolo de segundo grau é considerado dolo eventual. Ex: (de dolo de segundo grau): A pessoa que explode seu hotel, visando obter o dinheiro do seguro, assume o risco de matar as pessoas que estão hospedadas ali.  

 Dolo e dosagem da pena:  O tipo de dolo envolvido não está relacionado com a pena de cada tipo, mas interfere na dosimetria penal.   

 

2. O tipo nos crimes culposos

 Conceito de culpa: É a parte normativa da conduta. Ela é verificada apenas através de juízo de valor. Devido a este amplo espaço abrangente, a culpa está prevista somente de forma genérica no tipo. A culpa é a comparação entre a conduta da pessoa, a qual acabou originando o resultado, com a conduta modelo de alguém com prudência mediana. Se a conduta de prudência mediana teria evitado o resultado, a conduta da pessoa, que resultou em outra conseqüência, é considerada culposa.  

 Tipo aberto: É como é considerado o tipo culposo, pois não há como descrever a conduta culposa.   

 Crimes materiais: A culpa só existe nos crimes com resultado naturalísticos. Nos crimes de mera conduta, não há como caracterizar a culpa. Elementos do fato típico culposo: Conduta, resultado involuntário, nexo causal, tipicidade, previsibilidade objetiva, ausência de previsão e quebra do dever objetivo de cuidado. 

 

Previsibilidade objetiva: É a previsibilidade de uma pessoa, dotada do que o CP classifica como “prudência mediana”, antecipar o resultado possível.    

 Previsibilidade subjetiva: É a indicação do resultado previsível nas condições específicas do evento. Obs: A previsibilidade subjetiva não exclui a culpa, mas sim a culpabilidade.  Princípio do risco tolerado: São as situações em que o comportamento, dito perigoso, é imprescindível para a realização do ato e que, por isso, devem ser aceitos. Ex: Médico que realiza um parto em condições precárias. Uma eventual morte da mãe não pode ser atribuída ao médico.  

 

Princípio da confiança: É quando a pessoa age prevendo que as demais agirão com a precaução mediana. A pessoa não agirá com culpa caso sua conduta venha a ferir o bem jurídico de outra que agiu de modo inesperado. Ex: Motorista de caminhão que, ao passar por um cruzamento, atropela e mata um motoqueiro que cruzou sua preferencial. O Caminhoneiro não agiu com culpa.  Inobservância do dever objetivo de cuidado: É quando a pessoa não segue os cuidados esperados por todos. Advém de: 

 

a)      Imprudência: É a ação descuidada da pessoa. Caracteriza-se por ser sempre um comportamento positivo, Outra característica é que a culpa ocorre simultaneamente com a conduta, ou seja, a ação gera o perigo; 

 b)      Negligência: É a forma omissiva, comportamento negativo da culpa. É quando a pessoa não age de forma a se precaver dos riscos previsíveis; 

 c)      Imprudência: É quando um profissional age com falta de habilidade ou conhecimento na sua função. Obs: A imperícia aplica-se somente nas ocasiões em que a pessoa exerce a arte ou a profissão. Caso contrário, é considerado imprudência. Porém, um profissional pode agir com imprudência quando seu erro não advém da falta de habilidade no seu exercício, mas de outros fatores.  

 

Espécies de culpa:  

a)      Culpa inconsciente: É quando o agente não consegue prever o resultado possível; 

b)      Culpa consciente ou com previsão: É aquela que o agente sabe da existência do resultado possível, mas acredita que sua habilidade impedirá que ela aconteça; 

 

Obs: Não há diferença entre as duas na hora do agravamento do crime. Porém, para alguns autores a culpa consciente deveria pesar mais na dosimetria penal. 

Obs2: A culpa consciente difere-se do dolo eventual na medida em que nesta o agente não se importa com o resultado, enquanto que na culpa consciente a pessoa se importa com o resultado que possa ser criado, mas pensa ser possível evita-lo. 

 

c)      Culpa imprópria, por extensão, equiparação ou assimilação: É quando o agente, na ilusão de estar agindo em uma ocasião de exclusão da ilicitude, age visando tal resultado. O erro exclui o dolo propriamente dito, fazendo restar um culpa com resquícios de ação dolosa. Ex: A pessoa que atira no seu familiar, que entra sorrateiramente em sua propriedade para lhe dar um susto, pensando ser um ladrão;  

Obs: Para certos doutrinadores, a culpa imprópria caracteriza, no caso, homicídio culposo, ou tentativa de homicídio culposo (única hipótese admissível para tal tipo de tentativa), pois o erro impede que se seja considerado crime doloso.  

d)      Culpa presumida: Espécie de culpa que já não existe mais no nosso CP. É quando a pessoa é punida por infringir uma disposição reguladora, como dirigir sem carteira, pois havia a presunção de que tal infração originaria um delito culposo (como atropelar alguém, no caso); 

e)      Culpa mediata ou indireta: É a produção de um resultado, de forma culposa, indiretamente. Ex: Um assaltante tenta roubar um motoqueiro que está parado no acostamento de uma rodovia. Assustado, o motoqueiro acelera sua moto em direção à rodovia e acaba sendo atropelado e morto. O assaltante responderá pela morte do motoqueiro.  Obs: Deve haver nexo causal entre os dois eventos, ou seja, o desdobramento da ação deve ser algo previsível (como a tentativa de fugir de um assalto). Deve haver também nexo normativo, isto é, o “segundo” resultado deve ter sido produzido pela ação do agente.   Graus de culpa (relevante na dosagem da pena): Grave, leve e levíssimo.  

Compensação de culpas: Não se permite tal artifício no direito penal. A negligência, imprudência ou imperícia da vítima não exclui a do acusado. Entretanto essa culpa recíproca produz efeitos sobre a fixação da pena. Ex: O Caminhoneiro que trafega na contramão é culpado pelo atropelamento do motoqueiro que furou o sinal.  

Concorrência de culpas: Ocorre quando mais de uma pessoa, em atuações independentes, originam o mesmo resultado culposamente. Todos respondem pelo resultado.  

Excepcionalidade do crime culposo: Só pode haver a categoria culposa de um crime se ela estiver expressamente transcrita em lei. Caso contrário qualquer modalidade do crime será considerado doloso. Participação no crime culposo: Para a corrente doutrinária dominante, mesmo o crime culposo sendo aberto, é possível caracterizar a conduta principal. Com isso, é cabível a figura da participação. Ex: Uma pessoa instiga seu amigo a correr, com seu carro, numa velocidade imprudente, o que acaba gerando no atropelamento de um pedestre. É obvio que a conduta principal foi a do motorista e que o acompanhante apenas participou do delito.   

 

 

3. Crime preterdoloso

Conceito: É uma das espécies de crimes qualificados pelo resultado.  Crime qualificado pelo resultado: São os crimes que apresentam agravante caso originem resultados determinados. Só a conduta já caracteriza o crime, sendo o resultado um item a mais, intensificador. 

Obs: O crime qualificado pelo resultado é um crime complexo, pois representa a fusão do delito da conduta antecedente com o do resultado agravante.  

 Espécies de crimes qualificados pelo resultado:  

 

a)      Dolo no antecedente e dolo no conseqüente: ocorre quando o agente tem dolo tanto no antecedente quanto no resultado, ou seja, ele, além de querer praticar a ação, quis atingir o resultado. Ex: Homem que espanca a mulher (lesão corpórea) visando provocar uma lesão permanente; 

 b)      Culpa no antecedente e culpa no conseqüente: É o caso do incêndio culposo que resulta em morte, no qual a pessoa não teve a intenção de provocar o antecedente (incêndio) nem o resultado (morte de alguém); 

 c)      Culpa no antecedente e dolo no conseqüente: Ocorre quando o antecedente é originado culposamente, mas, em frente ao resultado, toma-se uma ação dolosa para com ele. Ex: O motorista que, culposamente, atropela alguém e foge, sem prestar socorro, agindo de modo doloso; 

 d)      Conduta dolosa e resultado agravador culposo (crime preterdoloso): É quando o agente visa determinado resultado, porém o alcançado vai além das expectativas, ou seja, a pessoa não pretendia tal resultado, o que caracteriza a culpa. Por isso diz-se que o agente atuou além do dolo, isto é, com preterdolo. Ex: Pessoa que desfere um soco em outra, com a intenção de apenas ferir, e acaba fazendo com que ela se desequilibre, bata a cabeça e morra. Houve uma lesão corporal dolosa qualificada pelo resultado, morte, culposa.  

 

Obs: O latrocínio pode ser preterdoloso, mas não é regra. O agente pode ter matado com dolo após o roubo, caracterizando o dolo no antecedente e dolo no conseqüente. 

Obs2: Não há a figura da tentativa no crime preterdoloso, pois o resultado é culposo, logo não há como o agente ter tentado um resultado que ele não queria.

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Como citar e referenciar este artigo:
MINATTO, Otávio. Direito Penal – Parte Geral III. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/doutrina/direitopenal/direito-penal-parte-geral-iii/ Acesso em: 21 nov. 2024