Processo Penal

A prisão preventiva e o regime semiaberto

 Thomás Luz Raimundo Brito[1]

A necessidade de manutenção da prisão preventiva há de ser reavaliada, quando da prolação da sentença penal condenatória.

Nesse sentido, o art. 387, §1º, do Código de Processo Penal, dispõe, in verbis:

“Art. 387.  O juiz, ao proferir sentença condenatória

(…) § 1o  O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta”.

Frise-se, outrossim, que o juízo sentenciante, como é cediço, fixa o regime inicial para o cumprimento da reprimenda, levando-se em conta os critérios previstos no art. 59 do Código Penal (art. 33, §3º, do referido Código).

Assim, indaga-se: a manutenção da prisão preventiva é incompatível com a fixação do regime inicialmente semiaberto?

No ponto, há precedentes do Supremo Tribunal Federal, segundo os quais a imposição do regime semiaberto torna inviável a negativa do direito de recorrer em liberdade. Segundo tal entendimento, a prisão cautelar não pode ser mantida, pois consistiria em medida mais gravosa do que o regime de cumprimento da reprimenda imposta.

Nesse sentido, eis os seguintes julgados:

“(…)PRISÃO PREVENTIVA – TRÁFICO DE DROGAS – FLAGRANTE. Precedida a prisão preventiva de flagrante, em que surpreendido o agente com porção substancial de droga, tem-se como sinalizada a periculosidade e, portanto, possível a custódia provisória. (…) PRISÃO PREVENTIVA – FUNDAMENTO – TÍTULO CONDENATÓRIO – REGIME SEMIABERTO – INCOMPATIBILIDADE. Estabelecido o regime inicial semiaberto para o início do cumprimento da pena, mostra-se incompatível com a negativa do direito de recorrer em liberdade, no que a manutenção da custódia preventiva, cujo cumprimento dá-se no regime fechado, implica a imposição, de forma cautelar, de sanção mais gravosa do que a fixada no próprio título condenatório. ORDEM – CORRÉ – EXTENSÃO. Ante a identidade de situação jurídica, cabe estender a corré ordem deferida em habeas corpus – artigo 580 do Código de Processo Penal.” (HC 164896, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 10/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-052 DIVULG 10-03-2020 PUBLIC 11-03-2020)

“Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL SEMIABERTO. MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. INCOMPATIBILIDADE. PRECEDENTES DA SEGUNDA TURMA. ORDEM CONCEDIDA. I – Nos termos da jurisprudência desta Segunda Turma, a manutenção da prisão provisória é incompatível com a fixação de regime de início de cumprimento de pena menos severo que o fechado. Precedentes. II – Ordem concedida para revogar a prisão preventiva do paciente e determinar a sua imediata soltura, sem prejuízo da fixação, pelo juízo sentenciante, de uma ou mais medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, caso entenda necessário.” (HC 138122, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 09/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-105 DIVULG 19-05-2017 PUBLIC 22-05-2017)

Com a devida venia, não concordamos com o supracitado entendimento.

Primeiramente, saliente-se que o ponto fulcral é verificar se o juiz sentenciante reputa a prisão preventiva como necessária. Noutras palavras, o magistrado há de formar a convicção sobre a necessidade de manutenção da custódia cautelar, tendo em vista a presença dos requisitos que a autorizam, nos termos do art. 312, do Código de Processo Penal.

Assim sendo, constatada a imprescindibilidade da manutenção da prisão preventiva, ante a persistência dos requisitos que a autorizam, há de ser expedida a guia de execução provisória da pena.           

Conseguintemente, com a expedição da guia de execução provisória da pena, o sentenciado, preso preventivamente, será submetido às regras e fará jus aos benefícios atinentes ao regime semiaberto.

Noutras palavras, proferida a sentença, a prisão preventiva, se ainda for necessária, deve ser compatibilizada com o regime fixado, qual seja, o semiaberto.           

Nesse sentido, traz-se a cotejo os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES.SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRISÃO MANTIDA. NEGADO O DIREITO A RECORRER EM LIBERDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PERICULOSIDADE DO AGENTE.

ELEVADA QUANTIDADE DE DROGAS. REITERAÇÃO DELITIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE A INSTRUÇÃO DO PROCESSO.

CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A CUSTÓDIA E O REGIME SEMIABERTO. INEXISTÊNCIA. EXPEDIÇÃO DE GUIA DE EXECUÇÃO.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO DESPROVIDO.

1. Em vista da natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal – CPP. Deve, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos termos previstos no art. 319 do CPP.

2. No caso dos autos, tanto a prisão preventiva, quanto sua manutenção na sentença condenatória foram adequadamente motivadas, tendo sido demonstradas pelas instâncias ordinárias, com base em elementos extraídos dos autos, a gravidade concreta da conduta e a periculosidade do recorrente, evidenciadas pela elevada quantidade das drogas localizadas – 18 tijolos de maconha pesando 8,36 kg -, circunstâncias que, somadas à apreensão de balança de precisão, demonstram maior envolvimento com o narcotráfico e o risco ao meio social. Ademais, a prisão também se mostra necessária para evitar a reiteração na prática delitiva, uma vez que, conforme destacado, o recorrente ostenta condenação definitiva anterior. Tais circunstâncias recomendam a manutenção da custódia para garantia da ordem pública.

3. Tendo o recorrente permanecido preso durante toda a instrução processual, não deve ser permitido recorrer em liberdade, especialmente porque, inalteradas as circunstâncias que justificaram a custódia, não se mostra adequada a soltura dele depois da condenação em Juízo de primeiro grau.

4. É entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ que as condições favoráveis do recorrente, por si sós, não impedem a manutenção da prisão cautelar quando devidamente fundamentada.

5. Inaplicável medida cautelar alternativa quando as circunstâncias evidenciam que as providências menos gravosas seriam insuficientes para a manutenção da ordem pública.

6. Não há incompatibilidade entre a manutenção da prisão preventiva e o regime imposto na sentença condenatória, especialmente considerando que a Corte de origem determinou a expedição da guia de execução provisória.

7. Recurso ordinário desprovido.”

(RHC 127.561/GO, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 23/06/2020, DJe 29/06/2020 – grifo nosso)

“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA DO CRIME. MODUS OPERANDI. FUNDADO RECEIO DE REITERAÇÃO DELITIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. COMPATIBILIZAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO À PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE. ORDEM DENEGADA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.

1. Segundo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a manutenção da custódia cautelar no momento da sentença condenatória, em hipóteses em que o acusado permaneceu preso durante toda a instrução criminal, não requer fundamentação exaustiva, sendo suficiente, para a satisfação do art. 387, § 1.º, do Código de Processo Penal, o entendimento de que permanecem inalterados os motivos que levaram à decretação da medida extrema em um primeiro momento, desde que estejam, de fato, preenchidos os requisitos legais do art. 312 do mesmo diploma.

2. No caso, a manutenção da constrição por ocasião da sentença está suficientemente fundamentada na necessidade de se acautelar a ordem pública, considerando a gravidade em concreto do delito e o modus operandi da conduta. Com efeito, as instâncias ordinárias ressaltaram que os agentes adentraram no estabelecimento comercial armados com uma pistola recarregável com 15 munições, e, mediante grave ameaça às vítimas que trabalhavam no local, determinaram que ficassem no fundo do estabelecimento enquanto subtraíam dinheiro e objetos da loja; em seguida, evadiram-se com os demais acusados que os aguardavam no carro na frente do local.

(…) 5. Diante da condenação em regime inicial semiaberto, a prisão cautelar deve ser compatibilizada com as regras próprias desse regime, salvo se houver prisão por outro motivo.

6. Ordem de habeas corpus denegada. Ordem concedida, de ofício, para determinar que a prisão cautelar dos Pacientes observe as regras próprias do regime semiaberto, salvo se houver prisão por outro motivo.”

(HC 506.418/BA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 09/06/2020, DJe 25/06/2020 – grifo nosso)

(…) 3. Verificando-se que há sentença condenatória proferida, em que foram avaliadas todas as circunstâncias do evento criminoso e as condições pessoais do réu, julgando-se necessária a manutenção da medida, e constatando-se que permaneceu custodiado durante toda a instrução criminal, ausente ilegalidade a ser sanada de ofício por este Sodalício.

4. Indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão quando a segregação encontra-se justificada e mostra-se imprescindível para acautelar o meio social, evidenciando que providências menos gravosas não seriam suficientes para garantir a ordem pública.

5. Não há incompatibilidade na fixação do modo semiaberto de cumprimento da pena e o instituto da prisão preventiva, bastando a adequação da constrição ao modo de execução estabelecido, exatamente como ocorreu na espécie. Precedentes.

6. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no RHC 110.762/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 26/05/2020, DJe 03/06/2020 – grifo nosso)

“RECURSO ORDINÁRIO M HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. SENTENÇA. SUPOSTAS NULIDADES. MATÉRIA NÃO APRECIADA NO ACÓRDÃO IMPUGNADO. APELAÇÃO CRIMINAL PENDENTE DE JULGAMENTO. ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA E FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. INSTRUÇÃO DEFICIENTE. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO ESSENCIAL À ANÁLISE DA CONTROVÉRSIA. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O REGIME SEMIABERTO E A PRISÃO PROVISÓRIA. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO ORDINÁRIO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.

(…) 3. Segundo a orientação pacificada no Superior Tribunal de Justiça, não há incompatibilidade entre a manutenção da prisão cautelar e a fixação do regime semiaberto para o inicial cumprimento de pena.

Precedentes.

4. Recurso ordinário em habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.” (RHC 123.562/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 26/05/2020, DJe 02/06/2020 – grifo nosso)

“AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUCEDÂNEO DO RECURSO PRÓPRIO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ARMADA E SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO. CONDENAÇÃO NO REGIME SEMIABERTO. NEGATIVA DE RECURSO EM LIBERDADE. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO. PERICULOSIDADE. COMPATIBILIZAÇÃO DA PRISÃO COM AS REGRAS DO REGIME PRISIONAL. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA EM MENOR EXTENSÃO. AGRAVO DESPROVIDO.

(…) 2. Não há incompatibilidade entre a negativa do direito de recorrer e liberdade e a fixação do regime semiaberto, caso preenchidos os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, como ocorre in casu. Entretanto, faz-se necessário compatibilizar a manutenção da custódia cautelar com o regime inicial determinado na sentença condenatória, sob pena de estar impondo ao condenado modo de execução mais gravoso tão somente pelo fato de ter optado pela interposição de recurso, em flagrante ofensa ao princípio da razoabilidade. Precedentes.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no HC 573.141/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020).

Ponha-se em relevo, por oportuno, que – como o acusado permaneceu preso, durante a fase inquisitorial e instrutória e ante a ausência de qualquer fato novo -, em regra, consiste em grave contrassenso o deferimento do direito de apelar em liberdade. Nesse sentido, eis modelar julgado do Supremo Tribunal Federal:

“(…) 3. Consoante jurisprudência desta Suprema Corte, ‘considerando que o réu permaneceu preso durante toda a instrução criminal, não se afigura plausível, ao contrário, se revela um contrassenso jurídico, sobrevindo sua condenação, colocá-lo em liberdade para aguardar o julgamento do apelo’ (HC 110.518/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, DJe de 20.3.2012). 4. Agravo regimental conhecido e não provido.
(HC 126879 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 12/05/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-102 DIVULG 29-05-2015 PUBLIC 01-06-2015 -grifo nosso)”.

Ante o exposto, entendemos que a manutenção da prisão preventiva é plenamente compatível com a fixação do regime semiaberto, na sentença penal condenatória, devendo ser determinada pelo Juízo sentenciante a expedição da guia de execução provisória da pena.



[1] Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Especialista em Direito do Estado pela Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Autor do Livro “Mandado de Injunção” (Editora Nuria Fabris, 2015), Coautor do livro “Constitucionalismo: os desafios no terceiro milênio” (Editora Forum, 2008).

Como citar e referenciar este artigo:
BRITO, Thomás Luz Raimundo. A prisão preventiva e o regime semiaberto. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-penal/a-prisao-preventiva-e-o-regime-semiaberto/ Acesso em: 29 mar. 2024