26/08/2011
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É o fim para o regime de Muammar Kadafi na Líbia. É preciso meditar sobre esse acontecimento. Kadafi fez o bem à Líbia, apesar de seu comportamento
grotesco, seu mau gosto consumista e dos seus arroubos de terrorista. Deu ao seu país quarenta e dois anos de paz em uma região em que a paz é um bem
raro. E também prosperidade. A Líbia, sob seu comando, era uma das economias melhor administradas da África. Sua presença pacificadora garantiu a
prosperidade fornecida pelo farto petróleo.
Quem derrubou Kadafi? Certamente não foram os rebeldes, minoritários de tribos minoritárias, eles que, inicialmente, eram mal armados e mal treinados.
Kadafi foi derrubado pela vontade da França, que obteve o nihil obstat de Barack Obama e o apoio da Otan. A França fez uma guerra de conquista. No
começo, as forças da Otanlimitaram-se a neutralizar a Força Aérea Líbia, que lhe dava absoluta vantagem sobre os rebeldes, e a sua marinha de guerra.
Há notícias de que tropas de elite da Otan também entraram em ação. Em suma, estamos diante de um golpe de Estado perpetrado por potências
estrangeiras, usando como gendarme o arremedo de revolucionários maltrapilhos. O primeiro navio com o petróleo da área conquista teve como destino a
França, fato que simboliza o real motivo da guerra: pilhar o petróleo líbio.
Estamos diante de um ato novo de imperialismo, o renascer dos velhos tempos, anteriores à Segunda Guerra Mundial, em que as potências européias
invadiam países militarmente mais fracos para tomar à força suas riquezas. É isso que estamos vendo acontecer com a Líbia. E por que a Líbia? Porque
ela combina três fatores: riqueza abundante, fraqueza militar e um governante antipático ao Ocidente. Foi o mesmo que tirar pirulito de criança. Claro,
a Líbia sempre esteve na esfera de influência francesa, que viu sua hegemonia minguada com o voluntarismo de Kadafi, de se aproximar da China e dar uma
banana aos seus antigos “amigos” espoliadores.
Gerou-se um paradigma, que poderá ser repetido no futuro. Essa guerra foi completamente diferente da guerra no Iraque e no Afeganistão. Há motivos
militares relevantes para que estas últimas tenham ocorrido. Na Líbia, pelo contrário, foi uma guerra de conquista, mais especificamente, um ato de
pirataria puro e simples. A França garantiu para si fonte abundante e barata (preços politicamente administrados) de petróleo, nos termos que ela tinha
com o Iraque de Saddam Hussein. Penso que a motivação francesa está calçada na forte crise econômica que atravessa a Europa. O preço do petróleo tem
subido muito e o inverno se aproxima. Resolvido um gargalo econômico com o uso puro e simples da força bruta.
E se a crise se agravar na Europa, algo que me parece o cenário mais provável? A experiência na Líbia, fácil e rendosa, pode ser tentada novamente em
outra parte. Claro, uma presa tão fácil não há mais, mas os benefícios podem valer os riscos. A social-democracia agoniza em desespero pelas ruas das
grandes cidades da Europa. Podemos aqui até parafrasear a célebre frase de Lênin: o estágio superior da social-democracia é o imperialismo. É essa a
lição mais completa que podemos retirar desse fato histórico. Quanto mais a crise econômica se agravar, mais haverá a tentação da ação diretacontra
países com matérias primas fartas e baratas e fraqueza militar. Melhor ainda se tiver internamente um movimento de rebelião organizado, a ser usado
como aríete.
A queda de Kadafi só comprova que os velhos demônios do imperialismo, de triste memória, estão novamente à solta. Um mau sinal. Tempos de grandes
perigos.
* José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias
coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor
da ANL – Associação Nacional de Livrarias.