Direito Administrativo

Como funciona a contratação por dispensa de licitação e o que está previsto em lei?

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Victoria Magnani

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As licitações públicas são um tema recorrente no cenário empresarial brasileiro, havendo inúmeras empresas no País que participam ativamente de licitações nos mais variados âmbitos. Quando se pensa nesse mercado licitatório, é comum relacioná-lo às concorrências e disputas, mas há, também, uma outra possibilidade para as empresas que buscam firmar contratos com o Poder Público: trata-se da dispensa de licitação, uma espécie de contratação direta prevista na legislação.

Neste artigo serão abordados os principais conceitos envolvendo a dispensa de licitação, suas possibilidades de utilização e como funciona o seu procedimento, além de evidenciar as principais mudanças trazidas pela Nova Lei de Licitações.

O que é a licitação e qual o seu objetivo?

Antes de falarmos sobre a dispensa de licitação, é importante que entendamos o que é o procedimento licitatório e para que ele serve.

A licitação pode ser definida como um procedimento administrativo que tem por objetivo final assegurar que a Administração Pública escolha a proposta mais vantajosa para adquirir um determinado produto ou contratar a prestação de um serviço.

Trata-se de procedimento que se destina a garantir a observância do princípio da isonomia, de modo que todos os interessados sejam tratados de forma igualitária, sem qualquer espécie de favorecimento indevido. A licitação é, portanto, um procedimento público, que deve reunir o maior número de participantes possível, a fim de assegurar a competitividade do certame e garantir que, ao final desse procedimento, a Administração escolha a proposta mais vantajosa para a contratação de produtos ou serviços.

As normas que regem os procedimentos licitatórios são a Lei nº 8.666/93, conhecida como a Lei Geral de Licitações, a Lei nº 10.520/2002 (ou Lei do Pregão), a Lei nº 12.462/2011 (Lei do RDC) e, mais recentemente, a Lei nº 14.133/2021, também chamada de Nova Lei de Licitações, que consolidou em um único diploma normativo o regime jurídico aplicável às licitações e contratos administrativos e substituirá, após decorridos 2 anos de sua publicação, o regramento anterior sobre o tema.

Em regra, devem ser realizadas licitações sempre que um órgão público precisa adquirir produtos ou serviços junto ao mercado privado, sejam eles quais forem. Apesar de a licitação ser a regra, a própria Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso XXI, deixa claro que há situações em que não será necessária a realização de procedimento licitatório:

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. [grifo acrescido]

Uma dessas exceções é a dispensa de licitação, que é uma das formas de contratação direta em que o órgão público não precisa realizar um procedimento licitatório para adquirir um produto ou serviço. Trata-se de possibilidade prevista na Lei nº 8.666/93 e na Lei nº 14.133/2021 para alguns casos específicos, em que são removidas algumas etapas para simplificar o processo de contratação. Essas hipóteses serão tratadas adiante.

Quais as diferenças entre a dispensa de licitação e a inexigibilidade de licitação?

Tanto a dispensa de licitação quanto a inexigibilidade de licitação são hipóteses de contratação direta pela Administração, sem que haja necessidade de realização de procedimento licitatório.

A dispensa de licitação, prevista no artigo 75 da Lei nº 14.133/2021 e no artigo 24 da Lei nº 8.666/93, diz respeito às situações em que seria possível realizar o procedimento licitatório, mas a lei autoriza a sua não realização por algum motivo. São casos em que, embora possível, o legislador entendeu que a licitação é indesejável. As principais hipóteses de dispensa de licitação são:

 – Dispensa em razão do valor:[1] em virtude dos valores mais baixos, que não justificam a realização de todo o processo licitatório, a lei autoriza que, para contratos de obras e serviços de engenharia e contratos para compras e outros serviços até um determinado limite (limite que varia de acordo com a lei que orienta o certame), o órgão contratante pode fazer a contratação direta por dispensa de licitação (hipótese dos incisos I e II do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021 e dos incisos I e II do artigo 24 da Lei nº 8.666/93);

Dispensa em casos de emergência ou calamidade pública: quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa causar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, sejam eles públicos ou particulares, é autorizada a dispensa de licitação para contratação dos bens necessários ao atendimento dessa situação emergencial ou calamitosa (hipótese prevista no inciso VIII do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021 e no inciso IV do artigo 24 da Lei nº 8.666/93);

Contratação de remanescente para continuidade de um fornecimento ou serviço em andamento: nos casos em que houve licitação e a empresa vencedora iniciou a execução do contrato, mas, por algum motivo, este contrato vem a ser rescindido antes do fim da execução, é possível dispensar a realização de nova licitação com o mesmo objeto e contratar, respeitando a ordem de classificação, as demais licitantes, desde que estas aceitem fornecer pelo mesmo valor do primeiro colocado (hipótese do § 7º do artigo 89 da Lei nº 14.133/2021 e do inciso XI do artigo 24 da Lei nº 8.666/93);

Licitação deserta ou fracassada: nos casos em que foi aberto um procedimento licitatório e não houve participação de nenhuma empresa interessada (licitação deserta) ou todos os interessados foram desclassificados (licitação fracassada), é possível dispensar a realização de nova licitação e contratar diretamente por dispensa, desde que o contratado ofereça o produto ou serviço em valor compatível com os limites de referência do órgão público (hipótese prevista no inciso III do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021 e nos incisos V e VII do artigo 24 da Lei nº 8.666/93).

Mesmo sendo dispensável, a Administração Pública possui discricionariedade para decidir se realiza ou não a licitação nesses casos, sendo que, na prática, o mais comum e até esperado é que não realize o certame.

Já a inexigibilidade de licitação, prevista no artigo 74 da Lei nº 14.133/2021 e no artigo 25 da Lei n 8.666/93, é justificável quando há inviabilidade de competição. Isso ocorre, por exemplo, quando existe apenas uma empresa ou produto capaz de atender às demandas da Administração, ou quando se pretende a contratação de serviços técnicos de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização.

Nesses casos, não há como realizar licitação, tendo em vista que, no caso de fornecedor exclusivo, apenas determinado produto ou serviço será capaz de satisfazer as exigências do órgão contratante, ou então, no caso de serviços técnicos especializados, ainda que exista uma pluralidade de potenciais prestadores, não há critérios que permitam uma comparação objetiva entre os interessados.

Uma das principais diferenças entre a dispensa e a inexigibilidade de licitação é o fato de que nos casos de dispensa a realização de licitação é tecnicamente possível, embora indesejada; enquanto nos casos de inexigibilidade há inviabilidade de competição, e, por conseguinte, a realização de procedimento licitatório não constitui sequer uma opção.

Além disso, o rol dos artigos 75 e 24 das Leis nº 14.133/2021 e nº 8.666/93, respectivamente, os quais preveem as situações de dispensa de licitação, é taxativo, devendo a dispensa se encaixar obrigatoriamente dentro de uma dessas hipóteses; enquanto na inexigibilidade o rol de situações dos artigos 74 da Lei nº 14.133/2021 e 25 da Lei nº 8.666/93 é meramente exemplificativo.

Dispensa de licitação: o que mudou com a Nova Lei de Licitações?

Diferentemente do que ocorre com a Lei nº 8.666/93, a Lei nº 14.133/2021 trouxe o planejamento para dentro do procedimento de dispensa de licitação, de tal forma que, no novo regramento, não basta especificar o objeto, realizar a pesquisa de preços, montar o processo de dispensa e contratar diretamente (procedimento trazido pelo artigo 26 da Lei nº 8.666/93).

Uma das maiores mudanças realizadas pela Nova Lei de Licitações foi, justamente, o fato de que ela traz um verdadeiro “manual de instruções” sobre o planejamento das contratações, corrigindo a insuficiência e a vagueza que marcavam o procedimento de dispensa no âmbito da Lei nº 8.666/93.

Assim, nos termos do artigo 72 da Lei nº 14.133/2021, o processo de contratação por dispensa de licitação deverá ser instruído com os seguintes documentos:

I – documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto executivo;

II – estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no art. 23 desta Lei;

III – parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o atendimento dos requisitos exigidos;

IV – demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o compromisso a ser assumido;

V – comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária;

VI – razão da escolha do contratado;

VII – justificativa de preço;

VIII – autorização da autoridade competente.

Observa-se que a fase interna de planejamento da dispensa de licitação se assemelha, na Nova Lei de Licitações, a um procedimento licitatório, em virtude do planejamento mais extenso e detalhado. Ademais, se for o caso, pode ser que o procedimento de dispensa de licitação seja precedido de um estudo técnico preliminar para definir a melhor solução para o atendimento da necessidade do órgão contratante, visando indicar qual a solução mais viável para a demanda em questão.

Uma das principais diferenças trazidas pela Nova Lei de Licitações diz respeito ao aumento considerável dos limites da dispensa em razão do valor (incisos I e II do artigo 75), sendo que, para obras e serviços de engenharia ou serviços de manutenção de veículos automotores, poderá ser dispensada a licitação para contratações com valor inferior a R$ 100.000,00, contra os R$ 33.000,00 previstos na Lei nº 8.666/93; e para contratações de demais serviços e compras, o valor limite passou a ser de R$ 50.000,00, em oposição aos R$ 17.600,00 trazidos pela Lei nº 8.666/93.

Além disso, outra diferença importante é o fato de que a Nova Lei de Licitações traz regras para a aferição desses valores, mais especificamente no § 1º do artigo 75, dispondo que deverá ser observado, para atendimento dos novos limites, o somatório do que for despendido no exercício financeiro pela respectiva unidade gestora e o somatório da despesa realizada com objetos de mesma natureza, que são aqueles relativos a contratações no mesmo ramo de atividade.

Essas regras de aferição, porém, não são de observância obrigatória nas contratações com valor até R$ 8.000,00 para serviços de manutenção de veículos automotores.

No que diz respeito à dispensa em casos de emergência ou calamidade pública, a Lei nº 14.133/2021 inovou em relação à anterior ao estender o prazo da contratação de 180 dias (como era na Lei n 8.666/93) para 1 ano.

Assim, segundo o inciso VIII do artigo 75, em contratos firmados por dispensa de licitação devido a situações emergenciais ou de calamidade, é permitido somente adquirir os bens necessários ao atendimento da situação emergencial e receber prestação de serviços ou parcelas de obras que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 ano, contado da ocorrência da emergência, sendo vedada a sua prorrogação.

Por fim, no que tange à licitação deserta ou fracassada, o inciso III do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021 condiciona a dispensa de licitação nessas hipóteses ao prazo de 1 ano da realização da licitação, diferentemente do que dispunha a Lei nº 8.666/1993, que não traz qualquer prazo.

Nos termos da Nova Lei de Licitações, portanto, é necessário que a licitação fracassada seja relativamente recente, não sendo possível dispensar nova licitação nos casos em que já tenha transcorrido período superior a 1 ano.

Em importante simplificação, a Nova Lei de Licitações, diferentemente da Lei nº 8.666/1993, não exige mais, como condição para esta hipótese de contratação direta, uma avaliação justificada sobre a impossibilidade de ser repetido o certame sem prejuízo para a Administração.

Quando começam a valer as regras da Nova Lei de Licitações?

Apesar de já poder ser utilizada pelos gestores públicos, a Lei nº 14.133/2021 traz, em seu artigo 191, uma espécie de “regra de transição”: durante os próximos dois anos, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com a Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) ou de acordo com o “regramento tradicional” das licitações, composto pelas já mencionadas Leis nº 8.666/93, nº 10.520/2002 e nº 12.462/2011.

Isso porque, nos termos do inciso II do art. 193 da Nova Lei, a “antiga legislação” será revogada apenas após dois anos da publicação da Lei nº 14.133/2021, que foi publicada em 1º de abril de 2021. É importante, porém, que a opção escolhida (“regramento tradicional” ou Lei nº 14.133/2021) esteja devidamente indicada no edital de licitação ou no aviso ou instrumento de contratação direta, sendo vedada, ainda, a aplicação combinada dos dois regimes.

Você possui alguma outra dúvida ou sugestão em relação ao tema? Entre em contato por intermédio do nosso e-mail contato@schiefler.adv.br, que um dos nossos advogados especialistas em licitações públicas e contratos poderá atendê-lo(a).

Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/dispensa-de-licitacao/

Como citar e referenciar este artigo:
MAGNANI, Victoria. Como funciona a contratação por dispensa de licitação e o que está previsto em lei?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2022. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/como-funciona-a-contratacao-por-dispensa-de-licitacao-e-o-que-esta-previsto-em-lei/ Acesso em: 21 nov. 2024