Não há como negar: juristas em geral, mais do que a maioria dos outros profissionais, adoram lançar mão de termos técnicos, principalmente quando são
extremamente longos. Talvez só percam dos médicos, que criaram a palavra hoje aceita como a maior da língua portuguesa:
pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico (um tipo de doença pulmonar) – embora alguns digam que isso é só um grande amontoado.
De um jeito ou de outro, um dos maiores pontos onde se vê a vaidade dos advogados se manifestar é no momento de dar nome às ações. As conhecidas “ação
declaratória de inexistência de débito cumulada com pedido liminar” ou mesmo “ação de indenização por danos materiais e morais” são uma constante na
prática judicial.
Quando achei que já tinha visto tudo quanto era tipo de nome de ação, colocaram na minha frente a mais absurda que já vi. Não por estar errada, mas por
sua extensão. Eis a bizarrice de hoje:
Essa utilização advém da conhecida Teoria Imanentista da Ação Civil, primeiramente instituída no Código Civil de 1916, de Clóvis Beviláqua, e
posteriormente ratificada no Código de Processo Civil de 1939. Tal sistemática, idealizada por Savigny, afirma que a ação emana do direito material,
sendo o próprio direito posto em reação perante o judiciário.
Assim, dizia-se que a cada direito correspondia uma ação distinta e singular, o que dava azo aos mais diversos nomes de ações. Ora, se a intenção do
Autor era negar uma relação jurídica, propunha-se uma Ação Negatória; se o intento era revogar, ajuizava-se uma Ação Revogatória; e se o intuito era
renovar, aforava-se a Ação Renovatória.
No entanto, paremos por um momento: qual a diferença processual, ou até mesmo procedimental, entre a tal “ação declaratória de inexistência de débito”
e a “ação de indenização por danos materiais e morais”, além do conteúdo da prestação jurisdicional? Nenhuma. O processo é totalmente idêntico. Leva-se
o pleito perante o juiz que, citando o(s) réu(s), estabelece o contraditório; as partes expõem suas versões, possivelmente produzindo provas, no
intuito de induzir um juízo específico, o que naturalmente irá desaguar na prolação da sentença. Assim, como justificar dar nomes distintos a um
processo que é idêntico em ambos os casos?
É nesse sentido que a Teoria Imanentista perde força, podendo-se até dizer que foi ultrapassada, quando vem à tona a Teoria Abstrata, a qual pode ser
aceita como aquela que mais fortemente orienta o Direito Processual Civil Brasileiro. É esse norte de estudos que finalmente distinguiu o Direito
Material do Processual, pondo-os como entes separados e com sua própria sistemática: uma coisa é a renovação; outra é a ação que irá produzir esse
efeito.
Um dos maiores expoentes da Teoria Abstrata foi Oskar von Bülow, processualista que vislumbrou as grandes intersecções procedimentais das ações
judiciais e idealizou os remédios processuais de largo espectro. Assim, não haveria uma ação correspondente a cada direito (o que geraria uma
infinidade de instrumentos processuais), mas sim “tipos” de ação que atingem uma ampla gama de pleitos distintos.
Nessa orientação a sistemática dominante é a Teoria Quinária da Ação, a qual reza existirem cinco tipos de ações judiciais: Declaratória; Constitutiva
(positiva ou negativa); Condenatória; Mandamental; e Executiva Latu Sensu. Esses são os instrumentos processuais do Rito Comum Ordinário. Há
autores que sustentem apenas os três primeiros tipos, porém pessoalmente ainda discordo de tal posicionamento.
O Código de Processo Civil é explícito apenas na existência da Ação Declaratória (art. 4º), de modo que as outras advêm de uma intuição do sistema
processual em seus fundamentos e funcionalidades. Assim, diz-se que o interesse do Autor se limita a uma declaração; (des)constituição; condenação;
mandamento/ordem judicial; ou à execução.
Assim, fácil concluir que não se fala mais em “Ação anulatória de exame psicológico do concurso de provimento ao cargo de agente de polícia de Santa
Catarina”, visto que simplesmente em uma “Ação Declaratória” cujo objeto será a declaração de nulidade do tal exame psicológico. Se o tal exame acabou
por gerar a Investidura de algum indivíduo, este tomando o lugar que supostamente seria do requerente, a ação será desconstitutiva. Caso haja a
intenção de receber indenização por lucros cessantes, o remédio será condenatório, gerando um título executivo ao requerente.
Vejam que o pleito vai definir o tipo de instrumento a ser utilizado. Caso a escolha seja errada o pedido não poderá ser deferido por absoluta inépcia
do meio processual: não se pode buscar execução em uma ação declaratória, por exemplo.
Não podemos descartar a existência de certa fungibilidade entre os instrumentos, porém isso é assunto para outro momento. O que podemos dizer com
certeza é que a utilização de tais nomenclaturas no atual estado evolutivo do Processo Civil Brasileiro é algo totalmente descabido, posto que inócuo.
Certamente que tais nomes ajudam aquele que se depara com a Exordial a rapidamente saber do que ela tratará, porém não se pode sacrificar a retidão
técnica em prol de facilitações mínimas.
Há que se pontuar: indicar o pedido ao se definir o tipo de ação vai plenamente de encontro à sistemática vigente. Devemos ser coerentes, pois não faz
o menor sentido indicar o pedido liminar no nome da actio (ação declaratória c/c pedido liminar). Ora, qual o próximo passo? Ação declaratória
com pedido de recebimento do presente feito, ordenamento de citação sob pena de revelia, produção de provas e total provimento dos pedidos?
E um outro detalhe: ordinário é o rito (ou procedimento), não a ação. São duas coisas totalmente diferentes. É o mesmo que dizer que a
cor de uma pessoa é humana. Então por favor, nunca, absolutamente nunca proponham ou falem em “Ação Ordinária”. Como diz um excelente professor que me
leciona na Universidade, sempre esbanjando humildade e delicadeza: “ordinário é quem chama a ação de ordinária”.