INTRODUÇÃO
O Presidente da República, Jair Bolsonaro, recentemente, pediu a seus apoiadores para procurarem algum jeito de entrar em hospitais públicos durante a pandemia do coronavírus. A intenção do chefe do executivo é de provar que os dados sobre os pacientes estão sendo manipulados para atingir o eu governo. Em razão disso, um grupo de apoiadores do atual governo entrou em um hospital na cidade do Rio de Janeiro, provocando confusões, gritando e danificando aparelhos. O grupo questionava sobre a morte de um parente, que havia falecido com suspeita de Covid-19. Porém, é necessário salientar que existem tipos penais que podem condenar os possíveis atos realizados por Bolsonaro, diante do incentivo ao descumprimento de normas vigentes.
1 – DO INCENTIVO A ENTRADA EM LEITOS
No último dia 11/06, o Presidente Jair Bolsonaro, pediu para que seus apoiadores “arranjem” um jeito de entrar em hospitais públicos que estejam atendendo pacientes vítimas do coronavírus, para filmar o interior do local, sob uma possível ideia de que os números de infectados estariam sendo inflados para prejudicar o seu governo. O chefe do executivo afirmou que[1]:
“— Seria bom você fazer… na ponta da linha, se tem um hospital de campanha perto de você, se tem um hospital público… arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tem feito isso, mas mais gente tem que fazer pra mostrar se os leitos estão ocupados ou não. Se os gastos são compatíveis ou não. Isso ajuda. Tudo o que chega para mim nas redes sociais a gente faz um filtro e eu encaminho para a Polícia Federal ou Abin (Agência Brasileira de Inteligência). ”
2 – DA INVASÃO POR APOIADORES DO GOVERNO
Um dia após o Presidente da República solicitar a seus apoiadores que entrem em hospitais e filmem leitos, um grupo de pessoas invadiu um hospital no Rio de Janeiro, no último dia 12/06. De acordo com o informado por profissionais, o grupo teria gritado, chutado portas e danificado equipamentos. O médico Alex Telles, que trabalha no referido hospital, afirmou que o grupo questionava a morte de um parente. Telles afirmou que[2]:
“– No final da manhã, um grupo de familiares ingressou no hospital, e eles não poderiam subir até o quinto andar, já que os familiares estão sendo atendidos no térreo. É uma área só com pacientes com Covid-19, com risco biológico 3. Eles entraram de maneira muito agressiva, porque uma familiar foi a óbito e eles não aceitavam a situação, diziam que a mãe estava bem ontem (quinta-feira) e perguntavam como ela morreu hoje. Infelizmente, é uma doença que tem um curso muito rápido. “
3 – DA INFRAÇÃO DE MEDIDA SANITÁRIA
Violar determinação da Administração Pública para frear contágio de doença contagiosa é crime especificado pelo artigo 268 do Código Penal. Logo, a infração vale para qualquer lei, decreto, portaria ou resolução que tenha o intuito de preservar a saúde pública, conforme especifica o Código Penal:
“Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:
Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa. ”
O doutrinador Cleber Masson destaca os núcleos do tipo e da consumação:
“O núcleo do tipo é “infringir”, no sentido de violar, transgredir, desrespeitar determinação do poder público, destinada a impedir a introdução (ingresso ou entrada) ou propagação (disseminação ou difusão) da doença contagiosa, compreendida como toda moléstia capaz de ser transmitida de uma pessoa a outra mediante contato direto ou indireto.
A infração de medida sanitária preventiva é crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado. Consuma-se com a violação da determinação do poder público, pouco importando venha a doença contagiosa a ser efetivamente introduzida ou propagada. Basta, portanto, a possibilidade de introdução ou propagação da moléstia contagiosa(Masson 2018, Pág 375)”.
Assim, também e preceituado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:
“…eis que o crime em questão é de mera conduta, bastando que haja o descumprimento da “determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, tanto que a rubrica do crime é “infração de medida sanitária preventiva”.
Diante do exposto, considerando que o conjunto probatório constante nos autos é suficiente para ensejar a condenação do réu e que a pena corporal já foi estabelecida no mínimo legal, sendo substituída por prestação pecuniária, deve a sentença permanecer intacta[3]. ”
4 – DA INCITAÇÃO AO CRIME
O artigo 286 do nosso estatuto repressivo traz em seu artigo 286 o delito de incitação ao crime. É estabelecido como um delito que viola a paz pública, bastando o incentivo da prática de um delito para a paz pública se encontrar em perigo, assim, o referido artigo assegura o sentimento coletivo de paz. Dessa maneira, o referido artigo determina que:
“Art. 286 – Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa. “
Masson trata dos núcleos do tipo da prática delituosa:
“O núcleo do tipo é “incitar”, no sentido de estimular, incentivar publicamente a prática de crime, imediatamente ou no futuro.
A palavra “crime” foi utilizada em sentido técnico, motivo pelo qual não se caracteriza o delito na hipótese de incitação, embora pública, de contravenção penal (exemplo: incitar pessoas ao jogo do bicho) ou de atos meramente imorais (exemplo: incitar pessoas ao ócio).
A incitação deve relacionar-se com a prática de crime determinado, embora não se exija a indicação dos meios de execução a serem empregados ou as vítimas dos delitos a serem perpetrados. Exemplo: “A” circula em via pública com um carro de som estimulando as pessoas a roubarem os bancos para quitarem suas dívidas. Em síntese, não se admite a incitação genérica ao cometimento de crimes.
Como o tipo penal contém a elementar “publicamente”, é necessário que a incitação ao crime atinja um número indeterminado de pessoas, pois só assim é possível falar em crime contra a “paz pública”. Admite-se, excepcionalmente, o incitamento a uma única pessoa, desde que seja percebido ou no mínimo perceptível por número indefinido de pessoas. A residência particular não pode ser compreendida como local público, ainda que em seu interior encontrem-se diversas pessoas. Igual raciocínio se aplica aos pequenos estabelecimentos comerciais. “ (Masson 2018, Pág 456)
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal esclarece que o crime consuma-se independente de seu resultado, bastando apenas o incentivo para a prática delituosa:
“JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. DIREITO PENAL. DELITO DE INCITAÇÃO AO CRIME (ART. 286 DO CP). REJEIÇÃO LIMINAR DA DENÚNCIA SOB A ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. CRIME FORMAL. TIPICIDADE PRESENTE. JURISPRUDÊNCIA DO STF. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA ANULAR A DECISÃO, DETERMINANDO O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. 1. A conduta de incitação ao crime prevista no art. 286 do CP é crime formal, de perigo abstrato, consumando-se independentemente do seu resultado naturalístico. A influência psíquica do agente consiste no induzimento que se concretiza em fazer surgir em terceiros um propósito criminoso que anteriormente não existia ou reforçar-lhes propósito existente. O tipo penal ao art. 286 do Código Penal alcança qualquer conduta apta a provocar ou a reforçar a intenção de prática criminosa[4]. “
5 – CONCLUSÃO
É possível observar que, os artigos 268 e 286 do Código Penal estabelecem de maneira clara os delitos de infração de medida sanitária e incitação ao crime. Logo, no crime previsto no artigo 268, não importa se a doença será propagada ou não, apenas o ato de violar norma do Poder Público para conter avanço de doença já caracteriza a conduta criminosa. No delito estabelecido pelo artigo 286, ocorre semelhante, pois conforme é estabelecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, apenas com a incitação já ocorre o crime, não necessitando do resultado.
Contudo, o ocorrido com os apoiadores do Presidente da República evidencia uma possível prática delituosa, no momento em que o chefe do executivo incentiva seus seguidores a descumprir normas de sanitárias estabelecidas pelos estados brasileiros, em razão da Covid-19. Em se tratando dos apoiadores de Bolsonaro, o crime que pode ter ocorrido se encaixa no próprio estabelecido no artigo 286, na violação de norma da Administração Pública para a contenção do coronavírus. Assim sendo, cabe ao Procurador Geral da República investigar as possíveis práticas delituosas realizadas pelo Presidente da República, e ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, o ocorrido em seu estado.
Referências
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. s.d.
Masson, Cleber. Direito penal: parte especial: arts. 213 a 359-H. São Paulo: Método, 2018.
TJ-DF : 0010744-20.2016.8.07.0003/DF 0010744-20.2016.8.07.0003 – 2ª TURMA RECURSAL – 26 de Julho de 2017 – JOÃO FISCHER. (s.d.).
TJ-PR – APL 12663146 PR 1266314-6 – 2ª Câmara Criminal – 26 de Fevereiro de 2015 – José Carlos Dalacqua. s.d.
Autor:
Pedro Vitor Serodio de Abreu: Acadêmico em Direito pela Universidade Estácio de Sá, Ex-estagiário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, auxiliar jurídico na área do Direito Empresarial, Família, Sucessões, Consumidor e Previdenciário no escritório CAS Assessoria Jurídica. Formação complementar em Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Senado Federal, Negociação pela Universidade Estadual do Maranhão, Gestão das Finanças Públicas pela Organização das Nações Unidas e Conselhos de Direitos Humanos pela Escola Nacional de Administração Pública.
[3] (TJ-PR – APL 12663146 PR 1266314-6 – 2ª Câmara Criminal – 26 de Fevereiro de 2015 – José Carlos Dalacqua s.d.)
[4] (TJ-DF : 0010744-20.2016.8.07.0003/DF 0010744-20.2016.8.07.0003 – 2ª TURMA RECURSAL – 26 de Julho de 2017 – JOÃO FISCHER s.d.)