Direito Sucessório

Antecipação de herança: é possível?

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Laísa Santos

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A morte, assim como tudo o que patrulha ao seu redor, continua sendo um grande tabu para a maioria das famílias brasileiras.

Diante destes entraves, muitas pessoas buscam realizar espécies de planejamentos sucessórios sem, contudo, atentar-se a diversas peculiaridades e regras impostas pela legislação. Com o falecimento do detentor do patrimônio, disputas judiciais se alongam por anos a fio nos tribunais e os herdeiros veem, diuturnamente, o patrimônio se esvair.

Para tentar mitigar este tipo de situação, é importante ter em mente que o direito de herança somente se materializará por ocasião do falecimento do seu autor, tendo os herdeiros a mera perspectiva relativa àquele acervo patrimonial.

Inclusive, a legislação expressamente prevê que não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva – conhecido no âmbito jurídico como pacta corvina. Assim, não é possível que se antecipe a herança.

Explicando melhor, um filho não pode celebrar contrato de adiantamento de herança de um bem que pertença ao patrimônio do seu pai, com a justificativa de que o bem lhe será destinado futuramente em herança. Um contrato desta natureza é considerado nulo perante o Direito.

Contudo, desponta como um instrumento jurídico do planejamento sucessório e patrimonial, desconhecido pelo público em geral, a chamada partilha em vida (que não se confunde com antecipação de herança). Embora ainda pouco conhecida pelos grupos familiares, ela ostenta um grande potencial para instrumentalizar um bom planejamento sucessório e, consequentemente, fazer com que as vontades do titular do patrimônio sejam devidamente atendidas.

Partilha em vida: o que é?

A partilha em vida é um ato de vontade, inerente ao exercício da autonomia privada e à liberdade, direito fundamental cuja inviolabilidade é assegurada por meio da Constituição Federal.

Diferentemente do contrato de doação, a partilha em vida é um ato definitivo e consumado. Por força deste instrumento, os bens se transferem imediata e irrevogavelmente aos beneficiados, que assumem a sua titularidade, sem a obrigação de trazê-los no momento do falecimento.

Em outras palavras, a partilha em vida é considerada um mecanismo que possibilita ao detentor do patrimônio transmitir, de imediato, por meio de escritura pública lavrada em um tabelionato de notas, a transferência em vida da totalidade ou de parte dos bens detidos a seus herdeiros necessários (ascendentes, descendentes e cônjuges), desburocratizando e facilitando a sucessão dos bens da família. Essa prática dispensa a elaboração futura de um testamento e, a depender da situação, até a abertura de um processo de inventário.

O ascendente, ao transmitir os bens, opera sua transmissão definitiva (posse e propriedade) aos beneficiários. Nesses termos, também diferentemente da doação, a partilha em vida não pode ser condicional, nem onerosa. Aquele que partilha em vida não tem a intenção de fazer uma liberalidade, mas de demitir de si a posse e o domínio dos bens, ou seja, de renunciar a esses bens, ao seu bel-prazer.

Em consequência, se um dos novos titulares falece antes do ascendente que transmitiu, os bens recebidos na partilha se transmitem aos seus sucessores (aos netos e/ou genros/noras da pessoa que transmitiu o patrimônio aos descendentes).

Recomenda-se, inclusive, que todos os herdeiros necessários participem da partilha em vida em igualdade de condições, como forma de assegurar a legítima (porção da herança reservada para os herdeiros necessários) de cada um. Isto porque, caso algum dos herdeiros necessários seja lesado na porção da legítima da herança que lhe cabia, a divisão dos ativos deverá ser obrigatoriamente corrigida em processo de inventário.

Se outros bens surgirem até a morte do disponente, serão objeto de inventário e nova partilha em igualdade de condições entre os herdeiros, salvo se disposto de maneira diversa em testamento.

Características da partilha em vida

A partir do que foi brevemente exposto acima, é possível delimitar as principais características que permitem identificar e qualificar a partilha em vida.

Convém destacar que devem ser objetos da partilha em vida apenas bens atuais, com a exclusão de futuros, que poderão ser objeto de novas partilhas.

Caso não existam outros bens, há dispensa da realização de inventário, por não se justificar em relação ao patrimônio que já não mais se encontra no acervo do autor da herança quando do seu falecimento. Assim, os bens recebidos na partilha passaram a integrar imediata e definitivamente o patrimônio dos beneficiados, de forma que, caso eventualmente venham a falecer, estes bens passarão a seus próprios descendentes.

Destaca-se, ainda, que a partilha em vida é considerada irrevogável. Todavia, passível de invalidação, como qualquer negócio jurídico, eis que sua validade depende de que não se prejudiquem as legítimas dos demais e eventuais herdeiros necessários que não tenham participado do ato, assim como de que a vontade do autor da herança tenha sido declarada sem quaisquer vícios (erro, dolo ou coação, por exemplo).

Partilha em vida como instrumento do planejamento sucessório

São inúmeros os instrumentos jurídicos capazes de promover um planejamento patrimonial e sucessório, que podem ser utilizados com o objetivo de transmitir o patrimônio via causa mortis ou por negócio inter vivos, com eficácia diferida após a morte ou imediata.

Neste cenário, a partilha em vida se apresenta como um importante instrumento de natureza inter vivos, com eficácia imediata para fins de planejamento sucessório. Os bens, objetos desta partilha, se respeitada a legítima, não se sujeitarão ao procedimento de inventário, diminuindo, assim, os gastos com eventuais taxas, tributos, emolumentos ou custas do Poder Judiciário, bem como evitando intensas e longas discussões dos herdeiros, preservando, assim, o patrimônio da família.

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Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/antecipacao-de-heranca/

Como citar e referenciar este artigo:
SANTOS, Laísa. Antecipação de herança: é possível?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2022. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-sucessorio/antecipacao-de-heranca-e-possivel/ Acesso em: 29 mar. 2024