Visão Liberal

O Doutor Fausto de Thomas Mann IV

Ao anunciar meu próximo curso on line sobre a obra de Thomas Mann (ver Sedet), a começar no próximo dia 17, recebi um e-mail interessante de um leitor.
Nele, foi-me perguntado se o “tom” do curso seria o belo segundo os alemães. Não. O objetivo do curso é compreender os grandes acontecimentos do século
XX, especialmente a II Guerra Mundial e o nazismo, à luz do que aconteceu na Europa (e na Alemanha, claro) desde o século XVI, conforme está na obra de
Thomas Mann. Entendo que essa é não apenas a melhor explicação histórica para o que aconteceu, mas é também o resumo filosófico e teológico de toda a
tragédia. O livro Doutor Fausto conseguiu essa síntese esplendorosa, por isso sua leitura é difícil e pressupõe elos de conhecimentos que não são
auto-evidentes para os que não têm a visão de conjunto da obra e da biografia de Thomas Mann,

Ademais, é impossível compreender Thomas Mann sem a assistência essencial do conhecimento das obras de Goethe e Nietzsche, pelo menos. Da mesma forma,
uma cultura geral sobre a música erudita é fundamental para não se perder dentro do argumento do autor, que fez a biografia de Nietzsche na pele de um
músico compositor.

A questão do esteticismo é essencial não porque este tenha alguma validade filosófica em si. Está completamente desmoralizado depois da derrota
fragorosa dos alemães diante do Ocidente, fazendo murchar seu falso fundamento racista, sustentáculo último dos delírios goethianos no Fausto. O
esteticismo é apenas outro nome para o niilismo resultante do abandono a metafísica cristã. Autores como Schiller e Novalis expressaram o desespero de
quem não tem chão debaixo dos pés para fundamentar seus preconceitos. A arte e o belo não podem ser sucedâneos para as verdades da alma e caem no vazio
existencial inexoravelmente. Nietzsche será o apogeu dessa loucura.

Thomas Mann recebeu essa cultura esteticista integral e fascina acompanhar cada um dos livros seus (e sua biografia) para ver a metamorfose que sofreu
ao longo da vida. Dolorosa descoberta da verdade. Quão difícil é descobrir que tudo que se tem como certo é a falsificação da verdade? O esteticismo
era a verdade de Thomas Mann e Goethe Nietzsche seus gurus. Ele sempre se posicionou contra a tradição católica, para afinal reconhecer que a raiz
primeira da orgia de sangue que foram as guerras da primeira metade do século XX está na Reforma, que criou o homem faustico, esta figura tipicamente
moderna. O homem faustico é o pequeno Satã, o rebelde contra Deus. É aquele que foi proibido de amar ao próximo. É o Caim renascido, o matador dos
irmãos.

Essa pequena síntese pode chocar um pouco aqueles que não estão familiarizados com o tema. Mas não se deve ler Thomas Mann com preconceitos. Ele foi o
grande intérprete da tragédia alemã, que é a tragédia da modernidade. Daí a necessidade de se beber fundo na sua obra. Minha modesta opinião é que não
se compreenderá a epopéia humana desde o século XVI não se mergulhar fundo na obra de Thomas Mann.

Como citar e referenciar este artigo:
CORDEIRO, José Nivaldo. O Doutor Fausto de Thomas Mann IV. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/visao-liberal/o-doutor-fausto-de-thomas-mann-iv/ Acesso em: 10 mar. 2025