É admirável o trabalho que a Pastoral Carcerária realiza há decênios.
Não é uma Pastoral católica, embora tenha nascido no seio da Igreja Católica. É uma Pastoral ecumênica. Abriga católicos, protestantes, espíritas, seguidores de diferentes troncos religiosos, que não apenas o tronco cristão. Abriga também homens e mulheres de boa vontade que se dedicam ao próximo, mesmo sem definir-se por um credo específico.
A solidariedade para com o preso, embora não seja monopólio da ética cristã, tem radicação evangélica: Estive preso e me visitaste. (Evangelho segundo Mateus, Capítulo 25, versículo 36).
Os seguidores de Jesus Cristo visitam os presos, testemunham seu sofrimento, levam a eles a mensagem bíblica, solidarizam-se com suas angústias. Constatando a situação macabra que têm diante dos olhos, quando adentram os recintos penais, esforçam-se para que as prisões sejam menos desumanas.
Vejam bem. Usei a expressão: prisões menos desumanas.
Isto porque na verdade não existe prisão humana. O aprisionamento de pessoas é, por natureza, desumano.
Nós nos admiramos quando hoje lemos uma sentença proferida por um juiz de Alagoas, em 1833, condenando um réu à perda do pênis, por decepamento, por ter tentado manter relações sexuais com uma mulher casada, fato que não se concretizou porque dois homens surpreenderam a cena e impediram a consumação.
As gerações futuras vão ter o mesmo espanto que temos à face da pena que citamos, quando refletirem que, em 2010, os juízes condenavam pessoas ao encarceramento.
Se o cárcere, por si só, é brutal, que dizer do cárcere no qual se esmaga o preso?
Diante desses cárceres, é cristã e é profética a denúncia que se levante, em qualquer lugar e a qualquer tempo, colocando o dedo na ferida e mostrando a indignidade monstruosa da situação.
É possível e é imperativo que se melhorem as condições dos estabelecimentos prisionais. Não se pode tolerar a masmorra, que não afronta apenas o preso. Afronta todos nós, afronta nossa consciência ética, afronta o Deus que habita o íntimo de todo homem e de toda mulher segundo disse o Apóstolo Paulo.
Sem prejuízo de lutar a favor de prisões que respeitem a dignidade humana, há uma outra questão que deve ser refletida com muito cuidado.
É urgente uma drástica redução do número de presos.
Na verdade, prende-se de forma indiscriminada e com total irresponsabilidade.
Se as vítimas do cárcere fossem pessoas de classe media, ou pessoas ricas, os abusos não seriam tolerados.
As prisões continuam do jeito que estão porque são habitadas por pobres, sem vez e sem voz.
A sociedade é iludida com a ideia de que está protegida porque milhares de criminosos, ou supostos criminosos, estão atrás das grades.
O que acontece é exatamente o oposto. Essa instituição que se chama prisão é a maior ameaça que existe à segurança pública. As prisões são escola do crime. Prisões lotadas deveriam tirar o sono da população, se a população estivesse bem informada do perigo público que é a prática de prender, às vezes na mesma cela, autores de graves e de pequenos delitos.
No concurso para ingresso na Magistratura e no Ministério Público, penso que seria proveitoso que, além das provas intelectuais, houvesse a exigência de um estágio obrigatório num estabelecimento penal.
É muito simples, com a caneta na mão, condenar alguém a dois, cinco ou dez anos de prisão, proferindo essa sentença numa sala com ar refrigerado.
Talvez o juiz ou juíza, que com facilidade condena, não agisse dessa maneira se conhecesse a realidade do cárcere.
E não basta ver as prisões na tela colorida de um aparelho de TV, refestelado numa poltrona para assistir ao noticiário noturno do canal escolhido. Na TV, é possível ver os presos amontoados como trapos humanos, mas na TV não se sente o cheiro do ambiente, desprovido de qualquer higiene.
Vai o conselho para jovens juízes que tenham sido meus alunos: visitem prisões, sintam o cheiro, inalem o cheiro e lembrem-se do cheiro quando estiverem com um processo nas mãos para sentenciar.
Bendigo minha adolescência e juventude em Cachoeiro de Itapemirim quando, por imperativo religioso, visitava toda semana a Cadeia Pública. Aquelas imagens da juventude ficaram na minha retina. Os cheiros ficaram no meu nariz. Nunca me esqueci dessa vivência existencial. As lembranças me acompanharam durante todo o tempo em que fui Juiz.
Parece-me que é proveitoso, sob o prisma da educação política, alertar o povo brasileiro a respeito da dramática situação vigente no país, colocando a lupa nas prisões capixabas, como se tem feito.
Mas o problema não é local, é nacional. E não é também um problema recente. É um problema antigo, muito antigo.
* João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo, professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor. Autor do livro Filosofia do Direito (GZ Editora, Rio de Janeiro). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br