Novo CPC por Gisele Leite

A cognição e evolução da tutela de direitos no CPC/2015.

Mesclado entre as heranças alemã e italiana, o CPC de 2015 nasce com uma preocupação de ser efetivo, de cumprir a duração razoável do processo e, promover uma cognição aparelhada da máxima efetividade processual possível com a primazia do julgamento do mérito.

Embora se aluda no texto codificado de 2015 ao processo de conhecimento e a processo de execução, devemos reconhecer que rigorosamente o processo não pode ser qualificado como de cognição ou de execução.

Lembremos que conhecer e executar são atividades desempenhadas pelo juiz ao longo do processo. Tratam-se de técnicas [1] processuais de que o juiz se vale para satisfazer ou acautelar os direitos, valendo-se do processo. Portanto, apenas elipticamente é que se pode cogitar em processo de conhecimento ou processo de execução.

Mas, o processo de conhecimento e ao processo de execução são, em verdade, eixos para a organização do novo CPC que atende mais à tradição encarnada em determinada linhagem doutrinária, que entre nós fora positivada no CPC/1973, do que propriamente a uma necessidade teórica ou prática supostamente inerente à estrutura do processo civil.

O processo de conhecimento traçado pelo Código Fux [2] sequer poderia ser chamado de conhecimento, na medida em que se admite a antecipação de tutela (arts. 294 ss.) e cumprimento da sentença (arts. 513 ss.) em seu bojo, porque é inerente a prática de atos concretos que interfiram concretamente na vida das pessoas.

Portanto, o processo de conhecimento admite dentro de si a atividade executiva, o que consiste em evidente contradição. Em 1964 quando entregou Alfredo Buzaid[3] o Anteprojeto de CPC brasileiro de 1973 atendendo ao convite do Ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta [4], que lhe incumbiu da tarefa como professo catedrático de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP.

Em 1972, o Projeto fora encaminhado ao Congresso Nacional por mensagem do Presidente da República. Foi então discutido e aprovado, foi sancionado o CPC de 1973 por Médici coadjuvado pelo então Ministro da Justiça, Alfredo Buzaid.

A influência da processualística alemã do final do século XIX e, mais fortemente da doutrina italiana da primeira metade do século XX na formação do CódigoBuzaid é evidente. E, o aponta o próprio Buzaid ao recomendar na Exposição de Motivos a leitura das Instituições[5] de Chiovenda [6] como livro-chave para sua compreensão e ao consagrá-lo como um monumento imperecível de glória à Liebman[7] , representando fruto de seu sábio magistério no plano da política legislativa; atesta-o Cândido Rangel Dinamarco [8] , com a indicação do Manual de Liebman como o guia mais seguro para a perfeita compreensão de nossa lei processual.

A repercussão das noções do conceitualismo processual civil europeu no Código Buzaid pode ser nitidamente aferida a partir da sua estrutura. E, também, as linhas fundamentais do sistema do Código Buzaid podem ser bem compreendidas diante das suas relações com a realidade social e com o direito material, do mesmo modo predeterminadas pelo clima do cientificismo peculiar do conceitualismo [9].

O Anteprojeto do CPC de 1964 entregue por Buzaid ao governo federal contém apenas a redação dos três primeiros livros do Código, correspondentes ao processo de conhecimento (art. 1 ao 612), ao processo de execução (art. 613 ao 845) e ao processo cautelar (arts. 846 ao 913). Não contempla a redação do livro quarto, correspondente aos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa e de jurisdição voluntária.

Com isso, na ótica de Buzaid muito provavelmente bastava somente o processo de conhecimento, de execução e cautelar para a organização do CPC. Intimamente Buzaid entendeu que sua missão estava cumprida apenas com a apresentação dos três primeiros livros do anteprojeto.

A própria terminologia utilizada no quarto livro pois estreitamente ligado ao direito material, ali existiriam os procedimentos especiais. As ações especiais correspondem a “quinquilharias” pois confundiria o direito material com o direito processual.

Afinal, o processo é conceito da ciência processual que não pode ser adjetivado com os conceitos ligados ao direito material, sob pena de ser ameaçada a sua autonomia.

Finalmente em 1972 fora encaminhado ao Congresso Nacional brasileiro e a influência da doutrina italiana da primeira metade do século XX está visível em sua construção.

O processo de conhecimento visa dar razão a uma das partes mediante a sentença declaratória, constitutiva ou condenatória (Guiseppe Chiovenda [10]).

É comum afirmar a existência de três modelos de processos distintos, a saber: o processo de conhecimento, o cautelar e o de execução, havendo notáveis diferenças entre cada um destes.

O processo de conhecimento é instaurado na busca da tutela satisfativa, ou seja, aquela que irá satisfazer a sua pretensão de direito material. Neste processo, o demandante irá afirmar a ocorrência de um fato e deverá comprová-lo.

O demandado será citado e poderá impugnar o que o autor afirma, também podendo apresentar a seu favor outros fatos impeditivos, modificativos ou extintivos.

No decorrer deste processo, haverá a produção de provas com intuito de convencer o magistrado a respeito de como a situação fática se desenvolveu e, ao final, será proferida uma sentença com ou sem resolução de mérito.

Salvo algumas exceções, posteriormente esta sentença, terá que ser objeto de execução, pois nem sempre o demandado concorda em cumpri-la ou os seus efeitos se perfazem automaticamente.

Percebe-se que o processo[11] é conceito da ciência processual que não pode ser adjetivado com conceitos ligados ao direito material, sob pena de ser ameaçada a sua autonomia [12].

O processo de conhecimento se inicia com a propositura da ação que constitui direito ao processo e a um julgamento de mérito. E, termina com a prolação da sentença. Com a sentença proferida, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional (functus officio) [13].

O processo de execução tem por objetivo promover a transformação do mundo fático sem o concurso da vontade do obrigado, de modo a realizar a prestação consubstanciada no título executivo que lhe serve de suporte. Trata-se de atividade necessária à cognição ou pelo menos à atividade que lhe deu origem.

Em verdade, pretender reduzir todos os tipos de conflitos de interesses a três categorias, é um pouco ingênuo, mas, certamente estas se enquadrariam nas seguintes modalidades de crises[14] jurídicas: a de certeza, a da situação jurídica e cooperação (adimplemento, descumprimento).

A crise de certeza constitui de interesses tipificados pela necessidade de se obter do Poder Judiciário uma certeza jurídica acerca da existência ou inexistência de uma relação jurídica, ou excepcionalmente sobre a autenticidade ou falsidade de um documento.

Já a crise de situação jurídica constitui-se em um conflito de interesses tipificado pela necessidade de se obter do Poder Judiciário uma situação jurídica nova, que represente uma mudança jurídica da situação anterior que se encontrava em conflito.

Na crise de cooperação (adimplemento ou descumprimento) configura-se em modalidade de crise tipificada pela necessidade de se alcançar do Poder Judiciário o cumprimento da norma jurídica descumprida (cooperação ou adimplemento).

Sabemos ser vedada a autotutela e, permanecendo o conflito de interesses, certamente essas crises jurídicas desembocarão no Judiciário, para que este possa então, resolvê-las de forma justa e efetiva, trazendo a sonhada paz social.

O processo[15] se revela então a ferramenta imprescindível para dar legitimidade e legalidade à revelação da norma concreta, enfim, para permitir e justificar a atuação do Judiciário, certamente deve ofertar técnicas apropriadas para atingir a finalidade para qual existe.

Com relação à crise de cooperação (descumprimento obrigacional) o Direito, especialmente, o direito processual, tem dificuldades em pacificar esse tipo de lide, justamente porque a mera revelação da norma jurídica concreta não é bastante para pôr fim ao conflito de interesses. É preciso transcender. É necessário partir da norma jurídica concreta declarada para a sua atuação no mundo dos fatos.

O NCPC tem franca inspiração nos modelos legislativos posteriores à redemocratização alemã, sendo evidente a inserção da Constituição Federal brasileira vigente (e seus valores) como lente e filtro de qualquer atividade do Estado (função legislativa, judiciária e executiva).

O NCPC passou aderir a superação do modelo positivista para um pós- positivista ou neopositivista conforme se pode extrair no artigo 1º do CPC/2015.

Entre a cognição e execução reconhece-se haver uma conexão sucessiva. Pois a execução atua tão somente por meios sub-rogatórios (arts. 625, 631, 633, 634, 636, 637, 643 e 647). O título executivo representa a uma obrigação certa, líquida e exigível (art. 586). Submetem-se ao processo de execução tanto os títulos executivos judiciais como os extrajudiciais (arts. 582/585). São espécies do mesmo gênero a atividade judicial e extrajudicial, disciplinada em conjunto.

Não é tarefa do juiz no processo de execução dar razão a uma das partes e também não há equilíbrio entre as partes na execução porque o título executivo já indica que uma das partes tem razão. A tarefa do juiz é simplesmente traduzir em fato aquilo que se encontra normativamente encerrado no título executivo.

Como todo e qualquer processo visa solucionar a lide, quando aquele for extinto por solução desta, logo, é porque o mérito foi julgado. Assim também há de ser no processo de execução. O processo de execução como qualquer outro, somente deve iniciar-se quando houver uma lide e perdurar enquanto esta não for solucionada.

No momento em que a lide é solucionada, cumpre-se o objeto do processo e com isso este deve ser extinto com julgamento de mérito. Quando a lide do processo de execução é solucionada, esta deve ser extinta com julgamento de mérito.

Quando afirmamos anteriormente que existe lide no processo de execução, estávamos implicitamente admitindo a existência de mérito neste processo. Não será o mesmo mérito do processo de conhecimento, mas exige-se mérito.

Alguns autores negam a existência de lide no processo de execução e, por isso coerentemente negam a existência de mérito neste processo.

Entretanto, outros não admitem o mérito no processo de execução, muito embora, o fazem de forma incoerente, pois admite a existência de lide, concordam que ela é o mesmo que mérito, mas por fim negam haver mérito na execução, conforme apontou Marcelo Navarro.

Na doutrina encontramos alguns doutrinadores que admitem o mérito na execução, como Donaldo Armelin,José Frederico Marques, Pontes de Miranda, Marcelo Navarro. O professor Araken de Assis, faz várias alusões ao mérito na execução, mas não deixa clara a sua posição.

O professor Cândido Dinamarco que não admite julgamento de mérito direito no processo de execução, mesmo assim, admite a existência deste mérito, nega apenas a possibilidade de seu julgamento, como se vê: ” Como venho dizendo, é um preconceito que leva a pensar que o mérito seja idéia inerente exclusivamente do processo de conhecimento [16]”. Prossegue: ” Afastamento das questões de mérito não significa, porém, que inexista mérito no processo executivo”.

Há o mérito representado pela pretensão executiva deduzida mediante demanda inicial. O fato de eventual julgamento a respeito ter outra sede (a dos embargos) não significa que o mérito [17] inexista naquele processo

Desta forma, como o processo de execução contém apenas atividade executiva, eventual defesa diante da situação substancial encerrada no título executivo não pode ser nele apresentada.

Para se voltar contra a execução tem o executado (art. 736) que acarretará o início de um novo processo de conhecimento, incidental à execução.

O critério que pavimenta a separação entre o processo de conhecimento e o processo de execução é o critério da atividade do juiz [18].

Através da legitimação histórica advinda do direito romano clássico e com as observações conceitualistas pontuavam que a cognição e execução não são funções ou fases processuais distintas de um mesmo processo, mas representam atividades que devem ser realizadas, de maneira naturalmente autônoma, em dois processos distintos.

Na cognição[19] o juiz conhece com o fim de decidir a causa; nesse, apenas promove a adequação do mundo àquilo que se encontra estampado no título executivo.

O processo cautelar visa assegurar que uma das partes, ou o próprio processo, em última análise, para que não venha sofrer um dano jurídico ocasionado por um perigo da tardança ou por um perigo de infrutuosidade da tutela jurisdicional, enquanto pendente o processo de conhecimento ou de execução, ou enquanto quaisquer destas atividades se encontrarem prestes a iniciar.

Desta forma, concluímos que o processo cautelar [20] é na natureza doutrinária, dependente e acessório de provimento do processo de conhecimento ou de execução (arts. 796 e 806/808). Portanto, constitui proteção provisória emprestada à cognição e à execução. Em síntese, é um instrumento do instrumento.

O critério[21] identificador do processo cautelar não é o da atividade judicial, pois o processo cautelar corresponde a uma unidade, o critério é o da estrutura dos provimentos de cognição, execução e cautelar[22].

Enquanto que os provimentos de cognição e execução são definitivos, os provimentos cautelares são sempre provisórios. E, pouco importa a satisfatividade ou não do provimento para caracterização da função cautelar.

Afinal segundo o Código Buzaid os provimentos cautelares poderão ser assecuratórios ou satisfativos. O que era importante era a provisoriedade para o delineamento das espécies que entravam no processo de cautelar.

Com a coordenação de processo de conhecimento, de execução e cautelar o Código Buzaid propiciou às parts de um procedimento padrão para a tutela de direitos fundados somente em conceitos processuais, portanto, independentes da natureza do direito material posto em juízo.

Por força de seu neutralismo científico o Código Buzaid terminou disciplinando o processo civil tendo se pautado em dados sociais existentes na Europa do final do século XIX. As relações sociais e as situações jurídico-materiais pressupostos eram as relações do homem do Código Civil de 1916, de Clóvis Beviláqua [23], não por acaso, sendo considerado mesmo uma codificação tipicamente oitocentista [24].

Por essa razão, o Código Buzaid era considerado individualista, patrimonialista e dominado pela ideologia da liberdade tendenciosamente irrestrita e da segurança jurídica como defesa da manutenção do status que, pensado a partir da ideia de dano e preordenado a prestar tão somente uma tutela repressiva aos direitos.

É fundamental perceber que o conceitualismo impôs à ciência processual uma atitude neutra em relação à cultura. O que perenizou indevidamente certo contexto social. E, assim, ao isolar o direito da realidade social, congelou o processo no momento de sua formulação.

O direito processual civil ao ser adepto do pandectismo [25], encampado logo pelo método italiano que reproduziu no século XX a realidade social existente no século anterior.

O Código Buzaid que teve por base a cultura oitocentista, seja porque fora alimentado pelo conceitualismo europeu, que a pressupunha, passou a ter atitude neutra e imparcial, seja por teve como referência a regulação do Código Civil de 1916, enormemente embevecido nas ideias doCode Civil de 1804 (Napoleão) [26] e, indiretamente, pelas lições de Savigny e ainda a influência do Esboço de Teixeira de Freitas [27], na sua redação.

É inconteste a severa influência de Savigny [28] sobre Teixeira de Freitas, vide Clóvis Couto da Silva [29] e Pontes de Miranda.

Em seu Código Beviláqua esquadrinhou a vida do homem de seu tempo, assim o homem nasce e torna-se capaz na vida civil. Um dos primeiros atos é o matrimônio onde se situa as coisas de mater, de esposa, de mãe e da sua vida privada.

Logo em seguida, constituiu o patrimônio (formado por coisas do pater, pai, marido e pai) busca ampliá-lo com o tráfego jurídico (direito das obrigações) e quando falece deixa o patrimônio (direito das sucessões).

No Código de Beviláqua não vige a preocupação com a dignidade da pessoa humana e nem com seus direitos de personalidade e, nem tampouco com as questões de índole social, tal como o trabalho, a saúde e o ensino, e nem mesmo se preocupa com assuntos que extrapolem o indivíduo, como por exemplo, ambiente, a regulação dos mercados financeiros. Não dava atenção a determinados grupos sociais, como consumidores, mulheres, crianças, adolescentes, idosos e hipossuficientes[30] em geral [31].

A preocupação prioritária do Código Beviláqua está concentrada no binômio indivíduo-patrimônio, cuja melhor correspondência se encontra no binômio liberdade-propriedade.

Não fora uma atitude isolada do legislador. Afinal, Beviláqua que se espelhou ainda as preocupações de Codificações Oitocentistas europeias que lhe antecederam e condicionaram-no.

É significativo que ao prefaciar a edição brasileira do Código Civil de Napoleão, observa a doutrina que o binômio liberdade-propriedade constituía a viga-mestra de todo o ordenamento jurídico da época, sendo um Código pensado para os indivíduos que dispõem e administram um patrimônio.

A liberdade envolve o espírito da época e a sua melhor expressão corporificava-se no livre e tendencioso e irrestrito exercício da vontade.

Converte-se em dogma e autonomia individual [32], fetiche da época, passando a sua incolumidade a comparecer ao cenário jurídico como algo juridicamente relevante.

O tráfego comercial alimenta-se dessa liberdade, instrumentalizado por vezes para melhor circulação de riquezas inclusive por títulos de créditos.

Um dos efeitos da sacralização da vontade [33] é a impossibilidade de sua coação, dominando o cenário obrigacional a regra da equivalência das prestações.

A propriedade que move a cultura do individualismo é a imobiliária, bem inerente, à produção de riquezas pelos fazendeiros que alavancavam na ocasião a economia nacional.

Por esse contexto resta fácil compreender as características centrais do Código Buzaid. De um lado, as verdadeiras tutelas jurisdicionais diferenciadas conferidas aos fazendeiros tais como as ações possessórias, e aos comerciantes (ações de execução fundadas em títulos extrajudiciais) que, comportam, no primeiro caso, possibilidade de tutela preventiva e antecipação de tutela [34] e, no, segundo, execução prévia à cognição, fruto evidente da ideologia dominante na conformação do processo.

O processo padrão para tutela de direitos no Código Buzaid é individualista, patrimonialista dominado pela ideologia da liberdade e da segurança a partir da noção de dano e apto somente a prestar uma tutela repressiva [35]. Há no CPC/1973 uma efetiva força da invasão da cultura jurídica europeia do século XIX sobre o processo civil brasileiro.

O patente individualismo do Código Buzaid reafirma o descompromisso com as questões de cunho social e metaindividuais, a que o Código Beviláqua e o espírito de oitocentos não acudiam, Alfredo Buzaid desenhou um sistema para tutela de direitos partindo do pressuposto da afirmação de um litígio entre duas pessoas em juízo, supondo-o ainda do tipo obrigacional, permitindo no máximo a intervenção de terceiros, individualmente considerados, que a julguem com interesse jurídico, que se afirmem titulares de direito sobre a res in iudicium deducta ou que apresentem determinadas ligações com o direito posto em causa.

Assim o é porque a regra de legitimação para causa no Código Buzaid está em que tão somente o titular do direito material afirmado em juízo tem legitimidade para propor ação para sua prestação judicial, sendo excepcional, dependendo de expressão autorização legal, a possibilidade de propositura da ação em nome próprio para tutela de direito alheio (art. 6). A coisa julgada, nessa mesma linha, alcança apenas aqueles que foram parte no processo (art. 472 do CPC/73 ou art. 506 do CPC/2015.).

A influência do patrimonialismo na formação do Código Buzaid salta aos olhos pois essa patrimonialidade do legislador pode ser aferida em pelo menos em duas frentes. Na primeira frente está na relevância da propriedade imobiliária.

A segunda frente, pelo caráter patrimonial de toda a execução do Código Buzaid. Para confirmá-lo, basta que para disciplinar a execução em geral, assim o Código discorre sobre a responsabilidade patrimonial do executado, pontuando os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei (art. 591 do CPC/73 ou art. 789 do CPC/2015).

É evidente que na ótica do Código Buzaid, toda e qualquer execução, no fundo, tem por objeto bens que respondem pelo cumprimento da prestação exigida em juízo.

A patrimonialidade do Código Buzaid deixa antever ainda a orientação do legislador no sentido de mercantilização dos direitos reduzindo as situações substanciais a situações patrimoniais com expressão em pecúnia.

Como resultado padrão do processo, uma tutela jurisdicional pelo equivalente monetário. O que é compreensível em razão do resultado padrão do processo, uma tutela jurisdicional pelo equivalente de prestações materiais sobre o qual erigido o Code Civil e, daí o espírito dos Códigos oitocentistas, dentre os quais se insere inequivocamente o Código Beviláqua.

O que determina a patrimonialidade executiva, no fundo, é a sacralização da autonomia individual e de sua incoercibilidade. Debaixo da patrimonialidade há uma pretensão tendenciosa ao valor da liberdade individual.

A execução se limita a se dirigir apenas ao patrimônio do executado, com medidas sub-rogatórias que, por definição, não lhe forçam a vontade. Não é possível, em outras palavras, coagir, a vontade do executado, exigindo-se a sua colaboração para obtenção da tutela jurisdicional.

A jurisdição é uma atividade substitutiva que independe da atividade do executado. A execução é forçada, porque ao juiz não é dado dar ordens às partes: o executado não pode ser coagido a agir, daí porque sofre a execução.

As técnicas processuais executivas, voltadas à agressão do patrimônio do executado, estão todas as previstas em lei. São técnicas processuais típicas. A razão desse posicionamento é singela: as formas de processo sempre foram vistas como garantias de liberdade.

Com a previsão legal de técnicas processuais executivas, exclui-se qualquer outra maneira de agressão à esfera jurídica da parte, realizando-se o ideal de não intervenção do citado nos domínios do indivíduo salvo quando expressamente autorizado por lei.

Trata-se de simples especificação do princípio da liberdade no processo civil, tão importante para o constitucionalismo liberal triunfante, na Revolução Francesa e que inspirou o Code Civil, chegando até mesmo ao direito brasileiro.

À liberdade agrega-se a segurança na conformação do processo civil de 1973. E o mondo della sicurezza, expressão usada porNatalino Irti[36] em L’Etat della Decodificazione.

A segurança é obviamente condição de existência do Estado Constitucional [37], sendo um dos elementos axiológicos centrais de qualquer processo preocupado com a promoção do império do Direito [38].

A segurança leia-se é antes de tudo a garantia de manutenção do status quo. O procedimento comum do processo de conhecimento é de cognição plena e exauriente e que só permite a decisão da causa depois de amplo exame das questões postas em juízo e de o juiz formar um convencimento de certeza a respeito das alegações das partes

Neste procedimento não se admite a decisão provisória sobre o mérito da causa, de modo a tutelar antecipada e intencionalmente o direito da parte que provavelmente tem razão. Não se admite antecipação de tutela.

Mesmo depois de farto exame da causa em cognição plena e exauriente pelo juiz de primeiro grau, a decisão não é imediatamente eficaz, pois em regra, só produz efeitos depois de reexaminado in totum pelo Tribunal a que se dirige a apelação (art.497).

Há semelhante orientação do Código Buzaid, o que revela autêntica desconfiança com a atuação do Estado. O Judiciário ao proclamar a vontade concreta do direito, alterando a vida das partes depois de amplo exame e reexame do processo.

Não por acaso que ao fazê-lo que se homenageia uma das ideias centrais das Codificações Oitocentistas que é a certeza jurídica, sendo compreendida como segurança do significado prévio da norma, que imaginava de possível alcance tão somente a partir de expedientes lineares e que possibilitassem amplo debate das questões envolvidas no processo.

O Código Buzaid afirmou-se como sistema processual civil totalmente dominado pela noção de dano e ordenado à prestação de uma tutela tão somente repressiva.

E, o conceito de ato ilícito[39] pressuposto no Código Beviláqua obviamente concorreu em muito para esse caráter puramente sancionatório da atividade jurisdicional regida pelo CPC/1973.

Para o legislador civil de 1916, o ato ilícito constituía o ato contrário ao direito, praticado com dolo ou culpa, por ação ou omissão, de que decorria dano a alguém (art. 159). Fica patente a confusão entre ato ilícito, fato danoso e responsabilidade civil.

A confusão entre tais conceitos, dentre outras contingências, impediu o legislador de identificar e disciplinar uma tutela preventiva voltada à inibição, reiteração ou continuação de um ato ilícito ou de seus efeitos.

Impediu da mesma forma de identificar e viabilizar uma tutela repressiva voltada tão somente à remoção do ilícito ou de seus efeitos.

Observando-se atentamente o Código Buzaid, constata-se com facilidade que nele não se surpreende nenhum dispositivo idôneo à viabilização de uma tutela preventiva, especialmente mediante abstenções.

Mas lendo o art. 642 do CPC/1973 ou art. 822 do CPC/2015 o legislador não disciplinou não uma imposição judicial de abstenção, o que permitiria, a viabilização de uma tutela preventiva, como seria de se esperar pela rubrica em que se insere, mas a simples possibilidade de desfazimento de algo realizado de maneira indevida.

Assim no lugar de instrumentalizar a tutela preventiva, nosso legislador previu simplesmente a prestação de uma tutela repressiva. O processo padrão do Código Buzaid não foi, em nenhum momento, pensado para prestar tutela jurisdicional atípica contra o ilícito, nem para possibilitar uma tutela preventiva atípica aos direitos.

Inicialmente o modelo de tutela dos direitos do Código Buzaid era fundado no binômio cognição-execução forçada e no processo cautelar como válvula de escape para toda e qualquer providência provisória urgente, preocupado somente na viabilização de uma tutela repressiva contra o dano sofreu o seu mais duro golpe com a Reforma de 1994 em que inseriu no bojo do processo de conhecimento ao mesmo tempo o instituto de antecipação da tutela e o da ação unitária para a tutela das imposições de fazer e não-fazer. Tal Reforma abriu espaço para novo modelo de tutela dos direitos.

Com a introdução do instituto de antecipação de tutela e da ação unitária de conhecimento com dois alicerces estruturais do Código Buzaid ruíram. E, com a antecipação de tutela se viabilizaram provimentos executivos dentro do processo de conhecimento.

Com o primeiro pilar abalado que era a separação rígida entre o processo de conhecimento e o processo de execução. É verdade que no modelo original e primitivo o processo de conhecimento começava com o exercício do direito da ação e terminava com a prolação de sentença sem que qualquer ato executivo pudesse ser praticado ao longo do procedimento.

O processo era antes de puro conhecimento, de modo que toda e qualquer atividade executiva deveria ser praticada apenas no processo de execução.

A antecipação de tutela pressupõe justamente a possibilidade de que os atos executivos e atos mandamentais serem praticados ao longo do processo de conhecimento.

A ação unitária para tutela de imposições de fazer e não-fazer é uma unidade justamente porque pressupõe que se seguirá à prolação [40] de sentença de mérito, sem qualquer intervalo, a atividade executiva ou mandamental capaz de concretizar o comando sentencial não sendo necessária a instauração de outro processo para tanto.

Em segundo lugar, a antecipação de tutela permite a prolação de provimentos judiciais provisórios dentro do processo de conhecimento. Com isso, outro pilar sofreu impacto, de um lado a separação do processo de conhecimento e o processo de execução de um lado e, o processo cautelar, de outro, fundada na qualidade dos provimentos de cada um desses processos: enquanto o processo de conhecimento e o de execução, de cada um desses processos: enquanto os provimentos de conhecimento e de execução dão lugar a provimentos judiciais definitivos, o processo cautelar viabilizar a prolação de provimentos provisórios.

Como a antecipação da tutela tem por função sumária ao longo do processo de conhecimento, a separação fundada na estrutura dos provimentos judiciais rigorosamente desaparece, na medida em que também o processo de conhecimento passou a contar com a possibilidade de dar lugar aos provimentos judiciais provisórios.

A pureza dos processos fora substituída pelo processo sincrético (que admite a cognição e a execução) e capaz também de provimentos provisórios.

Com a antecipação da tutela e da ação unitária para a tutela das imposições de fazer e não-fazer, viabilizou-se a construção da tutela preventiva dos direitos.

A partir daí a doutrina passou a contar as técnicas processuais capazes de permitir uma adequada teorização sobre o tema da tutela dos direitos – o que viabilizou a tutela específica dos direitos e, especialmente, sobre a tutela inibitória.

As reformas de 2002[41], 2005 e 2006 seguiram pelo aberto caminho feito pela Reforma de 1994 e transformaram em ações igualmente unitárias, as ações para a tutela do direito à coisa e para a tutela do dever de pagar quantia, além de aperfeiçoar o instituto de antecipação de tutela, da ação para a tutela de imposição de fazer ou não-fazer e execução por títulos extrajudiciais.

Com isso, o processo de conhecimento passou albergar a fase executiva de título judicial, também chamada de cumprimento de sentença. Em face das evidentes diferenças estruturais e funcionais entre esses dois momentos do CPC de 1973, passou-se inclusive a cogitar em Código Buzaid e Código Reformado para demarca-los terminologicamente.

Dentro do Estado Constitucional, um CPC só pode ser compreendido como esforço do legislador infraconstitucional, para densificar o direito de ação como direito a um processo justo e, especialmente, como um direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva.

O mesmo vale para o direito de defesa. Um CPC só pode ser visto, em outras palavras, como uma concretização dos direitos fundamentais processuais civis que são previstos na Constituição Federal vigente.

O papel almejado por qualquer codificação [42] atual pode aspirar dentro da ordem jurídica é o de centralidade, dando um sentido comum mínimo. Afinal, um Código contemporâneo é antes de tudo um Código central.

No Estado Constitucional a ordem e a unidade do direito processual estão asseguradas pela Constituição Federal vigente e, especialmente pelos direitos fundamentais que compõem o modelo de processo justo.

Essa é a premissa da qual devemos partir para construir interpretativamente o sistema do processo civil brasileiro. O Estado Constitucional se singulariza pelo seu dever de promover adequada tutela aos direitos mediante a sua própria atuação então o CPC deve reproduzir e densificar o modelo de processo civil proposto pela Constituição.

É afinal, um modelo constitucional de processo civil. Do contrário, incorre o Estado Constitucional na proibição de proteção insuficiente e, em alguns casos, mesmo na proibição de ausência de proteção de direito fundamental ao processo justo [43].

Em semelhante situação, o legislador infraconstitucional encontrar-se-ia em mora com os compromissos [44] assumidos pelos Estado Constitucional.

No plano infraconstitucional, um CPC pode significar a garantia de um sistema constitucional orientado para todo o processo civil. Não pode o CPC pretender ser uma disciplina plena de ordem jurídica processual civil.

Pois tem que se entender o processo civil dentro do quadro da teoria dos direitos fundamentais, com a concorrência de fontes normativas de mesma densidade que, a partir de conceitos e institutos comuns propostos pelo CPC, visam à disciplina de aspectos especiais do processo civil.

A plenitude das codificações oitocentistas [45] foi construída à base de um forte consenso de necessidades sociais de então, depois de combalida pelo fenômeno de descodificação [46] próprio da década de setenta, cede passo a centralidade da ideia do Código do Estado Constitucional cuja base alimentadora deve ser buscada na Constituição vigente.

Daí que é imprescindível para a compreensão do novo Código a sua leitura a partir da cultura do Estado Constitucional, tornando-o um instrumento idôneo para servir à prática sem descurar das imposições que são peculiares da ciência jurídica, como necessidade de ordem e unidade, sem as quais não há de se cogitar em sistema nem tampouco em coerência que lhe é essencial.

Isso quer dizer que o Código deve ser pensado a partir de sua finalidade e de eixos temáticos fundada em sólidas bases teóricas. É preciso imprimir ao NCPC uma linha teórica para uma adequada compreensão de sua unidade.

O NCPC assume nitidamente compromissos constitucionais sem embargo de nosso sistema constitucional densificado. A rigor, não se pode cogitar num Código sem que se exprima um sistema.

Um CPC revela um compromisso inafastável com o foro. E, o compromisso deve ser adimplido dentro de um quadro técnico coerente. A recíproca implicação entre a teoria[47] e prática deve ser constante a fim de que a legislação processual civil possa constituir muito efetivamente idôneo para orientar a sociedade civil e o Judiciário a respeito do significado do direito e para resolver os problemas concretos apresentados pelas partes.

O processo deve ser pensado e percebido pela teoria da tutela dos direitos. Essa é então a finalidade do processo civil no Estado Constitucional e constitui o eixo central de onde deve ser lido, estudado, interpretado e aplicado.

O sentido do direito depende de uma outorga de sentido a textos e a elementos não textuais da ordem jurídica então a interpretação judicial do Direito seja no nível ordinário (dos juízes de primeiro grau, dos TJs e os Tribunais Regionais Federais) com a formação da jurisprudência [48] – fonte de permanente de colaboração para a formação de precedentes judiciais pelos órgãos responsáveis seja no nível extraordinário das Cortes Supremas, ou seja, do STF e do STJ com a formação de precedentes judicias conta como elemento de decisiva importância para a segurança pública, da liberdade e principalmente da igualdade de todos perante o Direito.

Daí a razão pela qual os precedentes da Corte Suprema constituem evidente enriquecimento do direito vigente e servem para lhe outorgar a unidade seja retrospectiva, solvendo problemas interpretativos, seja prospectiva, desenvolvendo-o para atender às novas necessidades sociais.

Se, em uma perspectiva particular, ter um direito significa antes de tudo ser uma posição juridicamente tutelável, então é evidente que é imprescindível primeiro identificarem-se quais são as tutelas possíveis aos direitos.

Só depois disso é possível cogitar da segunda etapa, aferir quais as técnicas processuais que devem ser prestadas mediante o processo justo para a realização do direito material. O binômio do Estado Constitucional é a técnica processual e a tutela dos direitos.

A tutela dos direitos constitui ao mesmo tempo a finalidade do processo civil no Estado Constitucional e o eixo a partir do qual a interpretação do codex deve ser pautada.

A estrutura do CPC/2015 abriga uma parte geral [49] e uma parte especial. Sendo que a parte especial está dividida em processo de conhecimento e cumprimento da sentença, processo de execução e os processos nos tribunais e os meios de impugnação das decisões judiciais.

Partindo-se do pressuposto de que o Estado Constitucional se caracteriza pelo seu dever de outorgar a tutela aos direitos, então, o CPC sintonizado com os seus fins, deve ser apreciado a fim de promove-la e, deve ser pensado exatamente nessa perspectiva.

Há quem defenda que “o conhecimento desses conceitos e princípios gerais facilita a compreensão e a aplicação das disposições legais consignadas na parte especial” do código.

Essa posição, adotada pela esmagadora maioria da comunidade jurídica brasileira, está arraigada a um paradigma semelhante ao da “jurisprudência dos conceitos” (Begriffsjurisprudenz) ápice da ciência das pandectas, equivalente alemão da école de l’exégèse francesa.

Assim, por influência do Bürgerlichesgesetzbuch (BGB) alemão, nitidamente pandectista, o nosso Código Civil absorveu conceitos do século XIX, apostando na ideia de que o ato de julgar pudesse repousar sobre um procedimento mecânico, quase silogístico.

A função pretendida por uma Parte Geral é, então, a de auxiliar a interpretação do que vier a ser a Parte Especial de um texto normativo.

Nessa medida, é importante compreender até que ponto as disposições de uma Parte Geral [50] de uma lei processual devam coincidir – se é que deve haver essa coincidência [51] – com as proposições e construções de uma teoria geral do processo [52].

Uma perspectiva contemporânea do estudo do processo civil deve contemplar, portanto, a abertura de possibilidade para que o juiz se utilize dessa flexibilidade legislativa, a fim de encontrar soluções jurídicas mais rentes à realidade.

Essa flexibilização tem intimamente contato com a atividade do juiz, que deixou de ser mecanizada, automática, para ser também criativa. Assim, já prevista no Código Civil a adoção de cláusulas gerais e de conceitos indeterminados “incrementou – e em muito – os poderes do magistrado entre nós por causa da sua indisfarçável necessidade de interpretação-aplicação-criação pelo juiz.

No fundo, o direito subjetivo (direito material) não existe em si mesmo, existiria na verdade uma projeção sua através do processo, que por seu rigor técnico poderia transformar e deformar o que eram as pretensões (frise-se: no campo de direito material) originárias.

Ocorrera tal predomínio da técnica que vigorava como pensamento científico quando da elaboração do CPC vigente. Porém, há muito tempo que tal paradigma dicotômico fora superado, no plano da ciência jurídica.

“Com o Código de Processo Civil de 1973, diploma normativo que inaugurou entre nós, inequivocamente, o processualismo, impondo um método científico ao processo civil à força de construções alimentadas pela lógica teórico-positiva, evadindo-o da realidade. ” E, mais adiante, “o formalismo-valorativo no Brasil desembarca com a Constituição de 1988.

É nela que devemos buscar as bases de um processo cooperativo, com preocupações éticas e sociais. Superado aquele estágio anterior de exacerbação técnica, de vida breve entre nós, recobra-se a consciência de que o processo está aí para concretização de valores, não sendo estranho à função do juiz a consecução do justo, tanto que se passa a vislumbrar, no processo, o escopo de realizar justiça no caso concreto. ”.

O “modelo” processual contemporâneo, portanto, exige esse abrandamento de formalismo (processualista) para dar lugar ao formalismo-valorativo, que leva em consideração o arcabouço ideológico que é próprio das opções políticas da Constituição vigente.

Os processos de conhecimento como o de execução no CPC/2015 são sincréticos, portanto, o processo de cognição não é de conhecimento somente, bem como o de execução não revela a pureza absoluta.

Também nada justifica o processo nos tribunais e dos recursos em livro próprio. O apropriado é que o assunto seja disciplinado na parte geral ou no processo de conhecimento.

Tal qual no direito alemão, Zivilprozessodnung [53] (Ordenança Processual Civil) reservou livro próprio para o direito recursal. Registre-se que os códigos processuais atuais possuem semelhante divisão é o caso do processo italiano e do espanhol.

O ideal é que o CPC seja percebido a partir da ideia de tutela de direitos. É o compromisso do Estado de Constitucional com a tutela dos direitos e, em termos processuais civis, com a efetiva tutela jurisdicional dos direitos em sua dupla dimensão que existe no Estado Constitucional. Onde vige um verdadeiro dever geral de proteção dos direitos.

A interpretação do NCPC que o novo merece ser caracterizada como sintomático deslocamento do processo à tutela de direitos. Daí ser totalmente apropriada a reconstrução interpretativa do sistema a partir da teoria da tutela dos direitos [54].

Dogmaticamente importa dividir o NCPC em três grandes linhas: a primeira – teoria do processo civil responsável pela construção dos conceitos de base do direito processual civil;

Segunda: preocupação com a tutela dos direitos mediante o procedimento comum âmbito teórico em que situados todos os temas ligados à tutela padrão dos direitos.

Terceira: vocacionada à tutela de direitos mediante procedimentos diferenciados.

O NCPC utiliza em pontos nevrálgicos as expressões que permitem a construção de um sistema para a tutela de direitos capaz de não só prestar a tutela repressiva voltada contra o dano e vocacionada para proteção de direitos patrimoniais.

Em atenção aos novos direitos, o NCPC cogita em tutela do direito contra o ilícito, o dano, fazendo alusão inclusive à possibilidade de inibição do ilícito e de sua remoção (art. 497, § único).

Para promove-las, arrola inúmeras técnicas processuais que podem ser usadas pelo juízo, como as técnicas antecipatórias (art.294 ss.) e as técnicas executivas (art. 139, IV, 497, 498, 536, 537 e 538).

A compreensão da técnica processual a partir da tutela de direitos faz com que seja possível alcançar às partes “tutela específica” aos direitos inclusive a tutela preventiva contra o ilícito, ou seja, a tutela inibitória quebrando-se com isso o círculo vicioso da violação dos direitos e do seu simples ressarcimento em pecúnia, como resposta padrão do processo civil.

O uso de expressões abertas no NCPC é da maior relevância para a tutela de direitos não patrimoniais tais como os direitos da personalidade, o direito ao meio ambiente equilibrado, o direito à higidez do mercado de ações e financeiro, direito à educação, à segurança no trabalho, dentre vários outros.

Não atende ao Estado Constitucional o binômio condenação-execução forçada, cujo resultado acabava sempre em uma tutela pelo equivalente monetário.

Daí a razão pela qual a adoção pelo NCPC de expressões como tutela dos direitos, perigo na demora e medidas necessárias justamente porque abertas e moldáveis concretamente às mais diferentes situações do direito material carentes de tutela. O que comprova sua atenção à realidade social e ao direito material que lhe cabe efetivamente tutelar.

O direito à prestação jurisdicional efetiva engloba:

1) o direito à técnica processual adequada;

2) o direito de participar por meio de procedimento adequado, e

3) o direito à resposta do juiz. Significa que são necessárias a norma processual, o procedimento em si, e o reconhecimento do direito pelo Estado-juiz, para se poder falar em tutela efetiva.

Nessa perspectiva, a concepção de tutela jurisdicional pode passar a ser o eixo metodológico do moderno estudo de direito processual civil, pois é aí que reside o contato mais próximo entre o processo e o direito material.

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[1] Cândido Rangel Dinamarco , ao definir “técnica”, expõe de forma clara essa interdependência entre o direito material e o processo: “Técnica é a predisposição ordenada de meios destinados a obter certos resultados preestabelecidos. Toda técnica será cega e até perigosa se não houver a consciência dos objetivos a realizar, mas também seria estéril e de nada valeria a definição de objetivos sem a predisposição de meios técnicos capazes de promover sua realização”.

[2] Luiz Fux (1953) é um jurista brasileiro, ex-ministro do STJ e atual ministro do STF. Estudou no Colégio Pedro II e formou-se em Direito na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro em 1976, onde viria a ser também professor. Após formar-se, começou a carreira jurídica como advogado da empresa Shell; foi posteriormente promotor de Justiça do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro, por 3 anos, até ser aprovado em concurso para a magistratura.

Fux recebeu em 2011 a Medalha do Mérito Cívico Afro-Brasileiro da Organização Não-Governamental Afrobras e pela Faculdade Zumbi dos Palmares. De 1983 a 1997, foi Juiz de Direito, aprovado em primeiro lugar em concurso, e exerceu atividades como nas comarcas de: Niterói, Duque de Caxias, Petrópolis, Rio de Janeiro (capital) e Registro Civil das Pessoas Naturais. Promovido por merecimento para o cargo de Juiz de Direito da Entrância Especial da 9ª Vara Cível do Estado do Rio de Janeiro. Durante esse período, exerceu a função de Juiz Eleitoral do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na 13ª Zona Eleitoral e 25ª Zona Eleitoral Rio de Janeiro. Foi também promovido por merecimento para o cargo de Juiz de Direito do Tribunal de Alçada do Estado do Rio de Janeiro.

Fux foi desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, de 1997 a 2001. Em 2001, foi o escolhido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso para ocupar o cargo de ministro do Superior Tribunal de Justiça pelo terço destinado a desembargadores de Tribunais de Justiça, em vaga deixada por Hélio Mosimann, que se aposentara. Foi empossado em 29 de outubro de 2001. Em 2003, Luiz Fux foi o relator do julgamento no STJ que considerou a Tele Sena um título de capitalização, e não um jogo de azar, revertendo decisão da Justiça Federal da 3ª Região. Reportagem da revista Isto É revelou em 2009 que o STJ solicitava a companhias aéreas privilégios para amigos e familiares de Fux.

Posse do Ministro Luiz Fux no Supremo Tribunal Federal (STF). Em 1º de fevereiro de 2011, foi indicado pela PresidenteDilma Rousseff para ocupar uma cadeira do Supremo Tribunal Federal, vaga desde agosto de 2010 com a aposentadoria do ministro Eros Grau. A indicação foi defendida pelos políticos Sergio Cabral Filho e Antonio Palocci. Em 9 de fevereiro de 2011 a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou por unanimidade a indicação de Luiz Fux para o Supremo Tribunal Federal. Em seguida, a matéria seguiu para o plenário do Senado que aprovou a indicação por 68 votos a favor, 2 contra e sem nenhuma abstenção. Em 11 de fevereiro, foi nomeado ministro do STF.

Em 3 de março de 2011, às 16 horas, tomou posse como 11º Ministro da mais alta corte do Brasil.

Em 23 de março de 2011, Fux deu o voto decisivo contra a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010. A decisão do Supremo Tribunal Federal, considerando a aplicação da lei nas eleições de 2010 inconstitucional, beneficiou diretamente vários candidatos cuja elegibilidade havia sido barrada por causa de processos na Justiça. A lei começou a valer apenas a partir de 2012, embora ainda possa ser questionada. O caso teve ampla repercussão na mídia.

Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas desde 2008, presidiu a comissão de juristas que elaborou o anteprojeto do novo Código de Processo Civil Brasileiro, concluído em 8 de junho de 2010. Uma de suas maiores preocupações foi a morosidade da Justiça; Fux propôs a limitação do número de recursos.

Com destacada atuação na área de direitos humanos, Fux defende o reconhecimento efetivo pelo Judiciário dos direitos sociais garantidos na Constituição.

[3] Alfredo Buzaid (1914-1991) foi advogado, magistrado, professor e jurista brasileiro. Foi Ministro da Justiça durante o governo de Emílio Garrastazu Médici e ministro do Supremo Tribunal Federal indicado pelo Presidente João Figueiredo, bem como um dos principais elaboradores do CPC de 1973 que vigeu até 2016.

Iniciou a carreira de advogado em Jaboticabal (SP) e, em 1938 retornou a São Paulo, onde continuou se dedicando à advocacia. Foi aluno de Enrico Tullio Liebman no curso de extensão universitária, vindo a ser um dos integrantes da Escola Paulista de Direito Processual. Em 1958, juntamente com Luís Eulálio de Bueno Vidigal, José Frederico Marques, Candido Rangel Dinamarco e Galeno Lacerda fundou o Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil, onde foi secretário-geral. Em 1960 foi nomeado pelo Governo Federal para elaborar o Anteprojeto do Código de Processo Civil, o qual acabou sendo apresentado por ele 4 anos depois. Em 1966, assumiu o cargo de diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Em 1969, foi nomeado vice-reitor da Universidade de São Paulo. Em outubro de 1969, foi nomeado Ministro da Justiça, sendo um dos mentores intelectuais do Código de Processo Civil que entrou em vigor em 1974. Permaneceu no Ministério da Justiça até 14 de março de 1974. Em 1973, ingressou na Academia Paulista de Letras.

Durante sua gestão como Ministro da Justiça, seu filho Alfredo Buzaid Júnior foi suspeito de estar envolvido em um crime de grande repercussão ocorrido em Brasília. Trata-se do chamado Caso Ana Lídia em que uma menina de apenas 7 anos foi sequestrada, torturada e estuprada, sendo assassinada em 11 de setembro de 1973. Na ocasião, Ana Lídia tinha sido levada a um sítio situado em Sobradinho, que era propriedade de Eurico Resende, então Vice-Líder da Arena no Senado Federal. Apesar da participação de Eduardo Ribeiro Rezende (filho do senador) no episódio, a maior suspeita é a de que o crime hediondo tenha sido cometido por Alfredo BuzaidJúnior, razão pela qual o caso se tornou mais um exemplo de impunidade em Brasília. Em 22 de março de 1982, Buzaid foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal.

Faleceu em decorrência de um câncer, em sua residência em São Paulo em 9 de julho de 1991, dias antes de completar setenta e sete anos. Seu acervo – mais de 25 mil volumes – foi adquirido pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e hoje se encontra na biblioteca do campus de Franca (SP).

[4] Oscar Pedroso Horta (1908-1975) foi jornalista, advogado e político brasileiro. Foi aluno da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo trabalhou no Diário da Noite e em O Estado de S. Paulo com o fito de custear seus estudos. Simpatizante de Getúlio Vargas foi partidário da Revolução de 1930 e ocupou nos dois primeiros anos da mesma a diretoria da Guarda Civil e a delegacia de trânsito do estado graduando-se em Direito no mesmo ano e paralelo à advocacia vinculou-se ao PSP de Ademar de Barros, com quem romperia para apoiar Jânio Quadros na eleição para governador em 1954. Presidente da Companhia Municipal de Transportes Coletivos nas administrações de Lino de Matos e Vladimir de Toledo Piza deixou o cargo em 1957 quando foi derrotado por Ademar de Barros ao disputar a prefeitura de São Paulo. Nomeado Secretário de Justiça no governo Jânio Quadros foi Ministro da Justiça quando este assumiu a Presidência da República após a vitória na eleição presidencial de 1960 retornando às atividades profissionais após a renúncia do presidente sendo, inclusive, advogado do mesmo.

Com a vitória do Regime Militar de 1964 foi imposto o bipartidarismo e Oscar Pedroso Horta filiou-se ao MDB e foi eleito deputado federal por São Paulo em 1966 e 1970 sendo eleito líder da bancada, todavia afastou-se do mandato em 1972 por causa de uma isquemia cerebral.

[5] A principal obra jurídica publicada por Chiovenda foi Instituições de direito processual civil, escrita em 1935, nascida de Princípios de Direito Processual Civil (1906), que pouco a pouco, em edições posteriores, estava assumindo forma de manual, limitada à pretensão de prover às exigências de seus alunos das Universidade de Parma, Bolonha, Nápoles e Roma, onde se observa que nas Instituições há divisão metodológica bem elaborada, partindo na primeira parte dos conceitos fundamentais do processo, na segunda parte da atuação da lei em prol do autor, na terceira parte aborda as relações processuais, subdividindo em dois livros: os pressupostos processuais, e a relação processual ordinária de cognição.

[6] Guiseppe Chiovenda (1872-1937) foi jurista italiano, formou-se em Roma, onde estudou com Vittorio Scialoja. Ele começou sua carreira de jurista em Universidades de Parma (1902), Bolonha (1905), Nápoles e, Roma (1907). Era membro da Academia Nacional de Lincei e reitor do Instituto Real de Estudos Comerciais e Administrativos da Universidade de Roma, “La Sapienza“, a partir de 1911 até 1913. Em 1924 juntamente com Francesco Carnelutti fundou e editou o Jornal Da Lei de Processo Civil. Sua contribuição doutrinária é considerada uma referência na elaboração do CPC em 1940 sendo um ferrenho defensor do princípio da oralidade, foi também editor do Código, no projeto de reforma em 1919.

É chamado de Soberano Chiovenda tendo influenciado a doutrina processualística dando-lhe um nítido caráter científico.

[7] Enrico Tullio Liebman (1903-1986) foi importante jurista italiano nascido na Ucrânia. Foi professor de direito processual civil nas Universidades de Sassari e Parma. Pouco antes da edição das leis raciais fascistas na Itália em 1938/1939, emigrou para a América do Sul, onde lecionou na Universidade de Buenos Aires.

Em 1939, com 36 anos de idade, mudou-se para o Brasil, onde lecionou na Universidade de São Paulo, onde foi titular da cadeira de direito processual civil e publicou várias obras, ao qual já tinha destaque acadêmico como docente na Itália.

Após a queda do fascismo, retornou à Itália em 1946, onde foi titular da cadeira de Direito Processual Civil nas Universidades de Pavia, Torino e Milão. Suas obras exerceram bastante influência no direito processual civil brasileiro, sendo um dos maiores defensores da teoria eclética do direito de ação. O Código de Processo Civil brasileiro de 1973 seguiu suas teorias em virtude da influência de Alfredo Buzaid, ministro da Justiça e um de seus alunos.

[8] Cândido Rangel Dinamarco é jurista brasileiro e formando pela USP. É professor, advogado e desembargador aposentado pelo TJSP. Um dos maiores processualistas brasileiros vivo e ainda produtivo. Suas obras publicadas: Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos; Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis; Capítulos de Sentença, 2.ª edição; Capítulos de Sentença, 3.ª edição; Execução Civil, 8.ª edição; Fundamentos do Processo Civil Moderno, 5.ª edição; Instituições de Direito Processual Civil, vol. 1, 5.ª edição; Instituições de Direito Processual Civil, vol. 2, 2.ª edição; Instituições de Direito Processual Civil vol. 3, 5.ª edição; A Instrumentalidade do Processo, 13.ª edição; Intervenção de Terceiros, 4.ª edição; Litisconsórcio, 7.ª edição; Nova Era do Processo Civil, 2.ª edição; Processo de Execução; A Reforma da Reforma, 6.ª edição; A Reforma do Código de Processo Civil, 5.ª edição; Temas Relevantes do Direito Civil Contemporâneo; Teoria Geral do Processo, 24.ª edição.

[9] A excessiva formalização do direito, notadamente do direito processual fugindo da contingência do mundo real, das incertezas inerentes à vida humana, desagua no conceitualismo que representa a fuga da realidade. E, o dogmatismo é um dos instrumentos mais eficazes no empenho do poder em manter-se. Afinal, o conceitualismo se desliga da realidade social. E, tal qual as grandezas matemáticas que não possuem história e nem compromissos culturais, assim também, se imagina os conceitos jurídicos com que laboram os processualistas que parece servir para qualquer sociedade humana. Portanto, a neutralidade da ciência processo é um dogma.

O construído abismo entre teoria e prática possui dois resultados gritantes: a) sujeitaram os magistrados aos desígnios do poder, impondo-lhes a mera condição de servos da lei, ou boca da lei; b) ao concentrar a produção do Direito no nível legislativo, sem que aos juízes fosse reconhecida a menor possibilidade de exercer sua posição judicial, através da interpretação e da aplicação da lei.

Observou Ovídio Baptista que Carnelutti era um bom exemplo como autor metódico e formal, por obedecer ao mais profundo e radical dogmatismo. É visível o método matemático persistente em suas obras.

[10] Na Alemanha, o código era de procedimento e não de processo, daí o processo não ter tanta importância tanto na Europa quanto nos Estados Unidos da América, e talvez este seja o aspecto determinante de que no Brasil foi introduzida essa idéia de ter sido Bülow quem iniciou os modernos conceitos do direito processual, devendo-se ao fato de ter Chiovenda sofrido forte influência dele, e haver o direito processual civil brasileiro igualmente sofrido forte influência, também, do direito processual civil italiano e, não do direito processual civil francês.

Na própria França, o processo, por meio de Pothier, já havia tomado o sentido publicista, não possuindo os magistrados a liberdade para decidirem. Vale apontar que a França então já se encontrava unificada, enquanto que a Alemanha e a Itália assim não se encontravam.

O direito italiano e o francês vão buscar fontes jurídicas de países que já se encontram unificados, como não caso da Alemanha, que é o direito romano. Por outro lado, não há no meio do século XIX o Estado Social, o Estado ainda é o Liberal, contudo, há fortes elementos de pressupostos do Estado Social, no âmbito processual, na medida em que ao se falar em escopos metajurídicos e liberdade do juiz, implica na proteção da sociedade pelo magistrado.

[11] No afã de definir o processo, Chiovenda já exclui logo qualquer definição tendo por base a defesa do direito subjetivo, que pode coincidir ou não com o escopo geral e objetivo de fazer atuar a lei, como também apontou serem inaceitáveis conceber o processo como um modo de definir controvérsias, mas é possível haver controvérsias fora do processo (arbitramento), ou pode ter processo sem controvérsias (julgamento por revelia, o reconhecimento jurídico do pedido pelo réu) ou ainda, não haver definição de controvérsias( no caso de execução por títulos extrajudiciais), também discordou da concepção do processo como meio de coação ao adimplemento dos deveres, porque pode existir processo sem coação (sentença de denegação do pedido) e, por fim, visualizar o processo um modo de dirimir conflitos de vontades ou de atividades, na medida que também existem conflitos que são resolvidos fora do processo, como o que ocorre na defesa da posse esbulhada ou turbada.

[12] Ao longo da história evolutiva do direito processual podemos apontar três momentos distintos em relação à ciência processual:

a) o período do sincretismo (fase imanentista) que foi o período mais longo. Quando o processo era considerado apenas um meio de exercício dos direitos. Não se percebia a autonomia da relação jurídica processual em comparação com a relação jurídica material. Não havia então a distinção entre direito processual e direito material.

O período autonomista (fase conceitual e científica) tem origem em 1868, com a obra Oskar Von Büllow em que o autor alemão aponta a existência de uma relação processual distinta da relação material. Passa-se a reconhecer o direito processual como ciência autônoma.

Período teleológico (fase instrumentalista) é a fase atual. Surgiu em meados do século XX, direciona o processo a resultados substancialmente justos (superando o tecnicismo que prevaleceu por aproximadamente um século. Não é apenas um instrumento técnico à serviço da ordem jurídica, mas um instrumento ético destinado a servir à sociedade e ao Estado.

[13] O princípio da inalterabilidade da sentença presente no art. 494 do CPC/2015. A expressão “publicada” pode gerar alguma confusão ao se atentar à publicação da sentença na imprensa oficial. A publicação pode ocorrer nos seguintes momentos, tão logo proferida a sentença, em se tratando de pronunciamento judicial em audiência ou sessão, oportunidade em que as partes, inclusive já se dão por intimadas, ou quando proferida em gabinete do juiz, nos casos de julgamento antecipado da lide ou na hipótese de sentença proferida em dez dias depois da realização da AIJ, com sua efetiva juntada aos autos, por ato do escrivão.

[14] O substantivo “crise” é feminino e de difícil compreensão, perpassando uma informação genérica e cuja abstração deriva da própria natureza desse substantivo. Ao se afirmar que o “Judiciário está em crise” logo se relaciona a morosidade da justiça e na falta de duração razoável do processo, que seria atribuível ao congestionamento constante dos processos, e que tem transformado a tutela dos direitos numa saga sem fim.

Em verdade nenhum código poderá reduzir o tempo do processo e sanar de vez a morosidade da justiça. Um dos fatores é a crise estrutural do Judiciário, que reflete a ausência de infraestrutura para a prestação de serviço jurisdicional. Outro fator, é ineficiência e a incapacidade de autogestão administrativa do Judiciário. E, por fim, a inadequação do método utilizado para resolução dos conflitos de interesse, ou seja, as técnicas processuais vigentes não estariam adequadas à solução dos conflitos da atualidade porque teriam ficada defasadas com o tempo e a evolução social.

[15] Chiovenda discordou de Carnelutti o qual entende que o objetivo do processo é a justa composição da lide por considerar que mesmo quando entre as parte existe um contrate, não é objetivo imediato do processo compô-lo, mas dizer e atuar a vontade da lei (…) se por justa composição se entende a que é conforme à lei, resolve-se na atuação a vontade da lei, se porém, se entende uma composição qualquer que seja, contando que ponha termo à lide, deve radicalmente repudiar uma doutrina que volveria o processo moderno, inteiramente inspirado em alto ideal de justiça, ao processo embrionário dos tempos primitivos, só concebido para impor a paz, a todo custo, aos litigantes.

[16] Assim o conteúdo intrínseco de uma de ação de conhecimento é, sem dúvida, o direito material litigioso, caracterizador de uma lide substantiva associada ao seu aspecto meritório; ao passo que nas ações cautelares, ao reverso, o conteúdo intrínseco é, por seu turno, o Direito Processual cautelar, caracterizador de uma lide de dano associada ao seu aspecto acautelatório, que revela, em última análise, segundo expressiva parcela da doutrina, na denominada medida cautelar”.

[17] Mendonça Lima afirma que, ” Tecnicamente, porém, mérito é, apenas, o conflito de interesses submetido à solução jurisdicional, até que se esgote a atividade dos órgãos judiciários com a sentença de primeiro grau”.

Parece-nos, que não se pode negar a existência de mérito no processo de execução, tendo em vista que o processo somente se inicia quando existe uma lide e esta sempre há de corresponder ao mérito. Autores existem que admitem a existência de mérito na execução, somente não admitindo que este mérito possa ser julgado dentro deste processo, exigindo-se, para tanto, outro processo que no caso são os embargos do devedor ou embargos à execução. Entretanto, este aspecto será analisado mais adiante

[18] Cognição e execução não devem ser consideradas como sempre fizessem parte de fases distintas e sucessivas do procedimento. E, positivamente, como classes de atividade judicial, cuja predominância de uma ou outra poderá até se alternar na condução do feito. Assim analisando cada ato processual realizado pelo órgão jurisdicional, é possível distinguir a respectiva natureza ainda quanto atos de caráter executivo sejam praticados no chamado processo de conhecimento, assim como quando atos de caráter cognitivo sejam praticados no âmbito do processo de execução.

Em suma, a classificação tradicional peca pela grande imprecisão. Pois se a tutela de cognição e de execução são categorias decorrentes de aplicação de critério relacionado com a natureza da atividade judicial, já a classificação da tutela como cautelar é consequência de critério diverso, o da imediatidade ou mediatidade conforme é atingido o direito material que a parte pretenda ver efetivado.

[19] A aproximação dos modelos jurídicos da common law e civil law tem uma razão histórica que se confunde e se mistura com a razão jurídica. A Revolução Francesa e a Revolução Gloriosa na França e Inglaterra, respectivamente, foram marcos decisivos para o desenvolvimento e também o isolamento desses dois regimes jurídicos. Contudo, após o fenômeno de constitucionalização do Direito (pós-segunda guerra mundial), nesses regimes passaram a se comunicar e traçar um entrelaçamento que nos parece ser inevitável no vigente contexto da sociedade de massa.

[20] Como expressa a própria Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 1973, o objeto do processo é a lide. Se a lide é o objeto do processo, qualquer processo que não tivesse lide seria processo sem objeto, o que, evidentemente, não pode ser aceito. Não pode haver processo sem objeto e sempre que iniciado o processo e, depois, venha desaparecer a lide, o mesmo será extinto pela perda do objeto. Sendo o cautelar uma modalidade de processo, logo terá por objeto a lide. Sem lide seria processo sem objeto e processo sem objeto deve ser extinto, porque inexiste razão para o seu seguimento.

Outro aspecto que merece relevância, é o de que todo processo tem por finalidade solucionar uma lide, na busca da promoção da paz social. Se assim for, e como hoje é reconhecida a existência de lide no processo cautelar, a sentença nesse processo também visa solucionar a lide cautelar (lide de segurança), no sentido de promover a paz social.

[21] Todo e qualquer objeto pode ser classificado segundo vários critérios. No caso da tutela jurisdicional, é viável que tanto os aspectos técnicos quanto os mais intimamente ligados ao próprio direito material protegido sejam analisados com a finalidade de classificá-la, desde que não se pretenda misturar as espécies assim obtidas como se decorressem de classificação segundo critério único. Cada critério proporciona uma classificação. Há, contudo, uma relação de complementaridade entre as várias classificações possíveis, já que cada uma enfoca o mesmo objeto sob prisma diferenciado. Exatamente essa idéia de insuficiência da classificação sob um único aspecto que nos levou a abordar tantos critérios distintos num mesmo trabalho, o que obviamente prejudica o desenvolvimento de estudo aprofundado e específico sobre cada um deles. O objetivo traçado, porém, consistia em oferecer noção mais ampla da tutela jurisdicional, não vinculada à classificação segundo um critério apenas, mas sim ressaltando a existência de múltiplos aspectos a serem examinados para definir com precisão a tutela mais adequada à solução de cada caso concreto.

[22] Outro critério segundo o qual pode ser classificada a tutela jurisdicional é a urgência. Entendemos, porém, que os contornos do gênero tutela de urgência em hipótese alguma se confundem com a mera soma das espécies tutela cautelar e tutela antecipada. Afinal, existem inúmeras hipóteses legalmente previstas que autorizam a antecipação de tutela com base em outros fundamentos que não a urgência, além do que o pressuposto periculum in mora, necessário à concessão da tutela cautelar, não exige necessariamente a iminência de tal perigo (urgência).

[23] Clóvis Beviláqua (1959´-1944) jurista, legislador, filósofo e historiador brasileiro. Estudou na Faculdade de Direito do Recife. Dentre várias carreiras jurídicas atuou como promotor público, membro da Assembleia Constituinte do Ceará, secretário de Estado, consultor jurídico do Ministério do Exterior. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e membro do Instituto Histórico e Geográfico. Em 1883 publicou no Recife A filosofia positivista no Brasil, declarando-se um “monista evolucionista”, formando, com outros da Escola do Recife, a corrente estritamente científica do positivismo, contra a tendência mística e religiosa, então forte no Brasil. Neste livro faz menção à transformação do positivismo em evolucionismo no norte do país, onde se começava a buscar inspiração mais em Spencer e em Haeckel do que em Comte, enquanto que no Sul aquela filosofia se mantinha ainda ortodoxa. Também se encontra colaboração da sua autoria na Revista de Estudos Livres (1883-1886) dirigida por Teófilo Braga, principal impulsionador do positivismo em Portugal. Foi nomeado, em 1906, Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores, cargo que ocupou até 1934, quando foi aposentado compulsoriamente. É interessante observar que em todo o tempo em que desempenhou a função de Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores não viajou ao exterior em nenhuma ocasião. Sua aposentadoria foi compulsória em razão da idade, imposta pela Constituição de 1934. Seu sucessor no cargo foi o jurista e escritor Gilberto Amado. É patrono da Academia Cearense de Letras e da Academia Sobralense de Estudos e Letras.

Professor dos mais respeitados, crítico literário com vários ensaios publicados e uma produção na área jurídica das mais sólidas, principalmente em livros de Direito Civil e Legislação Comparada, Clóvis Beviláqua era conhecido e respeitado nacionalmente quando foi convocado para ser sócio fundador da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira catorze, cujo patrono era Franklin Távora. Essas mesmas condições levaram-no a ser chamado, em 1899, pelo então Ministro da Justiça Epitácio Pessoa, para escrever o projeto do Código Civil Brasileiro. Clóvis redigiu o projeto, de próprio punho, em apenas seis meses, porém o Congresso Nacional precisou de mais de quinze anos para que fossem feitas as devidas análises e emendas. Sendo promulgado em 1916, passando a vigorar a partir de 1917 (apenas recentemente substituído pela lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002), pode-se afirmar que o Código Civil Brasileiro imortalizou Clóvis Beviláqua no cenário jurídico e intelectual.

[24] Codificação oitocentista trata-se de técnica legislativa, fortemente marcada pelo ideário burguês e iluminista e, por isso, permeada por valores liberais e individualistas. A codificação foi um instrumento legislativo cujo objetivo seria proporcionar organização e sistematicidade ao Direito, concentrando todas as normas pertinentes a um mesmo ramo jurídico dentro de uma única lei – o código -, que viria marcada por características tais como: coerência, completude, unidisciplinariedade. Sendo assim, os primeiros códigos civis nasceram para se tornar o centro do sistema de direito civil, concentrando em seu texto legal todas as normas pertinentes aos institutos de direito civil (Ex.: contrato, propriedade e família).

[25] A escola pandectista ou ciência das Pandectas desenvolveu-se na Alemanha, apoiada na tradição romanística, contribuindo muito para a edificação da moderna dogmática jurídica. A pandectista promoveram a reconstituição histórica do Direito Romano, criando um sistema dogmático de normas com o uso de suas instituições como modelo. A escola tem este nome exatamente porque seus adeptos estudavam principalmente a segunda parte do Corpus Iuris Civilis, de Justiniano, as Pandectas, normas de direito civil com respostas de jurisconsultos.

Os pandectistas desenvolveram o movimento chamado de jurisprudência conceitual desenvolvido por Puchta (1798-1846) e outros. Mais tarde, em posição muito polêmica perante a jurisprudência conceitual, se desenvolveu mais tarde a jurisprudência dos interesses capitaneada por Philipp Heck (1858-1943) e outros autores. E, defende que o intérprete, ao aplicar a lei, deve ponderar os interesses em jogo conforme as valorações do próprio legislador, não, porém, numa atitude de submissão conceitual e literal à lei, mas de obediência esclarecida.

[26] O Código Civil francês, originalmente chamado de Code Civil ou Code Napoléon, ou simplesmente, Código Napoleônico foi o código civil francês outorgado por Napoleão I e que entrou em vigor em 21 de março de 1804. O Código Napoleônico propriamente dito aborda somente questões de direito civil, como as pessoas, os bens e a aquisição de propriedade; outros códigos foram posteriormente publicados abordando direito penal, direito processual penal e direito comercial. O Código Napoleônico também não tratava como leis e normas deveriam ser elaboradas, o que é matéria para uma Constituição.

Todavia, o Código Napoleônico não foi o primeiro código legal a ser estabelecido numa nação europeia, tendo sido precedido pelo Codex Maximilianeus bavaricus civilis (Reino da Baviera, 1756), pelo Allgemeines Landrecht (Reino da Prússia, 1792) e pelo Código Galiciano Ocidental (Galícia, à época parte da Áustria, 1797). Embora não tenha sido o primeiro a ser criado, é considerado o primeiro a obter êxito irrefutável e a influenciar os sistemas legais de diversos outros países. Este Código, propositalmente acessível a um público mais amplo, foi um passo importante para estabelecer o domínio da lei.

[27] Augusto Teixeira de Freitas (1816-1993) foi um jurisconsulto brasileiro reconhecido como jurisconsulto do império. Sua obra constitui objeto de profundos estudos acadêmicos até os dias de hoje, no Brasil e no exterior.

Seu “Esboço de Código Civil”, feita por encomenda do imperador D. Pedro II, por meio de decreto de 11 de janeiro de 1859. Foi uma obra com aproximadamente 5.000 (cinco mil) artigos, que apesar de não ter sido diretamente utilizada no Brasil, inspirou trabalhos posteriores no país, tal como o que resultou no Código Civil de 1916, de Clóvis Beviláqua, como também influenciou profundamente os processos de codificação no Paraguai, no Uruguai, no Chile, na Nicarágua e, principalmente, na Argentina, onde serviu como modelo ao Código Civil elaborado por Vélez Sarsfield.

[28] Friedrich Carl von Savigny (1779-1861) foi um dos mais respeitados e influentes juristas alemães do século XIX. Foi o maior nome da Escola Histórica do Direito, seu pensamento foi importante para o direito alemão, bem como dos países de tradição romano-germânica, especialmente no Direito Civil. Savigny é responsável pela criação e pelo desenvolvimento do conceito de relação jurídica e de diversos conceitos relacionados, como o de fato jurídico, tendo seu método histórico influenciado, entre os movimentos, a jurisprudência dos conceitos. Savigny foi Ministro da Justiça entre 1842-1848, tendo renunciado devido à revolução.

Embora Savigny aceite as regras jurídicas como um dado histórico-cultural de validade objetiva, ele não se limita a propor uma descrição tópica e fragmentária delas, mas propõe uma reelaboração científica do material recebido, a partir de pontos de vista unitários, lançando as bases de uma ciência jurídica a um só tempo sistemática e historicista. Assim, o jurista, ao estudar o direito (romano e consuetudinário), deve identificar os princípios gerais, evidenciar e corrigir as lacunas e contradições, e elaborar os conceitos fundamentais para o desenvolvimento de um verdadeiro sistema jurídico.

A originalidade da Escola histórica de Savigny não foi a de evidenciar a historicidade ou o caráter sistemático, o que já havia sido feito pela escola humanista e pelo jusracionalismo, respectivamente, mas permitir uma síntese dessas duas características. Assim, a Escola histórica constituiu-se em uma inovação conservadora: o novo método de estudo do Direito é utilizado para a manutenção do direito germânico tradicional, impedindo as codificações feitas pelos Estados de inspiração liberal.

Portanto, a partir das características do elemento histórico, podemos conceituar o historicismo de Savigny como retrospectivo e conservador: buscava dar um sentido objetivo ao Direito através da ligação deste com o seu passado, opondo-se à atualização das soluções jurídicas a partir das condições históricas do momento da aplicação do direito.

[29] Clóvis Veríssimo do Couto Silva (1930) é um exemplo de jurista completo, cuja figura invulgar merece toda homenagem. Advogado. Formado pela Faculdade de Direito de Direito da UFRS em 1953. Professor universitário, catedrático de Direito Civil da UFRS, e professor titular do Direito Civil da Faculdade de Direito da UFRS.

[30] O sistema jurídico positivo brasileiro recebeu o reforço de novo conceito jurídico-legal, trazido pela Lei 8.078/1990, ao dispor no inciso VIII do art. 6, direitos básicos do consumidor, a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.

A hipossuficiência possibilita à parte reconhecida como hipossuficiente, o exercício de um direito básico do consumidor, qual seja, a inversão do ônus probatório. A hipossuficiência somente tem existência e aplicação em processos judiciais onde se discuta alguma relação de consumo, ou seja, aquela onde estão presentes um consumidor e um fornecedor ou serviço oferecido indistintamente no mercado.

A hipossuficiência se apreende apenas dentro da relação processual, após a verificação da condição das partes litigantes e do objeto material do litígio; nem todo consumidor é hipossuficiente, embora possa ser necessitado, mas o hipossuficiente tem que ser antes um consumidor.

[31] As tutelas jurisdicionais diferenciadas são aquelas criadas com procedimentos diversos do ordinário e que se distanciam desta forma procedimental, na medida em que buscam garantir um processo mais rápido, visando a efetiva prestação jurisdicional, já que, em diversas situações, a lentidão do procedimento ordinário causa danos aos interesses que dependem da tutela jurisdicional.

A maior preocupação é dar maior efetividade ao processo, endereçado sempre à satisfação do direito. É a aproximação do direito substancial ao processo que assume definitivamente sua instrumentalidade, sem renúncia à autonomia da ciência processual que não se afirma propriamente com a repetição da velha lição da teoria civilista da ação.

[32] O princípio da autonomia privada é um princípio jurídico que garante às partes o poder de manifestar a própria vontade, estabelecendo o conteúdo e a disciplina das relações jurídicas de que participam.

Em regra, permanece a vontade dos contratantes. Porém, atualmente a manifestação de vontade não é totalmente livre, pois, na concepção moderna de Estado, este exerce o dirigismo contratual, ou seja, intervenção na relação entre os particulares para garantir princípios mínimos à coletividade.

É um dever do Estado, por exemplo, garantir a isonomia substancial (material) diante de eventual desequilíbrio entre o fornecedor e o comprador Como exemplo, temos o Código de Defesa do Consumidor – CDC –, que limita os direitos dos mais fortes e confere direitos aos mais fracos, reequilibrando a relação jurídica.

O flagrante desequilíbrio também costuma ocorrer nas relações de trabalho, por isso a criação da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Dessa forma, os iguais são tratados de forma igual e os desiguais na proporção de suas desigualdades. Logo, o dirigismo contratual é uma limitação ao princípio da autonomia privada.

[33] A liberdade de contratar diz respeito ao direito/poder de celebrar contratos, ou seja, vem da capacidade civil. Portanto a autonomia privada está relacionada com a liberdade contratual, que é o conteúdo do contrato. Nesta liberdade, há interferência do Estado e limitação à autonomia privada.

Uma das bases do Código Civil de 2002 – CC – é o princípio da socialidade, ou princípio da função social dos contratos, em que, na busca dos interesses particulares, as partes não podem prejudicar os interesses da coletividade (interesses metaindividual ou individuais relativos à dignidade da pessoa humana), art. 421 – CC: A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

[34] Teori A. Zavascki identifica a função desempenhada pela antecipação de tutela e pela cautelar em virtude de ambas servirem como mecanismos de concretização e de harmonização de direitos fundamentais em conflito], mais especificamente para solucionar tensões entre segurança jurídica e efetividade jurisdicional. Nesse sentido, afirma: “É o que claramente consta nos arts. 798 e 273 do Código de Processo Civil de 1973. Utilizando terminologia fluida e de conteúdo genérico (“fundado receio”, “lesão grave”, “difícil reparação”, “dano irreparável”, “abuso do direito de defesa”, “manifesto propósito protelatório”) aqueles dispositivos nada mais fazem senão descrever situações de possível confronto entre efetividade e segurança, abrindo campo para que o juiz formule, ele próprio, caso a caso, a solução mais adequada a manter vivos e concretamente eficazes os dois direitos fundamentais. Está aí a via judicial de criação da regra conformadora, convindo notar que, como parece intuitivo, tal via somente será legítima na inexistência ou na insuficiência de regra legislada. ”

[35] A tutela repressiva volta-se a proteger uma situação de lesão, de dano já concretizado, determinando, em razão disso, a reparação dos danos daí originados ou derivados, independente da natureza do direito material (patrimonial ou moral). Significa dizer, em outras palavras, que o Estado-juiz deve aplicar uma sanção correspondente à lesão ocorrida. O atual modelo constitucional do processo civil reconhece que a tutela jurisdicional deve, assim como na tutela preventiva, possuir o viés de efetividade e de tempestividade, ou seja, a noção tradicional de tutela repressiva que visa à proteção de situações que já se consumaram lesões ou danos é insuficiente. Atualmente é necessário que a reparação da lesão concreta seja de forma específica ou genérica.

Há ainda a tutela jurisdicional “intransitiva” é aquela que dispensa qualquer atitude da parte ou do Estado-juiz para que surta efeitos no plano do direito material. São, portanto, tutelas autossuficientes, para as quais não é necessário que haja atividade jurisdicional complementar. É o que ocorre, por exemplo, nas decisões declaratórias e constitutivas, não sendo necessário, nestas hipóteses, nenhum agir para que esta gere efeitos práticos “fora” do processo.

Assim, a principal peculiaridade das tutelas intransitivas é, justamente, a outorga do bem da vida, exclusivamente (e de maneira satisfatória) no plano ideal. É o caso da sentença de procedência de uma investigação de paternidade, por exemplo. A decisão final que reconhece a paternidade é suficiente para que se reconheça “X” como filho de “Y”, sendo desnecessária (e inócua), qualquer outro agir, seja pelas partes do processo, seja pelo Estado-juiz, para que se declare o vínculo paterno.

[36] Natalino Irti (1936) é um docente e advogado italiano. Seu pensamento jurídico articulado move análise conceitual e formal das instituições, uma forte defesa da forma (ou seja, os procedimentos formais) como método de decisão na administração pública e privada. Em suas últimas obras ele teorizou “ontológica do niilismo legal” como resultado inevitável da pós-modernidade e da globalização.

Sua análise também envolve a relação entre a codificação e o papel do jurista. Eriçado argumentou que a crise do sistema de código leva a um questionamento do papel do jurista, que já não por trás dele é com a estabilidade regulamentar. A queda do código da segurança jurídica só pode ser garantida por um forte papel da doutrina. Fora dos códigos, que são produzidos e emitidos por uma autoridade legislativa, existem leis especiais, que são o resultado de uma negociação entre a indústria e o poder político. Nascido, consequentemente, fora dos esquemas de legitimidade democrática comuns. Seu trabalho também foi dirigido para a recuperação das ideologias políticas, agora aniquilados pelo encerramento da “pinça”, daí o título de seu ensaio A pinça, consiste, por um lado, o poder econômico, então, por ” technocracy “e, por outro, pela religião, isto é, de” clerocrazia “.

Em 2003 foi publicado em Lima no Peru uma versão em espanhol de sua “introdução crítica ao estudo do privado” direito, acompanhado das notas de direito latino-americano, editado por professores peruana Leysser Leon Hilario e Rómulo Morales Hervias. No trabalho, “Lei sem verdade”, Irti trouxe a uma conclusão o processo iniciado com as obras “niilismo legal” e “A forma da boia”, tornando-se o portador de um positivismo jurídico real, em que a base jurídica ela está ancorada à mera vontade do indivíduo, sem qualquer referência aos alegados valores ou verdade teológica, meta-ou metafísico.

[37] O Estado constitucional delineou novo conteúdo ao princípio da legalidade que agregou o qualificativo de substancial para evidenciar que exige a conformação da lei com a constitucional e, particularmente, com os direitos fundamentais. Não se cogite, porém, que o princípio da legalidade simplesmente sofreu um desenvolvimento, trocando a lei pelas normas constitucionais, ou expressa mera continuação da legalidade formal, tão característico do Estado legislativo. Em verdade, o princípio da legalidade substancial significa transformações que remodela as concepções de direito, de jurisdição e, assim, representa o rompimento de um paradigma.

O neoconstitucionalismo exige a compreensão crítica da lei em face da Constituição, para ao final fazer surgir uma projeção ou cristalização da norma adequada, que também pode ser entendida como “conformação da lei”. Essa transformação da ciência jurídica, ao dar ao jurista uma tarefa de construção – e não mais de simples revelação -, confere maior dignidade e responsabilidade ao jurista, já que dele se espera uma atividade essencial para dar efetividade aos planos da Constituição, ou seja, aos projetos do Estado e às aspirações da sociedade.

[38] A doutrina recebeu especialmente com as obras de Dworkin e Alexy uma boa contribuição na distinção entre princípios e regras.

É possível dizer que as normas infraconstitucionais são geralmente regras, ao passo que as normas constitucionais que definem conceitos de justiça e que expressam direitos constituem geralmente princípios.

Entretanto, é certo que a Constituição contém regras e princípios. Mas, enquanto as regras se esgotam em si mesmas, na medida em que descrevem o que se deve, não se deve ou se pode fazer em determinadas situações, os princípios são constitutivos da ordem jurídica, revelando os valores ou os critérios que devem orientar a compreensão e a aplicação das regras diante das situações concretas. Engana-se profundamente quem pensasse que os princípios são simples normas caracterizadas pelo seu status constitucional.

Alexy afirma que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, ao passo que as regras são normas que podem ser cumpridas ou não, uma vez que, se uma regra é válida, há de ser feito exatamente o que ela exige, nem mais nem menos.

De acordo com Alexy, as regras contêm determinações em um âmbito fática e juridicamente possível, ao passo que os princípios podem ser realizados em diferentes graus, consoante as possibilidades jurídicas e fáticas.

[39] O conceito de ato ilícito é de grande relevância para a responsabilidade civil, vez que faz nascer a obrigação de reparar o dano. O ilícito repercute na esfera jurídica produzindo efeitos não pretendidos pelo agente, mas impostos pelo ordenamento jurídico. Afinal, em vez de direitos, criam deveres.

A primeira das consequências que decorrem do ato ilícito é o dever de reparar. Mas, não se faz única, eis que, dentre outras, este pode dar causa para invalidade ou cessação de ato. No campo jurídico, o ilícito alça-se à altura de categoria jurídica e, como entidade categorial, é revestida de unidade ôntica, diversificada em penal, civil, administrativa, apenas para efeitos de integração, neste ou naquele campo, evidenciando-se a diferença quantitativa ou de grau, não a diferença qualitativa ou de substância, conforme pondera José Cretella Jr. E, o princípio que obriga o autor do ato ilícito a se responsabilizar pelo prejuízo que causou, indenizando-o, é de ordem pública, ressalta Maria Helena Diniz.

A definição de ato ilícito afirmada pela plêiade de renomados doutrinadores a seguir mencionados, salienta diferença apenas no estilo pessoal de cada deles expor.

Ato ilícito é, portanto, o que praticado sem direito, causa dano a outrem. ” (Clovis Beviláqua)

“Que é ato ilícito? Em sentido restrito, ato ilícito é todo fato que, não sendo fundado em Direito, cause dano a outrem. ” ( Carvalho de Mendonça)

“Ato ilícito, é, assim, a ação ou omissão culposa com a qual se infringe, direta e imediatamente, um preceito jurídico do direito privado, causando-se dano a outrem. ” (Orlando Gomes)

“ … ato ilícito é o procedimento, comissivo (ação) ou omissivo (omissão, ou abstenção), desconforme à ordem jurídica, que causa lesão a outrem, de cunho moral ou patrimonial. ” (Carlos Alerto Bittar)

“O caráter antijurídico da conduta e o seu resultado danoso constituem o perfil do ato ilícito. ” (Caio Mario da Silva Pereira)

“O ato ilícito é o praticado culposamente em desacordo com a norma jurídica, destinada a proteger interesses alheios; é o que viola direito subjetivo individual, causando prejuízo a outrem, criando o dever de reparar tal lesão. ” (Maria Helena Diniz)

“Ato ilícito. Ação ou omissão contrária à lei, da qual resulta danos a outrem. ” (Marcus Cláudio Acquaviva).

[40] É bom esclarecer que não se cogita em sinonímia perfeita notadamente na linguagem jurídica.

Verifiquem-se os empregos dos verbos prolatar, proferir, exarar e pronunciar. Referem-se todos eles à decisão judicial; não representam, no entanto, exatamente a mesma ideia. Prolatar é utilizado em sua acepção ampla: tanto significa declarar oralmente a sentença, quanto dá-la por escrito. Proferir ajunta-se à ideia da sentença oral, exarar corresponde a lavrar, consignar por escrito a decisão judicial.

[41] Conforme elucida Gustavo Tepedino surge a constatação de que a alteração no papel do Código Civil representa uma profunda alteração na própria dogmática, identificando-se sinais de esgotamento das categorias de Direito privado, pois os novos fatos sociais dão ensejo a soluções objetivistas e não mais subjetivistas, a exigirem do legislador, do intérprete e da doutrina uma preocupação com o conteúdo e com as finalidades das atividades desenvolvidas pelo sujeito de direito.

[42] Diante da farta proliferação legislativa, acompanhada pelo crescente desconhecimento das leis por parte da população e, dessa forma, o código perde abrangência, a legislação especial é derrogatória dos princípios gerais codificados, sendo difícil estabelecer uma ordem e, mais ainda, manter princípios axiomáticos.

Tornou-se fundamental tanto na doutrina como na jurisprudência, e a linguagem jurídica se contaminou de genética, economia, moral, tecnologia e computação e, em razão disso, não apenas uma descodificação legislativa, mas também um problema de explosão, com uma enorme força centrípeta, desintegradora, no plano de lei, de outras fontes, da doutrina e do direito privado em gerar.

O código constituiu-se em um reflexo da criação do Estado nacional; sua pretensão era ordenar as condutas jurídico-privadas dos cidadãos de forma igualitária; uma só norma, aplicável por igual, a todos os cidadãos, sejam nacionais ou estrangeiros”, tornando- se o código “uma garantia de separação entre a sociedade civil e o Estado.

[43] As garantias de um processo justo tornam obsoleta a tradicional distinção entre processo e procedimento, porque tanto do ponto de vista intrínseco como extrínseco o exercício da jurisdição deve estar por estas impregnado. Em alguns países, como a Alemanha, há experiências, em causas de pequeno valor, onde ocorre a adoção de um procedimento livre, apenas disciplinado pelo juiz. De qualquer modo, deve o princípio da legalidade exigir um mínimo de regulamentação legal do procedimento, inclusive para evitar a disparidade de tratamento perante julgadores diferentes. Além disso, a previsibilidade do procedimento necessariamente resulta do delineamento prévio do legislador de suas etapas fundamentais, onde se desenvolverão os múltiplos vínculos jurídicos que tanto caracterizam a relação jurídica processual.

[44] Na atualidade, o cidadão procurar obter e desfrutar de segurança jurídica no seu cotidiano, de maneira que lhe seja assegurado, efetivamente (e não somente como apelo teórico) o direito à vida, à propriedade, à privacidade, à saúde, à educação, à segurança, enfim, a bens e valores que lhe sejam caros.

É verdade que por vezes, no entanto, o Estado assume compromissos com os administrados, os quais, reversamente, neste depositam suas legítimas expectativas, passando até a adotar condutas conformes ao binômio expectativa-compromisso, mas que, surpreendentemente, passado algum tempo, dá novo direcionamento a esse compromisso, quebrando, abruptamente, a expectativas dos destinatários e cidadãos e, gerando prejuízos e desfavores a aqueles que acreditaram por boa-fé nos compromissos estatais.

O princípio da confiança legítima fora concebido no continente europeu, na Alemanha, e, posteriormente se expandiu e está se instalando progressivamente no Brasil, apesar que de forma tímida, para atingir algumas relações jurídicas estabelecidas e travadas entre o Estado e o cidadão, cuidando de reparar ou atenuar as consequências advindas da quebra de expectativas legítimas e depositadas, nos compromissos assumidos e depois rompidos pelo Estado.

[45] No Direito alemão ainda que sejam considerados os efeitos do período existente entre as guerras mundiais, não se pode esquecer que, quando dos debates acerca do projeto que culminaria no BGB, visto como um dos precursores do chamado socialismo jurídico, e que se afirmou no período final do século XIX e seria a época mais favorável para uma codificação voltada à proteção das classes economicamente menos facorecidas.

[46] Em suas origens a descodificação advém do incontestável fato de que a codificação fora imposta na Europa, apenas como decorrência da vontade de um poder central autoritário, onde Código Napoleônico foi um grande marco, seja também como reflexo de um processo de unificação tal como ocorrera na Itália e da Alemanha. Porém, a velocidade dos acontecimentos ocorridos durante o século XX gerou a superação do mundo aparentemente estável e controlável que existiu principalmente na segunda metade do século XIX.

Enfim tais acontecimentos conduziram a um processo chamado de descodificação, representando a necessidade de adoção de um processo legislativo mais célere, consubstanciado em leis que não fossem tão extensas, e apto a responder às múltiplas necessidades de contenção de litígios, individuais ou transindividuais que passaram a ocorrer na sociedade. As mudanças substanciais tanto na ordem política e econômica propiciaram o surgimento da fase de descodificação, e, de fato os elementos que nortearam o século passado desapareceram, passando da estabilidade tão peculiar do século XIX e o início do século XX para às incertezas permanentes do fim do século XX e do início do século XXI.

Até mesmo a função do Estado fora redimensionada, dado que um sistema jurídico apenas calcado em Códigos não está mais apto a enfrentar os problemas sociais contemporâneos que se acumulam e o próprio Direito deixa de atingir então o seu prior objetivo que é, o de obter a pacificação social.

[47] A Teoria Geral do Direito e a epistemologia do direito formam campos complementares do conhecimento jurídico, porém podem ser diferenciadas uma da outra, nas palavras de Miguel Reale. A Epistemologia jurídica aprecia os problemas das fontes ou do processo interpretativo do direito como condições transcendentais logicamente prévias a toda e qualquer experiência jurídica possível, passada ou futura; a Teoria Geral do Direito, ao contrário, indaga das fontes e dos processos interpretativos vigentes em nossa época, discriminando-lhes as formas, as modalidades, os limites e as funções nos quadros do ordenamento jurídico pátrio, em confronto com os dos Países de correlato sistema cultural.

[48] Enfim, a atuação da jurisprudência se revela fundamental para amoldar as concepções antiquadas de um Código à uma realidade presente, atuação esta, sempre somada à vigência de novas leis especiais conforme já sustentou Henri Capitant in verbis: “ilfaut en conclure que Ia codification ne doitpas être trop souvent répétêe. 11 est préférable de vivre sur un Code vieux, tout en le modifiant par des lois spèciales, plusfaciles à élaborer, quant à ses parties qui ne correspondent plus aux conceptions actuelles, et de laisser à Ia jurisprudence, êclairèe et dirigèe par Ia doctrine, le soin de travailler sur ce fonds de textes, de les remanier, de les transformer insensiblement”. E conclui dizendo que “c ‘est à elle qui ilfaut, en première religne, confier Ia tache de réparer les fissures qui se produisent dans 1’edifice, au besoin même d’y changer quelques pierres, d ‘en modifier quelques parties. C ‘est par elle. toujours en contact avec Ia vie, que se fera désormais e progrés du droit, son adaptation au milieu social, et ainsi, avec une base solide et rèsistantefaite de droit ècrit, on laisser au droit toute sa souplesse, toute son aptitude à se modifier, en même temps que les faits eux-mêmes, pour être toujours d’accord avec eux ” (Cf. Henri Capitant Introduction a Vètude du Droit Civil: Notions Gènêrales . 3a cd.. p. 71).

[49] A categoria denominada de Teoria Geral do Processo é muito difundida, não há um consenso sobre seu conteúdo e nem seus exatos contornos científicos. Apesar de certas divergências doutrinárias, pode-se afirmar que a teoria geral do processo é um sistema de conceitos e princípios elevados ao grau máximo de generalização útil e condensados indutivamente a partir do confronto de diversos ramos do direito processual.

É certo que do estudo de conceitos teóricos que formem uma estrutura apta a fornecer elementos para a construção positivada de sistema de direito processual. Mas, não se confunda, portanto, com o próprio direito positivo, mas o transcende. É a teoria geral do processo uma disciplina jurídica destinada à elaboração, organização e articulação dos conceitos jurídicos fundamentais processuais. Que são conceitos lógicos-jurídicos processuais todos aqueles indispensáveis à compreensão jurídica do fenômeno processual, onde quer ele ocorra.

[50] Para Egas Moniz de Aragão, a ausência de uma parte geral, no Código de 1973, ao tempo em que promulgado, era compatível com a ausência de sistematização, no plano doutrinário, de uma teoria geral do processo. E advertiu o autor: “não se recomendaria que o legislador precedesse aos doutrinadores, aconselhando a prudência que se aguarde o desenvolvimento do assunto por estes para, colhendo-lhes os frutos, atuar aquele” (Comentários ao Código de Processo Civil: v. II. 7.a Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 8). O profundo amadurecimento do tema que hoje se observa na doutrina processualista brasileiro justifica, nessa oportunidade, a sistematização da teoria geral do processo, no novo CPC.

[51] Sobre a necessidade de uma nova teoria do conhecimento jurídico, afirma que as causas de defasagem da teoria clássica do direito são elementos de uma nova feição cultural. São elas, em resumo:

1. a chamada ascensão das massas e, a locomoção de novos grupos sociais dentro de uma mesma sociedade, agora detentores de interesses juridicamente tuteláveis;

2. imprescindibilidade de utilização do Direito como sistema de controle social;

3. a necessidade de reconstrução conceitual do Direito, fugindo da dedução dogmática;

4.o problema da ineficiência da autoridade (e de falta de efetividade da justiça).

Defende-se naturalmente que o direito positivo deve acompanhar o momento histórico.

[52] A teoria geral postula uma “visão metodológica unitária do direito processual”. Essa visão metodológica desenvolveu-se a partir do reconhecimento da autonomia do plano processual, em detrimento da relação material subjetiva. Como conteúdo básico da teoria geral do processo construíram-se os institutos fundamentais da ação, jurisdição, processo e defesa. Esses conceitos é que, historicamente, foram mais bem trabalhados pela teoria geral, a fim de fornecer matéria-prima para a dogmática processual.

Boa parcela da doutrina opta por girar a teoria geral em torno do conceito de jurisdição – como é o caso da obra de Dinamarco –, outra, em torno da ação – como fizeram, com muita clareza, Pontes de Miranda e processualistas como Ovídio Baptista da Silva e Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Outros estudiosos, ainda, centralizam a teoria na ideia mesma de “processo” (o que, para o estudo aqui apresentado, parece ser a mais adequada).

[53] O princípio do contraditório materializa-se por meio da participação ativa das partes no processo e, do diálogo que deve ter o órgão jurisdicional com as partes. Desta concepção decorrem várias consequências, como a de que não pode o órgão jurisdicional proferir decisão com surpresa para as partes. E, algumas legislações já preveem isso expressamente. Por exemplo, o art. 3º, nº3 do CPC português dispõe que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de fato, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade sobre elas se pronunciarem. Existe previsão similar no ZPO, no §139, 2. É possível dizer, até, que, na dúvida, o magistrado deve reputar admissível (válido) o procedimento. Do mesmo modo, não deve o magistrado indeferir a petição inicial, tendo em vista a obscuridade do pedido ou da causa de pedir, sem antes pedir esclarecimentos ao demandante – convém lembrar que há hipóteses em que se confere capacidade postulatória a não-advogados, o que torna ainda mais indispensável o cumprimento desse dever.

[54] Tutela de direitos, ou tutela jurisdicional, é uma decorrência do estudo da jurisdição, da ação, do processo e da defesa, no “modelo” de processo civil contemporâneo. A partir da noção de efetividade da jurisdição, decorrente do próprio art. 5º, XXXV, da Constituição, significa verdadeiramente a “realização concreta do direito que foi lesado ou ameaçado. Seja para o autor, quando ele tem razão, seja para o réu quando ele, o réu, tem razão”. Essa conceituação de tutela permite extrapolar a mera declaração de direitos (o reconhecimento de um direito em juízo), fazendo com que a satisfação, a efetivação dessa situação jurídica declarada faça parte do exercício da jurisdição. Quer dizer, à jurisdição calha aplicar o direito, e não somente fazê-lo incidir no caso concreto. 

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. A cognição e evolução da tutela de direitos no CPC/2015.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/novo-cpc-por-gisele-leite/a-cognicao-e-evolucao-da-tutela-de-direitos-no-cpc2015/ Acesso em: 22 nov. 2024