“Art. 5º As partes têm direito de participar ativamente do processo, cooperando entre si e com o juiz e fornecendo-lhe subsídios para que profira decisões, realize atos executivos ou determine a prática de medidas de urgência”.
O Artigo 5º trata do Princípio da Cooperação, decorrente do Princípio da Boa Fé e do Princípio da Lealdade.
Somente num ambiente protegido pelas garantias constitucionais, e havendo um permanente monitoramento da incidência dessas garantias é que se poderá ter o chamado processo justo (Leonardo Greco, As Garantias Fundamentais do Processo; L. P. Comoglio, Garanzie Costituzionali e “Giusto Processo” (Modelli a confronto) inRevista de Processo, vol. 90).
Ocorre que, como elementos imprescindíveis ao bom funcionamento desse sistema, encontramos a postura do juiz e a atitude das partes.
Quanto a essas, não podem apenas provocar a jurisdição de forma despretensiosa, sem compromisso ou irresponsavelmente. Devem buscar de forma clara, leal e honesta a melhor solução para aquele conflito. Devem participar da solução.
Quanto ao juiz, é preciso atentar para evolução de seu papel, ao longo das dimensões assumidas pelo Estado, desde a fase liberal, passando pela social, até chegar ao atual Estado Democrático de Direito.
Num modelo de justiça adequado à contemporaneidade, na visão de François Ost (Júpter, Hércules, Hermes: Tres modelos de Juez), o juiz deve adotar uma postura de intermediação, facilitando a comunicação, o diálogo entre as partes, que devem se utilizar do processo para interagir e buscar, uma solução justa para o conflito.
A proposta de solução do Estado Democrático de Direito é pela busca de uma efetiva participação dos consociados jurídicos na realização dos fins estatais. Esta proposta representa para o sistema de pacificação dos conflitos a necessidade de interação entre as partes que compõem a relação processual no âmbito da jurisdição, além da adoção de métodos não-jurisdicionais de solução das lides (Humberto Dalla e Karol Durco, A mediação e a solução de conflitos no Estado Democrático de Direito).
Nesse sentido falamos no dever de cooperação entre as partes. Nesse modelo prega-se a adoção de um“procedimento argumentativo da busca cooperativa da verdade” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. I.).
Desse modo, o peso da reconstrução jurídica, que no modelo do Estado Social deve ser suportado por um juiz Hércules, é deslocado para uma comunidade deliberante (LUCHI, José Pedro. A racionalidade das decisões jurídicas segundo Habermas, Revista da Ajuris).
De outro lado, passando de uma perspectiva de simples validade jurídica para uma perspectiva da união entre validade e legitimidade do direito como condição de sua eficácia e cumprimento de sua função sócio-integradora, o dever do juiz de justificar sua decisão também se altera.
Passa-se de um dever de justificação interno, representado pela coerência da decisão com o sistema de direitos para um dever que ao mesmo tempo é interno e externo, este último considerado como a necessidade de legitimação procedimental-deliberativa das premissas pré-dadas à decisão, o que no caso de um equivalente jurisdicional como a mediação já é condição prévia para seu estabelecimento.
O direito pós-moderno de Hermes “é uma estrutura em rede que se traduz em infinitas informações disponíveis instantaneamente e, ao mesmo tempo, dificilmente matizáveis, tal como pode ser um banco de dados”. O presente modelo é uma dialética entre transcendência e imanência. A proposta é de uma “teoria do direito como circulação de sentido”, “um processo coletivo, ininterrupto e multidirecional de circulação do logos jurídico” (OST, François. Júpter, Hércules, Hermes: Tres modelos de Juez).
Vale recordar que Hermes é o deus da comunicação, da circulação, da intermediação; é um interprete, um mediador, um porta-voz. A idéia é a de que o direito, como signo lingüístico que ontologicamente é, sempre necessita de interpretação e, portanto, é inacabado; permanece continuamente se realizando (caráter hermenêutico ou reflexivo do juízo jurídico).
Portanto, o direito em um Estado Democrático é líquido e denso ao mesmo tempo. Convém mencionar que o correspondente latino de Hermes (grego) é Mercúrio, representado hoje por um metal de alta densidade que, não obstante, encontra-se no estado líquido. Esta “liquidez jurídica” se dá por meio da equidade e permite ao direito preencher os buracos nas relações sociais.
Esta capacidade de integração social, contudo, só pode ser obtida por uma legitimidade de duplo aspecto. Em um primeiro momento, pela obediência a um procedimento que eleva o dissenso para promover o consenso.
A mediação procedimental, no entanto, não constitui toda a legitimidade do direito. É preciso se estabelecer um laço necessário entre o respeito ao procedimento e os direitos fundamentais. O que constitui, precisamente, a idéia de um formalismo valorativo que deve abranger ao menos quatro valores fundamentais: segurança jurídica, participação, liberdade e efetividade (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo ).
Possui, também, o juiz o dever de equilibrar a relação processual. Sua atuação constitui-se um meio termo entre a inércia de Júpiter e o egocentrismo de Hércules. O juiz do presente modelo é mais humano, reconhece suas limitações e busca apoio nos interessados pelos desfeche da relação processual.
Verifica-se, pois, que a superação do princípio monológico que rege a atuação do juiz Hércules é exatamente pelo fato de que o mesmo afasta a idéia de cooperação como condição para o desenvolvimento de um procedimento de bases racional, discursiva e valorativa de determinação da justiça no caso concreto (MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil: Teoria Geral do Processo ).
E tal superação, em verdade, deve ser buscada tanto no interior da própria jurisdição como por métodos não-jurisdicionais de pacificação social.
Retornando ao texto do Projeto, importante ressaltar que o art. 66 coloca como deveres de todos os que de alguma forma participem do processo não só expor os fatos em juízo conforme a verdade, como também “proceder com lealdade e boa-fé” (art. 66, inciso II)
* Humberto Dalla Bernardina de Pinho, Promotor de Justiça no RJ. Professor Adjunto de Direito Processual Civil na UERJ e na UNESA. Acesse: http://humbertodalla.blogspot.com/