Novo CPC por Gisele Leite

Questões controvertidas da ação rescisória na sistemática processual brasileira (com ênfase no CPC/2015).

Resumo: As questões controvertidas sobre a ação rescisória no sistema processual brasileiro ainda existem apesar de se reconhecer o aperfeiçoamento técnico-redacional de muitos dispositivos. Porém, alguns busílis ainda bailam controvertidos.

Há diversos aspectos tanto em doutrina como na jurisprudência pátria que permanecem controvertidos, principalmente quando às hipóteses elencadas no art. 485 do CPC/1973 ou art. 966 do CPC/2015 tendo em vista a sua estrita legalidade.

Apesar de se respeitar a tese da relativização da coisa julgada [1] , o que pode acarretar a análise mais detida sobre os fundamentos de rescindibilidade [2] como taxativos, sendo ilegal e imprudente cogitar-se em analogia para se criar novas hipóteses de ataque à coisa julgada material.

As hipóteses que autorizam a rescisória no CPC/2015 foram mantidas, contendo algumas alterações. O terceiro inciso, por exemplo, inclui as hipóteses de coação e simulação, além das outras que prevê. O quinto inciso teve sua redação aperfeiçoada, aludindo a “norma jurídica” [3] , em detrimento de “lei”, o que já era francamente aceito pela jurisprudência e doutrina.

Outro aperfeiçoamento pode ser percebido no inciso sétimo quando cogita de “documento novo” substituído por “prova nova” [4] , o que mais amplo.

Veio a desaparecer o oitavo inciso previsto no CPC/1973, nos casos de desistência, homologação de confissão e de acordo. O nono inciso, por sua vez, foi transformado no atual oitavo inciso.

O novo CPC mantém as mesmas regras constantes no art. 485 do CPC/1973, mas invocou ao incluir o inciso III a possibilidade de rescisão em razão de coação da parte vencedora e de simulação entre as partes, com escopo de fraudar a lei.

Inova igualmente com § 2º que admite a rescisória para decisões transitadas em julgado que, embora não seja de mérito, impeça nova propositura da demanda; ou a admissibilidade do recurso correspondente.

Também é possível rescindir somente um capítulo da sentença. Deixando claro que os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologação pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução estão sujeitos a ação anulatória e não propriamente à rescisória.

Para Pontes de Miranda [5] que delineava didaticamente os planos de existência, validade e de eficácia (que permite que se consiga atingir os resultados pretendidos com a relativização da coisa julgada) sem que seja necessária a interpretação analógica do art. 485 do CPC/1973), o que é perigoso em face da segurança jurídica que se busca finalmente obter através da coisa julgada material, e, contra legem, pois o ordenamento jurídico não permite a dita interpretação analógica.

Na verdade, nos casos de interpretação analógica das hipóteses de rescindibilidade [6] correspondem aos casos de inexistências de sentença e, portanto, cabível a querela nulitatis, ao invés da ação rescisória.

É o caso da superveniência da invenção do exame do DNA no reconhecimento judicial de paternidade. Nesse caso, há a falta do elemento nuclear de formação de decisão judicial que é a possibilidade material de verificação de seu conteúdo dispositivo, sendo ato processual inexistente.

Lembrando que a definição de ato processual inexistente é aquele que lhe falta o mínimo elementos constitutivos, sem o qual, o ato não configura a sua identificação ou mesmo sua fisionomia particular.

A essência do ato jurídico processual depende invariavelmente de seus elementos essenciais (os essentiala negoti do direito privado), sem os quais este não é o que talvez aparente a ser.

Assim como todo ato jurídico, o processual só existirá juridicamente quando espelhar em concreto a situação típica da aplicação de normas a relativas a ele.

Portanto, falta requisito de existência do julgado, posto que declare como existente, algo que sabidamente é inexistente, sendo julgado que não pode ser considerado no mundo jurídico, por prever resultado materialmente impossível, tal como a sentença que condenasse a determinada entrega de um bem por alguém que não está na sua posse, ou cumprisse a obrigação personalíssima que não tenha condições físicas ou intelectuais para cumprir, ou, ainda que que realizasse obra inacessível, segundo a ciência ou a técnica.

O referido tipo de situação dispensa o ajuizamento de rescisória bem como todo esforço interpretativo que se faz no sentido da relativização coisa julgada e da interpretação analógica do art. 485 do CPC/73.

Bastando a querela nulitatis para decretar a inexistência do decisum e, que, não depende de procedimento especial para tal fim e podem sê-lo incidentalmente, de ofício e em qualquer grau de jurisdição, conforme classicamente se dizia, basta haver a imploratio officii iudicis.

Humberto Theodoro Junior aponto os paradigmáticos julgados do TJRS, nos quais, a respeito da sentença inexistente, assevera que há imprescritibilidade da ação de declaração de nulidade absoluta e, a fortiori, da existência de atos jurídicos e que a sentença inexistente, por lhe faltar o pressuposto essencial (o dispositivo) independe de rescisória para ser anulada (vide a Apelação 12.033, Ac., de 24.06.80, Des. Olavo Tostes Filho, in RT 550/185).

O conceito de rescindibilidade [7] está ligado a existência de sentença marcada e maculada por vícios no âmbito de validade que podem ser atacados por dois remédios processuais distintos, ou seja, por recursos e a ação rescisória.

Afinal, quando a sentença é nula, pelas razões qualificadas pela lei, concede-se ao interessado a ação para pleitear a declaração de nulidade.

Frise-se que a ação rescisória não se confunde com recurso justamente por atacar uma decisão já sob o efeito da coisa julgada. Pois ao se instaurar a ação rescisória, instaura-se ipso facto, outra relação jurídica processual.

Na definição de Barbosa Moreira [8] : “chama-se de rescindir à ação por meio da qual se pode a desconstituição de sentença transita em julgado, com eventual rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada.

Salvo o caso de sentença inexistente, a sentença rescindível, mesmo nula, produz os efeitos de coisa julgada e se apresenta exequível, enquanto não revogada pelo remédio adequado da ação rescisória.

Desta forma, enquanto não rescindindo, o julgado prevalece. A sentença rescindível, a rigor, não é nula, mas sim anulável, eis que uma invalidade que só opera depois de judicialmente decretada. Assim definir-se o rescindir o julgado como o anular ou desconstituir [9] .

Além das normas e comuns pressupostos a qualquer ação, a rescisória igualmente pressupõe uma sentença de mérito e um dos motivos previstos taxativamente no CPC e, sublinhando-se que só é cabível a ação rescisória diante de sentença de mérito (art. 269 do CPC/1973), entende-se como qualquer conteúdo decisório de mérito ainda que sob a forma de decisão interlocutória.

Há a exigência de haver o trânsito em julgado da decisão [10] , mas não o esgotamento prévio de todos os recursos intransponíveis, conforme prevê a Súmula 514 do STF. Mas, pode acontecer a necessidade de se recorrer à ação rescisória quando a decisão apesar de não ser de mérito, significou tornar preclusa a questão de mérito decidida no julgamento precedente.

Não importa a forma da decisão e, sim, o conteúdo que é de mérito, mesmo que tenha ocorrido erro de qualificação da decisão. É irrelevante à rescindibilidade o eventual erro de qualificação cometido pelo órgão prolator da decisão. O que se considera é a natureza da decisão.

O art. 485 do CPC/1973 ou art. 966 do CPC/2015 é taxativo e não comporta a interpretação analógica e coaduna-se com a devida proteção da coisa julgada material, que corresponde a um dos pilares da segurança jurídica.

O art. 485 do CPC/1973 ou art. 966 do CPC/2015 elenca os pressupostos específico do cabimento da rescisória e que podem ser cumulados numa mesma ação.

Não aceito um dos fundamentos da rescindibilidade de passa-se do outro e, assim, sucessivamente. Não vige impedimento quanto à propositura sucessiva de ações rescisórias basta que haja a causa de pedir diversa para que se fundamente prova e que seja respeitado o prazo decadencial de dois anos a partir do trânsito em julgado.

A rescisória é julgada em três etapas [11] . A primeira quando se examina a admissibilidade da ação, questão preliminar; depois aprecia-se o mérito da causa, rescindindo ou não, a sentença impugnada (judicium rescindens) e, finalmente, realiza-se um novo julgamento do pedido. Eventualmente, não se passará ao juízo rescisório, sendo suficiente que se faça o juízo rescindente.

A sentença será rescindível quando prolatada por prevaricação, concussão ou corrupção [12] , o que nos leva a ater-se aos conceitos peculiares ao Direito Penal de cada tipo penal [13] envolvido. E para que a rescisória seja acolhida não é necessário que o juiz tenha sido previamente condenado em juízo criminal.

Permite-se a prova do vício seja feita ao longo do curso da própria rescisória, e sendo procedente o pedido rescisório, deve-se anular todo o processo, após a instrução.

Também é rescindível a sentença proferida ante os casos de impedimento ou incompetência absoluta do juiz. Porém a suspeição, não obsta à atuação do juiz apenas quando alegada pelos interessados ou acusada pelo julgador ex officio.

Somente o impedimento do juiz torna rescindível a sentença e, não a suspeição. Se a alegação é de impedimento do membro do tribunal, que antes julgou a causa originária e agora julga a rescisória, a procedência do pedido permite que se prossiga no novo julgamento, fazendo-se juízo rescisório, desde que o órgão seja competente e seus integrantes não estejam impedidos.

Mas se o impedimento é de juiz singular, a procedência do pedido rescisório implicará na cassação da decisão e na remessa para o substituto legal.

Ressalte-se, contudo que o Tribunal poderá partir para o juízo rescisório e proferir novo julgamento, desde que o órgão seja competente, além de não impedido e a causa esteja madura para julgamento.

Interessante a ressalva proposta por Ernane Fidélis dos Santos no sentido de que, se em razão da suspeição se caracterizar a prevaricação, então, poderá haver fundamento para a rescisória. A violação do dever de lealdade e de boa-fé, por dolo da parte vencedora, também enseja o ajuizamento de rescisória.

Para o êxito da rescisória, deve-se demonstrar o nexo de causalidade entre o dolo e o resultado da sentença. Não se identifica o dolo apenas na mera omissão, de prova vantajosa à parte contrária, nem tampouco no silêncio sobre circunstância que favoreça ao adversário.

Para a identificar a situação descrita legalmente, o vencedor deverá ter adotado o procedimento concreto para intencionalmente obstar a produção de prova útil ao vencido.

Uma vez reconhecida esta circunstância, partilhamos entendimento de que o julgamento da rescisória se esgotaria no juízo reincidente, não cabendo aos Tribunais proferirem novo julgamento, no máximo, deve o curso processual ser retomado perante o juízo de origem para que se realize e a fase instrutória antes viciada.

É cabível ainda a rescisória no caso de colusão para fraudar a lei. Com efeito, o juiz deverá impedir que o processo seja usado para maliciosamente, obterem resultado contrário à ordem jurídica. Nem sempre, porém, o juiz tem meios suficientes para impedir que os fraudadores atinjam o fim pretendido.

Os prejudicados, após o trânsito em julgado, poderão rescindi-la de acordo com ao art. 185, III do CPC/1973 ou art. 966, inciso III do CPC/2015. A colusão pode resultar da conjugação de conduta ativa e da omissão de uma das partes como nos casos de revelia ou não oposição de embargos de devedor.

O reconhecimento da colusão não nos parece que deva acarretar a um julgamento pelo Tribunal, na medida em que é justamente isso que se pretendeu evitar com o ajuizamento de rescisória que julgamento algum fosse proferido em processo manejado ilicitamente.

A ofensa à coisa julgada material, também enseja a rescisória. Pois a possibilidade de se voltar a decidir a questão que já fora objeto de sentença, assim obtida que confirme a anterior, será rescindível, dado o impedimento em que se achava o juiz de proferir nova decisão.

Há ofensa à coisa julgada na hipótese de novo pronunciamento ser conforme o primeiro, quer seja desconforme: o vínculo não significa que o juiz esteja obrigado a rejulgar a matéria em igual sentido, mas sim, que está impedido de rejulgá-la.

No caso de conflito existente entre duas coisas julgadas, prevalecerá a que se formou por último enquanto não se efetivar a rescisão para restabelecer a primeira coisa julgada.

O acolhimento do pedido não deve ser exigência lógica sua rescisão a ensejar a prolação de novo julgado, sob pena desse último também violar a coisa julgada, vez que se pretendeu pela rescisória justamente retirar do mundo jurídico um julgado para fazer prevalecer outro que já existe.

A sentença proferida contra literal disposição de lei (doravante, norma jurídica) desafia a ação rescisória. A referida sentença não é aquela que apenas ofende letra escrita do diploma legal, é aquele que ofende flagrantemente a norma jurídica, tanto quando a decisão é repulsiva à lei (error in judicando), como quando proferida com absoluto menosprezo ao modo e forma estabelecidos em lei para sua prolação ( error in procedendo) [14] .

Não se cogita da justiça ou injustiça da interpretação da lei ou norma jurídica, conforme entende a Súmula 343 do STF [15] , ou seja, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

Ensina Flávio Luiz Yarshell que a lei exige para a desconsideração é que a decisão seja de mérito e não que o dispositivo legal violado seja de direito material.

Fundamentos de ordem processual também justificando a propositura de ação rescisória, desde que, pela cognição empreendida, a decisão seja apta a projetar efeitos para fora do processo, ou seja, para o plano substancial.

No que se refere ao error in procedendo, o vício pode estar na própria sentença ou até ser anterior a esta, tendo ocorrido no curso do processo. E, nesse último caso, o vício deve ser consubstanciado em nulidade absoluta ou sanável, desde que essa última tenha sido arguida tempestivamente, tenham sido exauridos os recursos cabíveis e tenha sido prolatada sentença de mérito.

Quanto ao error in iudicando, deve-se entender que a lei nessa hipótese exige que tenha sido frontal e diretamente violados os sentidos e o propósito da norma jurídica. Isso porque, ainda que, a ação rescisória, seja medida excepcional, não se pode exigir que a violação seja pelo sentido literal do texto do dispositivo legal sob pena de empobrecimento da ação rescisória

Theotônio Negrão menciona a jurisprudência que atenua o rigor da Súmula 343 do STF [16] e entende que não se aplica em matéria constitucional; se a controvérsia se instaurou posteriormente ao acórdão rescindendo; se a interpretação era controvertida ao tempo da prolação da decisão rescindenda, mas depois tornou-se pacífica; se a divergência é restrita a um único tribunal ou caracterizada exclusivamente pelo acórdão rescindendo; se se tratar de litígios que envolvem interesses individuais e de pessoas participantes de diversas camadas sociais.

Também é rescindível a sentença baseada em prova falsa, ou seja, a que admitiu existência de fato, sem o qual outra seria necessariamente a conclusão do julgamento judicial.

A doutrina é unânime no sentido de que não há necessidade de a prova falsa ser o principal fundamento da sentença, contudo, a prova falsa deve ser indispensável para suportar a conclusão do julgamento, sendo incabível a rescisória se houver outros elementos suficientes.

Contenta-se que a sentença se baseie em prova falsa. A sentença não será rescindível se havia outro fundamento que fora suficiente para a conclusão.

Sublinhe-se ainda que a rescisão é parcial, quando a falsidade da prova atingir o fundamento apenas na decisão de um dos pedidos. A referida falsidade pode ser material ou ideológica (pois a lei processual não faz distinção e nem ressalvas).

Igualmente não se exige que haja a prévia arguição da falsidade, ou prequestionamento no processo em que foi prolatada a sentença rescindenda. A falsidade pode ser apurada em processo criminal ou no próprio processo em ação rescisória. É pacífico o entendimento doutrinário de que uma vez reconhecida a falsidade no processo criminal, não poderá ser rediscutida no âmbito civil.

Diverge-se, contudo, quanto ao reconhecimento no âmbito civil, por outro meio que não a ação rescisória. Defende-se que não há vinculação da rescisória quanto ao que fora decidido a respeito falsidade em outro processo no âmbito civil.

A prova da falsidade da prova deverá ser que, entretanto, a ela não deverá estar vinculado. Procedente a rescisória e cassado o julgamento de mérito, é possível que o juízo rescindente teve automaticamente ao novo julgamento (juízo rescisório), ou ainda, é possível que se revele necessária a anulação do processo originário, com a reabertura da instrução do feito da produção de provas.

A obtenção de documento novo permite o ajuizamento da rescisória. Ou melhor, como prevê o CPC/2015, prova nova. É necessário que a prova já existisse ao tempo em que se proferiu a sentença. Não poderá ser prova criada após a sentença, sendo que tal prova já existisse ao tempo em que se proferiu a sentença, seria relevante o suficiente para a decisão final estampada na sentença.

Na dicção anterior, presente no CPC/1973 o documento novo não é aquele constituído posteriormente. O adjetivo “novo” refere-se apenas do fato de não ter sido utilizado e não se refere a ocasião em que veio a formar-se.

Para ser admitida a rescisória o documento já deveria existir ao tempo do processo em que se proferiu a sentença. Porém, o documento cuja existência a parte ignorava é, obviamente, documento que existia; de que não poderia fazer uso. É também, documento que, noutras circunstâncias, poderia ter sido utilizado e, portanto, já existia.

A existência do documento é suficiente para assegurar ao autor da rescisória um pronunciamento diverso daquela contido na sentença impugnada. Somente o documento e não qualquer outro meio de prova.

Na memorável lição de Carnelutti, documento é uma coisa que tem em si a virtude de fazer conhecer, por seu conteúdo representativo. Apenas o documento que deve ser novo e não os fatos probandos. E, não se pode em face do documento novo, pretender-se inovar a causa de pedir na qual se baseou a sentença.

A produção de documento novo deve ser suficiente para mostrar que, diante do quadro probatório já formado no processo originário, o êxito seria do autor da rescisória. Em outras palavras, a suficiência do documento novo ou da prova nova deve ser aferido a partir das provas já constantes nos autos originários.

Assim se procedente a rescisória, com fundamento em documento ou prova nova permite que se passe do juízo rescindente ao juízo rescisório, com a valoração da eficácia da prova nova e de eventuais outros elementos que lhe tivessem sido contrapostos, proferindo-se novo julgamento.

A desconstituição da sentença nos casos de renúncia e de transação impõe a retomada do processo a partir do momento em que reconhecida a invalidade, não se passando a um novo julgamento.

Já no caso de se invalidar a confissão, entendemos ser possível que o juízo rescindente leve a um novo julgamento sobretudo, se a confissão for fundamento exclusivo da convicção do magistrado.

Parece ser mais adequado, prima facie a anulação do processo originário e a reabertura de instrução. Eis o porquê, tais hipóteses de rescindibilidade foram banidas e passou-se a cogitar apenas de erro de fato [17] .

O erro de fato deve ser interpretado de forma restritiva sob pena de desnaturar o instituto da coisa julgada, tendo em vista sempre que a rescisória não é meio processual adequado para a análise da justiça das decisões judiciais.

Não se presta a rescisória para apreciar a boa ou má intepretação dos fatos, ao reexame da prova produzida ou a sua eventual complementação. Assim, a má apreciação probatória ou a injustiça da sentença não autorizam a ação rescisória.

Só haverá erro autorizativo da rescisória quando a sentença admitir um fato inexistente ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido. Conforme a jurisprudência do STJ sem a demonstração, mesmo em tese, desse pressuposto para a rescisória, não há de se dar a custo a tal ação, por ausência de pressuposto fundamental: a possibilidade jurídica do pedido.

Com razão, esclarece Humberto Theodoro Junior que são requisitos para que o erro de fato enseje a ação rescisória: o erro deve ter sido a causa da conclusão da sentença; o erro deve ser apurável mediante simples exame de peças do processo e não pode ter havido controvérsia, nem pronunciamento judicial no processo anterior sobre o fato.

Não se admitem rescisória a produção de quaisquer provas tendentes a demonstrar que não existia o fato admitido pelo juiz ou que ocorrera o fato por ele considerado inexistente.

Somente se justifica a abertura da via rescisória quando seja razoável presumir que, se houver atentado na prova, o juiz não teria julgado no sentido em que julgou. Não, porém, quando haja ele julgado em tal ou qual sentido, por ter apreciado mal a prova em que atentou.

Importa fazer menção ao fato de que a jurisprudência vem admitindo que o erro de fato que configure erro de atividade (error in procedendo) passa a vir justificar a anulação do processo e sua retomada a partir do momento de invalidade, e não só o erro de fato que configure o erro de juízo ou error in judicando.

Um julgado do STJ admitiu ser cabível a rescisória para desconstituir julgado que não apreciou o mérito da demanda, pois declarou intempestivo recurso de agravo de instrumento.

Não ensejam rescisória os atos e sentenças de jurisdição voluntária, como por exemplo, a que homologa a separação amigável ou de partilha amigável (pois que desafiem a ação anulatória).

A ação rescisória não tem como desfazer decisões proferidas em processos de jurisdição voluntária ou graciosa, posto que não sejam suscetíveis de trânsito em julgado.

Interessante julgado foi prolatado pelo STF no sentido de que a transação homologada em juízo pode ser atacada por ação comum de anulação ou nulidade, porque na espécie, a ação não é contra própria transação, alegando vício de coação.

O interesse processual na rescisória está em buscar novo julgamento que possa ser mais favorável à parte e a configuração do trânsito em julgado do decisório, eis que, antes disso, ainda são cabíveis as modalidades recursais.

As sentenças de mérito ainda que não sujeitas à autoridade de coisa julgada material e, por esse motivo, não desafiam a rescisória, como por exemplo, a ação popular, a ação civil pública e a ação para a tutela de direitos e interesses difusos.

Importante salientar que a propositura de rescisória não suspende a execução da sentença rescindenda. Contudo, a jurisprudência passou a admitir medidas cautelares [18] ou antecipatórias da tutela com o fito de suspender liminarmente a exequibilidade do julgado rescindendo.

Por essa razão, a Lei 11. 280, de 16.09.2006 positivou tal entendimento e conferiu a seguinte redação ao artigo 489 do CPC/1973 (art. 969 do CPC/2015). É possível igualmente a antecipação os efeitos da rescisória. Não há como produzir nova eficácia substancial enquanto vigoram os efeitos da decisão objeto da rescisão.

A petição inicial da ação rescisória conforme o art. 490 do CPC/1973 (art. 968, §2º do CPC/2015) pode ser liminarmente indeferida pelo relator do processo nos casos oriundos no artigo 295 do CPC/1973 (art. 330 do CPC/2015) e, ainda, quando não efetuado o depósito previsto no art. 499, II do CPC/1973 ou art.968, II do CPC/2015.

O CPC/1973 peca infelizmente por omitir o recurso cabível da decisão de indeferimento da inicial da rescisória, o que segundo Barbosa Moreira pode ser solucionado pelo Regimento Interno do Tribunal e, se não o for, será admissível a impetração do mandado de segurança contra o ato judicial do relator.

Cumpre destacar que a ação rescisória tem procedimento de competência originária dos Tribunais. Seu julgamento se dá, portanto, em uma única instância.

Aliás, a petição inicial é endereçada ao próprio tribunal que proferiu o acórdão rescindendo ou o Tribunal de segundo grau de jurisdição no caso de sentença de juiz de primeiro grau.

O prazo de resposta do réu é fixado pelo relator, mas não poderá ser inferior de quinze dias e nem superior a trinta dias, conforme o art. 491 do CPC/1973, a novidade que segundo o CPC de 2015, em seu art. 970, os dias serão úteis, o que confere significativa majoração temporal.

É possível o julgamento antecipado da lide quando a questão for unicamente de direito e, não houver necessidade de produção probatória em audiência. Caso seja necessária a dita produção probatória, o relator delegará a competência ao juiz de direito da comarca onde devam ser produzidas, marcando o prazo de quarenta e cinco dias a noventa dias para a conclusão da diligência e retorno dos autos ao tribunal. A prova documental deverá ser produzida perante o próprio Tribunal.

O julgamento da rescisória se dá em três fases, a saber: juízo de admissibilidade, depois, aprecia-se o mérito da causa rescidenda ou não a sentença impugnada (judicium rescindens) e, finalmente, realiza-se novo julgamento de matéria que fora objeto de sentença rescindida (judicium rescisorium).

Lembrando que tais fases são prejudiciais entre si e, Pontes de Miranda ensina que a decisão que rescinde o julgado possui natureza constitutiva e que não rescinde possui natureza declaratória.

Por outro lado, o novo julgamento poderá ter as clássicas modalidades de decisórios: declaratório, constitutivo ou condenatório.

O CPC tanto o de 1973 como o de 2015 fixou o biênio decadencial como prazo extintivo de direito de promover a ação rescisória, contados do trânsito em julgado da decisão rescindenda. (Art. 495 do CPC/1973 ou art. 975 do CPC/2015).

Consolidou-se a jurisprudência nacional no sentido de que mesmo nos casos de recurso especial ou extraordinário que venham a ser não-conhecidos, o prazo em questão será contado a partir do trânsito em julgado da decisão do STF ou do STJ. Só não se fará a contagem dessa maneira, destaca Theodoro Junior, se a inadmissão do recurso se deu por intempestividade, hipótese em que a coisa julgada se deu antes mesmo da interposição do recurso.

Interessante é verificar o verbete nº 264 do STF que aduz que se verifica a prescrição intercorrente pela paralisação da ação rescisória por mais de cinco anos.

Esclarece a tempo o verbete nº401 do STJ que o prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quanto não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.

Assim o termo inicial [19] do biênio decadencial será contado necessariamente da data de trânsito em julgado da decisão. Com efeito, se a rescisória for proposta pelo motivo de juntada de prova nova, o seu prazo continuará sendo de dois anos, mas com início da data da descoberta desta prova, muito embora, seja necessário observar o tempo máximo de cinco anos da data do trânsito em julgado.

Da mesma forma, também na hipótese de simulação ou colusão, o prazo será contado do momento em que houver ciência de uma destas circunstâncias.

E, por fim, nos casos em que o STF, em controle concentrado ou difuso de constitucionalidade, tiver declarado a inconstitucionalidade [20] de lei em que tiver se fundado sentença já transitada em julgado, será a partir do trânsito em julgado da decisão do Pretório Excelso que iniciará o prazo de dois anos para ajuizamento da ação rescisória quanto ao processo primitivo (art. 525, §15 c/c 535, §8º c/c art. 966, V).

Referências:

AMARAL Santos, Moacyr. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 4ª edição, volume III, São Paulo: Saraiva, 1985.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao CPC de 1973. 11ª edição. Volume V. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

DE MELO, Nehemias (coordenação). Novo CPC Anotado, Comentado, Comparado. São Paulo: Editora Rumo Legal, 2015.

HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Novo Código de Processo Civil. Niterói, Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2015.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Efficacia e Autorità della Sentença. Reimpressão. 1ª edição, Milão: Editora Torquette, 1962.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. Volume 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção Neves. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. 7ª edição. São Paulo: Método, 2015.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao CPC t. III. Rio de Janeiro: Forense, 1973.

_______________________________________ Tratado de Ação Rescisória das sentenças e outras decisões. Rio de Janeiro: Borsói, 1957.

SOUZA, Paola Harrote Amorim. Ação Rescisória Aspectos Relevantes do Inciso VI. Disponível em: http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2007_1/paola_harrote.pdf. Acesso em 15.01. 2016.



[1] Sobre o tema recomendo a leitura da obra de autoria de Márcio Rodrigues Oliveira. Relativização da coisa Julgada Inconstitucional. Rio de Janeiro: Editora Multifoco.

[2] O termo rescisão não deve ser confundido com a nulidade. Pois segundo Pontes de Miranda significa ser e não valer, enquanto que a rescindibilidade, carece de pressuposto legal para que a sentença possa ser atacada e rescindida.

A rescisão também não visa corrigir injustiças, como é o caso dos recursos, é remédio jurídico para exame da prestação já entregue, em casos que mais interessam à ordem social que ao direito das partes. Rescindir, na técnica processual, não pressupõe defeito invalidante.

É simplesmente romper ou desconstituir ato jurídico, no exercício de faculdade assegurada pela lei ou pelo contrato (direito potestativo).

A se comparar com os mecanismos do direito privado, a rescisão da sentença tem a mesma natureza da rescisão do contrato por inadimplemento de uma das partes. Desfaz-se o contrato válido porque, em tal conjuntura, a lei confere ao prejudicado o direito de desconstituir o vínculo obrigacional.

Assim, também acontece com a parte vencida por sentença transitada em julgado, se presente alguma das situações arroladas no art. 485 (ou 966 do CPC/2015).

[3] A sociedade contemporânea em seu perfil complexo bem como a grande velocidade com que sucedem os fatos, fazem com que nem sempre haja soluções disponíveis e prontas na lei ou na norma jurídica. Diante deste contexto, a dogmática tradicional começou a ceder espaço, mostrando-se evidentemente insuficiente para resolver conflitos jurídicos. Não significa afirmar que a lei não deva ser obedecida, mas sim, que sua interpretação deve estar fundamentada em doutrina e nos princípios por esta versados.

É necessário a ponderação de valores, justiça e segurança, na qual muitas vezes, deve-se abrir mão de prestigiar a segurança, para se optar por outros caminhos que levam à obtenção de decisões mais justa e que atendam ou ao menos correspondam ao anseio social.

Os princípios não necessitam de consagração positiva expressa, pois exercem função influente na vida e evolução da ciência jurídica, notadamente na ciência processual.

[4] O CPC/2015 substituiu o termo “documento novo” por “prova nova”. Caso tenha se pretendido afirmar como prova nova apenas uma prova documentada que não seja documental, ou seja, uma prova oral ou pericial materializada em um documento, a modificação, apesar de ampliar as possibilidades de cabimento da ação rescisória, não terá grande repercussão prática. Mas, se a prova nova, não precisa ser a pré-constituída, aparentemente o legislador teria criado uma espécie sui generis de coisa julgada secundum eventum probationis.

[5] Pontes de Miranda acrescenta que na ação rescisória há julgamento de julgamento. É, pois, processo sobre outro processo. Nesta e, por esta, não se examina o direito de alguém, mas a sentença passada em julgado. Logo se desenvolve fora do processo que proferiu a decisão. Portanto, a ação rescisória é meio de impugnação excepcional, pois se através de outro remédio jurídico processual, é possível obter o mesmo resultado, recurso, exceção de incompetência, ação anulatória, não há de exercer a pretensão através da rescisão.

[6] Não se deve confundir decisão rescindível com decisão nula. Tampouco se admite tal confusão entre a decisão rescindível e decisão inexistente. É natural que, para ser desconstituída por meio da ação rescisória, a decisão deve existir juridicamente, uma vez que aquilo que não existe não precisa ser desconstituído, bastando mera declaração de inexistência jurídica. Desta forma, a sentença proferida em processo juridicamente inexistente, ou que tenha vício in procedendo intrínseco que a torne juridicamente inexistente não é objeto de ação rescisória.

[7] Contudo, três são os requisitos básicos indispensáveis para que seja possível sua admissibilidade que a decisão rescindenda seja de mérito, portanto, amoldável a uma das hipóteses do art.269 do CPC/1973 ou art. 487 do CPC/2015, que haja trânsito em julgado e que a causa de pedir esteja elencada em alguma das hipóteses contidas no art. 485 do CPC/1973 ou art. 966 do CPC/2015. A falta dos dois primeiros pressupostos, acarreta o descabimento da ação, por falta de interesse de agir. A exigência do trânsito em julgado, não significa o necessário esgotamento de todos os recursos eventualmente cabíveis da decisão que se pretende rescindir. E tal entendimento está pacificado, sendo inclusive objeto da Súmula 514 do STF.

[8] Barbosa Moreira recomenda que se deve receber com ressalvas a tese adotada pela Súmula 343, aduzindo que: “Sem dúvida, no campo interpretativo, muitas vezes há que admitir certa flexibilidade, abandonada a ilusão positivista de que toda questão hermenêutica exista uma única solução correta. Daí, enxergar em qualquer divergência obstáculo irremovível à rescisão vai considerável distância: não parece afastar a incidência do art. 485, V, só porque dois ou três acórdãos infelizes, ao arrepio do entendimento preponderante, hajam adotado interpretação absurda, manifestamente contrária ao sentido da norma.

[9] Tanto a ação rescisória como os recursos especiais e extraordinários são institutos jurídicos que podem ser utilizados para o ataque a decisões que violem disposição de lei, objetivando a reanálise da prestação jurisdicional, com relação à aplicação do direito. Todavia, são instrumentos com características peculiares, que os tornam inconfundíveis.

Sob a vigência do Código Processual Civil de 1939, alguns doutrinadores apesar de admitissem apenas a violação à lei material, hoje isso é irrelevante. O posicionamento prevalente é de que a violação literal da norma jurídica ensejadora de rescisória, pode ser tanto processual quanto material.

A razão de ser de tal entendimento, está centralizado no aspecto de que seria equivocado considerar somente o direito material digno de controle de sua aplicação, desprezando o direito processual. Desta feita, falso dizer que o processo só tenha por fim realizar o direito material, visto que ele procura realizar o direito objetivo, sem qualquer espécie de distinção.

Por exemplo, com o trânsito em julgado de uma decisão proferida em grau de apelação, na qual o procurador não possuía poderes para recorrer, é possível postular a rescisão dessa decisão, sob o fundamento da falta de poderes ad judicia do mandatário, e não, especificamente do acórdão.

No mesmo sentido, igualmente, já se posicionou a jurisprudência entendendo que as normas de direito processual também se sujeitam à regra do inciso V do art. 485 do CPC/1973.

As nulidades de ordem formal também podem ensejar a rescisória, quando expressamente previstas em lei, mesmo que a respeito delas tenha havido preclusão durante o curso do processo. É o que ocorre com o processo em que não intervém o MP, sentença proferida sem a realização da audiência de instrução e julgamento quando houver provas a serem produzidas.

[10] Registre-se que para a decisão ser objeto de ação rescisória, deve ter transitado em julgado, havendo algum recurso ainda cabível contra tal decisão, não se admite sua rescisão pela via excepcional da ação rescisória. Na realidade, não faltará o interesse de agir, ausência de necessidade, na rescisória ingressada nesse momento procedimental. Não é necessário que a parte esgote todos os recursos cabíveis para só então ser cabível a rescisória, basta que no caso concreto o recurso cabível não tenha sido devidamente imposto. Uma sentença pode ser apelada, mas não o sendo, transitará em julgado e, sendo de mérito, poderá ser desconstituirá por meio de ação rescisória.

[11] A maioria dos doutrinadores identifica duas etapas no julgamento da rescisória: o juízo rescindente que decreta a ilegalidade da decisão transitada em julgado, retomando a prestação jurisdicional e, o juízo rescisório que reexamina a matéria proferindo nova admissibilidade da ação. No juízo rescindente, a natureza da sentença que julga procedente o pedido é desconstitutiva, porque cria, modifica ou extingue a relação jurídica processual.

A decisão que julga improcedente o pedido é declaratória negativa, pois declara apenas que não existe o direito à invalidação da sentença.

Já no juízo rescisório a decisão de mérito pode ser declaratória, constitutiva ou negativa, não se podendo definir aprioristicamente, qual o teor da decisão.

A respeito dos efeitos da decisão de procedência no juízo rescindente há três correntes.

A primeira destas defendida por Luís Pinto Ferreira que proclama que os efeitos são ex nunc pois como a sentença tem caráter constitutivo, a decisão não pode retroagir no tempo significando que seu alcance se dará apenas a partir da decisão rescindida.

A segunda corrente, com posição oposta, é liderada por Jorge Americano. Apoiando-se na doutrina alemã, atribui eficácia ex tunc, por entender que o acolhimento do pedido de rescisão, torna anulável o negócio jurídico. Essa corrente encontra apoio no art. 158 do Código Civil de 1916, e no atual art. 182 do CC de 2002, ao preceituarem que a sentença deve restituir o status quo, ou pelo menos determinar uma indenização equivalente, quando a restituição não for mais possível.

Em posição intermediária, situa-se Barbosa Moreira, cujo entendimento defende que nenhum dos efeitos radicais, nem a eficácia ex tunc ou ex nunc da sentença que acolhe a rescisória é de fato satisfatório. Explicita que havendo na causa interesse de terceiros, é necessária uma análise sistemática envolvendo princípios e o direito material incidente no caso concreto, para que seja possível determinar o real alcance da decisão e seus efeitos.

[12] Concussão: Art. 316 CP – É uma espécie de extorsão praticada pelo servidor público com abuso de autoridade. O objeto jurídico é a probidade da administração pública. Sujeito ativo: Crime próprio praticado pelo servidor e o sujeito passivo é o Estado e a pessoa lesada. A conduta é exigir. Trata-se de crime formal pois consuma-se com a exigência, se houver entrega de valor há exaurimento do crime e a vítima não responde por corrupção ativa porque foi obrigada a agir dessa maneira.

Na jurisprudência, a vantagem indevida, que trata o caput do artigo, deve ser patrimonial.

Observação: Se uma pessoa finge ser um policial e faz a extorsão, o crime será de extorsão e não de concussão.

Excesso de exação: §1o) A exigência vai para os cofres públicos, isto é, recolhe aos cofres valor não devido §2o) Era para recolher aos cofres públicos, porém o funcionário se apropria do valor;

Corrupção passiva: 317CP

O objeto jurídico é a probidade administrativa. Sujeito ativo: funcionário público. A vítima é o Estado e apenas na conduta solicitar é que a vítima será, além do Estado a pessoa ao qual foi solicitada.

Condutas: Solicitar, receber e aceitar promessa

No caso do §1o, aumenta-se a pena se o funcionário retarda ou deixa de praticar atos de ofício. Não se admite a tentativa. No §2o, é privilegiado, onde cede ao pedido ou influência de 3a pessoa. Só se consuma pela prática do ato do servidor público.

Prevaricação: 319 CP O referido tipo penal também se tutela a probidade administrativa. É um crime próprio, cometido por funcionário público e a vítima é o Estado. A conduta é: retardar ou deixar de praticar ato de ofício. O Crime consuma-se com o retardamento ou a omissão, é doloso e o objetivo do agente é buscar satisfação ou vantagem pessoal.

[13] Tratando-se de decisão colegiada (acórdão), nem sempre a existência de um juiz que pratique um dos crimes previstos no rol do art. 966 do CPC/2015 permite o ingresso de rescisória, sendo necessário que o voto dado por esse juiz tenha concorrido para unanimidade ou para a maioria. Na questão da votação unânime, considera-se a possível influência do juiz criminoso nos votos proferidos pelos outros integrantes do órgão colegiado. Só não será cabível a ação rescisória na hipótese de o juiz criminoso proferir voto minoritário, superado pelos votos de outros membros do colegiado que não estejam envolvidos na prática do crime.

[14] O litigante pode impugnar a decisão alegando que o magistrado cometeu: erro in procedendo ou error in judicando. Tais erros são defeitos contidos nas decisões judiciais e que são capazes de ensejar sua reforma ou mesmo invalidação.

O error in procedendo consiste no erro ao proceder. É erro de forma. Ocorre quando o juiz inobserva os requisitos formais e necessários para a prática do ato processual, culminando num decisório nulo. É o caso de sentença que está ausente o relatório ou a que concede pedido que o autor não postulou, redundando, numa sentença extra petita.

A parte prejudicada pode pleitear a cassação da sentença, quando pugna por sua invalidação ou anulação, visto que o magistrado não obedeceu à forma processualmente prevista, e nem os limites de sua atuação.

Destaca0se que, embora o erro in procedendo consista, basicamente, no vício formal contido no bojo da decisão, tem-se que a ausência de condições da ação e de pressupostos processuais para o desenvolvimento válido e regular do processo, igualmente, é considerado erro procedimental do juiz, que implicará na extinção prematura do processo.

Pontua Barbosa Moreira:

“O error in procedendo implica em vício de atividade (v.g., defeitos de estrutura formal da decisão, julgamento que se distancia do que foi pedido pela parte, impedimento do juiz, incompetência absoluta) e por isso se pleiteia neste caso a INVALIDAÇÃO da decisão, averbada de ilegal, e o objeto do juízo de mérito no recurso é o próprio julgamento proferido no grau inferior”.

No mesmo sentido, elucida Moreira:

“O error in iudicando é resultante da má apreciação da questão de direito (v.g., entendeu-se aplicável norma jurídica impertinente ao caso) ou de fato (v.g., passou despercebido um documento, interpretou-se mal o depoimento de uma testemunha), ou de ambas, pedindo-se em consequência a REFORMA da decisão, acoimada de injusta, de forma que o objeto do juízo de mérito no recurso identifica-se com o objeto da atividade cognitiva no grau inferior da jurisdição”.

[15] Nesse sentido, Pontes de Miranda vai além ao defender o cabimento da rescisão da sentença, quando no prazo do biênio decadencial, a jurisprudência mudar o entendimento sobre a matéria. Quando o direito passar a ser diferentemente revelado, não só é rescindível tal sentença, como o são quaisquer outras que tenham revelado erradamente o direito. A nova jurisprudência faz suscetíveis de rescisão a todos e só após o biênio pode cobri-las contra o exame rescindente.

É adepto do mesmo entendimento, Nelson Nery Junior que defende a interpretação divergente não pode servir de óbice para propositura de ação rescisória. Com a atual facilidade de pesquisas jurisprudenciais, o comum é encontrar acórdãos com interpretações divergentes sobre a mesma lei. Desta forma, a aplicação da Súmula 343 do STF acaba inviabilizando a propositura da rescisória, violando princípios e garantias constitucionais.

Critica com fervor Teresa Arruda Alvim Wambier entendendo que o enunciado afronta os princípios de legalidade e da isonomia. Afinal, admitir que sobreviva a decisão que consagrou a interpretação já pacificamente superada, é prestigiar o acaso e, não propriamente a justiça. É comum, que, por exemplo, no início do período de vigência de certo texto legal, haja certa dose de insegurança dos Tribunais, que gere indesejáveis e às vezes fundas discrepâncias entre decisões jurisprudenciais. Depois de certo tempo, todavia, a matéria, por assim dizer amadurece e a jurisprudência começa a se firmar num determinado sentido.

[16] O saudoso Ovídio Baptista acrescenta que a não incidência da Súmula 343 do STF acaba introduzindo no sistema processual uma categoria anômala de julgados, visto que os acórdãos gerados ao tempo da divergência, acabam se tornando prestações jurisdicionais incompletas. Na verdade, tais decisões não teriam segurança jurídica, pois estariam submetidas à incômoda expectativa de aguardar qual dentre as interpretações antagônicas tornar-se-ia inconstitucional.

[17] O erro de fato deve ser fundamento essencial da sentença, ou seja, não fosse o erro de fato, a decisão teria sido em outro sentido. A apuração do equívoco factual deve ser realizada com provas produzidas no processo originário, de forma que a produção probatória na própria rescisória nesse é caso é proibida. Não deve existir controvérsia respeito do fato na ação originária, ou porque as partes não alegaram e caberia o juiz conhece-los de ofício, ou porque houve confissão de uma parte, ou ainda porque a parte contrária se absteve de impugnar a alegação de fato. Inexistência de pronunciamento judicial a respeito do fato, entendendo-se que a má apreciação de prova não gera ação rescisória.

[18] Existe majoritária corrente doutrinária que inadmite a ação rescisória contra as decisões proferidas em processo cautelar, com ressalva ao previsto ao art. 810 do CPC e em processos de jurisdição voluntária, afirmando que nesses casos a inexistência de coisa julgada material afastaria o interesse de agir no ingresso de ação rescisória. Com o fim do processo cautelar autônomo e por consequência também da sentença cautelar pelo CPC/2015, a polêmica a esse respeito desaparece.

[19] Há duas exceções: Quando fundada na hipótese prevista no inciso VII do art. 971 do CPC/2015, o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de cinco anos, a contar do trânsito do julgado da última decisão proferida no processo. Ou quando o fundamento for a simulação ou colusão das partes, o prazo começa a contar o terceiro prejudicado e para o Ministério Público que não interveio no processo, a partir do momento em que têm ciência da simulação ou colusão.

[20] Os doutrinadores se dividem entre os defensores da total intangibilidade da coisa julgada e aqueles que sustentam a tese da relativização, ante a posterior declaração de inconstitucionalidade da lei. O NCPC prevê a possível modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

A primeira corrente doutrinária não vê a ofensa quando o entendimento seja oscilante na própria jurisprudência, mesmo que, posteriormente, haja consenso sobre uma das correntes adversárias, ou advenha entendimento do Tribunal Superior pacificando a matéria, pois não será possível afirmar, que, à época do dissídio, teria a corrente vencida cometida ofensa à literalidade da norma jurídica.

Humberto Theodoro Junior analisando julgados que restaram definitivos e declararam a inconstitucionalidade de cobrança de tributo, entendeu que não caberia ação rescisória, por parte da Fazenda Pública, mesmo que tenha havido superveniente manifestação do STF com relação à constitucionalidade da lei. Justifica seu posicionamento com a alegação de que a coisa julgada e consequente segurança da relação jurídica, não são de natureza diversa pelo simples fato de ter o julgamento se apoiado em lei que mais tarde veio a ser considerada constitucional, principalmente quando a censura foi através de incidenter tantum e, não, mediante ação direta de constitucionalidade.  

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Questões controvertidas da ação rescisória na sistemática processual brasileira (com ênfase no CPC/2015).. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/novo-cpc-por-gisele-leite/questoes-controvertidas-da-acao-rescisoria-na-sistematica-processual-brasileira-com-enfase-no-cpc2015/ Acesso em: 22 nov. 2024