A Companhia das Letras fez chegar ao mercado o primeiro volume da biografia de Getúlio Vargas (Getúlio – 1882, 1930 – Dos anos de formação à conquista do
poder), de Lira Neto, prevista para ser uma trilogia. Um grande feito editorial, narrado em detalhes no posfácio (que bem poderia ser um prefácio) do
próprio autor. A editora apostou no projeto, financiou-o e pôs à disposição do autor os meios para realizar sua obra. O fato é inusual no nosso acanhado
mercado editorial, no qual geralmente os editores são medrosos e argentários, fugindo do risco.
Não bastante, a editora precificou o volume em apenas R$ 52,50, um grosso volume bem encadernado, em excelente papel. Segundo a revista Veja a tiragem
inicial foi de trinta mil exemplares, muito acima da média nacional. O livro é tão bom, o preço tão acessível e o personagem tão fascinante que deverá ser
esgotada rapidamente. Se o autor está de parabéns pela iniciativa, mais ainda está o editor Luiz Schwartz. Que outros sigam o exemplo.
Lira Neto é já um consagrado escritor, autor da biografia de José de Alencar e da melhor feita sobre o Padre Cícero, seu trabalho anterior, que virou best
seller . Ele é um pesquisador exaustivo e também um escritor talentoso. Sua narrativa lembra, em muito, aquela utilizada por Fernando Moraes ao escrever o
já clássico Chatô – O rei do Brasil. Sem perde nunca o fio ele narra a vida do biografado intercalando diferentes momentos e diferentes episódios, criando
um efeito parecido com aquele encontrado nos melhores livros policiais. O suspense é integral.
Mesmo se conhecendo a vida de Getúlio Vargas, a técnica narrativa prende o leitor de forma magnética. Eu simplesmente fui largando tudo que lia para poder
dar cabo à leitura do excelente livro do Lira Neto. Um grande prazer e um suplemento adicionais de informações, não apenas biográficas, mas da política
brasileira no período abordado. O painel feito é uma perfeição, acrescentando informações importantes sobre o que aconteceu naqueles momentos fatídicos do
início do século XX, quando os destinos do Brasil foram moldados. Para o bem e para o mal, Getúlio Vargas tornou-se o principal responsável pela formação
política que herdamos.
A chamada República Velha foi o período de transição entre o Império e os tempos contemporâneos. O Brasil era, de fato, uma federação e o poder central
estava longe de ser o que é hoje, um força esmagadora de um Estado central. As liberdades eram maiores, tanto para as unidades políticas subalternas como
para as pessoas. Desde Vargas entrou-se em um ciclo de concentração de poderes ao qual estamos agora submetidos. Não seria mais possível, depois de Vargas,
haver uma “revolução” por cima, a partir de um dos estados federados. A desproporção de forças é tamanha que algo como se viu em 1964 só é possível a
partir da própria unidade central.
Getúlio foi um personagem fáustico, personificando o pactos que nosso país realizou. Sua própria morte trágica é sinal hiperbólico desse pacto. Não ao
acaso o mantra do desenvolvimento – o desenvolvimentismo – deriva diretamente da intervenção getulista em nossa história. O desenvolvimentismo é a
ideologia desse pacto, abraçada por todas as forças políticas desde então, fazendo do poder de Estado a alavanca motora. Getúlio chegou ao Rio de Janeiro
para subir no promontório e ver sua obra fáustica se realizar, algo como narrado esplendidamente po Goethe em seu poema monumental.
O escritor que melhor retratou essa mudança na República Velha foi Guimarães Rosa. Grande Sertão, Veredas, Sagarana e Corpo de Baile são ambientados nesta
época. Ler a obra do escritor mineiro em conjunto com a biografia de Getúlio, por Lira Neto, é altamente esclarecedor das metamorfoses por que passou o
Brasil, em consonância com aquelas vividas por todo o Ocidente.
Lira Neto, assim, ajuda-nos a compreender a nossa própria formação como Nação e esclarece pontos obscuros desse processo. Não fosse por outra razão, esta
já seria suficiente para tornar seu belo livro um clássico, de leitura obrigatória por aqueles interessado em entender o Brasil.
* José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias
coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da
ANL – Associação Nacional de Livrarias.