Resumo:
A Guerra do Paraguai foi o conflito externo de maior repercussão para os países envolvidos seja pelas vidas perdidas, seja por seus aspectos econômicos, políticos e financeiros. O conflito se deu num momento de constituição dos Estados Nacionais e, eclodiu devido as contradições platinas, culminando mais tarde, na Proclamação da República no Brasil em 1889.
Palavras-Chave:
Direito Político. Guerra do Paraguai. Solano López. Teses historiográficas. Tradicional. Revisionista. Pós-revisionista.
Nenhuma guerra é boa, isto é óbvio[1]. Mas, a Guerra do Paraguai representou a mais longa e devastadora de toda história da América do Sul, e desfechou no aniquilamento do Paraguai que era o mais desenvolvido país da época até o início do confronto armado. Os combates se desenvolveram na segunda metade da década de 1860 e, envolveram o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Anteriormente ao conflito, desde o princípio da reocupação do território chamado como Bacia do Rio da Prata, que é formada pela Argentina, Uruguai e pelo Paraguai e banhada por rios como Paraná, Paraguai e Uruguai, sempre foi alvo de grande disputa. No século XIX, a navegação marítima e fluvial predominava sobre os demais meios de transporte. Ainda mais com a implantação da navegação a vapor, quando então a região se tornou mais relevante, intensificando-se o movimento comercial na região.
Recordemos que da Bacia Platina dependia o comércio da Argentina, Uruguai, do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e do Paraná, principalmente, do Paraguai e do Mato Grosso que não tinham outro meio para alcançar o Oceano Atlântico. Destacou o historiador Pedro Bastos que era por ali que também escoava a prata extraída do Peru e da Bolívia.
Gaspar Rodriguez de Francia que era o primeiro governante do Paraguai, tentou estabelecer livre navegação no Prata, mas s comerciantes dos portos de Buenos Aires e Montevidéu insistiam na cobrança de pesadas taxas. E, também, a Argentina se recusava a reconhecer a independência do Paraguai.
Aliás, na época, os poderosos comerciantes do porto de Buenos Aires que era o principal da bacia, almejavam reunificar toda a região platina. Convém destacar que isto não significava que o país estivesse plenamente isolado.
E, segundo José Dantas as fazendas estatais produziam para exportar e, praticamente, monopolizavam o reduzido comércio exterior. Diante do cenário, restou à república guarani caminhar através de uma política de desenvolvimento autossustentado, diferentemente dos demais países da região, na qual o Estado controlava a economia de tal forma que a estrutura socioeconômica se voltava para os interesses da população e a independência do país. Tal estrutura era livre de burocratas e cortesãos. E, deu-se a livre opção por ditadores afeiçoados ao povo.
Francia considerava que os grandes proprietários e comerciantes eram categorias perigosas, posto que fossem aliados em potencial de Buenos Aires. Tanto que em sua gestão, o Estado atacou os privilégios dos ricos, as oligarquias de seu país. E, confiscou terras cujo direto de posse as classes proprietárias não puderam comprovar.
A Igreja Católica fora nacionalizada também com o confisco de seus bens e propriedades e, realizou-se a primeira grande reforma agrária da América Latina, pois a metade das terras fora arrendada aos camponeses e indígenas, os quais receberam implementos agrícolas, sementes e cabeças de gado. De sorte, que existiam muitas fazendas sob o controle do Estado.
Em 1840, o Paraguai não possuía analfabetos e seu desenvolvimento agrícola permitia-lhe produzir tudo quanto seu povo necessitava e sua atividade industrial era capaz de produzir ferramentas, armas e outros utensílios. Lucci concluiu que havia pouca pobreza naquele país.
O sucessor de Francia foi Carlos Antônio López que permanecera no poder até 1862, contratou técnicos e enviou centenas de estudantes para o exterior com o fito de modernizar a economia. E, o país atingiu esta meta, tanto que a indústria paraguaia se tornara a mais avançada de toda América do Sul. Então, foram instalados ferrovias, estaleiros, indústrias bélicas, metalúrgicas, têxteis, de calçados, de louças, material de construção, instrumentos agrícolas, tintas, papel, além do telégrafo e da grande Fundição de Ibicuí.
Era, sem dúvida, a nação mais próspera da América do Sul e protegia sua produção local, tinha balança comercial estável e favorável, além de ter moeda forte e estável. Afirmam os historiadores que a exportações paraguaias valiam duas vezes mais que as importações. Segundo Eduardo Galeano, a intervenção do Estado na economia era total, pois noventa e oito por cento do território do Paraguai era de propriedade pública.
Desta forma, o país conseguiu eliminar a oligarquia, a escravidão, a violência, a miséria e o analfabetismo. Era o único país da América do Sul que tinha uma indústria de base. O único que não tinha dívida externa ou interna. E, a economia paraguaia crescia sem a interferência de empréstimos estrangeiros. O que fez do país uma exceção na América Latina, vez que os demais países recorriam habitualmente aos banqueiros estrangeiros notadamente aos ingleses.
Enquanto os países aliados, contra os quais ele lutaria na guerra tinham suas economias voltadas para o mercado externo, e sequer atendiam suas necessidades internas.
O historiador Júlio José Chiavenatto (1998) aponta um problema não superado pelos governantes paraguaios, a inexistência de intelectualidade capaz de apreender a natureza do confronto com o capital inglês. Como também não havia uma classe dirigente vinculada aos interesses da nação. Assim, carente de interpretação da conjuntura política internacional o Paraguai teria fico com presidentes solitários.
Carlos López aumentou consideravelmente o poderio militar de seu país, e sabia que a vizinha Argentina ambicionava reconstruir o antigo Vice-Reino do Prata, que pressupunha a reanexação da nação guarani. Ao fim de seu governo, de acordo com Raymundo Campos, o exército paraguaio era o melhor da América Latina e, seu sucesso Solano López deu continuidade a tal trabalho de organização e fortalecimento militar.
Cada historiador aduz diferentes números sobre o exército do Paraguai, a divergência entre as fontes consultadas é enorme que somos tentados a trilhar os caminhos do ceticismo. E, entender que a multiplicação de divergências foi distorcida pelo processo histórico.
Durante o século XIX, a Inglaterra era a potência hegemônica do mundo e, constantemente, ampliava seu império colonial e, impunha sua vontade pela força, especialmente, nos países situados no sul do Equador. A independência de países latino-americanos com honrosa exceção do Paraguai, posto que era o único país não penetrado pelo capitalismo britânico, não era completa, pois eram dependentes do capitalismo mundial.
A guerra se deu num período caracterizado por expansão da produção e das trocas inglesas e pelo aumento do número do investimentos britânicos na região. No estuário do Prata, os ingleses entabulavam intenso comércio, exportando seus produtos industrializados e importando matérias-primas. Já na segunda metade do século XIX, do ponto de vista econômico, a Inglaterra efetivamente substituiu Portugal na condição de metrópole.
A guerra, enfim, ocorreu exatamente num período dedicado a expansão da produção e das trocas inglesas e pelo aumento dos investimentos britânicos na região. O comércio brasileiro, por exemplo, era quase todo feito com a Inglaterra, sendo ela o principal comprador de café e fornecia a maior parte dos produtos industrializados que se consumiam no Brasil. Além do comércio, as estradas, os bancos e muitas empresas eram inglesas, portanto, os valores e os padrões ingleses acabaram por se impor como sendo modelos para a sociedade brasileira.
A atuação do Brasil na região platina ocorria, sobretudo, quando havia revoltas ou guerras, também como representante dos interesses da Inglaterra. Estes dois países, assim como a França, eram contrários à reunificação dos países platinos, à consolidação de qualquer grande nação na região, pois desejavam a livre utilização da rede hidrográfica platina. Portanto, foram razões comerciais que levaram os governos ingleses a apoiar francamente os movimentos de independência na América Espanhola, inclusive no Paraguai e também no Brasil.
A Inglaterra, no século XIX exportava aproximadamente setenta por cento da sua produção, constituída por produtos industrializados. Ela necessitava de novos compradores para estas mercadorias e de diversificar suas fontes de suprimento de matéria-prima.
Além de não ser um grande exportador destes produtos, nem voraz consumidor de mercadorias inglesas, o Paraguai impedia a entrada de capitais provenientes da Inglaterra. Deste modo, seu modelo econômico independente não era bom para o comércio britânico, que do Paraguai comprava a erva-mate, mas a ela nada vendia.
José Dantas afirma que os produtos industrializados do Paraguai já começavam a abastecer a América do Sul e, para Elian Lucci, a guerra da secessão norte-americano lançou a economia britânica em uma crise que acentuou ainda mais sua necessidade de destruir a república guarani, a qual possuía terras férteis e excelentes para o cultivo do algodão que era matéria-prima vital para forte indústria têxtil inglesa, que até então dependera das provisões dos EUA.
Realmente, os capitalistas ingleses estavam inquietos com perigo que representava o exemplo paraguaio de desenvolvimento, que poderia influenciar as políticas dos demais países sul-americanos. E, consequentemente, não foi acaso que tais capitalistas estimularam e abastecem a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, financiando os aliados, a saber: Brasil, Argentina e Uruguai dotando-os com grandes empréstimos.
É verdade que muitos doutrinadores e historiados discordam da interpretação feita acima. Pois, não incluem os interesses dos capitalistas ingleses entre as principais causas do conflito[2].
Em geral, os estudiosos mencionados substituem a argumentação baseadas nas determinações do capitalismo internacional, o qual se manifesta mais claramente nas ações imperialistas da maior potência econômica do planeta, por uma versão que culpa as iniciativas imperialistas de Solano López, realizando a condenação moral deste presidente.
Interessante constatar que cinco dentre estes não se preocupam em descrever o modelo econômico e social do Paraguai e que três não mencionam as trágicas consequências do conflito para a república guarani, lacunas que não verificamos em nenhum dos historiadores esforçados em relacionar a atuação da Inglaterra com a destruição do exemplo paraguaio de desenvolvimento político e econômico.
Existem, também, estudiosos que combinam os dois fatores para compor suas conclusões.
Na gestão de Francisco Solano López, a orientação econômica do Estado não sofreu grandes modificações. E, assim como seu antecessor, contratou vários profissionais de elevado nível de instrução na Europa para formar e fortalecer o parque industrial de seu país. Eduardo Galeano assegura que o protecionismo sobre a indústria nacional e o mercado interno foi muito reforçado em 1863.
O seu objetivo era fazer do Paraguai um país forte e soberano. Mas, em boa medida, o Paraguai já era um país forte e soberano. Quantos países europeus, chamados por nós de desenvolvidos, podiam em meados do século XIX, afirmar que estavam livres da miséria, da violência e do analfabetismo? Solano López, provavelmente, apenas desejava consolidar o desenvolvimento de seu país.
Defendendo e realizando o protecionismo econômico, interessava à república do Paraguai ver suas embarcações e mercadorias navegando com liberdade na Bacia do Prata. E, do ponto do vista paraguaio, a independência do Uruguai era a melhor garantia para manter livre o trânsito no estuário do Prata. Sendo vital para manutenção de um equilíbrio de poderes na região. Tal equilíbrio garantia, na opinião de Solano López, a segurança, a integridade territorial e a independência do Paraguai.
Diversos historiadores declaram que a maior preocupação de López era garantir o controle sobre os rios platinos ou conseguir saída direta para oceano através da ampliação do território paraguaio. Aliás, tal medida seria imprescindível para a continuidade do processo de modernização do Paraguai. Tal ampliação justificavam a tese do Paraguai Maior.
Enfim, o projeto de Grande Paraguai é nome atribuído por muitos autores e historiadores aos supostos planos expansionistas de Solano López. E, tal expansão se estenderia até o mar. De outro lado,
Sérgio Buarque de Holanda e Denise Pereira garantem que Solano López deseja incorporar apenas ao seu país antigas áreas das missões argentinas e das reduções jesuítas no sul do Brasil. (Holanda, p.33).
Desde sua independência, o Paraguai, em 1811, procurou se isolar dos demais conflitos platinos, e Solano López, porém, por considerar fundamental para seu país a manutenção da independência do Uruguai, abandona essa posição de neutralidade e firma com este país um tratado militar de ajuda mútua. Este pacto foi conhecido pelo governo brasileiro, pois o presidente paraguaio deixou claro que declararia guerra ao Brasil caso as tropas do Império invadissem o Uruguai.
Muitos historiadores alegam que o Tratado de Tríplice Aliança entre o Império do Brasil, a República Argentina e a República Oriental do Uruguai foram secretamente engendradas tratativas um ano de sua publicação. E, Chiavenatto cita documentos tais como cartas e artigos de jornal que provam o caso. Segundo Mocellin e Chiavenatto esta farsa tornou-se pública na época, uma vez que vários países, protestaram contra esse plano premeditado de destruir e partilhar o Paraguai.
As bases do Tratado Tríplice Aliança foram lançadas numa reunião entre José Antonio Saraiva, política brasileiro, Rufino de Elizalde, diplomata argentino A Inglaterra, no século XIX exportava aproximadamente setenta por cento da sua produção, constituída por produtos industrializados. Ela necessitava de novos compradores para estas mercadorias e de diversificar suas fontes de suprimento de matéria-prima.
José Dantas afirma que os produtos industrializados do Paraguai já começavam a abastecer a América do Sul e, para Elian Lucci, a guerra da secessão norte-americano lançou a economia britânica em uma crise que acentuou ainda mais sua necessidade de destruir a república guarani, a qual possuía terras férteis e excelentes para o cultivo do algodão que era matéria-prima vital para forte indústria têxtil inglesa, que até então dependera das provisões dos EUA.
Realmente, os capitalistas ingleses estavam inquietos com perigo que representava o exemplo paraguaio de desenvolvimento, que poderia influenciar as políticas dos demais países sul-americanos. E, consequentemente, não foi acaso que tais capitalistas estimularam e abastecem a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, financiando os aliados, a saber: Brasil, Argentina e Uruguai dotando-os com grandes empréstimos.
As bases do Tratado de Tríplice Aliança foram lançadas numa reunião entre José Antônio Saraiva, político brasileiro, Rufino de Elizalde, diplomata argentino, Venâncio Flores, militar e político uruguaio e o diplomata inglês Thornton.
O acordo tinha como seus objetivos principais estabelecer a partilha de uma grande fração do território paraguaio. tirar do Paraguai a soberania sobre seus rios, responsabilizá-lo por toda dívida de guerra, não negociar qualquer trégua, até a deposição de Solano López. Estimulava o saque do país e a destruição de suas instalações industriais e, seu texto é contraditório, pois afirma respeitar a integridade territorial da república guarani ao mesmo tempo em que determina unilateralmente novas fronteiras.
Percebe-se que o Paraguai era o mais desenvolvido país da América do Sul antes da guerra ficou arrasado, sua população foi reduzida a uma pequena parcela e sua economia foi destruída. Desde então o Paraguai não mais se recuperou, sendo até hoje um dos mais pobres países da América Latina.
Os vencedores implantaram o livre-cambismo, e o latifúndio. Tudo foi saqueado e vendido, as terras e propriedades estatais foram vendidas aos capitalistas estrangeiros.
Em poucos anos, o país derrotado contraiu enorme dívida com os ingleses, até maior do que a do Uruguai que fiou sob influência e controle do Brasil. O conflito entre os aliados e a nação guarani foi um dos maiores massacres da história das Américas. Os historiadores divergem enormemente a respeito do número de mortos e do tamanho do território perdido pelo Paraguai[3].
Para cumprir o tratado de aliança, a integridade territorial e a independência do Paraguai foram mantidas. Isso é mentira. Pois as terras incorporadas pelo Brasil e pela Argentina estariam sob o legítimo poder do governo paraguaio ou eram terras de ninguém. Somente desta maneira, pode-se compreender o entendimento de alguns estudiosos sobre o Tratado da Tríplice Aliança, como algo diferente de uma propaganda cínica e mentirosa.
Chiavenato e Mocellin declaram que a república guarani perdeu cerca de cento e quarenta quilômetros quadrados de terras. Mas, há outros como Dantas que afirmam que foram apenas quarenta quilômetros quadrados.
Outros, como Max Justo Guedes acredita que a perda foi na ordem de quarenta por cento do território total do Paraguai. As perdas populacionais para alguns foram exageradas, pois calcula-se que foram em cerca de vinte por cento da população, já outros historiadores, afirmam cerca de setenta e cinco por cento da população paraguaia.
E, ao contrário dos aliados, o Paraguai confiou em seu próprio arsenal e estaleiros, pois, não comprou armas, navios com dinheiro dos ingleses. Infelizmente, ele foi obrigado pelos vencedores a assumir a pesada dívida de guerra[4] que nunca teve condições de pagar. Tempos depois, os aliados reconheceram que o Paraguai jamais teria como saldar as dívidas de guerra e acabaram por perdoá-las.
Nosso país perdeu muitas vidas e enorme montante financeiro. Havia o temor de que a Bolívia ajudasse a Solano López, o que levou o governo brasileiro a ceder ao ditador boliviano Legarejo a região do Acres. Para Argentina e Brasil e também para o Uruguai, a guerra aumentou a dependência ao capital inglês, mas desafogou suas dificuldades financeiras mais imediatas.
O número de negros do Brasil sofreu uma grande queda, uma vez que havia um branco para quarenta e cinco negros dentro das forças brasileiras. A navegação brasileira nos rios Paraná e Paraguai foi garantida.
O Império, de acordo com Eduardo Galeano ganhou mais de sessenta mil quilômetros quadrados de território e levou muitos prisioneiros paraguaios como mão de obra escrava. O exército brasileiro ficou mais unido e ganhou maior importância político. Assim, o exército tornou-se um centro de contestação à escravidão e ao Império e, aderiu às campanhas abolicionista e republicana. A guerra do Paraguai foi uma das causas da queda do Império brasileiro.
As províncias argentinas de Entre Rios e Corrientes tiveram grandes lucros vendendo provisões aos exércitos aliados. A Argentina ficou com noventa e quatro mil quilômetros quadrados de terra paraguaia, segundo Eduardo Galeano e Claudius Ceccon.
Os bancos ingleses que financiaram os Aliados, foram remunerados com altos juros. E, os prejuízos que os países envolvidos tiveram foram muitos maiores do que os benefícios. Com a guerra do Paraguai quem saiu ganhando muito foi a Inglaterra e que passou a vender seus produtos ao Paraguai.
Mesmo depois de mais de cento e cinquenta e sete anos do início[5] da Guerra do Paraguai e ainda há controvérsia entre os historiadores sobre os motivos do conflito. O Paraguai lutou contra Brasil, Argentina e Uruguai, acabou derrotado e, ainda hoje sente as consequências da guerra. Alguns especialistas afirmam que guerra era apenas parte da política expansionista de Solano López, outros que foi reação desproporcional do ditador à invasão do Uruguai pelo Império brasileiro.
Em verdade, os historiadores divergem sobre a verdadeira razão para o início do referido conflito. Mas, há consenso em afirmar que ditador paraguaio errou ao declarar guerra.
Logo após a declaração de guerra ao Brasil, López invadiu a região atualmente correspondente ao Mato Grosso do Sul. No ano de 1964, o Brasil havia invadido o Uruguai e destituído o presidente.
Segundo o cientista social e doutor em história das relações internacionais Francisco Doratioto, Solano López tinha um plano: ele teria declarado a guerra em busca de novos territórios e de uma saída para o mar através do domínio do Rio Prata, libertando-se, assim, das tarifas alfandegárias cobradas pelo porto de Buenos Aires.
Doratioto é autor do livro intitulado “Maldita Guerra”, afirma que, na época, havia litígio de territórios no Rio Grande do Sul e, em Mato Grosso do Sul. López usou a invasão ao Uruguai como pretexto, pois já havia mobilizado forças na fronteira[6] mesmo antes disso acontecer e sem nenhum risco de ameaça, afirma.
Estudioso e autodidata, o brasileiro Júlio José Chiavenato enxerga Solano López apenas uma atitude de defesa dos interesses paraguaios, após o Brasil invadir o Uruguai sob a alegação de que brasileiros estavam sofrendo ataques em meio à guerra civil que acontecia no país. Para o historiador, López entendeu como ato de guerra a invasão ao país com o qual tinha acordos de defesa mútua.
O autor do livro “Genocídio americano: a guerra do Paraguai”, publicado em 1979, Chiavenato entende que López se sentiu ameaçado por acreditar que seria o próximo alvo do Império de Dom Pedro II. O ditador, porém, não acreditava que a guerra se estenderia por tanto tempo e, que se trataria depois de uma atitude suicida ao iniciar o conflito.
Há um ponto em comum no entendimento dos historiadores, Solano López errou a iniciar uma guerra que matou grande parte da população de seu país, e acarretou graves consequências econômicas, sociais e políticas que o Paraguai jamais conseguiu superar.
O historiador Ricardo Henrique Salles, autor do livro “Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do Exército”, enxerga no Brasil a culpa pelo conflito. O Paraguai avisou que, se o Brasil invadisse o Uruguai, declararia guerra. López só declarou guerra porque achou a invasão a uma ameaça fatal a ele.
Segundo Salles, a História oficial brasileira trata a invasão ao Uruguai e a Guerra do Paraguai como conflitos diferentes quando, na verdade, trata-se de um só. A invasão do Uruguai foi ato agressivo do Império brasileiro que desencadeou a guerra. Afinal, a ação brasileira no Uruguai foi sem qualquer provocação, foi invasão, usando fúteis pretextos do assassinato de brasileiros no país quando, na verdade, o governo brasileiro comprou a briga de estancieiros gaúchos que tinham interesse em terras, defende.
Segundo o historiador, não existiam evidências de que, depois do Uruguai, o próximo país a ser invadido seria o Paraguai. Além disso, Solano López teria apostado que enfraqueceria o Brasil e que teria o apoio de grupos na Argentina, superestimando suas forças e subestimando as forças do Império brasileiro. A estratégia dele deu errado, ele fez uma guerra errada. Já o Brasil achou que a guerra seria um mero passeio e que, com o que tinha na época em efetivos militares, daria conta, o que de fato, não ocorreu.
Segundo dados[7] demográficos, Júlio José Chiavenato afirma que é possível apontar a população paraguaia em mais ou menos oitocentos mil pessoas, e que a guerra promoveu matança absurda, deixou o Paraguai em uma situação que até hoje não se recuperou. Afirma o historiador que na guerra, morrera cerca de noventa por cento da população masculina maior de vinte anos.
“Esta guerra foi uma coisa tão indecente e vergonhosa que só durante o conflito que se soube que, no pacto da Tríplice Aliança, havia uma cláusula que previa que ela só terminaria com a morte de López e a troca de poder no Paraguai, não se poderia assinar armistício”, afirma o escritor, acrescentando que o conflito produziu um trauma no continente.
“Todos estes números são polêmicos. As informações que eu tenho é que o Paraguai tinha cerca de 400 (quatrocentas) mil pessoas e que sobraram 180(cento e oitenta) mil a 200 (duzentos) mil no fim da guerra. Mais de dois terços da população masculina”, aponta o professor Doratioto.
Já para Salles, que leciona história na UniRio, os números sobre a população paraguaia na época eram de 300 (trezentos) mil a 700 (setecentos) mil. “Ninguém consegue chegar a um número preciso”. Ele discorda de Chiavenato quanto à “matança” provocada pela guerra e afirma que 80% dos mortos – cerca de 300 (trezentos) mil pessoas – foram vítimas de fatores indiretos, como fome e doenças[8].
Outra polêmica do conflito foi o fato de o Brasil ter enviado escravos como soldados. “A maioria dos soldados era negra, mulata, mestiça, mas o Exército não aceitava escravos[9]. Há uma confusão entre a população negra que era livre e a população que era escrava. Cerca de 10% da tropa era de escravos, que foram libertos para lutar. Isso pegou mal para o Brasil na ordem moral e social, um país escravagista ter que recorrer a escravos para se defender”, afirma Salles.
Já para Chiavenato, que teve acesso à documentação do conflito, apesar de não haver números oficiais, a maior parte da tropa brasileira era, sim, de escravos. “Eles eram enviados para irem no lugar de brancos de classe média que eram convocados. O Brasil não tinha Exército na época, era uma Guarda Nacional, mas que só existia no papel, com cerca de 23 (vinte e três) mil homens que não tinham nem farda”, diz. Já do lado paraguaio, Chiavenato vê o patriotismo como fator preponderante na luta: “Foi uma luta coesa, o povo entendeu que, se a guerra fosse perdida, seria o fim do Paraguai”, diz.
Salles e Doratioto também dizem acreditar nisso: “O paraguaio lutou bravamente”. O povo viu a guerra como uma ameaça e uma agressão à sua terra. Claro que, por ser uma ditadura, o governo de López tinha poder coercitivo. Mas isso não explica o povo paraguaio lutar como lutou”, afirma Salles.
A geração daqueles que lutaram na guerra do Paraguai, quer nos países aliados, quer no Paraguai, não registrava de forma positiva o papel histórico de Solano López. Havia certeza da sua responsabilidade, quer no desencadear da guerra, ao invadir o Mato Grosso, quer na destruição de seu país, pelos erros na condução das operações militares e na decisão de sacrificar os paraguaios, mesmo quando caracterizada a derrota em lugar de pôr fim ao conflito.
Doratioto não se limitou a rever toda a historiografia da guerra à luz das fontes documentais, elaborou uma ampla análise da política internacional da Bacia do Prata, utilizando de conhecimentos multidisciplinares e abordando aspectos tão variados como os interesses econômicos nacionais, os conflitos de natureza geopolítica e a personalidade dos dirigentes envolvidos no conflito. Chega a revelar, em relação à insistência de Dom Pedro II em prosseguir com o conflito até a morte de Solano López[10], que a familiaridade com a personalidade do ditador paraguaio, advinda do estudo das fontes primárias, permite reconhecer uma certa lógica na atitude do Imperador.
As causas da Guerra do Paraguai estão concentradas no processo de formação dos países platinos na segunda metade do século XIX. Onde cada país possuía seus interesses econômicos e políticos e, a defesa desses interesses causou o choque entre o Paraguai, Brasil, Argentina e Uruguai. Importante destacar que o Paraguai não era potência econômica alternativa na América do Sul conforme o revisionismo afirmou. Era apenas uma nação essencialmente agrária, possuía sistemas de educação e saúde precários e havia passado por modernização somente nos meios militares.
Existem três interpretações (os historiadores chamam isso de historiografia) acerca do conflito popularizaram-se em diferentes momentos no Brasil, e a atual é a mais completa delas. As diferentes historiografias a respeito dessa guerra são a tradicional, a revisionista e a pós-revisionista ou nova historiografia.
A historiografia tradicional apontava a guerra única e exclusivamente como resultado da megalomania de Solano López, ditador do Paraguai, e desconsiderava uma série de eventos relevantes no contexto geopolítico da bacia platina. Essa historiografia foi muito comum no Brasil no início do século XX até a década de 1960, aproximadamente.
A historiografia revisionista foi muito conhecida no Brasil na década de 1960 até meados da década de 1990. Segundo essa historiografia, o Paraguai era um modelo de desenvolvimento autóctone (nativo) e único na bacia do Prata. Isso desagradaria à Inglaterra, que, para sujeitar o Paraguai ao capitalismo inglês, manipulou Brasil e Argentina para que guerreassem e destruíssem o modelo econômico do Paraguai.
Hoje essa historiografia é considerada pelos historiadores como ultrapassada e imprecisa, pois ignora diversos fatos do contexto platino e é muito criticada por não possuir comprovação documental. Os novos estudos foram realizados de maneira pioneira por historiadores paraguaios e brasileiros, entre os quais se destacam Juan Carlos Herken Krauer, Maria Isabel Gimenez de Herken, Ricardo Salles e Francisco Doratioto[11].
As denúncias de que o exército brasileiro ao lutar na guerra era formado por escravos não são novas. Seus primeiros estudiosos foram os redatores dos jornais paraguaios da época.
Tratavam de menosprezar o exército brasileiro com base em duvidoso argumento, por ser formados de negros, deveria ser de qualidade inferior. É verdade que soldados negros, ex-escravos ou não, lutaram em pelo menos três dos quatro exércitos dos países envolvidos.
Os exércitos paraguaio, brasileiro e uruguaio tinham batalhões inteiros formados exclusivamente por negros, como o caso do Corpo dos Zuavos da Bahia[12] e o batalhão uruguaio Florida. Eram escravos propriamente ditos, engajados como soldados que lutaram comprovadamente nos exércitos paraguaio e brasileiro.
A frase é: – “Como matar a los negros?” foi dita pelo paraguaio Solano López logo depois de receber no ventre o golpe de lança do Cabo de Ordens do Coronel Joca Tavares, seu xará Francisco Lacerda, chamado de “Chico Diabo”[13]. Na época da guerra de 1964-1870, no Paraguai o negra era, antes de tudo, o inimigo. O exército brasileiro era o exército macacuno e seus líderes, segundo a propaganda, era feita de macacos que pretendiam escravizar o povo paraguaio, conduzindo-o da liberdade à escravidão.
Nas senzalas e nas lavouras, cartas de alforria e uniformes começaram a chegar endereçados a homens que, repentinamente, se viram no dever de defender a pátria que até então lhes negava condição de gente. Em janeiro de 1867, os primeiros libertos da guerra foram encaminhados para o Exército e a Marinha do Brasil[14].
Forros e engajados como soldados, eles lutaram em pelo menos três dos quatro exércitos dos países envolvidos. O Corpo dos Zuavos da Bahia era um dos muitos batalhões formados exclusivamente por negros. O consenso entre muitos dos comandantes dos Aliados era de que aqueles homens de mãos calejadas e costas marcadas lutavam mais bravamente e com maior entusiasmo que os soldados brancos, porque lutavam por liberdade.
Os combatentes da chamada Guerra do Paraguai representavam uma realidade diversa, onde religiosidade e preconceito estiveram fortemente presentes. A grande parte da historiografia nacional sobre a guerra enxerga o soldado paraguaio era um fanático, subserviente ao seu ditador, o tirano Solano López, de raízes católicas, porém, um bárbaro guarani.
É verdade que a cruz e a espada sempre estiveram unidas na história da ocupação/ colonização dos europeus sobre a América. A religião teve e, ainda tem um papel relevante na organização das sociedades. Tratando-se da América espanhola e portuguesa foi a Companhia de Jesus, criada em 1534, por Inácio de Loyola que teve a função de evangelizar o novo mundo para compensar a perda de espaço dos católicos em território europeu resultante do movimento protestante do século XVI.
Sem dúvida, a Guerra do Paraguai serviu para operar mudanças no Estado brasileiro, principalmente, com o fortalecimento do Exército enquanto instituição nacional, com poder político e a destruição do Paraguai e, tiveram consequências de longo prazo decorrente dessa guerra. Particularmente, o fortalecimento militar do exército brasileiro e das forças armadas em geral o que veio depois engendrar mudanças na história brasileira[15].
Referências
ALCALÁ, G.R.; ALCÁZAR, J.E. Paraguay y Brasil: Documentos sobre las relaciones binacionales 1844-1864. Asunción: Tiempo de Historia, 2007.
ALENCAR, Álvaro. A guerra do Paraguai. In: ____ História do Brasil, 6ª série São Paulo: Saraiva, 1984.
BACK, Sylvio; PEREIRA, José Mario. Guerras do Brasil – Contos da Guerra do Paraguai. São Paulo: Topbooks, 2014.
BOTELHO, Francisco; DE LIMA, Laura Ferrazza. Guerra do Paraguai: Vidas, personagens e destinos no maior conflito da América do Sul. Londres: HarperCollins, 2021.
CAWTHORNE, Nigel. Uma Nova História da Guerra do Paraguai. São Paulo: M Books, 2015.
CECCON, Claudius. Morte ao Paraguai. In:____ história do Brasil 6. serie. Rio de Janeiro: Vozes, 1986.
CHIAVENATTO, Júlio José. Genocídio americano: a guerra do Paraguai. São Paulo: Editora Moderna, 1998.
CLAUSEWITZ, C.V. Da guerra. São Paulo, Martins Fontes, 1996.
COTRIM, Gilberto. A guerra do Paraguai. In: ______ História do Brasil. 6. série. São Paulo: Saraiva, 1987.
COUTO, Mateus de Oliveira. Os Escravos Libertos Na Guerra do Paraguai: Luta, resistência e preconceito. Disponível em: https://estudiosafricanos.cea.unc.edu.ar/files/06-Couto-N%C2%B010.pdf Acesso em 26.11.2021.
DANTAS, José. A política externa do Segundo Reinado na Bacia Platina. In: _____ História do Brasil 6. série. São Paulo: FTD, 1984.
DA SILVA, Jéssica de Freitas e Gonzaga. A guerra como instrumento da política imperial brasileira na Bacia do Prata (1852-1858). Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/5798/579865457002/html/ Acesso em 28.11.2021.
DE ARAÚJO, Johny Santana. BUENO, Eva Paulino; DA SILVA, Rodrigo Caetano. 150 anos depois: reflexões sobre a Guerra do Paraguai. Piauí: Cancioneiro, 2020.
DE FARIA, Fernando Domingues. A Guerra do Paraguai segundo os livros didáticos. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/19432/1/GuerraParaguaiLivros.pdf Acesso em 26.11.2021.
DE HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
_________________________. O Homem Cordial. Portugal: Penguin, 2012.
DE LIMA, Luiz Octavio. A Guerra do Paraguai. São Paulo: Planeta, 2016.
DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra: Nova História da Guerra do Paraguai. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
DORATIOTO, Francisco F. Monteoliva. O Conflito com o Paraguai. A Grande Guerra do Brasil. São Paulo: Ática, 2006.
FIORAVANTI, Carlos. O terror das doenças na guerra do Paraguai. Pesquisa FAPESP. Edição 309. Nov.2021. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/o-terror-das-doencas-na-guerra-do-paraguai/ Acesso em 26.11.2021.
GALEANO, Eduardo. A guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai aniquilou a única experiência, com êxito, de desenvolvimento independente. In: _____As veias abertas da América Latina. 21. edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
GUEDES, Max Justo. História da Guerra do Paraguai. In: MARQUES, Maria Eduarda de Castro Magalhães (Org.) A Guerra do Paraguai: 130 anos depois. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995.
HERMIDA, Bordes. Guerra do Paraguai. In: ____ História do Brasil. 6ª série São Paulo: Editora Nacional, 1986.
IZECKSOHN, Vitor. Duas Guerras na América: Raça, Cidadania e Construção do Estado ns Estados Unidos e Brasil. São Paulo: Alameda Editorial, 2021.
LUCCI, Elian. História do Brasil, Ensino Médio. São Paulo: Saraiva, 1987.
MARIN, Jérri Roberto. História esquecida da Guerra Paraguai: fome, doenças e penalidades. Disponível em: o https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/Dialogos/article/download/33753/pdf/ . Acesso em 26.11.2021.
MILANESI, Dálcio Aurélio. Sobre a Guerra do Paraguai. Disponível em: http://www.urutagua.uem.br/005/06his_milanesi.pdf Acesso em 26.11.2021.
MOCELLIN, Renato. A Guerra do Paraguai. In: ____ História do Brasil 6ª série São Paulo: Ed. do Brasil, 1985.
PEREIRA, Denise. História do Brasil, Ensino Médio. São Paulo: Atual, 1987.
POMBO. Rocha. História do Brasil. Revista Atualizada por Hélio Vianna, 9.ed., São Paulo: Melhoramentos, 1960.
QUEIRÓZ, Silvânia de. Revisando a Revisão. Genocídio Americano. A Guerra do Paraguai. São Paulo: Clube de Autores, 2014.
RODRIGUES, Marcelo Santos. Os (in)voluntários da Pátria Na Guerra do Paraguai. (A Participação da Bahia no Conflito). Dissertação de Mestrado de História UFBA- Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Disponível em: https://ppgh.ufba.br/sites/ppgh.ufba.br/files/4_os_in_voluntarios_da_patria_na_guerra_do_paraguai_._a_participacao_da_bahia_no_conflito.pdf Acesso em 26.11.2021.
SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: Escravidão e Cidadania na Formação do Exército. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
SOUSA, Jorge Prata. Escravidão ou morte: os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Mauad: ADESA, 1996.
TERCI, M.R. Guerra do Paraguai: Da Senzala ao Front de Batalha. Disponível em: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/guerra-do-paraguai-da-senzala-ao-front-de-batalha.phtml Acesso em 26.11.2021.
TEIXEIRA, Fabiano Barcellos; QUEIRÓZ, Silvânia. Fanatismo, preconceito e resistência: os combatentes da Guerra da tríplice aliança contra o Paraguai (1864-70). Disponível em: https://www.academia.edu/34092599/Fanatismo_preconceito_e_resist%C3%AAncia_os_combatentes_da_Guerra_da_tr%C3%ADplice_alian%C3%A7a_contra_o_Paraguai_1864-70_ Acesso em 26.11.2021.
TOTA, Antonio Pedro; BASTOS, Pedro Ivo. Novo Manual Nova cultural História Geral. São Paulo: Nova Cultural, 1993.
SOARES, Lívia Freitas Pinto Silva. A Guerra Civil Americana e a Guerra do Paraguai: Uma Análise Histórica Sobre os Fatores que Tornaram estes Conflitos Inevitáveis. Disponível em: http://www.ebrevistas.eb.mil.br/rcfo/article/download/2386/1928/. Acesso em 26.11.2021.
[1] A guerra é um fenômeno social. Sua natureza foi explicada por Carl von Clausewitz (1780-1831) como sendo “um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade” (Clausewitz, 1996, p. 7). A partir das observações sobre as Guerras Napoleônicas (1803-1815), teorizou a guerra não como um objeto independente, mas com um caráter instrumental, sintetizando-a na máxima: “A guerra é a continuação das relações políticas com o complemento de outros meios” (Clausewitz, 1996, p. 870). Os desígnios, ou seja, os objetivos políticos estatais são determinantes no caráter do conflito armado.
[2] Entre as causas da Guerra do Paraguai encontram-se as rivalidades entre Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai causadas pelos desentendimentos quanto às fronteiras entre os países, a liberdade de navegação dos rios platinos, as disputas de poder por facções locais (federalistas e unitaristas na Argentina, e os blancos e colorados no Uruguai) e, ainda as rivalidades históricas de mais de três séculos. O motivo para o começo da guerra foi a intervenção do Brasil na política uruguaia entre agosto de 1864 e fevereiro de 1865. Para atender ao pedido do governador dos blancos de Aguirre, López tentou servir de intermediário entre o Império do Brasil e a República Oriental do Uruguai, mas como o governo brasileiro não aceitou sua pretensão, deu início às inimizades. Assim começa o maior conflito armado ocorrido na América do Sul, a guerra do Paraguai que serve como fim das lutas durante quase dois séculos entre Portugal e Espanha e, depois, entre Brasil e as repúblicas hispano-americanas pela hegemonia na região do rio da Prata.
[3] A Batalha Naval do Riachuelo é considerada, pelos historiadores, como uma batalha decisiva da Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai (1864-1870) – o maior conflito militar na América do Sul, somente superado em vítimas no Novo Mundo pela Guerra Civil Americana (1861-1865). A importância da vitória nesta Batalha está ligada ao fato que, até aquela data, o Paraguai tinha a iniciativa na guerra e ela inverteu a situação, garantiu o bloqueio e o uso pelo Brasil dos rios, que eram as principais artérias do teatro de operações de guerra.
[4] Para o Brasil, a guerra gerou forte impacto na economia, uma vez que os gastos do Brasil foram 11 vezes o orçamento anual do país em 1864. Além disso, o governo brasileiro saiu bastante endividado, sobretudo com bancos ingleses, em decorrência dos empréstimos feitos para financiar o conflito. A guerra também fortaleceu o exército como instituição e marcou o início da decadência da monarquia.
[5] A guerra teve início dia 26 de dezembro de 1864, quando o Paraguai aprisionou a embarcação brasileira Marquês de Olinda, que estava navegando no Rio Paraguai em direção a Cuiabá, cuja única forma de chegar era justamente via fluvial. Lopez deteve o navio e invadiu o Mato Grosso, onde permaneceu até pelo menos o ano de 1868 e destruiu com rapidez os soldados brasileiros da Guarda Nacional presentes em menor número. Do Mato Grosso, seguiu para o atual estado do Rio Grande do Sul de onde pensava em invadir o Uruguai em auxílio aos blancos e contra os colorados. Era, no entanto, necessário para isso passar pelo território argentino Corrientes, algo que o então presidente argentino Bartolomé Miltre não permitiu, já que era aliado dos colorados também. Lopez declarou então guerra à Argentina e invadiu seu território. No dia 1º de maio de 1865, Argentina, Brasil e os colorados uruguaios constituíram a Tríplice Aliança contra paraguaios e blancos uruguaios.
[6] No que se refere às definições dos limites entre o Império Brasileira e o Paraguai, uma das principais causas da guerra, foi que o governo imperial reivindicava a soberania do território entre os rios Branco e Apa, tendo este último como limite com o Paraguai, com base no princípio do uti possidetis. O governo paraguaio, a seu turno, contestava o limite no Rio Branco, com base no Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, assinado entre a Coroa Espanhola e a Portuguesa. A diplomacia imperial rejeitava esse pleito e argumentava que o Tratado de Badajoz, de 1801, firmando entre as duas metrópoles, anulara o documento do século anterior. Como resposta à tais indefinições, durante a década de 1850, Carlos López colocou diversos obstáculos à livre navegação do Rio Paraguai por navios brasileiros, condicionando-a a delimitação da fronteira entre os dois países no Rio Branco. Assim, situa-se a primeira ameaça de guerra entre os dois países, uma vez que a livre navegação era vital para o Império, levando-o ameaçar o Paraguai com uma guerra, para qual não estava preparado. Desse modo, o Paraguai cedeu e acabou anuindo e assinando com Império, em abril de 1856, um tratado em que garantia livre navegação e postergou por seis anos a discussão das fronteiras, mantendo-se o status quo do território litigioso entre os Rios Apa e Branco.
[7] Foi por meio das vozes de médicos, engenheiros, padres, oficiais, soldados e civis envolvidos no conflito que foram obtidas as informações sobre os soldados que participaram da guerra. Um dos raros registros de soldados é o Diário de Campanha de Francisco Pereira da Silva Barbosa que traz informações sobre batalhas, as marcas a pé e sem cavalos, as crises de fome, as epidemias e doenças, a presença de acampamentos de crianças e mulheres, que eram esposas, filhas, parentes, enfermeiras e viúvas, amantes, prostitutas, escravas, andarilhas, vivandeiras, prisioneiras de guerra e soldadas.
[8] Em verdade, a Guerra do Paraguai foi uma guerra epidêmica, pois as doenças infecciosas acompanharam o conflito, do início ao fim, sem contar os surtos com os de cólera. O historiador Leonardo Bahiense, reitera: “Apenas a cólera foi responsável por no mínimo 4.535 mortes de soldados brasileiros durante toda a guerra. Segundo ele, com base em documentos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no primeiro semestre de 1868, 52,5% das mortes das tropas aliadas resultaram da intensa desidratação causada pela bactéria Vibrio cholerae, e 3,6% de malária e outras doenças caracterizadas genericamente como febres. Em muitos momentos, acrescenta a pesquisadora da UFF, soldados e prisioneiros paraguaios com cólera eram abandonados nas estradas, por ordem dos comandantes, quando as tropas se moviam de um acampamento para outro. Em retirada da Laguna, publicado em francês em 1871, e em português três anos depois, o engenheiro militar Alfredo Taunay (1843-1899) descreveu os surtos de cólera como adversário oculto, a ninguém perdoando. A peste é a maior inimiga que temos, relatou o Marechal de Campo Manuel Luís Osório ao ministro da Guerra Ângelo Muniz da Silva Ferraz, ao assumir o comando das tropas, em julho de 1867. Outra doença registrada no Arquivo do Exército, era a sífilis. Havia prostituição nos acampamentos, principalmente com as paraguaias por causa da fome. Peculiaridade dessa guerra, as mulheres que acompanhavam as tropas eram mães, filhas, irmãs ou companheiras dos soldados, para os quais lavavam os uniformes e cozinhavam. In: FIORAVANTI, Carlos. O terror das doenças na guerra do Paraguai. Pesquisa FAPESP. Edição 309. Nov.2021. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/o-terror-das-doencas-na-guerra-do-paraguai/ Acesso em 26.11.2021.
[9] Em “Escravidão ou morte: os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai”, de 1996, o historiador Jorge Prata de Sousa contemplou as discussões sobre a participação dos escravos na campanha do Paraguai: Se, num primeiro momento, o escravo aparecia esporadicamente como substituto do guarda nacional convocado, depois passou a fazer parte do contingente necessário ao Exército e a Marinha. Cabia ao Império, então, comprar escravos a preço de mercado para atender às necessidades da guerra. Nos primeiros anos da guerra, escravos recém-libertos foram enviados às áreas de conflito em substituição aos guardas nacionais provenientes de famílias endinheiradas, ou então para preservar guardas em seus postos de comando nos municípios escravistas.
[10] A Batalha de Cerro Corá ou Aquidabanigui foi a última batalha da Guerra do Paraguai, travada no dia primeiro de março de 1870, nas imediações de Cerro Corá, 454 quilômetros ao nordeste de Assunção. Também a morte de Solano López é cercada por divergências e imprecisões sobre o que, de fato, ocorreu quando dos acontecimentos dentro da floresta, onde fugiu. Ainda assim existem pontos em comum no relato de oficiais e combatentes paraguaios e imperiais. Após a derrota dos rifreros, López se dirigiu ao quartel-general, no centro do acampamento e, de lá, junto com coronel Silveiro Aveiro, o major Manuel Cabrera e o alferes Ignácio Ibarra, todos a cavalo, tentaram fugir, mas foram alcançados por soldados da cavalaria imperial, pela esquerda, o que impediu uma fuga para o arroio Aquidabá-niguí. Nessa ocasião, os soldados imperiais fizeram uma intimação para López se rendesse. Dois soldados, um em cada lado, tentaram segurá-lo, mas López tentou ferir um dos imperiais com seu espadim de cerimônia, tendo sido revidado com um golpe de machado na cabeça, porém foi amortecido pelo chapéu de panamá que usava. Um dos cavaleiros imperiais desceu do cabalo e transpassou López com uma lança que empunhavam de baixo para cima, atingindo a virilha direita e alcançando as entranhas, comprometendo fatalmente o peritônio, o intestino e a bexiga. Esse cavaleiro tinha a alcunha de Chivo Diabo, 22 anos e era pertencente ao regimento do coronel João Nunes da Silva Tavares. Os momentos finais da morte de Solano López foram testemunhados por poucos ou nenhum soldado paraguaio e por apenas alguns soldados imperiais, incluindo o general brasileiro Correia da Câmara. Ao fim da guerra, Câmara redigiu três relatórios contraditórios sobre a morte do presidente paraguaio. Ao marechal Vitorino José Carneiro Monteiro, o general imperial redigiu o primeiro relatório militar, chamado de parte, ainda no dia 1 de março, declarando, por duas vezes, que o marechal havia sido morto em sua frente, pois, não aceitou se render, mesmo estando “completamente derrotado e gravemente ferido”.
[11] Até os anos de 1990, a historiografia tinha duas explicações para a Guerra do Paraguai: a primeira colocava a Inglaterra como uma das principais responsáveis pelo conflito, partindo da ideia de que o Uruguai era um país autônomo e potencialmente um período para os britânicos na região, já que era uma potência. A outra explicação colocava unilateralmente Solano Lopez como o único responsável, transformando-o em um tirano louco com ganas imperialistas. Essas explicações careciam de dados precisos e de fontes, sendo muito mais ideológicas do que de fato correspondentes à realidade dos quatro países e da bacia platina no momento em questão. A maior explicação para a ocorrência do conflito foram disputas internas entre os quatro países, não só pela hegemonia, mas também da livre dominação da navegação do Rio da Prata, que facilitava o acesso ao mar à Leste, além do deslocamento pelo interior do continente e a exploração de metais preciosos. Além disso, a disputa de domínio entre Paraguai e Brasil era muito baseada na questão de que eram os dois únicos países cujos governantes não eram escolhidos em lugar algum. Isso conferia, por um lado, força para disputar a hegemonia e, por outro, desejo de realizar essa disputa. Se o Brasil estava aliado aos colorados, o Paraguai estava aliado aos blancos, que lhe garantiam a saída para o mar, o que gerava um claro conflito de interesse.
[12] A província da Bahia foi a primeira a se oferecer em sacrifício da pátria ultrajada. Governava a província a política progressista representada pelo Desembargador Luiz Antônio Barbosa de Almeida quando o Corpo de Polícia da capital sob o comando o tenente-coronel Joaquim Maurício Ferreira antecipando-se ao decreto, que criava os Corpos de Voluntários, ofereceu-se para participar da luta, embarcando com 477 homens no dia 23 de janeiro de 1865.
[13] José Francisco Lacerda, vulgo Chico Diabo (1848 —1893), foi um militar (cabo) brasileiro que lutou na Guerra do Paraguai e ficou famoso por ter matado o ditador paraguaio Francisco Solano López, na batalha de Cerro Corá (1º de março de 1870). Chico recebeu como recompensa cem vaquilhonas (vacas que ainda não deram cria). Tomou ainda para si a faca de prata e ouro que López levava quando foi morto e na qual constavam, gravadas em ouro, as iniciais FL, coincidentemente as mesmas do nome de Chico. A lança usada pelo militar brasileiro no episódio encontra-se no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Ao retornar do Paraguai, em 1871, Chico casou-se com uma prima, Isabel Vaz Lacerda, com quem teve quatro filhos, e trabalhou como capataz em várias estâncias. O nome de Chico ficou consagrado popularmente em uma quadrinha muito em voga na época: “O Cabo Chico Diabo, do diabo Chico deu cabo”. Faleceu repentinamente, em 1893, quando se encontrava no Uruguai a serviço de Joca Tavares. Para receber os restos mortais do marido, anos depois, a viúva Isabel teve que contratar um uruguaio para roubá-los. Seu corpo foi sepultado novamente no Cemitério da Guarda, em Bagé. Em 2002, foi colocada uma lápide sobre o túmulo, por iniciativa do núcleo de pesquisas históricas daquela cidade gaúcha.
[14] No Exército brasileiro, internamente, surgiam as discórdias. Em outubro de 1866, o Partido Conservador, na oposição, responsabilizava o Partido Liberal, no poder, pelos rumos incertos tomados pelo conflito. É neste contexto que o General Luís Alves de Lima e Silva, que também era Senador pelo Partido Conservador, assume, muito prestigiado, o comando das tropas do Império. Na frente de batalha no Paraguai a situação do Exército era complexa. A tropa estava desanimada contando com um efetivo insuficiente e despreparado. Rareava a apresentação de voluntários, o que fez com que se intensificasse o recrutamento obrigatório. Críticas ferozes se avolumavam na imprensa, que chegou a classificar a guerra como “açougue do Paraguai.” A maioria recrutada era negra. Segundo a historiadora Lília Moritz Schwarcz, esta mudança na coloração do Exército fez com que os jornais paraguaios passassem a, ironicamente, chamar os soldados brasileiros de “los macaquitos“, apelido que depois se estendeu aos Generais, ao Imperador e à Imperatriz. Esta denominação pejorativa talvez explique o motivo que levou D. Pedro II a mover uma perseguição implacável a Solano López.
[15] Uma curiosidade, ao final da guerra, Solano López ordenou que crianças acima de doze anos participassem das batalhas usando barbas postiças. E, a grande maioria foi assassinada pelo exército brasileiro. Com o fito de majorar o continente de guerra, o governo brasileiro instituiu os Voluntários da Pátria em 1865. Aos homens livres eram prometidos lotes de terra, dinheiro e pensão para as viúvas. Já para os escravos era oferecida a liberdade quando voltassem. A Tríplice Aliança teve a participação de 235,5 mil soldados. Já o Paraguai contou com 150 mil soldados. O Exército paraguaio construiu um canhão a partir da fundição de sinos de diversas igrejas de Assunção, sendo conhecido como canhão cristão e, foi apreendido pelo Exército brasileiro durante o conflito. Atualmente, este se encontra no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Em 2014, o neto de Solano López pediu ao governo brasileiro que o devolvesse.