Hoje vamos comentar o artigos 2º do texto do PLS 166/10
O artigo 2º tem a seguinte redação: “Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte, nos casos e nas formas legais, salvo exceções previstas em lei, e se desenvolve por impulso oficial.”
A regra já consagrada em nosso ordenamento é repetida, agora, no artigo 2º do Projeto. Como não poderia ser diferente, é mantido o Princípio Dispositivo, também chamado de Princípio da Inércia ou ainda Princípio da Demanda.
As “exceções” previstas em Lei devem ser examinadas. No CPC vigente, há dispositivos relativos à abertura de inventário, e no procedimento dos testamentos que autorizam o magistrado a agir de ofício, provocando, ele mesmo, o aparelho judicial.
No novo CPC, o dispositivo que mais chama a atenção, sem dúvida alguma, é o artigo 284, que é assim enunciado: “Art. 284. Em casos excepcionais ou expressamente autorizados por lei, o juiz poderá conceder medidas de urgência de ofício”.
Apesar de ser uma forte tendência dourinária (Fux, Tutela de Segurança e Tutela de Evidência; Marinoni, Teoria Geral do Processo; e Bedaque, Efetividade do Processo e Técnica Processual), me parece que o Código poderia ter explicitado um pouco mais os tais “casos excepcionais”.
Sem querer entrar ainda num comentário aprofundado do referido artigo 284, parece que deve haver limites claros a essa iniciativa judicial, sob pena de se causar uma potencial insegurança jurídica.
Pensar em uma medida de urgência de ofício, envolvendo menores, idosos, hiposuficientes, ou ainda em hipóteses com grande dano à direito indisponível ou da própria coletividade é perfeitamente aceitável.
Porém, em litígios que envolvam partes maiores e capazes, e direitos patrimoniais, me parece bastante que a postura ativa do magistrado é, de todo, desaconselhável.
Pelo menos essa restrição poderia ter sido incluída no texto, adotando-se, assim, um critério híbrido (meio ope legis, meio ope iudicis)
Nunca é demais lembrar que o juiz que age de ofício deve ter um extremo cuidado para que, mesmo involuntariamente, não venha a se aproximar de uma das partes, ferindo a imparcialidade que deve nortear sua conduta na condução do processo.
Ferindo a imparcialidade, comprometida também estará a isonomia, salvo se o juiz fundamentar analiticamente sua decisão, de modo a demonstrar que está a garantir a igualdade no sentido material.
E mais, ainda que conceda uma medida de urgência ex officio, restará ainda a necessidade de se deflagrar a execução provisória, e, aqui, não pode o magistrado agir sem a provocação da parte interessada (art. 491, inciso I do Projeto e artigo 475-O, inciso I do atual CPC).
A parte final do dispositivo fala no desenvolvimento “por impulso oficial”. Em outras palavras, o processo não deve ficar parado. Esse dever do juiz vem sendo objeto de inúmeros estudos, sobretudo no viés administrativo e gerencial.
Cada vez mais o juiz é visto como um gestor, um gerente do juízo perante o qual exerce suas funções. E tal visão parece ser adotada pelo próprio CNJ, haja vista a quantidade metas estabelecidas para este ano de 2010 (http://www.cnj.jus.br):
Meta 1: julgar quantidade igual à de processos de conhecimento distribuídos em 2010 e parcela do estoque, com acompanhamento mensal; Meta 2: julgar todos os processos de conhecimento distribuídos (em 1º grau, 2º grau e tribunais superiores) até 31 de dezembro de 2006 e, quanto aos processos trabalhistas, eleitorais, militares e da competência do tribunal do Júri, até 31 de dezembro de 2007; Meta 3: reduzir em pelo menos 10% o acervo de processos na fase de cumprimento ou de execução e, em 20%, o acervo de execuções fiscais (referência: acervo em 31 de dezembro de 2009); Meta 4: lavrar e publicar todos os acórdãos em até 10 dias após a sessão de julgamento; Meta 5: implantar método de gerenciamento de rotinas (gestão de processos de trabalho) em pelo menos 50% das unidades judiciárias de 1º grau; Meta 6: reduzir a pelo menos 2% o consumo per capita com energia, telefone, papel, água e combustível (ano de referência: 2009); Meta 7: disponibilizar mensalmente a produtividade dos magistrados no portal do tribunal; Meta 8: promover cursos de capacitação em administração judiciária, com no mínimo 40 horas, para 50% dos magistrados; Meta 9: ampliar para 2 Mbps a velocidade dos links entre o Tribunal e 100% das unidades judiciárias instaladas na capital e, no mínimo, 20% das unidades do interior; Meta 10: realizar, por meio eletrônico, 90% das comunicações oficiais entre os órgãos do Poder Judiciário.
De se observar que há metas para o magistrado, para o Tribunal e para o próprio Poder Judiciário como um todo, de modo que o impulso oficial, se combinado com a garantia da razoável duração do processo, conduz a uma progressiva e elogiável melhoria das rotinas administrativas da esfera jurisdicional.
Só é preciso cuidado, como adverte Boaventura de Souza Santos, com os exageros e com os efeitos colaterais que advém desse método de “rotinização”. (consideramos de leitura obrigatória o texto do mestre português que trata do tema. SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os Tribunais nas sociedades contemporâneas, disponível em http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_30/rbcs30_07.htm )
* Humberto Dalla Bernardina de Pinho, Promotor de Justiça no RJ. Professor Adjunto de Direito Processual Civil na UERJ e na UNESA