Sociedade

Atribuições sociais e educacionais do docente online

O presente texto pretende discutir as atribuições sociais do docente online e, naturalmente da educação a distância (EaD)

No EaD o docente assume posição diferente da historicamente conhecida no cenário acadêmico e educacional, o professor presencial.

Novamente a figura do docente experimenta ser o elemento central no processo ensino/aprendizagem que só poderá ser exitoso quando, em verdade, houver, interação harmônica entre os dois atores principais: docente e discente. Proporcionando um aprendizado motivado através de um professor capacitado e, em constante capacitação.

É errôneo acreditar que no aprender remoto ou online, a função docente seja dispensável. Afinal, o docente é o firme elo a unir o discente e a tecnologia[1], além de programar o conteúdo tanto no ritmo, como em termos de etapas na apreensão e produção de conhecimento.

Primeiramente, cumpre associar a Educação a Distância com o tempo, o que per si, envolve certa complexidade. E, reforçada pelas rupturas propiciadas em relação à distância abandonando-se a tradicional filosofia educacional. É certo que a educação a distância se afigura como uma das modalidades da educação continuada e, defendo sinceramente a irreversibilidade dessa evolução.

O maior desafio do docente sempre foi qualificar-se habilmente, atendendo a velocidade da dinâmica da história da humanidade e, ainda, customizar seus métodos para garantir maior eficácia na aprendizagem, integrando ao discente, sua dignidade humana e cidadania para atuar dentro realidade social.

Sem dúvida, a formação educacional abrange sempre duas realidades indissociáveis, a saber: educação e instrução que se complementam na formação do indivíduo em seu aspecto intelectual e social.

Lembremos que a instrução fornece ao discente os aparatos fundamentais para que possa se relacionar satisfatoriamente com seu meio social e, enfim, com o mundo.

Através da instrução, o discente logra a aquisição de ferramentas de comunicação, o domínio do idioma materno, além do que já domina de forma oral e escrita e, alargando suas dimensões, até galgar uma comunicação eficiente, empática e não-violenta. Incluindo a possibilidade de construir diálogos e transpor eventuais divergências e dificuldades.

A noção de formação em seu bojo traz viés pejorativo de informar, de “pôr em forma” que maneja tanto o passado e o futuro. A formação intelectual, no fundo, representa o conjunto de informações a serem transmitidas e partilhadas no presente, as quais desenharão a forma do sujeito do futuro. É processo que transcende aos limites da escola, mas, no qual a escola funciona de forma emblemática e impactante.

Durante a formação intelectual se aprofunda os conhecimentos e descobre-se novas perspectivas, como abrir-se para a comunicação científica. Além de colaborar para a articulação lógica das mensagens com o todo e, ainda, facilitar a apreensão de conhecimentos científicos e os desvendar dos segredos do multiverso.

Assim, logo que está de posse de ferramentas básicas para a comunicação e entendimento, a instrução também fornece aos discentes os conhecimentos essenciais sobre o mundo e a sociedade, traduzidos em disciplinas como física, química, biologia e que compõem a cosmologia, ou seja, os conhecimentos humanos sobre o multiverso, e, ainda, nas disciplinas como geografia e história que apontam como o ser humano se relaciona com seu espaço e tempo, e produz sua marcha no mundo.

Importante frisar que a educação não se restringe a ser a transmissão desses conhecimentos, nem a posse de instrumentos, pois o discente deve estar apto a relacionar-se plenamente, adotando postura crítica e reflexiva diante da realidade e, encontrar como utilizar tais instrumentos num processo de contínua formação de pessoa, cidadão e sujeito cognoscente.

É evidente que a formação, em síntese, não significa apenas produzir e construir subjetividades submissas a um conjunto prefixado de modos de compreensão do mundo. E, também a compreensão e construção de uma vida outra, não subordinada ao passado.

Portanto, tem-se duas distintas concepções de formação discente: uma preocupada em determinar o futuro e, a outra que sabe ser possível apenas influir na tessitura do futuro.

A formação do discente nunca ocorrerá apenas pela assimilação de discursos, mas sim, através de processo microssocial onde é levado a assumir posturas de liberdade, responsabilidade e, simultaneamente, em que percebe que tais práticas nos demais membros participantes, se relacionando com seu cotidiano.

Uma aula de qualquer disciplina é parte do processo de formação do discente, não apenas pelo discurso do professor, mas pelo posicionamento que assume em seu relacionamento com os discentes, pela participação que suscita nestes, pelas novas posturas que estes são chamados assumir.

Evidentemente, esse processo não fica cativo em sala de aula, pois todas as relações que o discente trava no ambiente escolar, a saber como outros discentes, funcionários, e toda equipe administrativa da educação e, enfim, com toda a comunidade. É o que representa as fases na construção de sua personalidade.

A formação integral do discente não pode ignorar nenhuma dessas faces e, nem a sua instrumentalização, pela transmissão de conteúdos nem sua formação social, pelo exercício de posturas e relacionamentos que expressem a liberdade, a autenticidade e responsabilidade.

Trata-se de processo global a que podemos chamar de educação e, nesse sentido, destaca-se a relevância do método de trabalho pedagógico. Enfim, a educação é positivamente uma questão de método.

A realidade contemporânea da educação propõe a compartimentalização de conhecimento buscando sempre a maior especialização do saber.

Obviamente que a perspectiva da especialização nos traz inúmeros benefícios e, ainda, promover fartos avanços no conhecimento, porém, é preciso que não esqueçamos a necessidade de compreender sempre tais especializações como sendo parte de todo um complexo e inter-relacionado, sob pena de desvirtuar o próprio conhecimento adquirido e construído. Assim, é importante mostrar o “gancho” de uma disciplina com a outra, de uma aula com a outra.

Continua o docente que desempenhar o papel de elaborar atividades, incentivar pesquisas, fazer perguntas, avaliar respostas, coordenar as discussões, sintetizar os novos pontos principais e, ainda, estimular o pensamento crítico.

Devendo também encorajar a construção colaborativa do conhecimento entre os participantes do processo de aprendizagem.

Assim, ao provocar a apresentação dos discentes, principalmente quando despertar a reação daqueles mais tímidos e que não se expressam com facilidade em ambiente virtual, o ideal é enviar mensagens de agradecimento, fornece feedback célere e, sempre que possível manter o tom sadio e amigável além de acolhedor com os discentes.

O docente online é responsável por gerar, enfim, um sentimento de turma dentro da chamada classe virtual. E, para tanto deve ter elevado grau de inteligência pessoal, promovendo sempre forte motivação e um desenho de mudança capaz de gerar confiança e ânimo aos seus discentes.

O ideal é tornar o aprendente um parceiro que multiplica, dissemina e partilha os sucessos e dificuldades, dúvidas e certezas, promovendo uma construção coletiva de conhecimento. Muitos denominam o professor online como tutor ou instrutor para abandonar as terminologias tradicionais. Mas, tais nomens passam pela errônea ideia de mera transmissão de conhecimento.

O docente online não é menos professor que o presencial.

Há uma estreita relação entre saber e poder[2], afinal, conhecer é dominar. O processo histórico da humanidade na construção das ciências modernas agiu por meio da divisão do mundo em partes cada vez menores, de forma a facilitar o poder de conhecê-los e, finalmente, dominá-los.

Por isso, a educação sempre teve permeada pelos mecanismos de controle e, tal disciplinarização além de permitir o controle sobre s aprendizagem também habilita um controle sobre o discente. A disciplina está também relacionada ao comportamento e, não apenas à aprendizagem.

Disciplinar o aluno é também fazer com que ele perceba seu lugar social. A disposição cartográfica de uma sala de aula, seja ela qual for, é sempre uma disposição estratégica para que o professor possa dominar os alunos, pois nesta concepção de escola o aprendizado só pode acontecer sob. domínio.

Resumindo de outra forma, uma sala de aula nunca é caótica, há sempre uma ordem implícita que, se visa possibilitar a ação pedagógica, traz também a marca do exercício do poder, que deve ser sofrido e introjetado pelo aluno. Nada é por acaso.

Alguns consideram que ser um docente online tem suas facilidades baseadas nos aspectos físicos, pois não há o cansaço do deslocamento e demais preocupações. Mesmo assim, ainda se precisa preparar o plano de aula, bem como se preocupar com a qualidade de vídeos, slides e de seu conteúdo.

A modalidade em razão de sua própria estrutura passa a incentivar o discente a desenvolver sua autonomia e, se tornar responsável pela própria aprendizagem. Deve-se acabar com a ideia de que o docente online não é necessário. As empresas também passaram a encarar o EaD com outros olhos, doravante dotados de viés proativo e concentrado.

A tradicional metáfora da árvore do conhecimento facilita entender o campo de vários saberes[3]. E, seria a própria Filosofia que abriga em seu seio a totalidade do conhecimento e, daí começa a se desenvolver seus galhos produzindo as mais diversas especializações que se comunicam pelo seu tronco e nutrem-se de sua seiva, desenvolvendo energia de alimentação e fecundação.

Potencialmente os saberes humanos possuem um tronco comum ao menos formalmente e se relacionam entre si, e sua classificação se impõe segundo a noção de rizoma[4].

A noção de rizoma subverte a metáfora da árvore, tomando como paradigma aquele tipo de caule radiciforme de alguns vegetais formado pela miríade de pequenas raízes emaranhadas em meio a pequenos bulbos de armazenagem, colocando em questão a relação intrínseca entre as várias áreas do saber, representadas cada uma as inúmeras linhas de um rizoma.

Vigem, portanto, seis princípios basilares sobre o paradigma rizomático:

1. o princípio da conexão significando que qualquer ponto de um rizoma pode ser/estar conectado a qualquer outro; no paradigma arbóreo, as relações entre pontos precisam ser sempre mediatizadas obedecendo a uma determinada hierarquia e seguindo uma ordem intrínseca.

2. o princípio de heterogeneidade sendo a conexão possível o rizoma rege-se pela heterogeneidade; enquanto que na árvore a hierarquia das relações leva a uma homogeneização das mesmas, no rizoma isso não acontece.

3. o princípio da multiplicidade que aponta que o rizoma é sempre multiplicidade que não pode ser reduzida à unidade; uma árvore é uma multiplicidade de elementos que pode ser “reduzida” ao ser completo e único da árvore.

O mesmo não acontece com o rizoma, que não possui uma unidade que sirva de alvo para uma objetivação/subjetivação: o rizoma não é sujeito nem objeto, mas múltiplo.

4. o princípio de ruptura a-significante pois, o rizoma não pressupõe qualquer processo de significação, de hierarquização. Embora seja estratificado por linhas, sendo, assim, territorializado e organizado, está sempre sujeito às linhas de fuga que apontam para novas e insuspeitas direções.

Embora constitua-se num mapa, o rizoma é sempre um rascunho, um devir, uma cartografia a ser traçada sempre e novamente, a cada instante.

5. o princípio de cartografia que indica que o rizoma pode ser mapeado, cartografado e tal cartografia nos mostra que ele possui entradas múltiplas; isto é, o rizoma pode ser acessado de infinitos pontos e, pode daí, remeter a quaisquer outros em seu território.

6. princípio de decalcomania que indica que   os mapas podem, no entanto, ser copiados, reproduzidos; colocar uma cópia sobre o mapa nem sempre garante, porém, uma sobreposição perfeita.

O inverso é a novidade: colocar o mapa sobre as cópias, os rizomas sobre as árvores, possibilitando o surgimento de novos territórios, novas multiplicidades.

Concluímos que a adoção de novo paradigma de saber admite também novas abordagens do próprio conhecimento, rompendo-se com hierarquização e sua multiplicidade de linhas nos apresenta múltiplas possibilidades de conexões, aproximações, de cortes epistemológicos e percepções e nesse trânsito infalível vamos encontrar a educação em plena transversalidade.

A aula online mais sintética traz em seu bojo a necessidade de instigar pesquisas e questionamentos da parte dos discentes e trazer enfim, a construção do conhecimento de forma profícua e articulada o que reclamará, sem dúvida, uma revisão dos conteúdos curriculares e, das formas de verificação de aprendizagem que podem abandonar a versão escrita e passar a ser verbal.

Apenas quando lograrmos êxito em abraçar generosamente a dimensão da educação, poderemos transformar o EaD numa nova forma de decifrar finalmente o enigma da esfinge que é a educação humana.

Referências:

OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia; KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Pedagogia(s) da Infância. Dialogando com o Passado. Construindo o Futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.

GALLO, Sílvio. Transversalidade e educação: pensando uma educação não-disciplinar. Disponível em:  http://www.lite.fe.unicamp.br/papet/2003/ep403/transversalidade_e_educacao.htm Acesso em 18.5.2020.

MENDONÇA, Bruno. Tudo o que você precisa saber sobre o professor EaD. Disponível em:  https://www.edools.com/professor-ead/ Acesso em 18.5.2020.

GUATTARI, Félix. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo.2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1985



[1] A tecnologia terá um papel fundamental nesse processo, no sentido de promover ações que contribuam para a solução dessas questões. Por isso, a escola do futuro é aquela centrada na pedagogia do problema, que trabalha com questões reais e que se utiliza da tecnologia como um elemento no processo pedagógico. É também uma pedagogia da pergunta, que busca dar voz ao aluno e incentivá-lo a se questionar. Assim, a tecnologia pode fazer parte de todas as disciplinas, de química a língua portuguesa, como recurso mediador de aprendizagens.

[2] Max Weber apresenta um clássico conceito de poder ao asseverar que: “poder significa toda probabilidade de impor à vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”. Ou melhor, é a probabilidade de que uma ordem com um determinado conteúdo específico seja seguida por um dado grupo de pessoas.

[3] A raiz da “planta”, diz o filósofo francês, é representada pela metafísica, em uma simbologia que indica que todo conhecimento do sistema se sustenta na existência de Deus, este considerado o ser revelador e criador das verdades. Assim, o entendimento das regras necessárias para a compreensão do mundo, prescreve a ideia de Descartes, o homem deve buscar em Deus. Dando sequência a estrutura da “árvore”, o tronco Descartes define como sendo a física, esta que representa a aplicação do conhecimento gerado pela raiz. Já os galhos são representados pelas demais ciências e também pela moral, esta cuja origem se dá com os resultados da pesquisa, por meio da qual extensos tratados são elaborados por Descartes.

[4] Em suma, um dos aspectos do conceito deleuziano de rizoma é este: ele é um sistema conceitual aberto. Mas nem todo sistema conceitual aberto é um rizoma, é bom lembrar. Além disto, há outros aspectos importantes do conceito, como seu lado oculto, embaixo da terra, inicialmente invisível.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Atribuições sociais e educacionais do docente online. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/atribuicoes-sociais-e-educacionais-do-docente-online/ Acesso em: 26 dez. 2024