Direito do Trabalho

Embargos à execução do direito processual do trabalho

Caetano Coelho Mustafá Pires Leal

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo a explanação do instituto dos Embargos à Execução, se utilizando de doutrina e bibliografias especializadas, jurisprudências e artigos que versem sobre a matéria como embasamento teórico para a exposição do tema proposto e dos conteúdos dos elementos que compõem seu cerne, com foco especial nas normas referentes à regulamentação da exceção de pré-executividade, impugnação à sentença de liquidação, embargos de terceiro e fraude à execução. Busca-se fomentar a ampla compreensão destes preceitos jurídicos através da análise dos conceitos, fundamentos legais, hipóteses, exceções, prazos, etc., bem como apresentar suas configurações atuais no ordenamento jurídico e suas aplicações práticas.

Palavras-chave: execução, trabalho, processo, embargo, sentença.

1. INTRODUÇÃO

Segundo o Tribunal Superior do Trabalho, a execução trabalhista é a fase processual em que “se impõe o cumprimento do que foi determinado pela Justiça, o que inclui a cobrança forçada feita a devedores para garantir o pagamento de direitos”, que só tem início a partir da condenação ou não cumprimento espontâneo de acordo na fase de conhecimento, onde ocorre a discussão a respeito da existência de direitos, sendo o embargo à execução “o recurso que pode ser interposto pelo executado”.

No âmbito processual civil, estão instituídos no Título III, dos artigos 940 à 920 do Código de Processo Civil, em que se garante o direito de oposição à execução por parte do executado, se utilizando dos embargos, assim como estabelecem os prazos e suas hipóteses de cabimento. No âmbito trabalhista, estes recursos estão previstos no artigo 884, e parágrafos subsequentes.

Conforme disposto no referido artigo, os embargos à execução trabalhista são cabíveis no prazo de 5 dias, concedido ao executado o mesmo prazo para impugnar as alegações do embargante. Faz parte do procedimento a garantia do valor da dívida como requisito para a interposição dos embargos, que, por si só, é uma característica basilar e distintiva deste dispositivo. Tal garantia do juízo pode ser feita através de penhora, depósito judicial ou seguro garantia, com o mencionado prazo de 5 dias contados a partir do depósito da garantia.

Outras características que se pode destacar deste instrumento são as restrições quanto à matéria de defesa, definidas no § 1º do dispositivo supra, que limita tal instrumento às “alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da dívida”, bem como versa sobre a isenção de exigência de garantia como requisito para “entidades filantrópicas e/ou àqueles que compõem ou compuseram a diretoria dessas instituições”, nos termos do que dispõe o art. 884, §6º, da CLT.

Nesse contexto, tal artigo visa definir de forma mais específica componentes dos procedimentos trabalhistas, cuja relevância se evidencia pelas situações fáticas recorrentes em que se expressa.

2. EXCEÇÃO DE PRÉ EXECUTIVIDADE

A exceção de pré-executividade é um dos instrumentos utilizados no processo de execução pelo devedor, através da provocação do órgão jurisdicional, com o intuito de suspender a ação executiva, mediante a arguição de uma nulidade processual.

Esse instrumento, de maneira prática, é uma petição que serve para alegar vício de matéria de ordem pública, sem a necessidade de recolhimento de custas. É uma espécie de defesa do executado.

Todavia, sua utilização, ainda causa discussão entre os doutrinadores, pelo fato de não possuir uma previsão legal no ordenamento jurídico pátrio. Todavia, vem encontrando respaldo doutrinário e jurisprudencial, por se entender que, embora caiba ao juiz se manifestar de ofício a respeito de algum vício ou mácula, logo de início na petição, ou no decorrer do trâmite processual executivo, é também papel do devedor, por ser o maior interessado em impedir a ação executiva, se pronunciar a respeito da existência de uma nulidade processual.

Ressalta-se que é uma faculdade atribuída ao devedor de submeter ao conhecimento do juízo determinadas matérias suscetíveis de sua apreciação, tendo por objeto os pressupostos processuais, as condições da ação executiva, bem como a existência de nulidade no título executivo que seja evidente e flagrante.

Essa possibilidade atribuída ao devedor independe da ocorrência de penhora ou embargos, podendo ocorrer em qualquer fase do procedimento, já que se trata de arguição de matéria de ordem pública, que pode ser suscitada a qualquer tempo e nos próprios autos do processo de execução.

Ao se fazer uma análise do contexto histórico deste instituto, observa-se que se trata de um algo recente e causador de controvérsia entre os doutrinadores, porém, que vem sendo amplamente utilizado pelos nossos tribunais. Pontes de Miranda foi um dos primeiros a fazer um estudo mais aprofundado sobre este tema em nosso país, uma vez que admite a exceção da defesa para algar questões de nulidades que o juiz deveria saber por si.

Nesse sentido, ensina o autor:

“Para que haja executividade, é preciso que se repute ao título executivo e instrumento da dívida ou que haja sentença com carga suficiente de executividade. ”

Assim, sem entrar na polêmica acerca da terminologia mais adequada para o instituto, embora não esteja prevista na legislação processual vigente, a doutrina e a jurisprudência já a consagraram como mecanismo de oposição a ação processual executiva, como sendo um meio legítimo a ser utilizado pelo devedor, independentemente de penhora.

Em relação ao campo de sua aplicação, cumpre ressaltar que não há discordância acerca da impossibilidade da utilização da exceção de pré-executividade para apreciação de matéria de fato, uma vez que essa apreciação carece de uma grande dilação probatória.

Por esse motivo, a aplicação desse instituto cabe primeiramente, como já mencionado, às chamadas matérias de ordem pública no que diz respeito aos chamados pressupostos processuais e as condições da ação, assim como também, no tocante a toda a matéria atinente à prescrição, decadência, coisa julgada, pagamento ou novação.

Quanto a questão da legitimidade, tanto a passiva quanto a ativa na ação executiva, somente poderá ser executado o devedor expressamente indicado no título executivo não se podendo, para tanto, ser executada pessoa diversa daquela indicada no título.

No tocante ao interesse de agir no processo executivo, somente caberá arguir tal instituto se observado o inadimplemento da obrigação, ou seja, o vencimento da dívida, porque se caso não estiver vencida a obrigação, faltará o caráter de exigibilidade ao título, e por sua vez, o interesse de agir do exequente.

Por fim, em razão do exposto acima, a admissão da exceção de pré-executividade será cabível toda vez em que se verificar a ausência das condições da ação, ou seja, legitimidade da parte, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido.

Assim como, quando estiver carecendo o título executivo dos seus requisitos básicos, de modo que a maioria dos casos de arguição de exceção de pré-executividade se relacionam com a falta de algumas dessas condições, que uma vez ausentes, invalidam o processo executivo, impedindo, assim, uma execução nula, que não obedeça aos requisitos legais.

3. IMPUGNAÇÃO À SENTENÇA DE LIQUIDAÇÃO

Seja pela complexidade do julgado, seja pela imperícia do juiz ou pelo volume de processos e escassez de recursos humanos, no processo do trabalho, torna-se necessária a fase de liquidação, momento no qual será estabelecido o valor a ser pago pelo reclamado. Todavia, deve o juiz desde logo definir a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, p termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros.

Nelson Nery Junior (1999, p. 1.117) salienta que:

“A liquidação de sentença é ação de conhecimento, pois visa completar o título executivo (judicial ou extrajudicial) com o atributo da liquidez, isto é, com o quantum debeatur. Essa qualidade explica a possibilidade de haver liquidação zero, pois, a se entender declaratória a sentença de liquidação, não poderia ter resultado zero ou negativo para o quantum debeatur da condenação. ”

A liquidação do processo trabalhista pode ocorrer de três maneiras, a depender do contexto e apresentação das provas. Dentre as tais, predomina a liquidação por cálculos. Nesta, é possível liquidar o processo com base nos elementos apresentados pelo reclamante e/ou pelo reclamado (certidões, contracheques, folhas de ponto).

Quando não há elementos suficientes para estabelecer a liquidez, a liquidação é feita por artigos, conforme disciplina o CPC (art. 509, II). Neste caso, faz-se necessária a produção de novos fatos e provas.

Uma terceira hipótese de liquidação do processo trabalhista é a chamada liquidação arbitrária. Para isso, deve haver previsão na sentença, convenção das partes ou exigência pela própria natureza do processo (aqui pode ser incluso o processo por danos morais). A liquidação arbitrária é feita quando não elementos suficientes para a liquidação nem se pode produzir novos fatos e provas. A fim de auxiliar o juiz, pode ser nomeado um perito que fará os cálculos e, nesse caso, é incluso no processo o valor de perícia.

Vale ressaltar que a liquidação se encontra no Capítulo V do Livro X da CLT, que trata “Da Execução”. Dessa forma, por ser considerada um incidente processual situado entre a fase cognitiva e a fase de cumprimento da sentença, não cabe recurso. Além disso, o § 1º do art. 879 da CLT dispõe que, na “liquidação, não se poderá modificar, ou inovar, a sentença liquidanda nem discutir matéria pertinente à causa principal”, somente podendo ser impugnada de forma autônoma, por embargos do devedor ou impugnação do credor.

Não concordando com o valor determinado na fase de liquidação, como rege o § 2º do art. 879 da CLT, alterado pela Lei n. 13.467/2047, as partes terão o prazo de 8 (oito) dias úteis para impugnação, fundamentando com itens valores, sob pena de preclusão. À União, serão reservados 10 (dez) dias para que se manifeste acerca da planilha de cálculo.

4. EMBARGO DE TERCEIRO

A CLT silencia a respeito da disciplina dos Embargos de Terceiro, o que autoriza a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil no tocante às normas procedimentais. Dessa forma, os embargos de terceiro são, por natureza, uma ação que pode ser ajuizada tanto no processo de conhecimento quanto no de execução, ora se estabelecendo antes do trânsito em julgado da sentença, ora devendo ser ajuizada até 5 dias depois da adjudicação, da alienação por iniciativa particular ou da arrematação, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta (art. 675, CPC).

Nesse sentido, Carlos Bezerra Leite discorre acerca do objetivo dos embargos de terceiro:

“Repousa na proteção da posse ou da propriedade de quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens em decorrência de atos de apreensão judicial, como a penhora, o depósito, o arresto, o sequestro, a alienação judicial, o arrolamento, o inventário ou a partilha. ” (LEITE, p. 2151, 2021)

Neste âmbito, o embargante é indivíduo externo ao processo, que pretende fornecer resposta jurídica à possibilidade de ter seus bens indevidamente envolvidos em constrição judicial, visando a proteção ou a restituição de sua posse.

Ademais, trata-se não apenas de mecanismo de defesa contra ameaça à propriedade, como também da proteção de bens que tenham direito incompatível com o ato constritivo, podendo requerer seu desfazimento, conforme previsão do art. 674, do CPC.

Quanto à legitimidade ativa, considera-se terceiro para ajuizamento da ação:

“I – o cônjuge ou companheiro, quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação, ressalvado o disposto no art. 843;

II – o adquirente de bens cuja constrição decorreu de decisão que declara a ineficácia da alienação realizada em fraude à execução;

III – quem sofre constrição judicial de seus bens por força de desconsideração da personalidade jurídica, de cujo incidente não fez parte;

IV – o credor com garantia real para obstar expropriação judicial do objeto de direito real de garantia, caso não tenha sido intimado, nos termos legais dos atos expropriatórios respectivos. ” (CPC, art. 674, § 2)

Por outro lado, não são configurados como terceiros os sócios de empresa que se encontra em juízo, já que podem ser responsabilizados, por meio da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, em situação onde a empresa executada não for detentora de bens passíveis de execução. Nesse sentido:

DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO. EMBARGOS DE TERCEIRO. SÓCIO. ILEGITIMIDADE. O sócio que figura no polo passivo da relação processual na qualidade de devedor não se pode considerar terceiro, não lhe sendo lícito, portanto, manejar a ação prevista no art. 1.072 do CPC (TRT-1, AP 00000096720155010491, Rel. Des. Dalva Amelia de Oliveira, 8ª T., DEJT 7-12-2016).

Entretanto, foi instaurada certa divergência entre tribunais, uma vez que o TST possui jurisprudência destoante quanto à legitimidade do sócio como terceiro na relação:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. EMBARGOS DE TERCEIRO. SÓCIO DA EMPRESA EXECUTADA. LEGITIMIDADE ATIVA. O presente agravo de instrumento merece provimento, com consequente processamento do recurso de revista, haja vista que o terceiro embargante logrou demonstrar possível violação do art. 5-, LV, da CF. Agravo de instrumento conhecido e provido. B) RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. EMBARGOS DE TERCEIRO. SÓCIO DA EMPRESA EXECUTADA. LEGITIMIDADE ATIVA. O Tribunal Regional consignou que o terceiro embargante foi incluído no polo passivo da lide, na fase de execução, em razão da desconsideração da personalidade jurídica para alcançar o patrimônio do sócio da empresa executada. Não obstante, entendeu que o agravante não ostenta a qualidade de terceiro, uma vez que é parte no processo em que ocorreu a constrição de seu patrimônio, razão pela qual deveria apresentar embargos à execução. Assim, reputou correta a sentença que declarou a ilegitimidade ativa do terceiro embargante. Entretanto, não se pode impedir que o agravante utilize os embargos de terceiro, para defender seu patrimônio, sobretudo diante da norma inserta no art. 674, § 2-, III, do NCPC, garantindo-lhe o exercício do contraditório e da ampla defesa, a fim de que possa comprovar a sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da execução e, consequentemente, para responder pelo débito exequendo. Recurso de revista conhecido e provido (TST-RR 1482-74.2017.5.10.0004, 8ª T., Rel. Min. Dora Maria da Costa, DEJT 31-5-2019).

Consta no CPC, ainda, em seu artigo 676, que “os embargos serão distribuídos por dependência ao juízo que ordenou a constrição e autuados em apartado”, sendo absoluta e improrrogável a prevenção do juízo, por se tratar de competência funcional, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal consignado no seguinte acórdão:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EMBARGOS DE TERCEIRO. USUCAPIÃO. COMPETÊNCIA ABSOLUTA.

1. A reunião de ações, em virtude de conexão, não se mostra possível quando implicar alteração de competência absoluta.

2. O foro competente para a ação de usucapião de bem imóvel será sempre o da situação da coisa (art. 95 do CPC/1973 e art. 57 do CPC/2015), configurando hipótese de competência material, portanto, absoluta e improrrogável.

3. A competência para julgamento dos embargos de terceiro é do juiz que determinou a constrição na ação principal, nos termos do art.1.049 do CPC/1973 (art. 676 do CPC/2015), de modo que, por se tratar de hipótese de competência funcional, é também absoluta e improrrogável.

4. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo suscitado. (STF, CC 142.849/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/03/2017, DJe 11/04/2017)

Nessa conjuntura, o mesmo artigo retrata em seu parágrafo único que “  nos casos de ato de constrição realizado por carta, os embargos serão oferecidos no juízo deprecado, salvo se indicado pelo juízo deprecante o bem constrito ou se já devolvida a carta”, ou seja, caso a carta já contenha o próprio ato de constrição, os embargos serão realizados no juízo deprecado, exceto se o bem constrito for indicado pelo juízo deprecante ou se a carta já tiver sido devolvida.

Na petição inicial constará a prova sumária da posse e da qualidade de terceiro, devendo também ser adicionados ao processo documentos e rol de testemunhas. Além disso, a citação será pessoal, caso o embargado não tenha procurador constituído (LEITE, 2021).

Dessa forma, a decisão que determinar comprovado a posse decretará a suspensão das medidas constritivas sobre os bens em disputa, assim como a manutenção e reintegração da posse, se o embargante assim o pedir, tendo o juiz a opção de condicionar tal ordem à prestação de caução, ressalvada a hipótese do hipossuficiente, conforme o artigo 678 do Código de Processo Civil.

Por fim, o recurso admitido para impugnar sentença emitida em sede de embargos de terceiro é o agravo de petição, ainda que os tribunais tenham recebido o recurso ordinário como agravo de petição em respeito ao princípio da fungibilidade (LEITE, 2021).

5. FRAUDE À EXECUÇÃO

A fraude à execução é matéria disciplinada no art. 792 do Código de Processo Civil. A Consolidação das leis trabalhistas, contudo, não trata especificamente sobre a matéria, mas prevê expressamente a possibilidade de adoção das disposições do direito processual comum atuando, neste caso, como fonte subsidiária ao processo do trabalho, salvo nos casos em que se identifique a incompatibilidade com as normas da seara laboral.

Neste sentido, a subsidiariedade do Código de Processo Civil ao Processo do Trabalho impõe a observância de duas ponderações: a omissão das leis trabalhistas, bem como a convergência entre os preceitos processuais civis e os regulamentos processuais trabalhistas. Tal entendimento é reforçado pelo art. 769 da CLT conjuntamente com o art. 15 do CPC que prevê que “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. ”

Ademais, é importante salientar a aplicabilidade do princípio da responsabilidade patrimonial do devedor, cuja aplicação é também adotada perante a Justiça do Trabalho, considerando que o Código de Processo Civil atribui ao devedor o adimplemento das obrigações com os seus bens presentes e futuros. Nas palavras de Enoque Ribeiro dos Santos e Ricardo Antonio Bittar Hajel Filho (2020) tem-se que:

“A responsabilidade patrimonial traduz as regras que determinam como e quando o patrimônio de alguém responde pelo pagamento de uma obrigação, ficando sujeito à execução. Dessa maneira, temos, como regra geral, que a obrigação deva ser cumprida pelo devedor, que é quem deve responder com os seus bens para o pagamento da dívida. Trata-se da denominada responsabilidade patrimonial primária ou principal. ” (SANTOS, HAJEL, p.1065, 2020)

Portanto, constatando-se quaisquer medidas que provoquem a efusão patrimonial com o objetivo de obstar a execução reputar-se-á fraude à execução, desde que satisfeitos os pressupostos legais do art. 792 do CPC, observemos:

“Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:

I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;

II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;

III – quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;

IV- quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;

V – nos demais casos expressos em lei. ” (BRASIL, 2015)

Face o exposto, depreende-se que tal situação decorre de atos atentatórios ao direito creditório efetuado pelo devedor no curso do processo. Dentre o rol acima elencado podemos citar a alienação ou oneração de bens, de modo a torná-lo insuficiente para o adimplemento da dívida.

Em que pese a existência e validade do negócio jurídico, a constatação da ocorrência de fraude à execução incide na ineficácia do ato em favor do exequente, de modo que serão inexistentes os efeitos ao credor e ao processo. Isto porque a penhora de coisa alienada ou onerada de forma indevida pode acarretar a efetivação como se o executado titular fosse. Ademais, saliente-se que a sua decretação será ex officio pelo juiz, tendo em vista que detém interesse de ordem pública consistente na proteção a jurisdição e a sua efetividade.

A doutrina majoritária se posiciona no sentido de que não há como adotar o inciso I do artigo 792 do CPC ao processo do trabalho, posto que dispõe a respeito de ações baseadas em direito real. Em contrapartida, os incisos II e III tornam-se perfeitamente extensíveis ao ensejo processual trabalhista, diante da omissão da Consolidação das Leis Trabalhistas sobre a matéria.

Nesse sentido, incumbe esclarecer:

“A averbação premonitória (inciso II) presume a má-fé de terceiros que venham a negociar com o devedor, tendo em vista a publicidade que dá acerca da existência de crédito anterior já exigido, caracterizando a fraude, independentemente da existência de qualquer outro requisito. O mesmo ocorre nas situações elencadas no inciso III, posto que a inscrição da hipoteca judiciária, ou de outro ato constritivo da coisa, torna o fato público, impedindo, dessa feita, a alegação de boa-fé por eventual adquirente. ” (SANTOS; HAJEL, p. 1065, 2020)

As situações acima dispostas concernem à bens imóveis sujeitos a averbação e registro no fólio real. Contudo, quando os atos fraudulentos estejam relacionados a bens não submetidos a inscrição/registro, tais como bens móveis, é dever do adquirente a comprovação de sua boa-fé, explicitando o desconhecimento acerca da insolvência do alienante, distanciando a hipótese da fraude à execução.

Destaca-se ainda que a hipótese de maior ocorrência no processo do trabalho consta no inciso IV do artigo supracitado, qual seja, “quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência”. Neste ponto, é necessário auferir o momento no qual se instaurou a demanda judicial pendente. Conforme o entendimento da doutrina majoritária, apenas será considerada fraude à execução se o ato for praticado após a citação válida do réu, posto que somente nesta conjuntura se caracteriza a litispendência.

Entretanto, há quem afirme que a fraude à execução se consolida quando o negócio fraudulento é realizado a partir da propositura da ação, sendo dispensável a citação do réu para sua concretização, tendo em vista que na seara trabalhista não há despacho de recebimento da inicial, bem como a citação não é realizada pela Secretaria da Vara.

Outrossim, o artigo 774 do Código de Processo Civil/2015 revela que a fraude à execução é instituto processual cuja prática incide na consumação de ato atentatório à dignidade da justiça. Isto porque trata-se de engenhosidade do devedor para prejudicar ao credor e à atividade jurisdicional, razão pela qual é destinada a ela tratamento mais rigoroso. Frisa-se que somente configurará ato atentatório a ação desempenhada pelo executado, não alcançando, portanto, a terceiros.

Por fim, a despeito da consagração da fraude à execução como ato à dignidade da justiça preleciona Carlos Henrique Bezerra Leite:

“Vê-se, assim, que ato atentatório à dignidade da justiça constitui gênero que tem como uma de suas espécies a fraude à execução. Tanto num caso quanto noutro, prescreve o art. 774, parágrafo único, do CPC, que o juiz fixará multa em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, a qual será revertida em proveito do exequente, exigível nos próprios autos do processo, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material. ” (BEZERRA LEITE, p. 952, 2021)

6. CONCLUSÃO

Carlos Bezerra Leite (2021, p. 2.109), comentando sobre a diversidade de configurações, aduz que é possível que “[…] não exista no direito processual brasileiro um vocábulo com tantas diversificações de significados como embargos”. As ramificações e possíveis aplicações deste instituto permitem um campo de estudo e análises profícuo, que rende frutos não só a acadêmicos, pesquisadores e especialistas de modo geral, mas servem como forma de afirmação de direitos por parte de magistrados e entes da sociedade, que dele podem se valer em suas dimensões práticas.

No que tange à seara trabalhista, os instrumentos analisados no presente artigo (exceção de pré executividade, impugnação à sentença de liquidação, embargos de terceiros e a fraude à execução) são ferramentas mais que necessárias para assegurar o devido processo legal, principalmente em relação ao direito ao contraditório e à ampla defesa, garantindo igualdade às partes para se manifestar naquilo que julgarem necessário.

Estas instrumentalizações garantem também a continuidade e dinamicidade do processo, permitindo que ao longo do tempo novas configurações sejam inseridas e adaptadas às situações fáticas que exigem a reconsideração do magistrado, o que se pôde perceber em julgados recentes (por exemplo o processo 0010524-39.2014.5.01.0058, 2ª Turma do TRT – 1ª Região), em que a exigência da garantia do juízo como requisito para a interposição de embargo recebeu flexibilização de forma a afirmar os direitos supra mencionados e, acima de tudo, ensejar o funcionamento e constante evolução do processo trabalhista.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, 16 mar. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 4 dez. 2021.

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Como citar e referenciar este artigo:
LEAL, Caetano Coelho Mustafá Pires. Embargos à execução do direito processual do trabalho. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2022. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-trabalho/embargos-a-execucao-do-direito-processual-do-trabalho/ Acesso em: 16 abr. 2024