*Carlos Eduardo Morais e Viviane Scrivani
O Tribunal Superior do Trabalho, em decisão emblemática, alterou entendimento pacificado acerca do critério de atualização das contribuições previdenciárias decorrentes de acordos e sentenças condenatórias de sua competência, definindo, a partir de então, novos parâmetros a serem observados, questão que ensejará calorosa discussão entre os operadores do Direito.
Assim e sem a pretensão de exaurir o tema, cuja controvérsia certamente será endereçada a outras instâncias judiciárias, a discussão aqui travada se presta à análise das razões de decidir e seus efeitos práticos.
Para tanto, é de suma importância rememorar que a competência da Justiça do Trabalho para execução da contribuição previdenciária se deu por meio da Emenda Constitucional n.º 20, de 15 de dezembro de 1998, que modificou o disposto no §3º do art. 114 da CF/88.
Regulamentando essa alteração, foi editada a Lei n. 10.035, de 25 de outubro de 2000, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT[1], para estabelecer os procedimentos, no âmbito da Justiça do Trabalho, da execução das contribuições devidas à Previdência Social, tal como se depreende pelo art. 889-A da CLT, quanto à matéria, salvo em sua omissão, quando aplicar-se-ia a Lei n.º 6.830, de 22 de setembro de 1980.
Atualmente, a matéria encontra disciplina no inciso VIII do art. 114 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional n.º 45 de 2004, segundo o qual, “compete à Justiça do Trabalho processar e julgar a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, “a”, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir”, cujo escopo é arrecadatório.
As execuções daquelas contribuições sempre observou o regramento do caput do art. 276 do Decreto-Lei 3.048/99, que estabelece o marco inicial de exigibilidade para efeitos de atualização por juros e correção monetária, sendo este, pois, o dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença.
Ocorre, porém, que a partir da Medida Provisória n.º 449/2008, convertida na Lei n.º 11.941/2009, incluiu-se o parágrafo 2º no art. 43, da Lei n.º 8.212, de 24 de julho de 1991[2], a fim de considerar ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço.
Não obstante, o Tribunal Superior do Trabalho vinha mantendo o parâmetro legal anteriormente adotado, afastando a alteração promovida em 2009, ao argumento de que a Constitucional Federal, no seu art. 195, inciso I, alínea “a”, já o definira.
O posicionamento predominante, como dito, foi radicalmente modificado pelo Pleno do Tribunal Superior do Trabalho por meio do julgamento proferido nos autos do processo n.º E-RR-1125-36.2010.5.06.0171, oportunidade em que se conferiu aplicabilidade ao art. 43, com redação dada pela Lei n.º 11.941/2009.
Isso porque, para o julgado em exame, o fato gerador da contribuição previdenciária está no âmbito de atribuições estampadas na legislação infraconstitucional, vez que o art. 195 da Constituição Federal tão somente traçou regras gerais quanto às fontes de custeio da seguridade social, inexistindo óbice para a fixação de fato gerador por lei ordinária, o que torna válida a alteração procedida nos idos de 2009.
Considerando esses contornos, depreende-se que os valores devidos a título de contribuição social são exigíveis desde a prestação de serviços pelo trabalhador, restrita, porém, às hipóteses em que esta se deu a partir de 05.03.2009, ou seja, 90 dias após a publicação da Medida Provisória n.º 449/2008, em observância ao Princípio da Anterioridade, previsto no art. 150, inciso III, alínea “c” da Constituição Federal.
Ressalva se operou quanto à multa devida pelo atraso, pois, tratando-se de penalidade destinada ao cumprimento da obrigação, não retroagirá à prestação de serviços, sendo devida apenas quando findo o prazo para pagamento.
A controvérsia que ainda paira sobre o julgado é pujante e refletirá na forma de condução de processos ainda em trâmite nas instâncias ordinárias, especialmente porque entre os argumentos daqueles que põem contrários ao posicionamento do TST há arguição de violação do art. 146, inciso III da Constituição Federal, cuja redação atribui à Lei Complementar o trato das questões envolvendo matéria tributária, o que não se amolda à espécie de lei (ordinária) conformada em 2009, sugerindo inconstitucionalidade desta para alterar fato gerador tributário.
Aos defensores dessa corrente não se pode admitir, por lei infraconstitucional, a ampliação de norma constitucional (art. 195, da Constituição), que carrega em seu bojo a exata definição do fato gerador.
Não fossem suficientes tais razões de divergência, a Ministra Maria Cristina Peduzzi, ao relatar voto divergente, obtemperou que a alteração torna controvertida a própria competência material da Justiça do Trabalho naquilo que concerne às contribuições previdenciárias, eis que o inciso VIII do art. 114, da Constituição trata, especificamente, de decisões por ela, Justiça do Trabalho, proferidas, o que não ocorre com a modificação levada a efeito, já que é anterior e autônoma à sentença.
De outro lado, o Ministro Aloysio Corrêa da Veiga leciona que o fato gerador surge do crédito que, a teor do art. 195, inciso I, alínea a, da Constituição Federal, se consuma com o pagamento disponibilizado por meio de instituição financeira. Logo, a base de cálculo do fato gerador tributário remontará à prestação de serviços, porém, sem inocorrência de multa.
Pondera-se, na contramão dos fundamentos eleitos no voto relator e, amparado na dicção do art. 116 do Código Tributário Nacional, que as contribuições previdenciárias são devidas a partir da constituição da obrigação que, na seara trabalhista, se dá com o trânsito em julgado da sentença de liquidação ou, se o caso, da sentença que homologa o acordo judicial.
Nesse passo e como obtempera o Ministro Maurício Godinho Delgado em acórdão[3] de sua relatoria, “a redação do parágrafo 2º da Lei n.º 8.212/91 que “considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação de serviços”, deve ser interpretada sistemática e harmonicamente com os preceitos legais citados, notadamente porque o Código Tributário Nacional estabelece textualmente no inciso II do art. 116 que: “tratando-se da situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável”.
Ancorando-se nessas premissas, a conclusão que se impõe é de impossibilidade de dissociação entre exigibilidade da obrigação principal e do crédito previdenciário, já que o segundo é parcela acessória que não se comunica com a prestação de serviços, tampouco ostenta finalidade determinante do fato gerador.
Acresça-se que o artigo 150, inciso IV da Constituição Federal, expressamente veda a utilização do tributo como confisco, de modo que seu valor deve ser razoável e em total convergência com capacidade contributiva do sujeito passivo.
Adotando-se a prestação de serviços como marco inicial das contribuições previdenciárias, inflige-se ao devedor o cômputo de juros antes da exigibilidade da obrigação principal, importando, via reflexa, em execução de créditos acessórios, muitas vezes ou em todas elas, superiores ao crédito trabalhista (verba principal).
Como já sustentado, a decisão reclama análise profunda e sistêmica da legislação que regulamenta a matéria, o que poderá ocorrer por meio de provocação do Supremo Tribunal Federal, dados os contornos constitucionais que a embalam.
Naquilo que toca aos reflexos práticos, o cenário que se conforma não agradará empresas que figuram como devedoras em ações trabalhistas, principalmente pela implementação significativa do valor devido ao final da ação, eis que elas serão responsabilizadas pelos encargos devidos em razão do atraso no seu pagamento.
A repercussão para o setor empresário é negativa, o que se soma às atuais discussões vivenciadas com a mudança dos índice de atualização de créditos trabalhistas para IPCA-E[4], tudo, formatado em um cenário econômico e político instável que rende à população redução de postos de trabalho, demora na solução de conflitos levados ao judiciário, inadimplementos contumazes, recuperações judiciais e falências.
*Carlos Eduardo Morais e Viviane Scrivani são advogados associados à área Trabalhista em Trench, Rossi e Watanabe
[1] Aprovada pelo Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943.
[2] Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências.
[3] Processo n.º 159540-21.2007.5.02.0079.
[4] Decisão com efeito suspenso em razão de liminar do STF.