Bruno de Oliveira Carreirão*
11 de agosto de 1827 foi o dia em que foram criados os primeiros cursos jurídicos no Brasil, em São Paulo e Pernambuco. Por isso, até hoje o dia 11 de agosto é celebrado como o Dia do Advogado e o próprio mês de agosto é considerado como o Mês do Advogado. Minha forma de homenagear a data – naturalmente, com viés rabugento -, e, ao mesmo tempo, abordar o tema do momento – fake news -, é desmistificar uma das maiores mentiras relacionadas à advocacia.
Os advogados foram condicionados a acreditar em uma mentira: a de que a OAB é uma “autarquia sui generis”[1]. Na verdade, a OAB é e sempre foi um conselho profissional, assim como CREA, CRC, CRM e tantos outros. O conceito de “autarquia sui generis” não passa de um engodo, usado para majorar a extorsão (também conhecida como “anuidade”) que a OAB lhe cobra para permitir que possa exercer a sua profissão.
No Brasil, há uma lei que regula os conselhos profissionais: a Lei nº 12.514/2011[2]. Essa lei prevê, em seu art. 6º, inciso I, que as anuidades cobradas pelos conselhos profissionais de nível superior não podem ser superiores a R$ 500,00 – valor que deve ser atualizado, desde a publicação da lei, pela variação do INPC[3].
A OAB notoriamente cobra anuidades superiores ao limite permitido pela lei. Segundo matéria do portal Migalhas[4], em 2020, a menor anuidade da OAB é da seccional do Distrito Federal[5], no valor de R$ 800,00, e a maior da seccional do Rio Grande do Sul, no valor de R$ 1.154,40. A solução para que tais cobranças possam ser permitidas: autarquia sui generis!
Essa, todavia, não é a única justificativa para o conceito pitoresco.
Os conselhos profissionais são fiscalizados pelos tribunais de contas. A OAB, por outro lado, briga judicialmente para não precisar ser fiscalizada pelo TCU[6]. Afinal, por que a entidade deveria prestar contas do que faz com as vultosas anuidades que os advogados pagam compulsoriamente para poderem exercer sua profissão, não é mesmo? Não precisa, porque é uma autarquia sui generis!
Por exemplo: por força do Regulamento Geral da OAB[7], 3% da receita da entidade é destinada para o Fundo Cultural e 2% é destinada para o Fundo de Integração e Desenvolvimento Assistencial dos Advogados – FIDA. Você sabe para que servem esses fundos e como são aplicados esses recursos? Evidente que não, porque não há transparência nas contas da OAB.
É curioso, inclusive, que a OAB alegue que não recebe recursos públicos e que a anuidade paga pelos advogados não constitui tributo, mas, ao mesmo tempo, se utilize de execução fiscal na Justiça Federal para cobrar os advogados inadimplentes.
Os argumentos para sustentar a tal autarquia sui generis são os mais esdrúxulos. Diz-se que a OAB extrapola o mero papel de fiscalização profissional, por ter uma finalidade institucional e não apenas corporativa, dotada, inclusive, da capacidade de propor ADIn (art. 103, inciso VII, da Constituição). No entanto, os outros conselhos profissionais também possuem a mesma capacidade, por força do inciso IX do mesmo artigo[8]…
Também há o argumento de que a advocacia recebeu um tratamento especial na Constituição, de que OAB é guardiã da cidadania e dos direitos humanos e todo aquele blá-blá-blá sobre o advogado ser essencial à justiça. Ora, o Ministério Público e o Poder Judiciário também são essenciais à justiça e nem por isso deixam de ser fiscalizados pelos tribunais de contas.
Além disso, se a OAB é essencial para a justiça, o Conselho Federal de Medicina é essencial para a vida e para saúde e o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia é essencial para a solidez e segurança das edificações e nem por isso deixam de ser conselhos profissionais.
A verdade é que a OAB teve um lobby muito maior que os outros conselhos profissionais na elaboração da Constituição de 1988. Nós temos o péssimo costume de romantizar o poder constituinte, como se fosse um ente abstrato dotado da mais alta sapiência, quando, na realidade, a assembleia constituinte era formada por pessoas de carne e osso – algumas, inclusive, da mais baixa confiabilidade, como Renan Calheiros, Aécio Neves e Lula. A ciência política nos ensina[9] que usar termos coletivos, figuras de linguagem e metáforas é útil para facilitar o discurso, mas é errado do ponto de vista descritivo-científico, pois os entes coletivos não têm vontades, mas sim os indivíduos que os compõem.
No fundo, não há nenhuma real distinção entre a OAB e os demais conselhos profissionais. O que há é um forte lobby da instituição junto aos Poderes, que lhe confere tais regalias a pretexto de ser uma “autarquia sui generis”. Mas afinal, esse tratamento especial é realmente vantajoso para os advogados? Ou é conveniente apenas para os dirigentes da OAB?
* Bruno de Oliveira Carreirão é advogado, mestre em Direito e se sente um otário cada vez que paga o boleto da anuidade da OAB.
[1] O principal marco do conceito é considerado o julgamento pelo STF da ADIn nº 3.026/DF: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2178282
[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12514.htm
[3] O que, em 2020, dá um valor em torno de R$ 780,00.
[4] “OAB do Amapá tem a menor anuidade do país”: https://www.migalhas.com.br/quentes/318067/oab-do-amapa-tem-a-menor-anuidade-do-pais
[5] A matéria diz que a menor anuidade é do Amapá, mas considera o valor com desconto para quem paga a cota única no início do ano. Considerando o valor integral, o menor é o do Distrito Federal.
[6] “Liminar afasta obrigação de prestação de contas da OAB perante TCU” http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=413871&caixaBusca=N
[7] Art. 56. As receitas brutas mensais das anuidades, incluídas as eventuais atualizações monetárias e juros, serão deduzidas em 60% (sessenta por cento) para seguinte destinação:
I –10% (dez por cento) para o Conselho Federal;
II –3% (três por cento) para o Fundo Cultural;
III –2% (dois por cento) para o Fundo de Integração e Desenvolvimento Assistencial dos Advogados -FIDA, regulamentado em Provimento do Conselho Federal.
IV -45% (quarenta e cinco por cento) para as despesas administrativas e manutenção do Conselho Seccional.
[8] Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
[9] GIANTURCO, Adriano. A Ciência da Política. 2ª Edição. Forense: Rio de Janeiro, 2018, p. 73.