Confirmando as previsões dos infectologistas, ocorreram sucessivos períodos de queda ou estabilidade na transmissão da Covid-19, o que derrubou a equação montada para o retorno de atividades presenciais em escolas particulares. Logo, em poucos dias de retorno, alguns alunos apresentaram sintomas compatíveis como coronavírus.
E, em pelo menos três escolas que tinham retornado suas atividades recentemente, voltaram a fechar as portas como medida de segurança sanitária, ou ainda, realizaram ajustes em protocolos sanitários de proteção.
A expedita resposta dos estabelecimentos escolares fora elogiada pelos infectologistas, mas ainda continuam defendendo a retomada, revelando ser inevitável que venha acontecer outros casos da doença.
Uma das escolas que retomou ao recesso, temporariamente, foi o Colégio Teresiano, na Gávea, no Rio de Janeiro. Seguem suspensas as atividades presenciais até o dia 23.
O imbróglio começou com a Justiça do Trabalho (TRT/1) que autorizou a reabertura de escolas particulares no Estado do RJ, mas aulas continuam proibidas na capital. A Prefeitura do RJ já recorreu ao STF. A liminar da Justiça do Trabalho fora cassada pelo Desembargador Carlos Henrique Chernicharo, do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região, a pedido do Sindicato das Empresas de Educação Básica.
O desembargador afirmou que não há como postergar o retorno das atividades laborais da categoria dos professores e afins até que se tenha erradicado o risco, sob pena de causar dano irreparável aos alunos, pais e professores. O magistrado questionou a liminar que então condicionava a retomada das aulas à vacinação dos alunos e professores contra o coronavírus.
O julgador ainda afirmou que não está previsto na legislação estadual e que não é papel da Justiça do Trabalho interferir em decisões de ordem sanitário e de saúde. Afinal, a lei estadual[1] não condiciona o retorno de atividades escolares à existência de vacina contra o Covid-19 e, não compete a Justiça do Trabalho discutir sua constitucionalidade, nem tampouco dar-lhe interpretação diversa do seu alcance, afirmou a decisão judicial.
Concluiu o magistrado que não cabe ao Judiciário, imiscuir-se nas decisões de ordem sanitária e de saúde, opinando sobre a conveniência do Poder Público que tem a gerência destes setores, de quando estariam presentes as condições para o retorne desta ou daquela atividade, mormente quando o ato da autoridade local resta amparado em legislação, certamente elaborada com a oitiva de técnicos, cientistas, instituições de pesquisa, enfim, daqueles que têm o controle e o conhecimento técnico sobre matéria, repita-se, exclusivamente da órbita da saúde e sanitária.
No bojo da decisão judicial, o mesmo magistrado liberou os professores que se encontrem na faixa de risco, por causa da idade ou por ter alguma comorbidade de ir pessoalmente à escola. De qualquer forma, segundo o Desembargador, as escolas deverão fornecer alternativas de ensino a distância para esses professores e seus discentes.
Confirmou a falta de obrigatoriedade àqueles empregados do grupo de risco, conforme definido pelas autoridades sanitárias e, em matéria de saúde, mantendo-se os ativos por meio de ensino à distância, devendo serem fornecidos meios físicos e adequados para esses profissionais ministrarem aulas, segundo a conveniência da Instituição de Ensino e às expensas de cada empregador.
O governo estadual fluminense havia liberado o retorno das aulas nas escolas particulares, em caráter facultativo a partir do dia 14 de setembro, porém, no dia dez do mesmo mês, fora publicada liminar proibindo o retorno das aulas no RJ até que os docentes e estudantes fossem vacinados contra a Covid-19 ou até que se demonstre, concretamente, por meio de estudo técnico ou de outro modo, que não existem riscos aos alunos, professores e à sociedade[2].
Já para as escolas estaduais, o retorno era previsto para o dia 5 de outubro somente para os alunos que estivessem sem acesso à internet ou computadores. O governo fluminense chegou elaborar cartilha contendo as recomendações e cuidados para o retorno seguro. Mas, na capital do RJ, a prefeitura[3] ainda não definiu a volta dos discentes na rede pública de ensino. As escolas municipais reabriram, mas somente para trabalho interno.
As escolas particulares estão autorizadas a reabrir, mas o tema é ainda polêmico entre pais, professores, autoridades e médicos. Na rede público não há qualquer data definida para o retorno. Apesar da liberação, as escolas não reabriram e o sindicato de professores já anunciou greve.
Tânia Petraglia, presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro (SOPERJ) argumentou que a educação deve ser prioridade e que deveria ser um dos primeiros setores a ser flexibilizado, resta temerosa que essa demora cause danos irreparáveis as crianças e adolescentes. Registram-se casos de ansiedade, agressividade, hiperatividade, depressão e, já existem até casos de suicídio.
O Sepe RJ alega que enquanto houver a pandemia, não há condições de reabrir as unidades de ensino, principalmente as escolas públicas que não contam com material de higiene, sabão e em alguns casos falta até mesmo água. No caso de pediculose, quando ocorre surto, não há como garantir, em salas de aulas lotadas, o mínimo de higiene básica. Portanto, impossível instaurar uma forçada e falsa normalidade em meio a pandemia de Covid-19.
Ademais, com a reabertura das escolas, maior número de pessoas entrará em circulação diariamente, o que reflete nas ruas e no transporte público. Portanto, a pandemia traz consigo uma séria questão social e agigantou os fossos sociais e, revelou ainda o posicionamento dos governantes.
O isolamento social resta muito comprometido principalmente por conta da abertura de shoppings, casas de festas, restaurantes, lojas, hotéis, parques e playgrounds em prédios. Os voos domésticos no país estão repletos de idosos e crianças e, por isso, algumas pessoas defendem freneticamente a abertura das escolas.
No meu modesto entender, esse retorno no final do ano é contraproducente posto que não seria possível recuperar todo o conteúdo didático perdido em menos de dez semanas. Recente pesquisa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro[4] demonstrou que mais da metade dos alunos, cerca de cinquenta e quatro por cento dos alunos em todo RJ enfrentam problemas de acesso à internet, e dez por cento destes não dispõem de nenhum tipo de conexão.
Ademais, a reabertura prevista implicaria em testagem[5] semanal todas as crianças e professores o que parece também ser bem difícil. Outro fator preocupante é que cerca de noventa por cento de crianças que positivaram para o Covid-19 são assintomática. Isso sem contar, com os resultados podem estar sujeitos a serem falso negativos. Por essa razão, infelizmente, a testagem não substitui as regas de distanciamento social e de segurança. Conclui-se que além de não podermos testar e deixar de ter cuidados básicos, a letalidade não compensa a volta às aulas.
A pandemia presente evidenciou a desfragmentação do pacto federativo[6] principalmente com a União concentrando recursos, apesar de não ser a direta responsável por prestar certos serviços essenciais, como saúde, quanto aos Estados e municípios. Afinal, é hora adequada de fortalecer o papel dos entes federativos[7] para ser obter uma democracia republicana eficiente.
A crise pandêmica escancarou a profunda descentralização de despesas e centralização de receitas o que torna a gestão da crise insuportável. Lembremos que os legítimos gerentes de saúde, educação e segurança pública são os Estados e municípios. E, tais serviços essenciais são de baixa qualidade, devido à falta de recursos financeiros de tais entes. A centralização vivenciada de poder é antidemocrática e extremamente desastrosa.
Em 09.10.2020 o mundo registrou mais de trezentos e cinquenta mil casos de coronavírus em 24 horas e bate novo recorde de infecções, Trata-se de terceiro recorde de casos diários e a OMS tem reconhecido como novo surto europeu. Tomara que medidas antecipadas de volta às aulas, não acarrete novo surto em nosso país.
[1] A Lei estadual do Rio de Janeiro 8.991/2020 não condiciona o retorno das atividades escolares à existência de vacina contra a Covid-19. E não compete à Justiça do Trabalho discutir a sua constitucionalidade, nem lhe dar interpretação diversa do seu alcance.
[2] A Advocacia-Geral da União vem tentando forçar judicialmente estados e municípios a seguir as ordens do governo federal sobre relaxamento das medidas de isolamento social — como quer o presidente Jair Bolsonaro —, a ação deve ser inócua. Afinal, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que tais entes federativos podem limitar atividades no combate à epidemia do coronavírus.
[3] Em 30 de setembro, o prefeito do RJ recebeu a atribuição da responsabilidade pela adoção de medidas que evitem a propagação do coronavírus, assim, a Terceira Câmara Civil do TJRJ permitiu a retomada das aulas presenciais em escolas privadas do RJ, de forma voluntária para 4º, 5º, 8º e 9º anos. Inicialmente o Decreto municipal do RJ 47.683/2020 autorizava a medida de retorno às aulas em primeiro de agosto, contudo, a norma fora suspensa pelo relator do caso, o Desembargador Peterson Barroso Simão.
[4] O Estado e a Prefeitura do Rio de Janeiro estão em conflito com relação à volta às aulas de alunos do ensino fundamental. Nesse caso, as normas municipais devem prevalecer, uma vez que se trata de assunto de saúde de interesse local. Por outro lado, o Ministério Público e a Defensoria Pública recomendaram que a Secretaria estadual de Educação impeça a retomada das aulas em colégios particulares. Os órgãos sustentaram que, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996), as escolas privadas de ensino fundamental e médio integram o sistema estadual de ensino. Dessa maneira, cabe ao estado, e não ao município, regulamentar o seu funcionamento.
[5] Para saber se o organismo desenvolveu resposta imunológica em função da exposição à doença, existe o exame de sorologia. Ele é realizado a partir de amostra de sangue venoso e deve ser feito após o 10º dia de início dos sintomas, já que o corpo leva alguns dias a partir da infecção para começar a produzir anticorpos detectáveis. Dessa forma, esse não deve ser encarado como um exame confirmatório de uma infecção atual e, normalmente, é indicado para pessoas que possuem suspeita de contato prévio com o Coronavírus. São testes imunológicos capazes de detectar os níveis de anticorpos IgM (ou IgA) e IgG em amostra de sangue do paciente. É aconselhado para pacientes com sintomas a partir do décimo quarto dia, tempo que leva para os anticorpos serem detectados de maneira confiável. Ressaltamos que um resultado negativo NÃO exclui a presença da doença. O RT-PCR é o teste que detecta a presença do RNA do vírus SARS-CoV-2 em amostra obtida por meio de swab (cotonete) na mucosa nasofaringe (nariz e garganta). É um teste indolor, porém pode ser incômodo a alguns pacientes. É realizado em unidades dedicadas dos nossos laboratórios, somente com agendamento prévio e pedido médico. Normalmente o vírus da COVID-19 é detectado entre o 2º e o 12º dia de sintomas, por isso esse é o período recomendado para diagnóstico.
[6] Estado e município do Rio também devem regulamentar como fiscalizarão o cumprimento dessas regras e estabelecer multas para quem as desrespeitá-las. Os infratores também poderão responder pelos crimes de infração de medida sanitária preventiva (artigo 268 do Código Penal) e desobediência (artigo 330 do Código Penal).
[7] A volta às aulas durante a epidemia de Covid-19 é assunto de saúde pública, de interesse local. Portanto, as regras municipais prevalecem sobre as estaduais, afirma o jurista Lenio Streck. O Supremo Tribunal Federal estabeleceu, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.341, que, além da União, estados e municípios têm competência para determinar regras de funcionamento de estabelecimentos para o combate ao coronavírus. Estados têm poder para regular assuntos metropolitanos ou regionais. Municípios tratam de atividades de interesse local.