E a pessoalidade dos gestores públicos
Os séculos se passaram, as cidades foram sofrendo transformações pelas obras públicas. Fotos antigas do Rio de Janeiro, São Paulo, algumas cidades que tiveram grandes transformações arquitetônicas. Cada vez mais, na Selva de Pedra, a natureza e destruída. O lazer tem sido cada vez mais pago.
As praças públicas são deixadas aos cuidados do tempo – o que faz lembrar o seriado O Mundo Sem Ninguém -, sem qualquer preocupação dos administradores públicos. Os grandes feitos dos administradores públicos se comparam às loucuras de Luiz XIV, da França. O Palácio de Versalhes, fruto da vaidade de Luiz, onerou o povo francês. Aos administradores públicos brasileiros, qualquer feito é digno de holofotes, imprensa, propagandas políticas. Contudo, as obras públicas beneficiam grupos humanos, enquanto outros vivem como se estivessem na Idade Média: sem água e esgoto encanados, sem ruas asfaltadas.
São os moradores das periferias, dos morros, dos guetos ao redor dos grandes condomínios de luxo. Quando há obras, sejam por eventos internacionais ou pelas exigências de grupos de classes sociais mais altas, em bairros considerados nobres, os gestores públicos logo resolvem demonstrar suas competências como administradores. Entretanto, os párias são espremidos entre construções de aço e concreto, ou deslocados para áreas sem quaisquer condições de vida digna. Estes deslocamentos compulsórios, em nome do “interesse” coletivo, assentam os párias em locais sem infraestruturas, como transporte público, saneamento, iluminação pública, ou, em muitos casos, com infraestruturas dignas de localidade em guerra, já que as infraestruturas das cidades se encontram destruídas ou sem a mínima condição de atender a população.
Princípio da Impessoalidade
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 1º – A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
A cada nova gestão pública, seja pela eleição ou reeleição, não é incomum escutar “Eu fiz no meu governo!”. Ora, o gestor não faz, pois assim se promove e não respeita o Princípio da Impessoalidade. Logo, é o Estado, por meio dos gestores públicos, ou qualquer pessoa no exercício da atividade administrativa, que atua, concretiza. Pelo que se depreende do § 1º, do art. 37, não pode ter qualquer nome, símbolo ou imagem na publicidade. Vale dizer que até as cores do partido político não podem constar na publicidade, nos símbolos que representam os Órgãos Públicos. Por exemplo, a marca d´água Brasil Um Pais de Todos – Governo Federal. Na época, as cores eram: preta; vermelha, azul, branca, verde e amarela.
Detalhe, na época o presidente da República era Lula, sendo seu partido PT. Coincidência a cor vermelha constar na marca d´água? Como exemplo de pessoalidade cito a AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA [1] por motivo de uso de cores de partido político.
O populismo em nosso país é marca registrada, quase oficializada, se não fosse a mão forte do Estado de Direito a impedir tamanha arbitrariedade dos gestores públicos. A exaltação pessoal mostra que ainda se tem no Brasil uma Democracia não consolidada. Também se vê esta Democracia quando há o “interesse” à coletividade, mas qual coletividade? A cada século, a cada década, os párias permanecem nas mesmas condições de extrema desigualdade social quando se comparam as infraestruturas que possuem com as infraestruturas de classes sociais vivendo em guetos luxuosos, e cada vez mais favorecidos pelos gestores públicos.
Se alguma localidade considerada nobre, pelo motivo de ter IPTU alto para muitos padrões econômicos de brasileiros, ou por que há alta valorização imobiliária, se vê eficiência das concessionárias de serviços públicos, como água, esgoto, luz, e das próprias prefeituras que cobram das concessionárias eficiência. Não é preciso, como acontece nas periferias ou morros, onde moram os párias, reportagens denunciando buracos nas pistas de rolamento, falta de água etc. Logo se estabelece a normalização dos serviços.
Nas periferias e morros, ou os guetos formados em Brasília, por famílias esquecidas pelos gestores públicos, apenas o direito de não incomodarem os moradores dos prédios, das casas cujos IPTUs são caros. Há o direito, aos moradores de rua, de ficarem calados para não serem acusados por desacato, ou, pior, não receberem cassetetes nas costas como advertência de que o Estado age em nome do bem-estar coletivo.
O Brasil vive, ao meu entendimento, uma das fases mais lindas de sua história. A liberdade de pensamento, de imprensa e de expressão permite que todos os cidadãos livres – não condicionados por propagandas políticas, não ferrenhamente condicionados por ideologias partidárias, mas que pensam por si mesmos – possam divergir da secular mesmice que mantém o Brasil no ápice das desigualdades sociais.
Desde 1990, os párias conseguiram, pouco, mas conseguiram, certa qualidade de vida, quando comparando antes das mudanças sociais de 1990. O que tenho notado é mistura de revolta e mudança. Revolta, aos que querem os párias longe, muito longe do convívio com a sociedade histérica e preconceituosa; mudança, pessoas que mesmo estando em posição socioeconômica elevada – se compararmos aos padrões econômicos da grande maioria das famílias brasileiras -, concomitantemente com os párias, ainda encontram obstáculos gigantescos para se manter as desigualdades sociais.
Usam os casos dos Mensaleiros e da Operação Lava Jato como desculpas para suas discriminações aos párias. Consideram os nordestinos como eleitores analfabetos, os negros como oportunistas, por terem direito de ingressarem nas Universidade pela Cota. Ora, se tais afirmativas fossem reais, então o PT usou a secular separação de classes para conseguir poder. Apenas usou do mal para se construir outro mal?
Desde a promulgação da atual Constituição, a de 1988, só houve a contínua e perversa engrenagem ideológica do oportunismo. Diante das potencialidades desde solo pátrio, os párias jamais conseguiram usufruir das potencialidades do solo brasileiro, porém tiveram que se contentar, sobre ponta de baioneta e cassetetes, às migalhas deixadas por grupos darwinistas [social].
Eu votei no PT [primeira eleição de Lula], assim como milhões de brasileiros na época, como possível mudança em nosso país. Mas votei com a seguinte mentalidade: as máscaras caem!
A Direita sempre se disse melhor em tudo, que a Esquerda não passava de corruptos, falsos e sanguinários. A Esquerda, por sua vez, disse que os atrasos sociais eram devido a Direito [darwinista, burguesa]. Ora, o que se vê atualmente no contexto sociopolítico brasileiro, principalmente com as manifestações ocorridas em junho de 2013, é nada de concreto aos preceitos Constitucionais, como normatizados nos arts.3º, 5º e 37 da CF/88.
Direita e Esquerda querem o Poder, brigam entre si por ideologias arcaicas, as quais não cabem mais neste século: o Muro de Berlin não existe mais, assim como o embargo dos EUA à Cuba. Tais grupos políticos brigam entre si para dizer qual é o melhor, contudo, deixam estigmas piores do que as marcas profundas deixadas nos corpos dos ex-escravos pelo ferro em brasa.
As máscaras caíram, tanto da Direita quanto da Esquerda. Ambas lutam para se protegerem, e mostram ao povo que juntas pensam somente neles próprios. Seus interesses são interesses mesquinhos, oportunistas. Quem se lembra da última eleição presidencial? Dilma e Aécio trocaram acusações, ambos, em alguns momentos deram pausas para poderem pensar em alguma resposta convivente. Os outros candidatos esporam suas ideologias partidárias, e tais ideologias estão em desuso no mundo: preconceitos, discriminações aos “diferentes” seres humanos.
No Congresso Nacional, o Estado só é laico na Constituição de Papel. Se os presídios brasileiros têm malfeitores, ladrões e vigaristas, não muito diferente é a situação no Congresso Nacional. Somado tudo, a pátria brasileira é um caldeirão de ideologias retrógradas, consubstanciadas em ódio de diversos matizes. Como mudar? Difícil, mas não impossível. Somente quando houver a ideologia cultural da união, ou melhor: Liberté, Egalité, Fraternité.
Nota:
Sérgio Henrique da Silva Pereira: jornalista, educador, produtor, articulista, palestrante, colunista. Articulista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), ABJ (Associação Brasileira dos Jornalistas), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Fenai/Faibra (Federação Nacional da Imprensa), Investidura – Portal Jurídico, JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Observatório da Imprensa.