Os que comandam o imaginário popular propõem o consumo como meta de vida. O sistema econômico vigente tem, nos mecanismos de mercado competitivo, o fundamento de sua organização. O parâmetro de êxito pessoal, imposto pela cultura dominante, é possuir e consumir.
Contrapondo-se à cultura dominante, o filósofo Gabriel Marcel afirma que o “ter” é uma fonte de alheamento. Aquilo que possuímos ameaça de nos tragar. Os homens que vivem na zona do ter são almas cativas que sofrem uma deficiência ontológica com a perda do ser. Tais homens são indiferentes ao outro. Fogem no momento de perigo. Para o homem que vive na “dimensão do ter”, todas as coisas são problemas; para o que entra em “seu próprio ser”, convertem-se em mistério. O ser, já por si, é um mistério: não se pode comprovar, computar e dominar, mas apenas reconhecer.
Estava iluminado pelo espírito de Gabriel Marcel nosso imenso Oscar Niemeyer quando ensinou:
“Meu avô foi ministro do Supremo Tribunal Federal, morreu sem um tostão. Achei bonito ele morrer assim. Teria vergonha de ser um homem rico. Considero o dinheiro uma coisa sórdida.”
Também caminhou na contra-mão o poeta Newton Braga. Desprezou o pragmatismo, com os desvalores em que se assenta:
“Esta sensibilidade, que é uma antena delicadíssima,
captando pedaços de todas as dores do mundo,
e que me fará morrer de dores que não são minhas.”
Segundo Gabriel Marcel qualquer tarefa humana, mesmo um artigo como este para A Gazeta, pode ser um problema ou um mistério. Será um problema se for encarado como algo que me corta o passo, um gigante assustador com o qual devo me defrontar. Será mistério na medida em que me veja metido nele, na medida em que meu próprio ser nele se implique e se comprometa.
Joseph Beuys vê como obra de arte toda a criatividade humana: o professor, o cientista, o filósofo, o escritor, o jornalista, o revolucionário, o utopista são todos artistas.
Dispondo do milagre da palavra, o escritor e o jornalista devem ser porta-vozes do seu povo. Devem estar a serviço da justiça e da verdade.
Está próximo o mundo dos homens que viverão na “dimensão do ser”. Já não será o gesto de coragem isolado, mas o fruto de uma estrutura social. Não se lutará pelo pão de cada um, mas pelo pão de todos. A oração do “Pai Nosso” será verdadeira. O espectro da solidão será banido da terra.
Desatrelados do “pesadelo do ter”, os homens serão “livres para ser.” E a humanidade construirá a sua casa, e ninguém ficará ao relento, e as crianças olharão as estrelas, e as estrelas trarão paz, do jeito que Oscar Niemeyer sonhou.
João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, professor itinerante e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br