Eduardo Martins Pereira[1]
Quem atua no mercado de contratações públicas sabe bem da importância de estar atento às diretrizes estabelecidas pelos Tribunais de Contas. Com a missão de contribuir para o aperfeiçoamento da Administração Pública, os Tribunais de Contas possuem, entre outras atribuições, a competência de fiscalizar os contratos administrativos e até mesmo de aplicar sanções caso constate a ocorrência de irregularidades. Diante disso, evidencia-se o papel de protagonismo assumido por essa instituição no ambiente de negócios com o Poder Público.
Nesse sentido, uma das principais questões a serem conhecidas sobre os Tribunais de Contas são os prazos prescricionais que delimitam a sua atuação. Isso porque, como se sabe, a fiscalização dos contratos e a aplicação de sanções não pode, em regra, se estender indefinidamente no tempo. Deve haver um limite temporal para que os Tribunais de Contas atuem e, ultrapassado esse limite, a adoção de qualquer medida voltada ao ressarcimento ou à aplicação de sanções será impedida pelo instituto da prescrição.
A ideia é que, assim, aqueles que mantêm relações com o Poder Público tenham o mínimo de segurança jurídica e previsibilidade, evitando, por exemplo, o risco de ser surpreendido com a aplicação de uma sanção relativa a uma situação ocorrida muitos anos antes, a respeito da qual, muitas vezes, sequer é possível se defender de modo minimamente adequado em razão do decurso do tempo.
Apesar disso, durante muitos anos, não havia clareza sobre quais eram os limites temporais para a atuação dos Tribunais de Contas, haja vista a inexistência de qualquer previsão legal expressa sobre isso. Para sanar esse problema, em 11 de outubro de 2022, o Tribunal de Contas da União (TCU) publicou a Resolução nº 344, em que se regulamenta a prescrição para a determinação de ressarcimento e a aplicação de sanções em processos de competência deste Tribunal.
A Resolução nº 344, de 11 de outubro de 2022, do TCU
Em síntese, a Resolução nº 344 do TCU reconhece que os prazos prescricionais dos processos em curso neste Tribunal devem observar as regras estabelecidas na Lei Federal nº 9.873/1999. Isso significa, na prática, que as pretensões para a aplicação de sanções e para a determinação de ressarcimento ao erário prescrevem, regra geral, no prazo de cinco anos, contados:
– Da data em que deveria ter ocorrido a prestação de contas, no caso de omissão em relação a esse dever;
– Da data em que a prestação de contas ao órgão competente efetivamente ocorreu;
– Do recebimento de denúncia ou representação pelo TCU ou pelos órgãos de controle interno, nos processos dessa natureza;
– Da data em que se tomou ciência de irregularidade ou dano, quando constatados em fiscalização do TCU, dos órgãos de controle interno ou dos próprios órgãos ou entidades em que ocorreram.
– Do dia em que tiver cessado a permanência ou a continuidade nas irregularidades dessa natureza.
Nada obstante, é possível que, em determinadas situações, esse prazo prescricional seja interrompido, isto é, que ele seja reiniciado. As situações previstas na regulamentação do TCU como marcos interruptivos são:
– Notificação, oitiva, citação ou audiência do responsável, inclusive por edital;
– Qualquer ato inequívoco de apuração do fato;
– Qualquer ato inequívoco de tentativa de solução conciliatória;
– Decisão condenatória recorrível.
Vale reiterar, nesse sentido, que a regulamentação não prevê um número máximo de interrupções na contagem do prazo, o que significa que, na ocorrência das hipóteses listadas acima, o prazo prescricional será sucessivamente reiniciado. Além disso, tratando-se de fatos coincidentes ou que possuam relação com a irregularidade ou dano apurado, mas que estejam em processos diversos, a incidência de marcos interruptivos pode ser aproveitada em ambos os processos.
Também é possível que, durante determinadas situações, o prazo prescricional seja suspenso e, após, retomado do momento em que parou. Segundo a regulamentação do TCU, os prazos prescricionais ficarão suspensos quando:
– Enquanto estiver vigente decisão judicial que determine a suspensão do processo, a paralisação da apuração do dano ou da irregularidade ou que obste a execução de condenação;
– Durante o sobrestamento do processo, desde que não tenha sido provocado pelo TCU, mas por fatos alheios a sua vontade, fundamentadamente demonstrados na decisão que determinar esse sobrestamento;
– Durante o prazo conferido pelo TCU para pagamento de dívida (art. 12, § 2º, da Lei nº 8.443/1992);
– Enquanto estiver ocorrendo o parcelamento de valores ou o desconto parcelado de dívida nos vencimentos, salários ou proventos do responsável;
– No período em que, a juízo do TCU, se justificar a suspensão quanto a fatos abrangidos em Acordo de Leniência, Termo de Cessação de Conduta, Acordo de Não Persecução Cível, Acordo de Não Persecução Penal ou instrumento análogo;
– Sempre que o processo se prolongar por razão imputável unicamente ao responsável.
De mais a mais, para além do prazo prescricional geral, que é de cinco anos, há, também, a modalidade de prescrição intercorrente, que incide quando o processo ficar paralisado por mais de três anos aguardando-se o julgamento ou o despacho pelo TCU. No caso, esse prazo de prescrição intercorrente se interrompe com a ocorrência de qualquer ato que evidencie o andamento regular do processo, excetuados os atos que não interfiram de modo relevante no curso das apurações, como pedidos de vista, juntada de procurações, emissão de certidões, entre outros.
Por fim, a Resolução nº 344 do TCU diz que, muito embora a incidência de prescrição obste a imposição de sanção e de ressarcimento ao erário, nos casos em que a matéria for relevante, ainda assim é possível o julgamento das contas, a adoção de determinações, recomendações ou outras providências destinadas à reorientar a atuação administrativa.
De modo geral, pode-se afirmar que a regulamentação do tema traz maior segurança jurídica e previsibilidade para aqueles que mantêm relações com o Poder Público, assegurando que eventual fiscalização ou aplicação de sanções ocorra dentro de um prazo proporcional, sem prejudicar o exercício das garantias ao contraditório e à ampla defesa.
Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/a-nova-regulamentacao-da-prescricao-no-tcu/
[1] Advogado no escritório Schiefler Advocacia