O Superior Tribunal de Justiça decidiu que somente o teste do bafômetro ou o exame de sangue pode fundamentar a condenação do motorista que, dirigindo
embriagado, é causador de morte ou lesões corporais.
A interpretação do STJ baseou-se apenas na exegese racional, aquela que se limita a descobrir o sentido da lei sem o auxílio de qualquer elemento
exterior. Esse método interpretativo advém de um ensinamento clássico que, entretanto, não pode reinar absoluto: “Ubi eadem ratio, ibi eadem legis
dispositio.” Leia-se em Português: “Ali onde está o racional, ali está a correta disposição legislativa.”
Recaséns Siches condena esse tipo de exegese. Adverte que a lógica formal só é apropriada na análise dos conceitos jurídicos. Para a prática do Direito
referido a pessoas concretas, a lógica adequada é a lógica do humano e do razoável.
O Código Brasileiro de Trânsito diz que só pode ser criminalmente responsabilizado aquele motorista que apresente mais de 0,6 decigramas de álcool por
litro de sangue. Sem dúvida, essa constatação milimétrica só será alcançada pelo bafômetro ou por exame de sangue.
O argumento jurídico contra a obrigatoriedade do teste do bafômetro é o de que “ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo” (Nemo tenetur se
detegere). Mas é preciso avançar no raciocínio. Se realmente a submissão ao bafômetro não pode ser compulsória, a recusa ao teste deve ser lavrada, ato
contínuo, pela autoridade do trânsito. Será plenamente juridico ponderar essa recusa em desfavor do motorista. Valha-nos a sabedoria popular: quem não
deve, não teme.
Se alguém que não ingeriu bebida alcoólica vê-se envolvido num acidente, sua melhor conduta será aceitar o bafômetro. A verificação negativa da
presença de álcool no organismo irá beneficiá-lo.A chamada “lei seca”, se aplicada com sabedoria, merece aplausos, pois tem reduzido o número de
acidentes no país. Mas, como em tudo, a virtude está no meio (“in medio virtus”).Desculpem os leitores o excesso de citações em Latim. Mas sou do tempo
em que se estudava Latim no ginásio.
Vejamos, para ilustrar esta reflexão, alguns excessos que não merecem guarida. A esses, o leitor pode acrescentar outros:
a) incriminar o trabalhador, na saída da fábrica, quando o ofício dele é justamente provar vinhos;
b) lavrar auto de presença de álcool no sangue contra o sacerdote que acabou de rezar Missa;
c) punir o noivo que contraiu núpcias e que, na viagem de Lua de Mel, é surpreendido na estrada, constatando-se que ingeriu vinho, no brinde que se
levanta como voto de amor eterno.
* João Baptista Herkenhoff é professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br