Direito de Família

Abandono afetivo: entenda o que diz a lei

O que é abandono afetivo?

Na atualidade, as relações familiares passaram a ser conceituadas em torno da afetividade. Sendo assim, a atuação dos pais dentro da formação e do desenvolvimento psicossocial, físico e moral deve unir o processo educativo através do estreitamento dos laços afetivos.

Nesse sentido, o abandono afetivo consiste na omissãopaterna/materna ao dever legalde guarda, educação e sustento, bem como a negligência a assistência emocional e afetiva aos filhos. Além disso, o abandono afetivo pode ser praticado em um contexto inverso, na situação em que os filhos possuem atitudes negligentes para com os pais idosos, ausentando-se das responsabilidades de cuidado, tal como previsto no art. 229 da Constituição Federal[1], nomeado de abandono afetivo inverso.

O que a lei diz sobre o abandono afetivo

Em princípio, é necessário destacar que não existe legislação específica acerca do abandono afetivo, entretanto, é possível observar a existência de novos projetos de lei que discutem sobre o abandono afetivo, dentre outras disposições legais dentro do Código Civil de 2002, da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente diante da temática.

Por meio da Lei nº 8.069/90[1], a qual instituiu o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), estabelece em seu art. 4º como dever da família assegurar a efetivação dos direitos referentes aos elementos intrínsecos a vida e a dignidade humana da criança e do adolescente.[2]

Além disso, explícita nos artigos 7º e 19º, como direito fundamental da criança e do adolescente o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência, assegurando a criação e educação destes no âmbito familiar.

A Constituição Federal de 1988 também aborda sobre o tema, quando reafirma o dever que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

No mesmo sentido, o art. 1634 do Código Civil de 2002 estabelece quais são os deveres dos pais em relação aos filhos, bem como o exercício do poder familiar.

Consequências do abandono afetivo

A presença dos pais durante a infanto juventude é comprovadamente essencial para o desenvolvimento saudável, produzindo consequências que se estendem a vida adulta. A falta de afetividade na infância produz danos irreparáveis, comprometendo sua concepção neurológica e, consequentemente, influenciando nas condutas praticadas.

Dentre as inúmeras consequências provocadas pelo abandono afetivo, podem ser destacadas:

(i) A falta de referência maternal e/ou paternal;

(ii) O sentimento de rejeição, acarretado através da omissão ou negligência parental;

(iii) Uma menor associação das condutas praticadas aos valores e princípios durante a formação ética e intelectual do infante.

Quais medidas legais podem ser tomadas?

No Código Civil, o art. 1638 prevê que o aquele que deixar o filho em situação de abandono afetivo perderá, por ato judicial, o poder familiar. Dessa forma, aqueles que descumprirem com os seus deveres inerentes à criação dos filhos, estarão sujeitos a perder o poder familiar, ou seja, serão retiradas as prerrogativas de autoridade relacionadas aos filhos.

Além disso, através do entendimento do IBDFAM e da jurisprudência recente, admite-se que os filhos sejam compensados por danos morais psicológicos causados pelas condutas negligentes praticadas pelos genitores. Após identificado o abandono afetivo e evidenciada a negligência dos pais em relação aos filhos, a ação deverá ser proposta a fim de obter a condenação e a consequente compensação.

Em fevereiro de 2022, a 3ª Turma do STJ determinou a indenização por danos morais de R$ 30 mil[2], de um pai à sua filha, em razão do abandono afetivo e as declaradas consequências físicas e psicológicas vivenciadas. A ministra Nancy Andrighi considera que os traumas e prejuízos emocionais decorrentes da parentalidade exercida de modo irresponsável podem ser quantificados e qualificados como qualquer outra espécie de reparação moral indenizável.

Por fim, o Judiciário tem reconhecido a possibilidade da supressão do sobrenome paterno/materno em casos de abandono afetivo. O Recurso Especial julgado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (RESP 1.304.718-SP1) deu provimento à retirada do sobrenome paterno, em razão do abandono afetivo e material. Nesse sentido, o Ministro relator argumenta que o nome é um elemento individualizador da personalidade e, portanto, promove a dignidade da pessoa humana.

Em conclusão[3]

Assim, é possível destacar que o abandono afetivo caracteriza-se não somente pela omissão nos deveres de cuidado, mas também pela negligência emocional e afetiva. Tal prática não deve ser confundida com a alienação parental, outro fenômeno familiar recorrente.

Por fim, em razão das consequências irreparáveis do abandono afetivo, existem duas medidas legalmente possíveis a serem adotadas: a supressão do sobrenome do genitor responsável pelo abandono e ação judicial indenizatória contra o genitor. Em ambos os casos, é recomendável o auxílio de um especialista em Direito de Família.

Thais Pinheiro Fim

 

Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/abandono-afetivo-entenda-o-que-diz-a-lei/

 



[1]Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

[2]Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Como citar e referenciar este artigo:
FIM, Thais Pinheiro. Abandono afetivo: entenda o que diz a lei. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2023. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-de-familia/abandono-afetivo-entenda-o-que-diz-a-lei/ Acesso em: 21 nov. 2024