Sociedade

Palavras que enganam


A palavra é talvez a
mais expressiva forma de comunicação humana.

As palavras, para
cumprir seu destino ético, deveriam sempre traduzir mensagens verdadeiras.

Entretanto, com muita
frequencia, hoje como ontem, as palavras escondem, enganam, ludibriam.

Os mais idosos
lembram-se certamente de uma expressão de largo curso em outros tempos: mundo
livre.

O que era o mundo
livre? Era o conjunto dos países que estavam sob a influência, ou a batuta, dos
Estados Unidos.

Uma das mais
sanguinárias ditaduras latino-americanas integrava o mundo livre porque estava
alinhada aos interesses, principalmente aos interesses econômicos, da matriz do
Norte. Não obstante a propaganda em massa, muitos conseguiam questionar: essa
ditadura que tortura, que coloca serpentes nas celas das presas políticas, que
mata os opositores e os enterra clandestinamente de modo que nem os corpos das
vítimas deixem rastros, essa ditadura também faz parte do abençoado mundo
livre? A propaganda respondia: Claro que sim. Essa ditadura é circunstancial,
passageira. Assim, o ditador ficava a salvo porque fazia o dever de casa,
reverenciava a Estátua da Liberdade.

Outra palavra de
grande impacto naquela época: Cortina de Ferro.

O que era a Cortina
de Ferro? Era o conjunto dos aparatos que cobriam os países da antiga União
Soviética. Esses países não tinham a possibilidade de conhecer a verdade, pois
a verdade era privilégio dos países que compunham o Mundo Livre. Pobres países
da Cortina de Ferro! Não idolatravam Hollywood, não podiam contemplar a
grandeza do capital financeiro, não aprenderam que se mede a felicidade de
alguém pelos indices de consumo desse alguém.

Eu me refiro, neste
artigo, ao uso da palavra como expediente para submeter as grandes massas ao
domínio politico. Não me refiro aos slogans comerciais porque estes são
inocentes, ou quase inocentes. O mundo não fica pior, nem melhor, porque o
Sabonete Lever é o Sabonete das Estrelas. Já na propaganda da Coca-Cola vai
embutida uma filosofia de vida: “Tudo vai melhor com Coca-Cola”; “Onde há Coca
há hospitalidade”; “Coca-Cola dá mais vida”.

O uso da palavra,
como instrumento de dominação política, é coisa do passado, dos tempos da
Guerra Fria?

Nada disso. Nos
tempos atuais a palavra continua desempenhando o papel de falsear os fatos, de
subtrair a versão correta dos episódios.

Certas figuras que,
com todos os seus erros, são óbice ao domínio do País do Norte, infalivelmente
recebem o carimbo de ditador. Raramente uma notícia refere-se apenas ao nome
dessa pessoa deixando a cargo de quem ouve ou lê a notícia colocar o epíteto de
ditador. Outros ditadores, da mesma região, igualmente donos absolutos da
vontade dos súditos, vizinhos do ditador abominável, nunca são apelidados de
ditadores porque não incomodam a Pátria da Liberdade e dos Direitos Humanos.

A lavagem cerebral é
muito poderosa. Não se pode negar sua capacidade de submeter milhões de pessoas
à condição não pensante. É possível reagir? Sim, é difícil mas é possível,
principalmente através do debate. O debate provoca a dúvida, a inquietação, o
questionamento.

João Baptista
Herkenhoff, 74 anos, magistrado aposentado, trabalha presentemente na Faculdade
Estácio de Sá de Vila Velha (ES). É escritor. Faz palestras pelo Brasil afora.
Autor do livro Mulheres no banco dos réus – o universo feminino sob o olhar de
um juiz (Editora Forense, Rio).

E-mail:
jbherkenhoff@uol.com.br

Homepage:
www.jbherkenhoff.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
HERKENHOFF, João Baptista. Palavras que enganam. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/palavras-que-enganam/ Acesso em: 10 mar. 2025