Gustavo Henrique Carvalho Schiefler[1]
Lucas Hellmann[2]
A Lei nº 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, trouxe inúmeras inovações ao regime de contratações públicas no Brasil, aliadas à positivação em lei de diversas orientações dos órgãos de controle externo, principalmente o Tribunal de Contas da União (TCU), e procedimentos antes encontrados apenas em normas infralegais.
Em artigo anterior, que você encontra aqui, abordamos as principais regras da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos a respeito do processo licitatório. Agora, neste breve texto, você conhecerá as principais mudanças em relação à fase de execução contratual neste novo regime legal.
Neste breve texto, você irá encontrar as principais mudanças da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos relacionadas ao procedimento licitatório.
Novas regras sobre os prazos vigência dos contratos:
Pode-se afirmar que a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos buscou dar especial atenção à fase de execução dos contratos administrativos, completando lacunas e alterando regras anteriores que se mostraram pouco adequadas à dinamicidade das relações negociais modernas.
Uma grande mudança ocorreu em relação ao regime das contratações de serviços contínuos, que, sob a Lei nº 8.666/93, costumam ser celebradas em contratos de 12 meses, prorrogáveis até 60 meses e, excepcionalmente, até 72 meses. Com a Lei nº 14.133/2021, passou-se a se admitir também os contratos de fornecimentos contínuos – ou seja, contratos de longo prazo também para o fornecimento de bens, e não apenas para serviços contínuos.
A NLLCA também simplificou os prazos contratuais: para serviços e fornecimentos contínuos, ou sob regime de fornecimento com prestação de serviço contínuo, ou ainda, para o aluguel de equipamentos e utilização de programas de informática, o prazo inicial máximo é de 5 anos, prorrogáveis até 10 anos (arts. 106 e 107), não havendo necessidade de celebrar por períodos menores, com prorrogações sucessivas.
Ainda em relação a prazos de vigência, para contratos com origem em dispensa de licitação nas áreas de inovação e de transferência de tecnologia de defesa e de saúde, o prazo é de 10 anos (art. 108); para contratos que gerem receitas à Administração e contratos de eficiência (que geram economia), a sua vigência pode chegar a 35 anos (art. 110); já para o contrato que previr a operação continuada de sistemas estruturantes de tecnologia da informação, a vigência máxima poderá ser de 15 anos (art. 114).
Com efeito, para os contratos por escopo, isto é, cujo objeto não é de prestação continuada, a vigência contratual será automaticamente prorrogada quando seu objeto não for concluído no período firmado no contrato (art. 111), hipótese em que, se o atraso ocorrer por culpa do contratado, este responderá pela mora, admitida a opção pela rescisão contratual por parte da Administração. Com isso, resolve-se a antiga polêmica, presente na Lei nº 8666/93, relacionada com os casos em que há a extinção do prazo de vigência antes do término da execução contratual – situação em que, majoritariamente, considera-se que o contrato se encerrou.
Possibilidade de adoção de meios alternativos de prevenção e resolução de disputas (art. 151):
A NLLCA previu expressamente a possibilidade de que o contrato administrativo adote meios alternativos de prevenção e resolução de disputas, especificamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas (popularmente conhecido como dispute board) e a arbitragem.
Além disso, em prestígio à consensualidade e, especialmente, por força do artigo 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), é juridicamente possível, atualmente, que eventuais controvérsias surgidas durante o contrato administrativo sejam resolvidas por meio de uma negociação seguida de acordo, para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa.
Cada meio alternativo de prevenção e resolução de disputas possui aplicabilidade e características próprias, as quais poderão ser oportunamente estudadas de forma aprofundada ao longo da jornada de aprendizado e capacitação em licitações públicas e contratos administrativos.
Possibilidade de antecipação dos efeitos do termo aditivo (art. 132):
A NLLCA inovou significativamente o regime das alterações contratuais ao prever que, em casos de justificada necessidade, a Administração poderá antecipar os efeitos do termo aditivo. Isto significa que o contratado poderá seguir as alterações contratuais determinadas ou pactuadas com a Administração antes mesmo da formalização do termo aditivo. Como limite temporal, nessas circunstâncias, estipulou-se o prazo de 30 dias para a efetiva celebração do termo aditivo.
Esta prática, embora comum no Brasil, é vedada pelo regime da Lei nº 8.666/1993 e sempre foi objeto de controvérsias (como a eventual e posterior negativa da Administração em remunerar o particular, por ter executado antes da formal alteração contratual) e responsabilizações (como sobre os gestores públicos que autorizaram verbalmente a alteração contratual, sem proceder à prévia alteração formal da avença).
Contratação integrada e semi-integrada para obras:
Com o objetivo de consolidar as normas de licitações e contratação em apenas um diploma legal, a Lei nº 14.133/2021 também buscou normatizar a contratação integrada, regime de contratação inaugurado pela Lei nº 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratação), e a contratação semi-integrada, advinda da Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais).
A título explicativo, cabe apontar que nas contratações por empreitada, conhecido como o regime “convencional”, o contratado assume apenas a execução da obra ou serviço de engenharia, tomando por base os projetos básico executivo fornecidos pela Administração na licitação.
Nas contratações integradas, por sua vez, a licitação é feita com base no anteprojeto de engenharia, de forma que o contratado assume a responsabilidade por elaborar e desenvolver os projetos básico e executivo, definindo as soluções que serão adotadas para executar o objeto, além de todas as atividades compreendidas na execução das obras e serviços de engenharia (fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto).
Já nas contratações semi-integradas, o projeto básico é fornecido no instrumento convocatório da licitação, assumindo o particular a responsabilidade pelo projeto executivo e pela execução da obra ou serviço, sendo possível alterar determinados trechos do projeto básico, previamente identificados pela Administração.
Destaca-se que, nas contratações integradas e semi-integradas, o contratado assume os riscos decorrentes de fatos supervenientes à contratação associados às escolhas de soluções nos projetos por ele elaborados ou às alterações por ele sugeridas (art. 22, § 4º).
Novas regras de garantia contratual:
A Lei nº 14.133/2021 passou a admitir a exigência de garantias contratuais em patamares superiores aos que eram previstos na Lei nº 8.666/1993. Agora, nas contratações de obras, serviços e fornecimentos, a garantia poderá ser de até 5% do valor inicial do contrato, autorizada a majoração desse percentual para até 10%, desde que justificada mediante análise da complexidade técnica e dos riscos envolvidos (art. 98). Já nas contratações de obras e serviços de engenharia de grande vulto (com valor estimado superior a R$ 200 milhões), poderá ser exigida a prestação de garantia, na modalidade seguro-garantia, em percentual equivalente a até 30% do valor inicial do contrato (art. 99).
A NLLCA prevê, também, a possibilidade de exigência de seguro-garantia para obras e serviços de engenharia com cláusula de retomada por parte da seguradora (art. 102), hipótese em que a seguradora deve assumir o objeto contratual e concluir, diretamente ou por subcontratação de terceiros, a execução em caso de inadimplência do contratado. Ademais, se o contratado optar pelo seguro-garantia – com ou sem a cláusula de retomada – para garantir a contratação, o edital deverá fixar prazo mínimo de 1 mês, contado da data de homologação da licitação e anterior à assinatura do contrato, para a prestação dessa garantia (art. 96, § 3º).
A inclusão da matriz de riscos nos editais de licitação e contratos:
Entre as inovações do seu extenso rol de dispositivos, a Lei nº 14.133/2021 possibilita que os contratos administrativos para a aquisição de bens e contratação de serviços e obras possam prever uma matriz de alocação de riscos contratuais (art. 22 e art. 103), sendo esta uma cláusula contratual definidora de riscos e de responsabilidades entre as partes, caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação.
Trata-se de instrumento que favorece a eficiência e a segurança jurídica da contratação, estabelecendo, no momento da licitação, os riscos que as partes deverão suportar durante a execução. Assim, na superveniência de qualquer evento que altere as condições de execução do contrato, a matriz de riscos deve ser analisada para se verificar quem é a parte responsável por arcar com as consequências desse evento e se há direito ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato à outra parte.
Destaca-se que a alocação dos riscos entre as partes deve seguir parâmetros de eficiência[3] e, na hipótese de materialização de um evento que não foi previsto da matriz de riscos, permanece aplicável o regime jurídico tradicional da teoria da imprevisão, arcando a Administração com as consequências de eventos caracterizados como força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis (art. 124, II, d).
Embora possa ser adotada em qualquer contratação, a matriz de riscos é obrigatória para os contratos de grande vulto (acima de R$ 200 milhões) e para as contratações integradas e semi-integradas (art. 22, § 3º) e, portanto, facultativa para os demais contratos.
Novas hipóteses de causas da extinção contratual (art. 137):
A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos incluiu novas hipóteses de extinção contratual, não previstas na Lei nº 8.666/1993, quais sejam: a) atraso na obtenção da licença ambiental, ou impossibilidade de obtê-la, ou alteração substancial do anteprojeto que dela resultar, ainda que obtida no prazo previsto; b) atraso na liberação das áreas sujeitas a desapropriação, a desocupação ou a servidão administrativa, ou impossibilidade de liberação dessas áreas; e c) não cumprimento das obrigações relativas à reserva de cargos prevista em lei, bem como em outras normas específicas, para pessoa com deficiência, para reabilitado da Previdência Social ou para aprendiz.
Tais hipóteses somam-se às outras seis previstas no caput do artigo 137, quando a causa para a rescisão contratual é atribuível ao contratado ou por interesse público, e àquelas estabelecidas no parágrafo segundo do mesmo artigo 137, quando a rescisão contratual passa a ser um direito do particular face a alguma conduta atribuível ao órgão contratante – neste tema, destaca-se a possibilidade de suspensão ou extinção do contrato por iniciativa do particular na hipótese de inadimplência da Administração por mais de 2 meses (art. 137, IV, e § 3º, II).
Já o artigo 147 da Lei nº 14.133/2021 prevê a declaração de nulidade do contrato em decorrência de alguma irregularidade constatada no procedimento licitatório ou na execução contratual. Tal previsão já era encontrada na Lei nº 8.666/1993, no entanto, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos inovou ao prever que a declaração de nulidade só deve ocorrer caso não seja possível o saneamento da irregularidade constatada e, mesmo em caso de vício insanável, deve ser precedida de uma criteriosa análise sobre diversos aspectos elencados exemplificativamente nos incisos do caput do artigo 147:
1. impactos econômicos e financeiros e decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato;
2. riscos sociais, ambientais e à segurança da população local decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato;
3. motivação social e ambiental do contrato;
4. custo da deterioração ou da perda das parcelas executadas;
5. despesa necessária à preservação das instalações e dos serviços já executados;
6. despesa inerente à desmobilização e ao posterior retorno às atividades;
7. medidas efetivamente adotadas pelo titular do órgão ou entidade para o saneamento dos indícios de irregularidades apontados;
8. custo total e estágio de execução física e financeira dos contratos, dos convênios, das obras ou das parcelas envolvidas;
9. fechamento de postos de trabalho diretos e indiretos em razão da paralisação;
10. custo para realização de nova licitação ou celebração de novo contrato;
11. custo de oportunidade do capital durante o período de paralisação.
Possibilidade de estabelecer remuneração variável (art. 144):
Na contratação de obras, fornecimentos e serviços, inclusive de engenharia, poderá ser estabelecida remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazos de entrega definidos no edital de licitação e no contrato. Quando o objeto do contrato visar à implantação de processo de racionalização de despesas, o pagamento poderá ser ajustado em base percentual sobre o valor economizado (art. 144, § 1º).
Novas regras relacionadas à implantação de programas de integridade:
A NLLCA estabelece a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade (compliance) pelo licitante vencedor em serviços e fornecimentos de grande vulto (acima de R$ 200 milhões), em até seis meses da celebração do contrato (art. 25, § 4º). Além disso, a existência de um programa de integridade é o quarto critério de desempate entre propostas na fase de julgamento da licitação (art. 60, IV) e deve ser considerada, como atenuante, na dosimetria da pena quando da aplicação de sanções administrativas (art. 155, § 1º, V).
Maior flexibilidade para as Atas de Registro de Preços:
Por fim, no que tange ao Sistema de Registro de Preços, a NLLCA trouxe a possibilidade de prorrogação da ata de registro de preços por mais 1 ano após o seu aniversário (art. 84), além de prever expressamente a possibilidade da adesão à ata de registro de preços (o “carona”) (art. 82, VIII) e da sua utilização para para a contratação de bens e serviços, inclusive de obras e serviços de engenharia (art. 82, § 5º).
Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/principais-mudancas-nova-lei-de-licitacoes-14133-contratos-administrativos/
[1] Advogado – Schiefler Advocacia
[2] Advogado – Schiefler Advocacia
[3] O advogado Lucas Hellmann, em Trabalho de Conclusão de Concurso de Graduação em Direito (UFSC), abordou os parâmetros metodológicos a serem observados na construção da matriz de riscos de contratos administrativos regidos pela Lei nº 14.133/2021. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/228676. Acesso em: 21 mar. 2022.