Dura lex, sed lex – a lei é dura, mas é lei. O dístico romano simboliza o que deve ser o império universal da lei. Não distingue as pessoas envolvidas
no caso particular.
A Justiça representada pela figura do juiz com os olhos vendados traduz o mesmo significado. O juiz está de olhos vendados para exercer a judicatura
com dignidade, para não a prostituir sob o tráfico de influência. O sentido simbólico dessa expressiva figuração é este de condenar, de maneira
fulminante, favorecimentos ou perseguições.
Se por olhos vendados se entende a Justiça sem alma, a Justiça insensível, incapaz de perceber as dores humanas, cega diante da viúva miserável, surda
ao grito de socorro do desvalido, se por olhos vendados se entende a Justiça-mecânica, creio que essa visão da Justiça deforma e destroi o sentimento
de Justiça.
Um teólogo, e não um jurista, deu as diretrizes para a boa interpretação das leis: “A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é
essencial conhecer o lugar social do outro: como vive, com quem convive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os
dramas da vida e da morte e que esperanças o animam.” (Frei Leonardo Boff).
Um artista, um dos maiores de todos os tempos, e não um jurista, lançou um anátema decisivo contra a Justiça cega: “Juízes, não sois máquinas! Homens é
o que sois!” (Charles Chaplin).
Um poeta, e não um jurista, produziu estes versos que são um convite à resistência permanente contra a injustiça: “Morder o fruto amargo e não cuspir /
mas avisar aos outros quanto é amargo, / cumprir o trato injusto e não falhar / mas avisar aos outros quanto é injusto, / sofrer o esquema falso e não
ceder / mas avisar aos outros quanto é falso; / dizer também que são coisas mutáveis… / E quando em muitos a noção pulsar / – do amargo e injusto e
falso por mudar – / então confiar à gente exausta o plano / de um mundo novo e muito mais humano.”(Geir Campos, poeta brasileiro, nascido em nosso
Estado, na cidade de São José do Calçado).
Suzete Habitzreuter Hartke, num livro doutrinário de Teoria Geral do Direito, escreveu).m dignidade e npara a boa interpretaos se entende a Justi
exercer a judicatura com dignidade e n: “o ato de conjugar a Razão e a Sensibilidade não descaracteriza o ato judicial”.
No cotidiano das varas e tribunais, há um conflito permanente entre Lei e Direito, interpretação rígida e elástica, fronteiras demarcadas do Direito e
horizonte infinito da Sensibilidade.
O que deve prevalecer?
A meu ver, a Sensibilidade, como Chaplin percebeu e vaticionou.
* João Baptista Herkenhoff é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage:
www.jbherkenhoff.com.br Autor de Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória (GZ Editora, Rio de Janeiro).