Este 18º comentário se refere ao
art. 29 do Projeto que tem a seguinte redação:
Art. 29. A competência em razão do valor e da matéria é regida
pelas normas de organização judiciária, ressalvados os casos expressos neste
Código.
Ressalvada a alteração na forma
verbal da oração (antes na voz ativa e agora na passiva), este dispositivo
repete o atual art. 91 do Código (“Art. 91. Regem a competência em
razão do valor e da matéria as normas de organização judiciária, ressalvados os
casos expressos neste Código”).
Apesar das diversas classificações
que os autores pátrios fazem acerca da competência, há um certo consenso em
adotar a seguinte sistematização.
Temos a competência internacional e
a interna.
A competência internacional pode ser
exclusiva ou concorrente.
A competência interna pode ser
fixada em razão de um desses quatro parâmetros:
(a) território
(b) matéria
(c) valor
(d) função
Esses quatro critérios podem vir
definidos nos seguintes Diplomas:
(i) Constituição Federal (e aí
falamos em competência constitucional)
(ii) Lei Federal (o que inclui o
próprio CPC)
(iii) Constituição Estadual
(iv) Leis Estaduais
(v) Regimentos Internos dos
Tribunais e Códigos de Organização Judiciária
Como regra, as normas mais
relevantes estão consagradas na Constituição Federal (Tribunal do Júri,
Juizados Especiais e competência dos Tribunais Superiores, por exemplo). O CPC
trata de algumas poucas normas gerais e os chamados Códigos de organização
judiciária se encarregam de tratar de todas as normas específicas.
A título de exemplo, podemos citar,
aqui no Rio de Janeiro, o nosso CODJERJ – Código de Organização e Divisão
Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, disponível no sítio do Tribunal de
Justiça, em http://www.tjrj.jus.br).
É no CODJERJ que encontramos a
divisão judiciária básica, que se estabelece a partir de uma unidade mínima
chamada comarca. Temos a comarca da capital e as comarcas do interior. Na
comarca da capital, há o foro central e os foros regionais. Em cada comarca há
a previsão de um determinado número de juízos, bem como de sua competência. Há
comarcas pequenas que demandam apenas um órgão jurisdicional, situação que
denominamos “comarcas de juízo único”. O juiz que para lá se remove
se torna um verdadeiro “clínico geral” eis que terá de resolver todo
o tipo de matéria, desde os crimes contra a vida, até as pequenas questões
cíveis envolvendo vizinhos, passando por questões familiares, fazendárias e
sucessórias.
Há comarcas um pouco maiores, que
demandam dois ou quatro juízos. Aí o CODJERJ já faz uma divisão de competência
entre eles, adotando, via de regra, o critério material.
E finalmente temos comarcas tão
grandes, como é o caso da capital, que passa a ser necessário, fazer uma
divisão em foros, dotando cada foro de diversos juízos.
Uma observação interessante e de
grande relevância é que, ao contrário do que possa parecer, quando o Tribunal
resolve criar foros numa comarca, a competência dessas áreas é considerada
absoluta e não relativa; ou seja, não se trata de uma competência meramente
territorial, mas território-funcional e, portanto, absoluta!
Normalmente, o CPC trata da competência territorial. Neste caso,
temos as regras gerais (ações pessoais e reais mobiliárias são ajuizadas no
domicílio do réu e ações reais imobiliárias são ajuizadas no foro do local do
imóvel) e as regras especiais (foro do interditando, do alimentando, das ações
de direito de família, etc). Ainda assim, essas regras são flexíveis, eis que a
competência em razão do território é relativa e, portanto, pode ser afastada
pelos fenômenos clássicos de modificação de competência, tais como conexão,
continência, eleição de foro e inércia da parte, sendo este último responsável
pelo fenômeno da prorrogação (um juízo que originalmente era relativamente
incompetente, se torna competente por não ter sido arguída a matéria a tempo).
Também a competência funcional é
tratada no CPC. São os casos de prevenção do juízo que já examinou a medida de
urgência para julgar a ação principal, ou ainda a competência do juízo da fase
cognitiva para a fase executória. Há ainda os casos das chamadas sentenças
determinativas, nas quais a cláusula rebus sic stantibus fica ativa, permitindo
adequação do que foi decidido às modificações de fato (por exemplo a ação de
alimentos).
A competência em razão do valor,
apesar do disposto no art. 91 do CPC vigente, é tratada com mais frequência, em
Leis Federais.
No caso do procedimento sumário
(que, aliás, vai desaparecer no Projeto), é o CPC quem se encarrega de definir
o teto de 60 salários mínimos, salvo quando incide a competência em razão da
matéria, hipótese em que não interessa o valor.
Quanto aos Juizados Especiais, hoje
temos três Leis que tratam do assunto:
I. Lei no 9.099/95, que regula os juizados
especiais cíveis e criminais no âmbito estadual;
II. Lei no 10.259/01, que dispõe sobre os
juizados especiais federais, cíveis e criminais;
III. Lei no 12.153/09, que trata dos juizados
especiais da fazenda pública.
Mas o valor da causa pode ser
utilizado como fator determinante de competência do juízo de outras formas.
Aqui no RJ, por muito tempo, tivemos
as Varas de Família especializadas em JG, ou seja, quando o autor era
beneficiário da gratuidade de justiça e as Varas que à época eram chamadas pagas, nas quais o autor
recolhia as custas e, normalmente, tinha advogado privado.
Nada impede, também, que o Código de
Organização Judiciária crie Varas de Fazenda Pública diferenciadas para valores
mais altos, enquanto aparelha outras para valores mais baixos, ou ainda Varas
privativas para execução fiscal (como há no RJ uma Vara de execuções fiscais
para questões estaduais e outra para assuntos municipais, independentemente do
valor da dívida).
Como se pode observar, há um espaço
maior para disciplinar a competência em razão do valor e uma possível
sobreposição de fontes legislativas.
*Humberto Dalla Bernardina de Pinho,
Promotor de Justiça no RJ. Professor Adjunto de Direito Processual Civil na
UERJ e na UNESA. Acesse: http://humbertodalla.blogspot.com