Thomas Mann decifrou a mensagem da modernidade no seu livro Doutor Fausto. Adrian Leverkhün, que é Nietzsche, que é Fausto, foi proibido por
Mefistófeles para duas coisas: amar quem quer fosse e curar-se da doença sexualmente transmissível que adquiriu no intercurso com a misteriosa mulher
mandada pelo Demo, Esmeralda. A primeira proibição tem a validade de um mandamento e espelha aquilo que vivemos sob o que João Paulo II chamou de
cultura de morte.
[A cultura de morte é a antinomia da ética cristã, a sua negação. Hoje os proibidos de amar são todos os que praticam aborto e eutanásia,
monstruosidades que se elevaram à prática de políticas de saúde pública. Os praticantes dessa lástima são a encarnação da proibição de amar os próprios
descendentes e ascendentes. Uma ruptura com a mais elevada ética do cristianismo].
Na verdade, um anti-mandamento: a negação do primeiro artigo das Tábuas da Lei: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. A
modernidade, desde a Reforma, tem cultivado a negação. A própria ruptura com a Igreja assume esse tom de rebelião contra Deus. Não escapa a Thomas
Mann a trajetória do mal que se instalou na Europa desde Lutero. Ele, como luterano e seguidor de Goethe, como ninguém viveu essa cultura da negação,
que se condença integralmente no esteticismo.
Fernado Bayón, o espanhol que fez a melhor resenha que conheço da obra de Thomas Mann, assim intitulou seu precioso livro: La prohibición del Amor –
Sujeto, cultura y forma artística en Thomas Mann, disponível para leitura no link do Google. Bayónexpôs a fórmula correta de se ler e compreender o
romancista alemão. Toda sua obra foi a tentativa de decifrar o mito faustico que engolfou não apenas a Alemanha, mas a Europa e o mundo todo. É a
própria modernidade.
É uma perspectiva definitiva para a leitura do Doutor Fausto. Thomas Mann fez com este livro seu acerto de contas com Goethe e Nietzsche de uma maneira
artística, mas sem fazer concessão. Mais não precisou dizer para descrever todo o drama metafísico que redundou nas grandes tragédias do século XX. A
proibição de amar é a maldição dos tempos modernos, que se opõem frontalmente aos tempos da chamada Idade Média.
Não há dúvida de que a origem mestiça de Thomas Mann foi o fator decisivo para a sua briga com os nazistas e o elemento determinante para ele
desconfiar da talgermanidade, o elemento perverso que engendrou o racismo genocida de Hitler. Sem o brasileiríssimo Silva no nome da mãe teria sido
mais difícil a ele denunciar essa tolice que ele mesmo defendeu no livro Considerações de um Apolítico. O elemento moreno e tropical que carregava
consigo contribuiu para que se elevasse acima dos preconceitos.
Não curar-se da doença sexualmente transmissível é também algo da maior relevância. Ao ascetismo cristão colocou-se o hedonismo da modernidade, que com
ele sacrificou também o casamento monogâmico. Casamentos sucessivos de divorciados são uma forma de poligamia. Na verdade, a própria sexualidade
tornou-se enfermiça, ela é a doença, a obsessão dos tempos. Daí porque a homossexualidade deixou de ser prática restrita e reservada para adquirir
também o status de movimento de massa politicamente organizado. Não se pode perder de vista que o andrógino é a expressão simbólica mais completa para
retratar Mefistófeles.
Misoginia, homossexualidade e poligamia formam o trinômio determinante do sexo como a doença moderna por excelência. Um determina o outro, pressupõe o
outro e não vive sem o outro. A ruptura do sacramento engendra as forma degenerada da sexualidade humana.
* José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias
coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor
da ANL – Associação Nacional de Livrarias.