Camila Segovia Rodríguez[1]
RESUMO
O objetivo deste artigo é analisar o papel da Administração Pública, como parte funcional do Estado, no que tange à poluição por resíduos plásticos em zonas costeiras no Brasil. Desde o início da produção em grande escala de produtos plásticos, em 1950, observa-se que no decorrer dos últimos anos, os resíduos plásticos vem se acumulando principalmente, no ambiente marinho. O Brasil, com uma grande extensão litorânea, tem a sua parcela de participação no que diz respeito a essa poluição. É notório que o gerenciamento costeiro é um dos grandes desafios que a Administração Pública enfrenta, principalmente ao examinarmos na íntegra o artigo 225, § 4º da CF/88 que classifica a zona costeira como patrimônio nacional, ressaltando a necessidade de utilização dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente.
PALAVRAS-CHAVES: Administração Pública; Poluição Marinha; Resíduos Plásticos; Zonas Costeiras.
1. INTRODUÇÃO
O Brasil tem uma grande biodiversidade no ambiente marinho, ainda mais se observarmos a sua grande extensão litorânea. Devido a essa riqueza ambiental, por meio de instrumentos normativos, o país busca proteger e conservar a biodiversidade existente nesse âmbito.
A Constituição Federal garante a todos os cidadãos o direito à um ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao Poder Público e a coletividade a obrigação de defendê-lo e protegê-lo (art. 225, CF/88). Dentro do conceito de ambiente ecologicamente equilibrado, subtende-se que também está se referindo às zonas costeiras e o ambiente marinho.
Contudo, esse equilíbrio proposto no âmbito constitucional está em risco. Hoje, a poluição por resíduos plásticos no ambiente marinho é um problema sério e complexo a ser combatido. Dados estimam que o país seja o 4º maior produtor de lixo no mundo e, somado ao fato de que a maior parte desses resíduos vão parar em zonas costeiras, em direção ao ambiente marinho, somente teremos um único resultado: a perda de uma das nossas maiores riquezas, nossa biodiversidade.
Tendo em vista que é dever do Poder Público proteger e preservar a nossa natureza, por meio de órgãos estatais busca-se, não só tratar de combater a poluição marinha, colocando em prática leis existentes, mas como também criar normativas que preencham lacunas sobre o tema.
Nesse contexto, primeiramente será tratado sobre o tema da poluição por resíduos plásticos, almejando demonstrar brevemente que estamos diante de um problema socialmente construído, para, posteriormente, tratarmos das normativas existentes sobre o assunto. Nesse momento, serão analisadas as leis sobre poluição marinha, para, na sequência, analisar as normativas mais específicas sobre a poluição por resíduos plásticos – que já de antemão – podemos destacar a necessidade de maior regulamentação.
Em um segundo momento, trataremos do papel da Administração Pública em questões ambientais, enfatizando a atuação de certos órgãos estatais, entre eles, o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Com um poder, não só consultivo, mas também deliberativo, o referido Conselho tem autonomia (dentro de sua competência) para criar resoluções, instruções e portarias normativas que visam preencher lacunas deixadas pelo legislador. Em continuidade, serão analisadas algumas resoluções criadas pelo CONAMA, a fim de observar se há, de fato, uma preocupação no combate à poluição por resíduos plásticos em zonas costeiras do Brasil.
2. O IMPACTO DA POLUIÇÃO POR RESÍDUOS PLÁSTICOS
O crescimento da produção de plásticos tomou proporções sem precedentes. Afinal, o plástico é um material leve e resistente, facilmente moldado às necessidades da indústria. Entretanto, a maioria dos plásticos não se biodegrada, mas sim, com o passar dos anos, se decompõem em pequenos fragmentos que hoje são conhecidos como microplásticos. De forma geral, esse material advém daquele destinado para uso único, facilmente descartável, tais como sacolas, canudos, garrafas, copos, talheres, embalagens de alimentos, dentre outros. Inclusive, no relatório apresentado pelo Nations Environment Programme (UNEP) feito em 2016, estima-se que a maior parte dos resíduos encontrados no ambiente marinho provém justamente de fontes urbanas.[2]
Nesse sentido, sabe-se que grande parte dos produtos/bens que consumimos possui e ou são feitos de plásticos, sendo que em muitas ocasiões tratam-se de produtos de uso único. Quando esse material chega ao seu objetivo final, são rapidamente descartados e despejados sem o seu devido tratamento. Nessa perspectiva, as embalagens plásticas, por exemplo, ganham destaque, já que têm sido alvo de uma preocupação ambiental crescente devido à sua persistência e resistência no ambiente (RUNDH, 2005), com especial atenção aos produtos de uso único (como os já citados) (ERIKSEN et al., 2014).
À medida que a população cresce, o consumo aumenta e consequentemente a taxa de produção de plásticos também. Isso representará um risco crescente para os ecossistemas marinhos (CLARK et al., 2016, p. 322).
O Brasil é considerado o 4º maior produtor de lixo plástico do mundo, segundo um estudo apresentado pelo World Wide Fund for Nature (WWF). Isso significa que, com a sua extensão litorânea e a falta de um sistema de gerenciamento de resíduos eficaz, este material acaba tendo um destino muito provável: as praias e os oceanos.
Nessa perspectiva, em 2019, a Associação Brasileira Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (EBRELPE), apresentou o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil. Interessante salientar que, em tal documento, afirma que o país realmente apresentou uma diminuição (pouco menos de 1%) em comparação ao ano de 2018 referente a produção de resíduos. Contudo, o Brasil produziu, em média, 70 milhões de toneladas de lixo somente em 2018. Nesse sentido, caso o panorama não mudar e as tendências atuais persistirem, acredita-se que a tendência de tais dados é de aumentar, isso, pois, estima-se que o país alcance a quantidade alarmante de 100 milhões de toneladas até 2030.
Em que pese o Brasil tenha um arcabouço normativo que busque a tutela ambiental, conforme veremos em seguida, é inegável a ausência de sistemas eficazes de gerenciamento de resíduos (KRIPA et al., 2016), que procurem lidar com a emblemática em questão. Além disso, a falta de planejamento na gestão, a inexistência de drenagens pluviais e sistemas de esgotos eficazes, contribuem significativamente para o crescimento de resíduos nas zonas costeiras e no ambiente marinho no geral (MORRITT et al., 2014).
Importante destacar que, as informações/dados apresentados somente demonstram que estamos diante de um problema ambiental construído socialmente. É notório que os resíduos plásticos despejados no ambiente marinho causam inúmeros danos, seja a nível ambiental, econômico ou até possíveis danos à saúde humana.[3] De fato, nesses últimos anos, organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) vêm trazendo à tona o assunto como forma de pressionar os Estados a criarem normativas que visem a prevenção e conservação do ambiente marinho.
3. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE POLUIÇÃO MARINHA
O Brasil ratificou inúmeras Convenções que tratam da proteção e preservação do ambiente marinho, entre a principal e mais relevante para este trabalho, podemos citar a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (considerada a “Constituição dos Oceanos”), introduzida no âmbito do Brasil por meio da Lei nº 8.617/1993 que regulamenta os espaços marinhos. No que tange à proteção e conservação marinha, destaca-se o artigo 8º da Lei nº 8.617/1993, que dispõe:
“art. 8º: na zona econômica exclusiva, o Brasil, no exercício de sua jurisdição, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação científica marinha, a proteção e preservação do meio marítimo, bem como a construção, operação e uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estruturas” (grifo da autora).[4]
Em que pese a Constituição Federal não aborde diretamente questões relacionadas à poluição do ambiente marinho, a CF/88 dispõe:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (grifo da autora).
Neste contexto, ao tratar de “ambiente ecologicamente equilibrado”, podemos subentender que engloba também o meio ambiente marinho, principalmente aquele pertencente ao Brasil. Inclusive, no dispositivo ora citado, o II do § 1º aborda a necessidade de proteção da fauna, também abarcando a fauna marinha. Ademais, no mesmo dispositivo constitucional, destaca-se o § 4º, que classifica a zona costeira como patrimônio nacional, devendo a sua utilização ser consciente, buscando assegurar a preservação do ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
Como forma de cumprir o texto constitucional, é regulamentado o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC), por meio da Lei nº 7.661/1988. O referido Plano é parte integrante da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), bem como da Política Nacional para Recursos do Mar (PNRM). Contudo, o PNGC, por meio do Decreto nº 5.300/2004 teve uma segunda versão aprovada, buscando tratar com mais exatidão questões relacionadas ao gerenciamento costeiro, resultando na própria Lei de Gerenciamento Costeiro.
No PNGC II, constam alguns princípios que buscam nortear à Administração Pública quanto a sua atuação na proteção do ambiente marinho, entre eles, destaca-se: “2.10. A preservação, conservação e controle de áreas que sejam representativas dos ecossistemas da Zona Costeira, com recuperação e reabilitação das áreas degradadas ou descaracterizadas”.
Ademais, ao falarmos de poluição no ambiente marinho, ressaltam-se alguns objetivos constantes no Decreto nº 5.300/2004:
Art. 6o São objetivos da gestão da zona costeira: II – o estabelecimento do processo de gestão, de forma integrada, descentralizada e participativa, das atividades socioeconômicas na zona costeira, de modo a contribuir para elevar a qualidade de vida de sua população e a proteção de seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural; IV – o controle sobre os agentes causadores de poluição ou degradação ambiental que ameacem a qualidade de vida na zona costeira;
Ainda, existem outros instrumentos normativos que merecem destaque, sendo: a) Lei Federal nº 9.537/97, que busca a regulamentação de atividade de vistoria executada pela autoridade marítima. Aqui, dentre outras funções, estão a de controlar e prevenir a poluição ambiental por parte de embarcações, instalações de apoio e em plataformas continentais; b) Decreto nº 1.530/95 que regulamenta no seu artigo 194 medidas para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho; c) Decreto nº 875/93 que dispõe sobre a Convenção da Basiléia, com a intenção de fazer a gestão ambientalmente correta dos resíduos, bem como buscar minimizar a quantidade de detritos, especialmente os perigoso e auxiliar na gestão ambiental.
Importante ressaltar que, muito embora existam instrumentos normativos que tratem da proteção e conservação do ambiente marinho, principalmente nas zonas costeiras, a regulamentação de tais ambientes é, por si só, complexa. A extensão do território litorâneo do Brasil compõe um amplo e desafiador ambiente de regulamentação e fiscalização. Esse problema ainda aumenta ao trazer questões relacionadas à poluição oriunda de fontes terrestres, como o lixo urbano, incluindo os resíduos plásticos.
O país tem algumas leis que buscam tratar justamente da necessidade de um destino adequado para esses resíduos, como veremos na sequência. Contudo, a questão pertinente é avaliarmos se essas leis, de fato, estão condizentes com a nossa realidade e se a Administração Pública está lidando com o problema adequadamente.
4. LEGISLAÇÃO SOBRE OS RESÍDUOS PLÁSTICOS NO BRASIL
Um dos documentos que trata sobre resíduos plásticos de maior destaque no contexto brasileiro, é a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010.[5]
A referida Lei apresenta, entre vários fatores, as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos no país. Além disso, também trata das responsabilidades dos geradores e o do Poder Público, bem como dos instrumentos econômicos aplicáveis às situações (art. 1).
Além da Lei nº 12.305/2010 lidar com os resíduos perigosos, o instrumento normativo interno vai mais longe, abarcando:
“Art. 3, XVI: resíduos sólidos: material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível” (grifo da autora).
Importante ressaltar que, a referida Lei estabeleceu uma ordem de prioridades quanto à gestão e o gerenciamento dos resíduos a ser seguida, visando justamente tratar o assunto da melhor forma possível, sendo: “não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos” (art. 7, II).
Dentre as classificações apresentadas pelo artigo 13 da Lei nº 12.305/2010, é possível encontrar com facilidade a temática de resíduos plásticos. Nessa perspectiva, há de se descartar a obrigação de estruturação e implementação de sistemas de logística reversa, por meio de retorno dos produtos após o uso pelos consumidores, pelos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, buscando a diminuição da extensão do impacto para o meio ambiente e, inclusive, para a saúde dos seres humanos:
“Art. 33 1o: Na forma do disposto em regulamento ou em acordos setoriais e termos de compromisso firmados entre o poder público e o setor empresarial, os sistemas previstos no caput serão estendidos a produtos comercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, e aos demais produtos e embalagens, considerando, prioritariamente, o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados (grifo da autora).
Nesse cenário, embora a Lei nº 12.305/2010 esteja em vigor há 10 anos, é possível questionar a sua real efetividade desde a sua existência. Até mesmo porque, o Estado, como ente garantidor e fiscalizador da legislação, tem demonstrado dificuldade para fazer cumprir todas as disposições da referida Lei.
Como já dito, os resíduos plásticos são um dos maiores desafios quando falamos de poluição marinha. Assim, levando em consideração que: 1) a grande parte dos resíduos plásticos não tem um tratamento adequado; e 2) a grande extensão litorânea do país – estamos diante de dois fatores que demonstram que não é a toa que o Brasil está entre os maiores produtores de lixo do mundo. Ainda nessa lógica, se a maior parte dos resíduos despejados nos oceanos provém de fontes terrestres, pode-se concluir, facilmente, qual seria o destino final desses materiais no país: as zonas costeiras e o ambiente marinho, no geral.
Diante de tal desafio, é de suma importância a atuação da Administração Pública ao lidar com esse problema socialmente construído. Afinal, a Administração Pública tem como finalidade tratar da gestão dos interesses e bens da coletividade, como será abordado na sequência.
5. O PAPEL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO ÂMBITO DO DIREITO AMBIENTAL
A Administração Pública tem um importante papel dentro do Estado, pois a atividade administrativa corresponde à gestão dos interesses e bens da coletividade. Isso significa que, dentre as funções da Administração Pública, incube à ela o dever de atuar na defesa, manutenção, conservação e no desenvolvimentos dos bens e dos interesses da coletividade (MOREIRA BRUNO, 2008, p. 32).
Contudo, a expressão “Administração Pública”, doutrinariamente, abarca dois sentidos: sentido subjetivo, formal ou orgânico, aqui estamos diante de pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer e atuar nas funções em que se triparte a atividade estatal, ou seja, a função administrativa e; em sentido objetivo, material ou funcional, onde designa a natureza da atividade exercida pelos próprios entes da administração (DI PIETRO, 2006, p. 72-73).
Na esfera ambiental e para fins desta pesquisa, a Administração Pública pode ter a sua atuação baseada, principalmente, por meio da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente – Lei n.º 6.938/81, regulamentada pelo Decreto 9.9274/1990, que instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) (art. 1). Fazem parte do referido Sistema os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, além de fundações instituídas pelo Poder Público. Todos esses órgãos, entidades e fundações têm como objetivo primordial a proteção e a busca pela melhor qualidade ambiental (art. 6º – Lei n.º 6.938/81).
A estrutura prevista na Lei nº 6.938/81 para o SISNAMA segue a seguinte lógica:
Fonte: Ministério do Meio Ambiente, disponível em: https://www.mma.gov.br/governanca-ambiental/sistema-nacional-do-meio-ambiente acesso em 07/08/2020.
Dentro da estrutura do SISNAMA, destaca-se a atuação do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, como órgão consultivo e deliberativo. A sua finalidade é de assessorar, pesquisar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais no âmbito do meio ambiente. Além disso, o CONAMA pode deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme a Constituição (art. 6º, II – Lei n.º 6.938/81).
5.1. A ATUAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E SUAS NORMATIVAS NO COMBATE À POLUIÇÃO POR RESÍDUOS PLÁSTICOS
Tendo em vista que, em muitas ocasiões, a legislação brasileira apresenta dispositivos amplos demais e pouco detalhados, surge a necessidade de que alguns órgãos, com autonomia e competência, criem normas, com o objetivo de preencher essas lacunas. Assim, por meio de resoluções, portarias e instruções normativas, é que determinados assuntos são disciplinados, dadas as suas particularidades.
Nesse sentido, no âmbito da poluição marinha, cabe ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), a criação de resoluções que visem tratar com mais especificidade as lacunas deixadas pela legislação brasileira, conforme previsto pelo Decreto nº 5.300/2004: artigo 12 – Ao IBAMA compete: I – executar, em âmbito federal, o controle e a manutenção da qualidade do ambiente costeiro, em estrita consonância com as normas estabelecidas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA (grifo da autora).
Embora não existam regulamentações específicas quanto à poluição por resíduos plásticos, entre algumas normativas criadas e de relevância para esta pesquisa, podemos citar a Resolução CONAMA n° 454/12, onde são estabelecidas as diretrizes e os procedimentos gerais utilizados como referências para o gerenciamento do material a ser dragado em águas sob jurisdição brasileira.
Outras resoluções relacionadas à poluição marinha são: Resolução CONAMA n° 393/2007, Resolução CONAMA n° 472/2015, Resolução CONAMA n° 398/2008, entre outras. Contudo, tais normativas tratam especificamente sobre a poluição por óleo no ambiente marinho. Em que pese não abordem questões relacionadas à poluição por resíduos plásticos, isso demonstra uma preocupação latente sobre a necessidade de proteger e conservar as zonas costeiras no nosso país.
Outro órgão que merece destaque pela sua atuação é a Diretoria de Portos e Costas (DPC) da Marinha do Brasil, que estabelece normas infralegais que auxiliam o combate da poluição marinha. Entre elas, podemos citar a NORMAM 07/DPC, que autoriza a inspeção naval das embarcações, buscando garantir a prevenção da poluição advinda de embarcações, plataformas fixas e instalações de apoio.
Além disso, com o objetivo de sistematizar, monitorar e controlar os resíduos sólidos, o Brasil criou o Sistema Nacional de Informações Sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos. Tal Sistema é um instrumento da PNRS e tem como obrigação a necessidade de disponibilizar informações e/ou dados referentes à situação dos resíduos sólidos do país. Nesse sentido, destaca-se também o Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras e Utilizadoras de Recursos Ambientais, que tem como objetivo a prevenção de possíveis danos ao meio ambiente, sendo coordenado pelo IBAMA.
Ainda, em 2016, foi elaborado o Plano de Ação Federal para a Zona Costeira, PAF-ZC,[6] com o objetivo central e ambicioso de solucionar os problemas da zona costeira. A finalidade é realizar planejamentos e implementações de ações estratégicas, visando a integração de políticas públicas incidentes na zona costeira. Entre as suas funções, almeja promover juntamente com os membros do GI-GERCO (Grupo de Integração do Gerenciamento Costeiro), ações relacionadas à gestão costeira, contribuindo, entre outros fatores, com a busca por soluções inovadoras para o gerenciamento dessa região.[7]
Embora os instrumentos jurídicos já instituídos, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos (MMA) e outros não citados, como o Projeto ORLA (SPU/MMA), Programa Cidades Sustentáveis (MMA) – relacionado ao ODS 14, é possível observar pouca evolução no contexto brasileiro.[8] Isso fica mais evidente ao analisarmos as tendências futuras referentes ao aumento de resíduos e a ineficiência dos sistemas de gestão e gerenciamento de tais detritos.
6. CONCLUSÃO
No Brasil, é notória a ausência de uma fiscalização mais rigorosa e eficiente para a execução do Plano Nacional de Resíduos Sólidos e para a implantação dos sistemas de gestão e gerenciamento de resíduos. Tais questões, alinhadas a própria extensão da zona costeira brasileira, são uns dos grandes pontos chaves para o surgimento e aumento de resíduos plásticos no ambiente marinho.
Em que pese à atuação da Administração Pública busque preencher lacunas normativas por meio de resoluções, portarias e instruções, ainda deixa muito a desejar. E mais, ao analisarmos, de fato, as normativas existentes sobre poluição por resíduos plásticos, observa-se uma ausência destas. Existem muitas leis, regulamentos, diretrizes, e entre outros, que tratam da poluição marinha no geral, contudo, acabam sendo instrumentos amplos demais que não conseguem lidar com um problema específico, como o tratado neste artigo.
Embora a poluição por resíduos plásticos seja um tema relativamente recente, a gravidade da situação requer medidas urgentes. Um dos instrumentos de grande relevância que trata esse problema é a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) – Lei nº 12.305/2012. Em que pese a Lei nº 12.305/2012 trate, dentre vários tipos de resíduos, os resíduos plásticos, pouco se fala sobre formas eficazes de combate e o seu real impacto no meio ambiente.
Os dados e as expectativas futuras são preocupantes e não devem ser ignoradas. A quantidade de aterros controlados e de grandes “lixões” vem aumentando significativamente em comparação com o último relatório. Sendo que em tais locais não existem mecanismos eficientes e necessários justamente para lidar com a proteção do meio ambiente, seja ele marinho ou até mesmo terrestre.[9]
É necessário que a Administração Pública crie mais diretrizes que busquem prevenir diretamente a poluição por resíduos plásticos e o caráter preventivo se torna importante com o intuito de evitar o agravamento do problema. Além disso, a falta de uma fiscalização mais rigorosa nas zonas costeiras acaba por favorecer o despejo direto desses resíduos de forma ilegal, o que corrobora ainda mais no aumento da poluição nesse âmbito.
Em síntese, a Administração Pública está diante de um problema complexo e desafiador, sendo necessária uma atuação mais direta e uma fiscalização mais rigorosa. Pois, mesmo que mais normativas sejam criadas, sem fiscalização, não haverá avanços.
REFERÊNCIAS
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______.Conselho Nacional do Meio Ambiente, Resolução CONAMA 006/88. Disponível em: http://www2.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=70 acesso 07/08/2020.
______. Conselho Nacional do Meio Ambiente, Resolução CONAMA n° 454/12. Disponível em: http://www2.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=693 acesso 08/08/2020.
______. Conselho nacional do meio ambiente, resolução CONAMA n° 393/2007. Disponível em: http://www2.mma.gov.br/port/conama/res/res07/res39307.pdf acesso 08/08/2020.
______. Conselho nacional do meio ambiente, resolução CONAMA n° 472/2015. Disponível em: http://www2.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=718 acesso 08/08/2020.
______. Conselho nacional do meio ambiente, resolução CONAMA n° 398/2008. Disponível em: http://www2.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=575 acesso 08/08/2020.
______. Conselho nacional do meio ambiente, resolução CONAMA nº 452/12. Disponível em: http://www2.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=676 acesso 08/08/2020.
______. Decreto nº 7.404, de 23 de dezembro de 2010. regulamenta a lei no 12.305, de 2 de agosto de 2010, que institui a política nacional de resíduos sólidos, cria o comitê interministerial da política nacional de resíduos sólidos e o comitê orientador para a implantação dos sistemas de logística reversa, e dá outras providências.
______. Decreto n. 5.300 de 7 de dezembro de 2004, regulamenta a lei no 7.661, de 16 de maio de 1988, que institui o plano nacional de gerenciamento costeiro – pngc, Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5300.htm acesso 08/08/2020.
______.Decreto nº 1.530, de 22 de junho de 1995, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1995/d1530.htm acesso 08/08/2020.
______.Decreto nº 875, de 19 de julho de 1993, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0875.htm acesso em 08/08/2020.
______. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm acesso 08/08/2020.
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[1]Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisadora no Grupo de Estudos Avançados em Meio Ambiente e Economia no Direito Internacional (EMAE). Endereço eletrônico: camilasegovia.1@hotmail.com.
[2] Relatório disponível em: http://wedocs.unep.org/handle/20.500.11822/7720 acesso em 07/08/2020.
[3] Os humanos também podem estar sendo expostos a fragmentos do plástico (microplásticos) por meio de consumo de frutos do mar (exemplos: marisco, camarão, espécies de peixes pequenos, etc.). Apesar da crescente evidência quanto à exposição dos seres humanos ao microplástico em sua alimentação, é importante ressaltar que é complicado quantificar possíveis efeitos no âmbito da segurança alimentar (UNEP, 2016, p. 102 e 103).
[4] Art. 6º A zona econômica exclusiva brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial.
[5] Ver também Decreto nº 7.404/10 que regulamenta a Política Nacional de Resíduos Sólidos e cria o Comitê Interministerial e o Comitê Regulamentador da Política Reversa.
[6] Lei nº 7.661/88, criado e regulamentado pelo Decreto nº 5.300/04.
[7]Maiores informações, acessar: https://www.mma.gov.br/informma/item/8962-plano-de-a%C3%A7%C3%A3o-federal-para-a-zona-costeira-paf_zc acesso 07/08/2020.
[8]Disponível em: https://www.mma.gov.br/images/arquivo/80105/PAF-ZC%202017-2019.pdf acesso 07/08/2020.
[9] Dados disponíveis em: http://abrelpe.org.br/brasil-produz-mais-lixo-mas-nao-avanca-em-coleta-seletiva/ acesso 07/08/2020.