Gustavo Schiefler[1]
Lucas Hellmann[2]
Em 1º de abril de 2021 foi sancionada a Lei nº 14.133, que instituiu a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLCA), substituindo e unificando a matéria tratada em diversas leis editadas nas últimas três décadas sobre contratação pelo Poder Público, sendo aplicada à Administração Pública direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios – excetuando-se, portanto, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, regidas pela Lei nº 13.303/2016.
Esta nova legislação parte de um diagnóstico de que a Lei nº 8.666/1993 – até então o principal diploma normativo sobre licitações no País – e as demais normas que gravitam no seu entorno possuem uma defasagem sistêmica e são, por vezes, incompatíveis com o desenvolvimento tecnológico e com a dinâmica contemporânea das relações contratuais com a Administração Pública.
Neste sentido, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, embora longe de propor uma revolução para a forma como o Estado compra, ou de inaugurar um sistema completamente novo de contratação pública, apresenta uma espécie de aperfeiçoamento minucioso sobre o regime jurídico anterior, com diversas soluções e inovações que merecem a atenta análise por aqueles que pretendem estabelecer relações negociais com o Poder Público.
Por outro lado, pode-se destacar que a Lei nº 14.133/2021, em uma parcela significativa de suas disposições, nada mais faz do que estabilizar e positivar a jurisprudência, orientações e entendimentos já aceitos e existentes, registrando em lei inúmeras soluções pontuais e pragmáticas, criadas para as lacunas da Lei nº 8.666/1993 e surgidas ao longo dos seus 28 anos de vigência.
Neste breve texto, você irá encontrar as principais mudanças da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos relacionadas ao procedimento licitatório.
PORTAL NACIONAL DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS (PNCP)
A grande inovação operacional da Nova Lei de Licitações é o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), considerado a peça-chave de toda a NLLCA. O PNCP é um portal eletrônico de abrangência nacional, sob o formato de dados abertos e públicos, que serve como um sistema oficial para a realização de todos os atos das licitações e contratações, funcionando também como repositório obrigatório de informações e documentos de todas as contratações públicas do País – excetuado, como já dito, as contratações das empresas estatais. Este Portal está sob a gerência do Comitê Gestor da Rede Nacional de Contratações Públicas, composto por representantes da União, dos Estados (e Distrito Federal) e dos Municípios (art. 174, § 1º).
De acordo com a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, o PNCP é destinado à divulgação centralizada e obrigatória dos atos exigidos pela lei (art. 174, I), quais sejam, os planos de contratação anuais, os catálogos eletrônicos de padronização, os editais de licitação, de credenciamento e de pré-qualificação, os avisos de contratação direta, as atas de registro de preços, os contratos e seus termos aditivos (sendo esta uma condição de eficácia dos contratos, conforme art. 94) e as notas fiscais eletrônicas (art. 174, § 2º).
Ademais, o PNCP destina-se, também, à realização das contratações pelos órgãos e entidades (art. 174, II), devendo apresentar funcionalidades como o sistema eletrônico para a realização de sessões públicas, o sistema de registro cadastral unificado, o painel para consulta de preços, o acesso à base nacional de notas fiscais eletrônicas, o sistema de planejamento e gerenciamento de contratações, o acesso ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) e ao Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP) e o sistema de gestão compartilhada com a sociedade de informações referentes à execução do contrato (art. 174, § 3º).
O protagonismo do PNCP para o regime brasileiro de contratações públicas é um fenômeno previsível, que deve se tornar realidade, no máximo, até o final de 2023. Embora o Portal ainda não tenha sido plenamente desenvolvido e implementado, as disposições da NLLCA tratam do PNCP como um centro gravitacional de todo o universo licitatório, sendo este o local onde serão depositadas as informações de todas as contratações públicas (exceto empresas estatais) e onde poderão ser realizadas todas as etapas dos processos de contratação pública.
AS FASES E MODALIDADES DE LICITAÇÃO NA LEI Nº 14.133/2021
Quanto ao processamento da licitação, a nova Lei estabelece um rito comum em sete etapas (art. 17), tema que já abordamos neste breve artigo. A esse respeito, a NLLCA adotou como regra duas grandes características que, até então, distinguiam a modalidade pregão (regida pela Lei nº 10.520/2002) e a modalidade concorrência (Lei nº 8.666/1993): a primeira foi a inversão de fases em relação ao rito definido pela Lei nº 8.666/1993, estabelecendo, como padrão, o julgamento das propostas antes da análise dos documentos de habilitação, que passa a ocorrer somente em relação à licitante classificada em primeiro lugar (sendo admitida a habilitação antes da apresentação e/ou do julgamento das propostas quando esta inversão se mostrar mais benéfica aos objetivos do processo licitatório); e a segunda foi a unificação da etapa recursal, na qual se discute tanto o julgamento das propostas quanto a documentação de habilitação da licitante classificada em primeiro lugar.
Avançando sobre as modalidades de licitação (art. 28), a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos estabelece o pregão como modalidade obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto. Estabeleceu também a concorrência como modalidade padrão quando não for cabível o pregão, isto é, para contratação de bens e serviços especiais e de obras e serviços comuns e especiais de engenharia, cujo critério de julgamento poderá ser menor preço, melhor técnica ou conteúdo artístico, técnica e preço, maior retorno econômico ou maior desconto.
Além do pregão e da concorrência, a Lei nº 14.133/2021 ainda prevê o concurso, destinado à escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, cujo critério de julgamento será o de melhor técnica ou conteúdo artístico, e para concessão de prêmio ou remuneração ao vencedor, e o leilão para alienação de bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos.
Por último, há o recém criado diálogo competitivo, uma nova modalidade para o desenvolvimento de soluções, de notável influência das normas de contratação europeias, utilizável para a celebração de contratos de natureza complexa, nos cenários em que a Administração não consiga definir sozinha a solução que melhor atenderá uma necessidade pública. Nesta modalidade, a Administração realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos.
OS MODOS DE DISPUTA DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES
Quanto aos modos de disputa, com nítida influência da Lei da Estatais (Lei nº 13.303/2016) e do Decreto nº 10.024/2019, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos estabeleceu três possibilidades (art. 56): o aberto, o fechado e o combinado (aberto e fechado).
O modo de disputa aberto é o que, após o início da sessão e a publicização de todas as propostas iniciais, os licitantes devem apresentar novas propostas por meio de lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes, tornando-se o vencedor aquele que apresentar a melhor proposta ao fim da etapa competitiva. Trata-se do modelo tradicional do pregão, que agora será aplicado também às concorrências e que admite, ainda, a estipulação de regras específicas no edital de licitação para a etapa competitiva de lances (vedação ao lançamento de propostas sucessivas pelo mesmo licitante, estipulação de intervalo mínimo de diferença de valores entre os lances etc).
O modo fechado é o que a disputa de preços ocorre com as propostas originalmente elaboradas pelos licitantes (que permanecerão em sigilo até a data e hora designadas para sua divulgação), sendo uma proposta única e final, não havendo oportunidade para uma disputa pública de lances. Esse é o modo de disputa encontrado na tradicional modalidade concorrência da Lei nº 8.666/1993.
Já o modo combinado (aberto e fechado) é o que conta com uma disputa de lances públicos e sucessivos e, ao final, os licitantes devem apresentar um último lance fechado, conforme o critério de julgamento adotado. Em vista da lacuna legislativa da Lei nº 14.133/2021, caberá aos diplomas infralegais (decretos, regulamentos ou os próprios editais de licitação) definir regras sobre a participação na etapa final fechada (como, por exemplo, permitir apenas as “n” licitantes mais bem classificadas na etapa de lances abertos), tal como ocorre atualmente por meio do art. 33 do Decreto nº 10.024/2019.
Destarte, a utilização de cada modo de disputa é temperada conforme o critério de julgamento adotado (art. 56, §§ 1º e 2º): para o critério de menor preço ou maior desconto (pregão e concorrência), o modo de disputa é obrigatoriamente o aberto, ou aberto e fechado (combinado); já para o critério de julgamento de técnica e preço (apenas concorrência), o modo de disputa obrigatório é o fechado.
Assim, observa-se uma grande similaridade, pelo menos do ponto de vista de estrutura procedimental, entre o pregão e a concorrência cujo critério de julgamento de menor preço/maior desconto, pois ambos terão, como regra, a etapa competitiva de lances, a etapa de julgamento de propostas antes da habilitação, a análise dos documentos de habilitação apenas da licitante classificada em primeiro lugar e uma fase recursal única.
REGRAS DE DESTAQUE NA LEI Nº 14.133/2021 SOBRE O PROCESSO LICITATÓRIO
A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos também é responsável por consolidar diversas práticas e orientações já existentes, sobretudo do Tribunal de Contas da União e dos demais órgãos de controle externo, e compatibilizá-las com regras verdadeiramente inovadoras desse novo regime jurídico. A seguir, abordamos algumas previsões relevantes da Lei nº 14.133/2021 sobre o processo licitatório:
- Redução de formalidades e adoção de tecnologias:
Quanto à forma de realização do processo licitatório, a NLLCA dá seguimento ao que previam os sucessivos decretos regulamentares do pregão eletrônico (Decretos nºs 5.450/2005, 5.504/2005 e 10.024/2019) ao estabelecer a licitação em meio eletrônico como regra geral para todos os certames, sendo a adoção da forma presencial uma medida excepcional, que deve ser motivada. Para garantir a transparência e publicidade do processo, as sessões presenciais devem ser registradas em ata e gravadas em áudio e vídeo (art. 17, § 2º).
É também para garantir a transparência e a publicidade, assim como a ampla participação e competição nas licitações que a NLLCA confere a todos o direito de acesso à íntegra dos instrumentos convocatórios sem a necessidade de registro ou de identificação (art. 25, § 3º), encerrando assim com uma prática ainda muito comum em vários órgãos públicos do país.
Ademais, em prestígio ao que a doutrina e jurisprudência pátria convencionaram como “princípio do formalismo moderado”, a NLLCA prevê expressamente que “o desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do processo” (art. 12, III), em contraposição à rigidez da antiga Lei nº 8.666/1993.
Neste mesmo trilhar não-formalista e, de certa forma, desburocratizante, a Nova Lei também confere aos advogados fé pública para declarar a autenticidade de cópias de documentos apresentadas no certame, sob sua responsabilidade pessoal (art. 12, IV), prerrogativa que já era conferida aos mesmos profissionais no âmbito processual-judicial (art. 425, IV, do Código de Processo Civil e art. 830 da Consolidação das Leis do Trabalho).
De igual modo, o reconhecimento de firma somente será exigido “quando houver dúvida de autenticidade, salvo imposição legal” (art. 12, V) e os interessados poderão se valer da assinatura digital em meio eletrônico, mediante certificado digital emitido em âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), para subscrever os documentos. Embora a validade dos documentos assinados digitalmente com a tecnologia ICP-Brasil já fosse reconhecida desde 2001, conforme o art. 10, § 1º, da Medida Provisória nº 2.200-2/2001 (e reafirmada pelo art. 5º, § 1º, III, da Lei nº 14.063/2020), passadas mais de duas décadas ainda é possível encontrar agentes públicos negando a sua utilização em processos licitatórios.
- Possibilidade de indicação e vedação de marcas ou modelos no edital (art. 41, I e III):
A NLLCA autoriza expressamente, de forma excepcional, a indicação de marcas ou modelos nos editais de licitação, desde que formalmente justificado, nas seguintes hipóteses: a) em decorrência da necessidade de padronização do objeto; b) em decorrência da necessidade de manter a compatibilidade com plataformas e padrões já adotados pela Administração; c) quando determinada marca ou modelo comercializados por mais de um fornecedor forem os únicos capazes de atender às necessidades do contratante; e d) quando a descrição do objeto a ser licitado puder ser mais bem compreendida pela identificação de determinada marca ou determinado modelo aptos a servir apenas como referência (art. 41, I).
Ademais a Administração também pode vedar a contratação de marca ou produto, quando for comprovado (em processo administrativo próprio) que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não atendem a requisitos indispensáveis ao pleno adimplemento da obrigação contratual (art. 41, III).
- Realização de análise e avaliação da conformidade da proposta, mediante homologação de amostras, exame de conformidade e prova de conceito (art. 17, §3º, e art. 41, II):
Embora sem previsão legal, as licitações regidas pela Lei nº 8.666/1993 frequentemente exigem a apresentação de amostras, exame de conformidade ou prova de conceito para aferir a adequação do produto ou solução propostos pelos licitantes aos requisitos técnicos do instrumento convocatório.
A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos positivou essa prática, estabelecendo como regra: a) que essa verificação deve ocorrer na etapa de julgamento da proposta (quarta etapa da licitação), no procedimento de pré-qualificação permanente ou no período de vigência do contrato ou da ata de registro de preços; e b) apenas em relação ao licitante classificado em primeiro lugar (art. 17, § 3º, e art. 41, parágrafo único), seguindo entendimento que há muito vinha sendo aplicado pelo Tribunal de Contas da União[3].
Deve-se ter em conta, ainda, que a Administração deve justificar (i) a necessidade da exigência (art. 41, II); (ii) a análise das amostras deve ser feita com base em critérios técnicos e objetivos detalhadamente estabelecidos no edital; e (iii) as decisões relativas às amostras apresentadas devem ser devidamente motivadas, a fim de atender aos princípios do julgamento objetivo e da igualdade entre os licitantes[4].
- Possibilidade de exigência de carta de solidariedade emitida pelo fabricante do produto (art. 41, IV):
A exigência de carta de solidariedade emitida pelo fabricante do produto em favor do licitante, como medida para garantir a segurança e a continuidade da futura contratação e a qualidade dos produtos adquiridos, é uma prática que por vários anos foi rechaçada pelo Tribunal de Contas da União, por entender que a exigência constituiria restrição ao caráter competitivo da licitação[5]. Mais recentemente, a Corte de Contas passou a admitir a exigência em hipóteses excepcionais, quando for necessária à execução do objeto contratual, situação que deve ser adequadamente justificada nos autos do processo licitatório[6].
A NLLCA acolheu essa mais recente posição do Tribunal de Contas da União e admitiu, excepcionalmente, a exigência motivada de carta de solidariedade emitida pelo fabricante, que assegure a execução do contrato, no caso de licitante revendedor ou distribuidor.
- Realização de audiências públicas, presenciais ou a distância, e de consultas públicas (art. 21):
A Administração poderá convocar audiência pública, presencial ou a distância, sobre licitação que pretenda realizar, com disponibilização prévia de informações pertinentes, inclusive de estudo técnico preliminar e elementos do edital de licitação, e com possibilidade de manifestação de todos os interessados.
Na audiência pública, os participantes poderão se manifestar oralmente em relação ao processo licitatório, sendo esta a característica distintiva da consulta pública, em que as manifestações ocorrem por escrito e de modo assíncrono.
De igual modo, a Administração também poderá submeter a licitação a prévia consulta pública, mediante a disponibilização de seus elementos a todos os interessados, que poderão formular sugestões, por escrito, no prazo fixado.
Destaca-se que não há mais obrigatoriedade da audiência pública para contratações acima de determinado valor, tal como determina o art. 39 da Lei nº 8.666/1993.
- Permissão para que seja conferido sigilo ao orçamento da licitação (art. 24):
Ao permitir que seja conferido sigilo ao orçamento estimado da licitação, a NLLCA diverge da Lei nº 8.666/1993 e adota uma tendência contemporânea de apostar nesta modelagem competitiva como uma forma de obter maior economicidade ao contrato administrativo.
A modelagem, que é praticada internacionalmente (a exemplo das licitações da ONU), adota a seguinte lógica: se os licitantes não souberem, de antemão, o preço estimado da contratação, não basearão as suas propostas nesta informação, de modo que apresentarão, na licitação, propostas comerciais mais condizentes com a sua realidade de mercado, o que tende a resultar em propostas mais vantajosas para a Administração.
Como medida de controle, as propostas apresentadas não poderão ser aceitas caso ultrapassem o preço estimado da licitação, de modo que, se isso ocorrer, na fase de negociação, o licitante mais bem classificado terá a oportunidade de reduzir o valor da sua proposta.
A adoção de sigilo sobre o orçamento estimado da licitação reclama uma série de atividades operacionais que precisam ser realizadas pela Administração para que a modelagem efetivamente funcione (aprofundamento que será tratado noutra oportunidade).
Por ora, cumpre lembrar que esta tendência foi inaugurada pela Lei nº 13.303/2016, a qual prevê o sigilo do orçamento estimado como a regra geral aplicável às licitações das empresas estatais. É digno de nota, também, que, após a aceitação desta prática pelo Tribunal de Contas da União[7], a tendência favorável ao sigilo do orçamento nas licitações influenciou o Decreto nº 10.024/2019, que regulamenta o pregão eletrônico do Governo Federal, com base na Lei nº 10.520/2002 (em processo de substituição).
- Proibição à resistência injustificada ao andamento dos processos pelos gestores públicos (art. 9º, III):
Dispõe a nova legislação que é vedado ao agente público designado para atuar na área de licitações e contratos opor resistência injustificada ao andamento dos processos e, indevidamente, retardar ou deixar de praticar ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa em lei. Ou seja, é vedado que o gestor público atrase, sem motivo, o desenvolvimento da licitação pública.
Embora essa vedação já fosse encontrada em legislações infraconstitucionais a respeito do regime jurídico dos servidores públicos (por ex., o art. 117, IV da Lei nº 8.112/1990) e dos processos administrativos (por ex., o art. 2º, parágrafo único, II, VI e XII, da Lei nº 9.784/1999), assim como, de forma indireta, na própria Constituição Federal, como decorrência dos princípios da Administração Pública (art. 37), a disposição expressa na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos revela uma importante regra para a defesa de interesses dos particulares perante a Administração Pública e do interesse público no regular andamento dos processos licitatórios e contratuais.
- Novas regras de participação em consórcio (art. 15):
A Lei nº 14.133/2021 trouxe como regra geral a possibilidade de participação em consórcio de empresas, devendo a sua vedação ser devidamente justificada no processo licitatório, prestigiando, assim, uma maior competitividade nos certames.
Além de detalhar quais regras devem ser seguidas para a participação de consórcios, a nova Lei determina que o edital deverá estabelecer para o consórcio acréscimo de 10% a 30% sobre o valor exigido de licitante individual para a qualificação econômico-financeira, salvo justificação (art. 15, § 1º), não se aplicando essa regra quando todas as empresas consorciadas forem microempresas e pequenas empresas (art. 15, § 2º). Ademais, é permitido à Administração estabelecer em edital limite máximo para o número de empresas consorciadas, desde que haja justificativa técnica aprovada pela autoridade competente (art. 15, § 4º).
- Institucionalização dos diálogos público-privados:
De mais a mais, uma característica de notável destaque da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos é a institucionalização dos diálogos público-privados. Com efeito, esse fenômeno, completamente natural e até mesmo desejável (em alguns casos) à relação entre o Poder Público e os administrados, sempre foi realizado com grande insegurança e informalidade no regime da Lei nº 8.666/1993. A Nova Lei, ao seu turno, trouxe expressamente hipóteses (evidentemente não exaustivas) do seu cabimento e regulamentando como deve ser feita essa interlocução entre agentes públicos e particulares.
A título exemplificativo, pode-se citar:
– O levantamento de mercado como uma etapa inerente à elaboração do Estudo Técnico Preliminar (art. 18, § 1º, XIV), abrangendo as comunicações entre a Administração e os atores econômicos do mercado sobre o objeto potencial da contratação. Em outras palavras, a Administração poderá consultar as empresas atuantes no mercado, antes de realizar a licitação, para compreender quais são as soluções disponíveis, elegendo as características técnicas que a interessam para a futura contratação;
– Orçamento estimado com base em pesquisa de preços realizada, dentre outras formas, diretamente com, no mínimo, 3 fornecedores (art. 23, § 1º, IV), consolidando entendimentos jurisprudenciais e de instruções normativas;
– Permissão ampla para a realização de Procedimento de Manifestação de Interesse (art. 81), permitindo que a Administração colha dos agentes privados as informações necessárias para a construção do melhor edital; e
– A criação do diálogo competitivo (art. 32), modalidade de licitação vista anteriormente.
Com efeito, essa chancela legal ao diálogo entre os gestores e os particulares promove mais segurança ao consolidar práticas que já existiam (e, por vezes, incentivadas pelos órgãos de controle, como é o caso da coleta de estimativa de preços com fornecedores), mas que não eram previstas em lei.
Como se observa, são diversas as mudanças e inovações trazidas pela Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos e, assim, as empresas e profissionais que desejam entrar e/ou se manter no mercado de licitações públicas devem buscar atualização sobre este novo e importante diploma legal.
Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/o-que-mudou-com-a-nova-lei-de-licitacoes/
[1] Advogado
[2] Advogado
[3] Neste sentido, o Acórdão 2640/2019 – Plenário, do Tribunal de Contas da União.
[4] Neste sentido, o Acórdão 529/2018 – Plenário, do Tribunal de Contas da União.
[5] Neste sentido, o Acórdão 1622/2010 – Plenário e o Acórdão 2179/2011 – Plenário, ambos do Tribunal de Contas da União.
[6] Neste sentido, o Acórdão 3018/2020-Plenário, do Tribunal de Contas da União.
[7] Neste sentido, o Acórdão nº 2.989/2018 – Plenário, do Tribunal de Contas da União.