Este artigo aborda a atuação e importância do instituto dos Direitos Humanos em referência aos seus direitos considerados fundamentais quanto à proteção dos indivíduos enquanto seres humanos. Apresenta como objetivo demonstrar alguns conceitos básicos para o entendimento da matéria, bem como trazer a discussão e análise dos seus documentos (Carta da ONU, Declaração Universal dos Direitos Humanos e tratados internacionais). Expõe as convicções e juízos de autores acerca da temática, em vista do Discurso Internacional que gira em torno dessa temática e do desenvolvimento de objetivos expostos pelos aparatos normativos, a fim de que se aprofunde acerca dos direitos básicos universais da pessoa humana. O método de abordagem é o dedutivo. A técnica de procedimento é o monográfico. Conclui-se que os Direitos Humanos, historicamente, mostraram-se fundamentais para a construção de um sistema de direitos que versem sobre as condições mínimas de existência da vida humana, de modo a efetivar, no plano interno e externo, o ideal da dignidade da pessoa humana como vetor principal de seu instituto.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Proteção. ONU. Discurso.
ABSTRACT
This article discusses the role and importance of the Human Rights Institute in reference to its fundamental rights regarding the protection of individuals as human beings. Its objective is to demonstrate some basic concepts for the understanding of the matter, as well as to bring the discussion and analysis of its documents (ONU Charter, Universal Declaration of Human Rights and international treaties). It exposes the convictions and judgments of authors on the subject, in view of the International Discourse that revolves around this theme and the development of objectives exposed by the normative apparatus, in order to delve deeper into the universal basic rights of the human person. The approach method is deductive. The procedure technique is the monographic. It is concluded that Human Rights, historically, have proved to be fundamental for the construction of a system of rights that deal with the minimum conditions of existence of human life, in order to implement, on the internal and external plane, the ideal of the dignity of the human being. human person as the main vector of his institute.
Keywords: Human Rights. Protection. ONU. Speech.
INTRODUÇÃO
Compreender os direitos humanos exige uma tarefa difícil e complexa no que tange aos múltiplos aspectos que os cercam, seja no âmbito jurídico, moral e social. Por ser uma área relativamente recente, vide a positivação de seus direitos efetivada somente no século passado, a partir da carta da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1948, deve-se ter cuidado em sua análise para que esta não caia num sentido raso e indefinido. Contudo, observa-se que, por ter uma aspiração ampla e genérica acerca da proteção de direitos fundamentais e básicos de direitos de todas as pessoas, suas fontes bebem de muito tempo atrás, principalmente com a noção do jusnaturalismo.
Desde a antiguidade clássica, gregos e romanos já trabalhavam essa noção de direitos humanos, ainda que de modo irrisório. A perspectiva de direitos naturais reflete numa discussão de garantias essenciais à determinadas pessoas, que na Grécia eram considerados cidadãos e na Roma restrita a um pequeno grupo de indivíduos. Já nos séculos XVII e XVIII, uma onda de revoluções político-sociais fez com que a reivindicação de direitos básicos e fundamentais aos indivíduos se tornasse uma questão essencial a ser discutida, a exemplo da Revolução Gloriosa (1688-1689), Revolução Americana (1775-1783) e Revolução Francesa (1789), movimentos que ultrapassaram barreiras históricas e provocaram diversas mudanças de pensamento ao longo do tempo. Tudo isso pautado em ideais de liberdade e igualdade jurídica, pilares do Iluminismo que fez com que a visão de direitos intrínsecos aos seres humanos (direitos naturais ou jusnaturalismo) fossem efetivados.
Já na Idade Contemporânea, no pós 2ª Guerra, acontecimentos como o Holocausto (assassinato de milhões de judeus e outros civis pelos nazistas) fizeram com que muitos países abrissem a possibilidade e necessidade de se proteger os direitos fundamentais das pessoas em todo o mundo. Com a emissão da Declaração Universal dos Direitos Humanos emitida em 1948, a partir da carta das Nações Unidas (ONU), estabelece-se um novo parâmetro de visão acerca dos direitos humanos, em razão de uma positivação de seus direitos e universalização de tais garantias, a fim de que tanto o seu discurso quanto a sua aplicabilidade sejam feitas de forma uniforme em todos os lugares, em vista da asseguração de direitos básicos fundamentais a todos os indivíduos, independentemente das condições apresentadas.
Durante todo o século XX, os direitos humanos evoluíram em diversos aspectos, enquadrando-se num viés moral, político e jurídico muito semelhante ao que se entende hoje acerca do assunto, numa perspectiva de orientação voltada para o desenvolvimento de um mundo sem privações e sem medo, de modo que se respeite e sobretudo se proteja as individualidades de todas as pessoas, o que mostra a importância de tal pensamento.
1 CONCEITO DE DIREITS HUMANOS
O conceito de direitos humanos encontra diversas conotações ao longo da sua discussão, a depender muito do rol de direitos que eles consagram e defendem. Uma definição simples e concisa seria que o seu conteúdo representa um conjunto básico de direitos, com vocação universal, que todos possuem pelo simples fato de serem humanos. Por se tratar de uma área do direito internacional público, sua definição ultrapassa os limites da jurisdição nacional de um determinado país (como a sua própria Constituição). Assim, muito de suas normas e consequentemente o seu conteúdo estão vinculados a tratados e normas internacionais celebrados entre diversas nações, com a finalidade de proteger certos direitos considerados essenciais à pessoa humana.
André de Carvalho Ramos (2017) assim o define:
“Os direitos humanos consistem em um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. Os direitos humanos são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna. Não há um rol predeterminado desse conjunto mínimo de direitos essenciais a uma vida digna. As necessidades humanas variam e, de acordo com o contexto histórico de uma época, novas demandas sociais são traduzidas juridicamente e inseridas na lista dos direitos humanos”.
Além disso, observando o caráter internacional de sua matéria, é esta característica que a diferencia dos direitos fundamentais, que nada mais são que direitos humanos absorvidos por determinada Constituição aplicada a um Estado, de modo a garantir a ordem interna estatal. Nesse aspecto, conceitua Valerio de Oliveira Mazzuoli (2019) sobre o assunto:
“Os direitos humanos são, portanto, direitos protegidos pela ordem internacional (especialmente por meio de tratados multilaterais, globais ou regionais) contra as violações e arbitrariedades que um Estado possa cometer às pessoas sujeitas à sua jurisdição. São direitos indispensáveis a uma vida digna e que, por isso, estabelecem um nível protetivo (standard) mínimo que todos os Estados devem respeitar, sob pena de responsabilidade internacional. Assim, os direitos humanos são direitos que garantem às pessoas sujeitas à jurisdição de um dado Estado meios de vindicação de seus direitos, para além do plano interno, nas instâncias internacionais de proteção”.
Diante disso, importante frisar que para os direitos humanos não importa a nacionalidade da vítima, justamente pela representação internacional que possui. Sua jurisdição atua aos Estados signatários da carta da ONU, bastando que o indivíduo desse território tenha seus direitos básicos violados para que certas medidas sejam adotadas com base nos direitos humanos. Nessa dianteira, o jurista Ricardo Castilho (2018) traz uma reflexão interessante entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, que trata o seguinte:
“Assim como a expressão “pessoa humana”, a expressão “direitos humanos” também tem sido tema de grande debate, ao longo do tempo. Há autores que entendem que direitos humanos e direitos fundamentais são nomenclaturas sinônimas, mas a maioria concorda que existem diferenças conceituais. Falar em direitos fundamentais, simplesmente, elimina da expressão a importância das lutas que ocorreram para situar os direitos humanos em sua perspectiva histórica, social, política e econômica, no processo de transformação da civilização. Além disso, direitos humanos traz, no seu bojo, a ideia de reconhecimento e de proteção, que direitos fundamentais não contêm, uma vez que são apenas as inscrições legais dos direitos inerentes à pessoa humana. Os direitos humanos não foram dados, ou revelados, mas conquistados, e muitas vezes à custa de sacrifícios de vidas”.
Continuando, Castilho aprofunda o assunto acerca da última parte, que fala da conquista dos direitos humanos, muitas vezes, em prol de sacrifícios humanos. A importância de sua temática ultrapassa as questões meramente jurídicas, até porque estas foram sendo levantadas como bandeiras sociais, fruto de uma muita luta e de reivindicações por parte da sociedade civil que não aguentava mais ter seus direitos básicos sendo suprimidos em benefício de determinadas classes dominantes. O caráter social dos direitos humanos assume uma conotação ampla e essencial no decorrer da história, de modo a assegurar uma maior participação popular quanto ao reconhecimento e asseguração de certas garantias básicas para a vida de todos.
“Sem os Direitos Humanos não teria havido a abolição da escravatura no mundo; não teria havido a emancipação da mulher, rebaixada à condição de inferioridade jurídica, sem trabalho remunerado e sem influência e participação nas decisões políticas da sociedade. Sem Direitos Humanos, nesses setenta anos que nos distancia da última guerra mundial, teríamos a repetição das tragédias de Hiroshima e Nagasaki, com a utilização da bomba atômica. Finalmente, sem os Direitos Humanos, teriam prevalecido as concepções totalitárias dos regimes que, à direita e à esquerda, superdimensionaram o Estado no combate ao individualismo que acabou sacrificando as liberdades concretas e mínimas de cada um dos que viveram sob esses regimes”.
No que se refere ao fundamento dos direitos humanos, estes possuem como parâmetro intrínseco a ideia do direito que se atribui a cada pessoa humana pelo simples fato de sua existência, ou seja, somente a qualidade de ser humano já o garante a titularidade de tais direitos.
Pode-se dizer, com base na Declaração Universal de 1948, que os direitos humanos fundamentam-se em três pilares básicos: inviolabilidade da pessoa (seus direitos são invioláveis, não podem ser sacrificados em prol de interesses de outros), autonomia da pessoa (todo indivíduo é livre para agir como bem entender, desde que suas ações não prejudiquem terceiros) e dignidade da pessoa humana (núcleo-base dos direitos fundamentais, assegurado como fundamento principal da Constituição Federal do Brasil de 1988).
Os direitos humanos possuem algumas características essenciais que os tornam únicos em relação às outras espécies normativas. Dentre elas, pode-se citar:
a) Historicidade: são direitos que foram sendo construídos ao longo do tempo, de acordo com o seu período histórico e fruto de muitas lutas para a sua efetivação.
b) Universalidade: reconhecimento de que os direitos humanos são direitos de todos, sem nenhuma distinção de sexo, cor, gênero, religião, cultura, classe ou outros desígnios. Assim, são direitos universais, aplicáveis a qualquer indivíduo, de forma a combater privilégios e que ampare ao número máximo de indivíduos.
c) Essencialidade: são direitos considerados indispensáveis, já que não podem serem substituídos nem transgredidos.
d) Irrenunciabilidade: os direitos humanos não podem ser renunciados, mesmo com a anuência de seu titular. Assim, mesmo que determinada pessoa concorde com a supressão de certo direito considerado fundamental à sua dignidade, nada justifica ou convalida a violação de tal direito.
e) Inalienabilidade: são inalienáveis, pois não permitem a desinvestidura através do seu titular, assim, não podem ser cedidos ou transferidos a outrem mesmo com a autorização de quem o tenha originalmente. São indisponíveis, inegociáveis.
f) Inexauribilidade: são direitos inexauríveis, possíveis de serem ampliados. Dessa forma, os direitos humanos possuem um rol flexível quanto à possibilidade de sua extensão (acréscimo de novos direitos), contudo, não se permite a redução de tais direitos.
g) Imprescritibilidade: os direitos humanos são imprescritíveis, eles não se esgotam com o passar do tempo, podendo serem alegados a qualquer momento sem a justificativa de perda do exercício do direito através da prescrição.
h) Vedação do retrocesso: devem sempre agregar algo novo e melhor ao ser humano, não podendo o Estado reduzir as possibilidades de direitos básicos ao indivíduo. É a proibição, em matéria de direitos humanos, do poder público retroceder o acesso a tais garantias, de forma a não tornar a vida dos cidadãos menos benéfica.
i) Superioridade normativa (preferenciabilidade): são direitos superiores às demais normas, em um patamar acima que devem reger e controlar o conteúdo normativo de todo o ordenamento jurídico inferior. Daí o chamado controle de convencionalidade, um modelo de constitucionalidade adotado e reconhecido no Brasil em que o controle de normas infraconstitucionais é baseado não na Constituição Federal, mas sim em normas e tratados internacionais que versem sobre direitos humanos aprovados no país. j) Reciprocidade: fruto de uma teia de direitos que engloba toda a comunidade humana, tornando recíproco o direito de todos ao seu conteúdo tanto na titularidade quanto na sujeição passiva. Todos são passíveis de responderem perante os direitos humanos: assim como o indivíduo tem a prerrogativa de não ter seus direitos básicos violados, ele também não pode transgredir o de outros.
São essas as características principais dos direitos humanos, vetores de uma sociedade pautada na dignidade da pessoa humana, com ideais de igualdade e ponderabilidade do interesse de todos.
Logo, cumpre ressaltar o fundamento dos direitos humanos, este que possui diversas faces. Na fundamentação jusnaturalista, os direitos humanos, antes de sua positivação a partir da Carta da ONU de 1948, constituíam verdadeiros direitos naturais, intrínsecos ao homem, relacionados à aspectos sobretudos morais e que já adentravam a própria existência humana no decorrer de seu desenvolvimento histórico, político, social e econômico. Baseia-se nos princípios que determinam a justiça das instituições sociais, bem como num sistema de normas já pré-estabelecidos pelo direito natural, corroborando para a ideia de direitos fundamentais calcados no jusnaturalismo.
Já na fundamentação histórica, entende-se uma manifestação dos direitos humanos de maneira variável e relativa, conforme cada contexto histórico e de cada sociedade. Tratam-se de direitos históricos, conquistados ao longo do tempo à medida que a sociedade ia se desenvolvendo, daí os chamados direitos de 1ª (liberdade), 2ª (igualdade) e 3ª (fraternidade) geração. Tudo isso fruto de reivindicações e lutas pela afirmação do indivíduo e de grupos sociais pelos seus direitos enquanto cidadãos.
Ademais, tem-se a fundamentação ética, tendo como pressuposto um conjunto de valores e princípios éticos que regem o seu conteúdo. Não se trata apenas de normas positivadas, mas sim de direitos morais resultantes de um consenso social acerca de justiça e moralidade. Tais valores podem ser entendidos como um conjunto de comportamentos positivamente aceitos por uma determinada sociedade, legitimando certas condutas e a organização social que rege à população. Aqui fica claro a noção de direitos humanos embasada na perspectiva moralista, resultante de exigências éticas ou valorativas pelo senso comum da sociedade do que seria justo e correto.
2 O DISCURSO ÚNICO DOS DIREITOS HUMANOS E A CARTA DA ONU
Apesar de toda a evolução das lutas sociais e políticas ao longo da história da humanidade, foi somente a partir de 1945, ao final da Segunda Guerra Mundial, que se adota de fato um conjunto de leis explicitamente voltados aos direitos humanos. A implementação da Carta das Nações Unidas, já no meio do século passado, efetivou o conteúdo dos direitos humanos como ramo autônomo do direito internacional público, traçando um sistema específico de normas que visassem proteger os indivíduos na sua condição de seres humanos. Flávia Piovesan (2011) fala da importância da ONU nesse aspecto, em que se demarca:
“o surgimento de uma nova ordem internacional que instaura um novo modelo de conduta nas relações internacionais, com preocupações que incluem a manutenção da paz e a segurança internacional, o desenvolvimento de relações amistosas entre os Estados, o alcance da cooperação internacional no plano econômico, social e cultural, o alcance de um padrão internacional de saúde, a proteção ao meio ambiente, a criação de uma nova ordem econômica internacional e a proteção internacional dos direitos humanos”.
Nesse sentido, passa-se a ter, a partir da consolidação de tal carta, o respeito às liberdades fundamentais e aos direitos humanos como focos centrais de garantia à dignidade humana, tornando-se preocupação internacional e básicas de todos os países signatários de seu conteúdo normativo. É nessa fase que as problemáticas internas dos Estados, bem como suas relações com os cidadãos passam a se inserir num contexto global de proteção, sob o prisma da cooperação internacional e desenvolvimento de acordos e vínculos pacíficos entre as nações do mundo. A Carta da ONU insere o foco dos direitos humanos como viés para a garantia da paz e harmonia entre os países, de modo a se evitar futuras guerras e, principalmente, o respeito e proteção às liberdades e direitos fundamentais a todos os indivíduos.
Além disso, a carta da ONU representa uma novidade no direito internacional quanto à positivação de hierarquia entre normas, uma vez que, em caso de conflito entre direitos e obrigações entre tratados internacionais e acordos estabelecidos, prevalecerão as obrigações contidas na Carta da ONU, de modo a pacificar e alinhar certos conteúdos normativos.
Uma de suas características marcantes é a sua perenidade, ou seja, tornar-se perpétua e resistente a tempos líquidos típicos da modernidade, em que nada se torna constantes e a mutabilidade das transformações sociais afeta diretamente o mundo jurídico. Desse modo, vida-se garantir que os princípios ali estabelecidos se mantenham, a fim de que se evitem novas ondas revolucionárias de caráter opressor e totalitário como observados no período entreguerras (vide o nazifascismo). É claro que, juridicamente, a Carta da ONU permite a adoção de emendas, contudo, estas devem obedecer a certos parâmetros para que não se suprima direitos vitais para a sociedade.
O termo “Carta” designa sobretudo uma excepcionalidade perante os demais tratados internacionais, uma vez que seu conteúdo visa organizar as demais instituições de proteção aos direitos humanos e regularizar certas ações. Ela não é somente um documento que constitui uma organização internacional, mas vai além, justamente por instituir uma espécie de contrato entre os Estados, num contexto de selamento de paz e não interferência na vida dos indivíduos. Acompanhando as tendências evolutivas do direito internacional, possui como principais funções a institucionalização, funcionalização, humanização, objetivação, jurisdicionalização e universalização de princípios básicos de convivência e relação entre as pessoas, estabelecendo diretrizes para a consolidação dos direitos humanos nas últimas décadas.
Com relação à temática, Mazzuoli (2019) traz a perspectiva de universalização dos direitos humanos traga pela Carta da ONU, no sentindo de tornar essa visão um assunto de interesse mundial. Assim:
“Apesar de a Carta das Nações Unidas não ter conceituado o que vêm a ser “direitos humanos e liberdades fundamentais”, o certo é que ela acabou por contribuir, de forma pioneira, para a “universalização” dos direitos da pessoa humana, na medida em que reconheceu que o assunto é de legítimo interesse internacional, não mais adstrito exclusivamente à jurisdição doméstica dos Estados. Estes, ao ratificarem a Carta, reconhecem que têm obrigações relativas à proteção e promoção dos direitos humanos, tanto em relação a si mesmos (e, obviamente, aos indivíduos que habitam seus territórios) quanto em relação a outros Estados. A grande e notória contribuição dessas regras da Carta da ONU foi a de terem deflagrado o chamado sistema global de proteção dos direitos humanos, quando então tem início o delineamento da arquitetura contemporânea de proteção desses direitos”.
Nesse argumento da universalidade, a ONU abrange uma grande quantidade de Estados nacionais pertencentes ao sue grupo, totalizando 193 Estados membros, dentre os quais cinco deles são permanentes (EUA, Rússia, Reino Unido, França e China). Originalmente, foram 51 Estados signatários da Carta, que ao longo do tempo foram sendo aderidos novos membros até o número total atualmente. Essa vocação universalista foi atingindo seu espaço a cada nova nação que se aderia à ONU com o passar das décadas, evidenciando a natureza constitucional da Carta e o cumprimento das relações internacionais de toda a comunidade global. Todos os estados-membros aderiram às suas constituições a Carta da ONU, internalizando em seus ordenamentos jurídicos o conteúdo contido no documento, devendo o seu direito se conformar com os princípios contidos nela.
Equipara-se a Carta a uma Constituição (num olhar mundial), ideia esta que decorre da noção de comunidade jurídica internacional, envolvendo todos os países signatários que devem observar as relações internacionais estabelecidas, bem como o direito relacionado a estas. Tal Carta se pauta em regras e valores essenciais para o estabelecimento de diretrizes gerais à comunidade global, tanto no âmbito externo (relações diplomáticas entre as nações) e no âmbito interno (observância e respeito aos direitos humanos). A sua maior dificuldade se baseava no âmbito interno, justamente na necessidade de uma conceituação mais precisa e específica acerca dos direitos humanos e o rol de garantias ao qual o indivíduo deveria possuir.
Apesar de não trazer definições precisas acerca dos direitos humanos, foi a partir dela que traçou a gênese de seus conceitos, quando suscitou a vontade das comunidades internacionais em delimitarem e concretizarem o rol de direitos humanos e fundamentais para os cidadãos. Tal sentimento de “correção” traduziu-se na proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Seu documento veio a esclarecer quais seriam esses direitos, já citados nos arts. 1.º, § 3.º, 13, 55, 56, 62, 68 e 76 da Carta da ONU.
É sob o prisma da Declaração que se fixou um código ético internacionais, de modo a preencher as lacunas da Carta da ONU em busca de efetivar a defesa e proteção dos direitos humanos num caráter universal. Além da Declaração de 1948, também surgiram dois pactos com vista a operacionalizar a garantia dos direitos humanos: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (Pacto Civil) e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pacto Social), ambos concluídos em Nova York em 1966.
Diante desses três institutos jurídicos, todos se tornaram pilares centrais no sistema internacional de proteção aos direitos humanos, compondo a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos (International Bill of Human Rights). Todos os Estados do mundo deveriam adotar esses três textos, visando garantir, minimamente, a proteção dos direitos humanos contemporâneos, compondo uma espécie de rede global de defesa a tais direitos considerados básicos e vitais a toda sociedade. De tal forma é a importância da Carta da ONU, que traz os subsídios necessários para que documentos como estes possam aparecer e ter sua efetividade.
A efetivação de uma carta de direitos que unificasse as garantias constitucionais consideradas fundamentais para a proteção dos direitos humanos fez com que se ampliasse bastante a sua repercussão no mundo, principalmente num contexto pós 2ª Guerra de apaziguar os ânimos de grandes disputas territoriais e ataques às nações. Um dos elementos que pode ser lembrado e destacado é o discurso internacional dos direitos humanos.
Tal discurso passa a ganhar força a partir da Carta da ONU e da proclamação da Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), institucionalizando uma preocupação com os direitos fundamentais da pessoa humana, bem como a sua dignidade, independentemente das fronteiras físicas e políticas, o que antes era possível somente através da religião e filosofia. Estabelece-se uma meta que deve ser atingida por todos os Estados membros, com o fito de universalizar questões relacionadas aos direitos humanos e de se evitar suas violações. É através do seu conteúdo que pode se extravasar as conquistas históricas que foram adquiridas ao longo do tempo, garantindo direitos no âmbito social, político e jurídico.
Nessa expectativa, pode-se estabelecer uma ideia geral acerca do Discurso Internacional dos Direitos Humanos, pautado principalmente na universalidade e unicidade do seu conteúdo. Patricia Arzabe e Potyguara Graciano (2018) trabalham nessa temática:
“Exatamente ao proclamar os direitos humanos para todas as pessoas, estabelecendo-os como uma meta a ser atingida por todos os povos e todas as nações, a Declaração Universal dos Direitos Humanos se manifesta como uma construção que vem abrir o espaço para o tratamento universalizante das questões relacionadas aos direitos humanos e às suas violações. É com a Declaração que o discurso dos direitos humanos toma forma e conteúdo mais precisos, passando a transitar cada vez com maior intensidade nos âmbitos político e jurídico. Por discurso de direitos humanos quer-se designar aqui todo o conjunto de instrumentos, técnicas, princípios e normas que, tanto na esfera política como na esfera jurídica, possibilitam modificar pacífica e racionalmente a realidade existente para a constituição de uma nova, em que as relações entre as pessoas e entre estas e os Estados se deem com a observância dos elementos desse discurso”.
Com tal discurso, assenta-se o reconhecimento da dignidade da pessoa humana e da garantia de direitos iguais e inalienáveis a todas pessoas, fundamentando-se no ideal de liberdade, justiça e paz mundial, o que apenas inicia a incorporação de práticas político-sociais na efetivação de uma proteção mínima para o ser humano, em vista de seu bem estar.
A partir da Declaração de 1948, esse discurso adquire um viés doutrinário de caráter ordinário, ou seja, estabelece-se um ideal comum que deve ser alcançado por todos os povos e nações do mundo. Dirige-se seu campo de validade para todas as pessoas, independentemente do local a que pertençam, em que há um esforço conjunto em promover o respeito aos direitos humanos e de adoção de medidas progressistas para o reconhecimento e observância de direitos universais básicos.
Importante destacar que não cabe somente aos Estados essa incumbência de proteção, não violação e promoção dos direitos humanos. O discurso internacional dirige o seu dever também a todas as pessoas da sociedade, sejam pessoas físicas (indivíduos naturais) ou jurídicas, seja no âmbito público (entidade governamentais) e privado (empresas privadas, organizações não governamentais, corporações, etc). Tal alerta se deve ao fato de que, em épocas não muito remotas, foi o próprio Estado, a partir de lideranças políticas, promoveu uma quebra e retrocesso aos direitos humanos, necessitando, a partir de então, a participação e consciência de que todos os membros da sociedade são vitais na garantia e proteção das conquistas sociais já implementadas, em vista de se evitar tais ameaças.
Tal participação da sociedade civil também se vê na restrição quanto às ONG’s nos procedimentos da ONU, visto a enorme inserção das pessoas na mobilização de frentes contra a violação dos direitos humanos, corroborando o caráter popular e social de sua proteção. Nesse sentido, cabe frisar:
“É interessante notar que, mesmo passados cinquenta anos da Declaração Universal, o postulado nela contido que atribui a todos os agentes sociais a incumbência de não violar, de proteger e promover os direitos humanos pouco adentrou à práxis da Organização das Nações Unidas. A participação das ONGs nos procedimentos da ONU é demasiadamente restrito, a despeito da grande capacidade de mobilização da sociedade civil que algumas delas congregam e da sua proximidade com as situações de violação de direitos humanos, não só civis e políticos. Ainda, pelo que prevê a Declaração, cada pessoa poderia ou deveria cuidar para a proteção e promoção dos direitos humanos independente das fronteiras dos Estados e não apenas no âmbito de seu Estado nacional. Verifica-se a permanência da concepção de que a ONU somente pode relacionar-se com Estados, seguindo a matriz do direito internacional que vigorou até o início deste século”.
Ademais, cumpre relatar uma característica essencial do Discurso Internacional dos Direitos Humanos: sua unicidade. Tal discurso de proteção às garantias fundamentais da pessoa humana, por possuir um teor universal e geral, adentrando diversas constituições estatais, deverá ser defendida por todos, tornando-se um discurso único e singular. Tal explicação se pauta no sentido de quê, caso ele não seja único, tornara-se uma narrativa fraca, sem relevância. O fato de diversas nações serem signatárias da Carta da ONU não faz com que as disputas e violações aos direitos humanos sejam assegurados, justamente pela grande oposição de ideias e políticas que contrariem os princípios dispostos no documento da ONU.
Dessa forma, tal discurso deverá ser repetido e proclamado por todos os povos, superando barreiras culturais, políticas, econômicas e socias, com o propósito de que, se todos caminharem numa mesma direção e sentido, os direitos humanos poderão ser de fato efetivados e implantados na vida das pessoas, daí a importância de seu discurso ser único e uniformizador.
3 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E DESENVOLVIMENTO
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é o principal documento referente à proteção dos direitos humanos no mundo. Delineado pela Carta da ONU, sua criação, em 1948, teve como principal preocupação a positivação internacional de direitos considerados mínimos aos seres humanos, em complemento à proteção da dignidade da pessoa humana e das liberdades fundamentais dos indivíduos propostos pela carta. Baseia-se na ausência de distinção entre as pessoas, sem qualquer preconceito com relação ao sexo, raça, língua, religião, cultura e outras condicionantes, o que demonstra seu caráter amplo e genérico de aplicação.
Tal instrumento é considerado um marco normativo fundamental para o sistema protetivo do qual se propõe as Nações Unidas, fomentando a multiplicação de tratados relativos aos direitos humanos numa escala global. Nesse aspecto, Mazzuoli (2019) relata:
“O que se deve entender é que a Declaração Universal visa estabelecer um padrão mínimo para a proteção dos direitos humanos em âmbito mundial, servindo como paradigma ético e suporte axiológico desses mesmos direitos. Assim, por ter afirmado o papel dos direitos humanos, pela primeira vez e em escala mundial, a Declaração de 1948, como leciona Celso Lafer, há de ser considerada “um evento inaugural de uma nova concepção da vida internacional”.
Quanto à estrutura, é composta por 30 artigos, antecedidos por um preâmbulo com 7 considerandos. Possui uma composição bipartide, conjugando direitos políticos e civis, bem como direitos sociais, econômicos e culturais. Combina-se um discurso liberal (proveniente da emergência de ideais liberais relativos ao comportamento negativo do Estado de não interferir na vida privada do indivíduo) com um discurso social (ideia de igualdade, em que o Estado presta ações públicas que devam assegurar uma qualidade de vida minimamente boa à sociedade).
No que se refere à sua natureza jurídica, a Declaração Universal dos Direitos Humanos não se trata tecnicamente de um tratado, pois não passou pelos procedimentos necessários, seja no âmbito interno e internacional para a sua celebração e entrada em vigor. Pode-se dizer que ela seria uma espécie de recomendação das Nações Unidas, sob a forma de resolução da Assembleia Geral, concretizando uma ética universal a todos os Estados quanto à proteção internacional dos direitos humanos. Por integrar a Carta da ONU, sendo desta um desdobramento e especificação, a DDHH aborda uma interpretação mais fiel e consolidada acerca da aplicação dos direitos fundamentais e das liberdades individuais, o que a configura como um verdadeiro código de ética universal referente aos direitos humanos.
Além disso, quando se discute acerca da Declaração Universal muito se fala do debate entre o caráter relativista de certas culturas de encontro à perspectiva universalista dos direitos humanos. Essa discussão gira em torno dos direitos humanos serem realmente universais (aplicáveis a todos os Estados sem qualquer distinção) ou relativos, caso este em que cederiam às realidades políticas, econômicas, culturais e sociai de cada sociedade.
De acordo com a doutrina relativista, deve haver um respeito aos modos culturais e morais vigentes num certo Estado, mesmo que estes costumes possam desrespeitar certos direitos humanos. Entende-se aqui que não haveria uma moral universal, ou seja, não existe um conceito mundialmente aceito do que seria moral e ético, assim como o direito, logo, o contexto cultural de determinada sociedade deveria se sobrepor aos direitos humanos. Para esclarecer tal situação, a segunda Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada em Viena, 1993, veio a consagrar tal matéria como um tema global, ressaltando o viés universal consagrado pela DDHH aos direitos humanos.
“Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais”.
Nesse sentido, revigoram-se três princípios dos direitos humanos contemporâneos, todos decorrentes do princípio da universalidade, quais sejam: princípio da indivisibilidade (os direitos humanos não se sucedem em gerações, não podem ser separados por contextos históricos, devendo serem analisados como um todo indivisível), princípio da interdependência (discurso liberal somado ao discurso social, há um dependência mútua entre eles) e princípio da inter-relacionariedade (os direitos humanos e seus desdobramentos não devem ser entendidos de maneira dicotômica, mas sim interagidos em prol de sua garantia efetiva).
Fica claro que, através da Declaração de Viena de 1993, as particularidades nacionais, regionais e locais de certos Estados não podem servir de justificativa para a violação e diminuição dos direitos humanos, seja qual for o contexto histórico, cultural e religioso ao qual estão submetidos. A proteção a direitos básicos dos indivíduos deve ser resguardada independentemente das circunstâncias territoriais. Essa ideia, porém, não se confunde com o etnocentrismo (tendência de supremacia e centralidade cultural em detrimento de outras consideradas inferiores). As culturas de todos os países devem continuar sendo respeitadas, o que não pode é ela ser utilizada como pressuposto de transgressão a determinados direitos fundamentais da pessoa humana, de modo a não violar o cumprimento das obrigações internacionais do Estado relativas aos direitos humanos.
Tal ideia de universalidade dos direitos humanos ainda é questionada e polemizada por certos Estados. É o caso, por exemplo, de alguns países asiáticos e islâmicos, que defendem a tese de tal proteção aos direitos humanos seria uma forma de invasão do pensamento ocidental aos costumes locais, deixando de lado suas peculiaridades. Algumas nações questionam o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião (casos do Afeganistão, Arábia Saudita, Iraque, Paquistão e Síria) em razão da prática religiosa nesses não tolerar tal abertura, outras alegam o respeito aos meios históricos, religiosos e culturais dos países (caso da China).
Entende-se, portanto, que essa discussão ainda não chegou a um resultado definitivo, muito em razão da resistência cultural e política de nações do globo em acatar o conteúdo normativo de proteção aos direitos humanos, trazendo à tona as disparidades entre a aplicação universal dos direitos humanos e a preservação de determinados segmentos morais em algumas sociedades. Sob esse prisma, relata Mazzuoli (2019):
“Crê-se, contudo, que o argumento relativista é falso e esconde por detrás de si abusos de governos autoritários. Como destaca Cançado Trindade, se é certo “que as normas jurídicas que fizerem abstração do substratum cultural correm o risco de se tornar ineficazes, é igualmente certo que nenhuma cultura há que se arrogar em detentora da verdade final e absoluta”, afigurando-se ‘insustentável evocar tradições culturais para acobertar, ou tentar justificar, violações dos direitos universais’.
Ademais, como enfatiza Lindgren Alves, as afirmações de que o sistema de proteção dos direitos humanos tem interesse apenas ocidental, sendo irrelevante e inaplicável em sociedades com valores histórico-culturais distintos, são falsas e perniciosas: ‘Falsas porque todas as Constituições nacionais redigidas após a adoção da Declaração [Universal dos Direitos Humanos] pela Assembleia Geral da ONU nela se inspiram ao tratar dos direitos e liberdades fundamentais, pondo em evidência, assim, o caráter hoje universal de seus valores. Perniciosas porque abrem possibilidades à invocação do relativismo cultural como justificativa para violações concretas de direitos já internacionalmente reconhecidos’”.
Ademais, destaca-se os objetivos a serem alcançados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, dos quais pode-se citar:
1) Garantir vida digna a todos: consagra o princípio da dignidade da pessoa humana, pertencente ao campo dos direitos sociais, em que o Estado deve garantir um mínimo existencial a todos os indivíduos, em virtude da proteção a direitos considerados básicos (saúde, alimentação, moradia, educação, etc.) de maneira a ofertar condições mínimas que assegurem a uma vida boa e saudável.
2) Redução das desigualdades sociais: aqui não se objetiva eliminar essas disparidades sociais, até porque eles não se acabam, somente podem ser reduzidas. Isso decorre da própria natureza humana, que por si só não são iguais. Contudo, tal objetivo decorre da concretização do princípio da igualdade (material), uma vez que se deve se estimular a adoção de políticas afirmativas a fim de que todos possam ter chances de obter uma qualidade de vida minimamente adequada, viabilizando ao acesso de níveis digno de subsistência.
3) Legitimar o Estado: diferentemente do princípio da legalidade (atos conforme a lei), a legitimação decorre de uma atribuição valorativa (comportamentos positivamente aceitos pela sociedade), em que o respeito à cultura dos DDHH, resultante do binômio da legalidade e dos valores corroboram para que determinado governo seja aceito pela sociedade, considerando legítimo o seu poder.
4) Legitimar os governos: muito semelhante à legitimação dos Estados, resulta do acordo mútuo entre o poder público e a sociedade, de forma a assegurar direitos e obrigações para ambas as partes e evitar um governo ilegítimo e autoritário. Muito de sua teoria advém do contratualismo social.
5) Justiça Social: considera-se um vetor de interpretação de todo o ordenamento jurídico. Sua discussão é muito bem traga professor estadunidense John Rawls, que relata tal objetivo na garantia de liberdades fundamentais a todos, na igualdade equitativa de oportunidades e na manutenção de desigualdades apenas para favorecer os mais desfavorecidos. Aqui se confere o sentido de equidade (proporcionalidade de condições e chances), com o fito de desenvolver material e intelectualmente todos os indivíduos.
6) Respeito às diferenças: pauta-se na aceitação da diversidade, em que o respeito e valorização das mais variadas formas de ser torna-se o seu prisma central. É o repúdio a qualquer forma de discriminação quanto à raça, religião, classe social, nacionalidade, sexo, etc. Cada indivíduo tem o direito de ser o que ele é. Tal objetivo decorre da liberdade de pensamento e consequentemente da liberdade de expressão.
7) Respeito às minorias: deve-se entender minoria não no seu sentido quantitativo (não é simplesmente uma questão numérica). Trata-se de um conceito qualitativo, em que se configuram relações de poder, domínio. O reconhecimento das minorias pauta-se em situações de vulnerabilidade, identidade em formação, luta contra privilégios de grupos dominantes, necessidade de consciência coletiva acerca do seu grupo, etc. A importância do seu respeito se deve à promoção de direitos humanos a todos os indivíduos, independentemente da qualidade de certos grupos, de modo que se garanta espaço e voz para certos grupos que historicamente são reprimidos pelos grupos dominantes.
8) Possibilidade de unidade em meio à diversidade: é a união em prol de todos, sem considerar as diferenças econômicas, sociais e culturais. A promoção de direitos humanos deve ser um fator comum a todas as sociedades, mesmo que exista uma diversidade ampla em todos os setores.
9) Possibilidade de consenso de sobreposição intercultural: trata-se de um conjunto básico de direitos que devem estar acima das diferenças entre os povos.
Fica claro, portanto, que os objetivos dos direitos humanos visam compor uma sociedade mais justa e solidária, pautado nos direitos e garantias fundamentais a todos os indivíduos, sem qualquer distinção e no respeito a todas as pessoas.
CONCLUSÃO
É mister salientar que os direitos humanos são fundamentais na garantia dos direitos vitais para todos os seres humanos, desde a sua criação até os dias atuais. Através da Carta da ONU e consequentemente da Declaração Universal dos Direitos Humanos pode-se consolidar uma estrutura básica de direitos que versem sobre condições mínimas de existência da vida humana, tendo caráter vinculante e universal, de modo a exercer uma influência forte tanto na ordem interna dos Estados quanto na ordem internacional.
No prisma global, os direitos humanos versados na Declaração de 1948 revelam-se como fonte jurídica primária para os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, servindo de paradigma e referencial ético para a montagem e conclusão desses tratados, importantíssimos na resolução de controvérsias do direito internacional.
Já no âmbito interno, o conteúdo material de tais institutos (Carta da ONU, Declaração Universal, tratados internacionais) servem de paradigma para a formação dos direitos fundamentais elencados nas constituições locais, possuindo a mesma posição hierárquica (vide o controle de convencionalidade no ordenamento jurídico brasileiro). Nesse viés, o conteúdo dos direitos humanos repercute diretamente nos textos constitucionais das nações signatárias, no sentido de que estas devem conformar o seu direito local com a matéria constitucional universal referente aos direitos fundamentais da pessoa humana contidas nos documentos da ONU.
É a partir dos direitos humanos, fruto de diversas lutas e conquistas sociais adquiridas ao longo do tempo, que se pode estabelecer instrumentos de proteção à pessoa humana, uma vez que os ideais de justiça, liberdade, igualdade e fraternidade permeiam por todo o ordenamento jurídico das nações do globo, seja no âmbito do direito natural (origens no jusnaturalismo) ou do direito positivo (formalização e consolidação de um rol de direitos considerados vitais para a garantia da dignidade da pessoa humana). Por mais que a matéria de direitos humanos tenha evoluído bastante, ganhando seu espaço e relevância nas políticas públicas atuais, ainda é necessária uma grande luta para que o ideal de vida baseado no aspecto qualitativo (bem estar social) possa de fato ser alcançado em todas as suas vertentes.
REFERÊNCIAS
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[1] Graduando em Direito pela Universidade Estadual do Maranhão. E-mail: adrianofrancalopes84@gmail.com