Pretendemos neste artigo propor uma reflexão comparativa sobre o comportamento do Supremo quando se defronta com crimes contra a administração pública e crimes contra a pessoa humana.
No dia nove de abril de 2010, o STF, por maioria, entendeu que todas aquelas pessoas que torturaram opositores do regime após 1964 foram abrigadas pela anistia.
O Supremo fundamentou seu entendimento no princípio da segurança jurídica que estaria ameaçado se, por via da interpretação judicial, fosse dada dimensão restrita ao leque dos anistiados, deixando ao desamparo da anistia os torturadores.
A decisão que tivesse posto a tortura fora da anistia não levaria os torturadores do antigo regime, de imediato, para a prisão. Eles estariam ao desabrigo da anistia, mas teriam de ser submetidos a processo, com direito de defesa. A efetiva participação nos atos de tortura, relativamente a cada um dos acusados, teria de ficar configurada. Na prática, devido à lentidão da Justiça, provavelmente nenhum torturador, que viesse a ser condenado, seria efetivamente preso.
Mas a repulsa à tortura, por parte do Supremo, teria um grande valor moral. O que a consciência nacional esperava do Supremo Tribunal é que decidisse:
“Tortura não é crime politico, os torturadores não foram anistiados. Prossigam-se os processos para julgamento de todos aqueles acusados de terem praticado a tortura ou de terem sido coniventes com essa prática ignóbil.”
O que fica do lamentável aresto é a afirmação de que a tortura, amplamente praticada numa fase de nossa História Contemporânea, teve a ressalva de crime politico.
Na verdade, a tortura não é crime politico. Nenhuma razão política, nenhum credo, nenhum motivo que se alegue, nenhuma excludente, nada, absolutamente nada, justificou no passado ou autorizará, no futuro, a prática da tortura. A tortura é um crime contra a humanidade, é um escárneo à dignidade humana. Fere o torturado e degrada o torturador.
Somente dois ministros do Supremo entenderam, em 2010, que a tortura é crime comum, não é crime politico, daí que não foi abrangido pela anistia: Ayres Britto e Ricardo Lewandovski.
No processo do mensalão, justamente esses dois ministros, que não abençoaram a tortura, opuseram-se agora à mão de ferro, insensível e pesada, no julgamento dos que estão sendo acusados de praticar a corrupção.
Os ministros que agora levantam seu rigoroso braço contra os envolvidos na prática desonesta votaram, em abril de 2010, a favor da anistia dos torturadores. Ou seja: pensam que é mais grave lesar os cofres públicos do que torturar seres humanos.
Fica o registro dos fatos para a reflexão dos leitores.
João Baptista Herkenhoff é professor itinerante Brasil afora e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br