Sociedade

O apressado come cru … ou a história do Procurador-Geral Da República que ganhou um presente de grego no natal!

 

Como se sabe, antes do encerramento da sessão plenária do dia 17 de dezembro de 2012, que marcou o fim do julgamento da Ação Penal nº. 470 (o processo do “Mensalão”), o Procurador-Geral da República afirmou aos Ministros do Supremo Tribunal Federal que, embora tenha formulado, nas alegações finais e também na sustentação oral, o pleito de prisão imediata dos réus condenados, o faria em petição própria após a conclusão do julgamento. Naquela oportunidade, o chefe do Ministério Público da União considerou que a prisão dos réus antes do trânsito em julgado da condenação era cabível e afirmou que, por intermédio de uma petição (por que não logo?), iria expor essa pretensão de “forma mais adequada e também seus fundamentos”.

Pois bem.

Não querendo submeter o seu pleito ao Colegiado, certamente crente que o Ministro relator da ação penal iria atender ao seu pedido monocraticamente (como tudo indicava, tendo em vista a maneira inquisitorial e persecutória como o Ministro conduziu todo o processo), qual não foi a surpresa geral quando foi indeferida a decretação da prisão imediata dos condenados , sob o argumento de que não havia “ dados concretos que permitam apontar a necessidade da custódia cautelar dos réus (CPP, art. 312), os quais, aliás, responderam ao processo em liberdade ”. Segundo a surpreendente e acertada (finalmente!) decisão do relator, não havia como prosperar o argumento do Procurador-Geral da República que “ o acórdão que se pretende executar de imediato, embora ainda não transitado em julgado, seria definitivo”, apesar de ainda ser possível a interposição de embargos infringentes e embargos declaratórios. Observou o Ministro que a questão do cabimento ou não de embargos infringentes em caso de condenação criminal ainda será enfrentada pelo Plenário da Corte. Dessa forma, se em tese é possível ocorrer qualquer modificação do julgado, então se “ afasta a conclusão de que o acórdão condenatório proferido pelo Supremo Tribunal Federal em única instância seria definitivo”. O Presidente do Supremo Tribunal Federal acrescentou que não se pode presumir que os advogados dos condenados venham a lançar mão do artifício da interposição de recursos meramente protelatórios para atrasar o início da execução da sanção imposta. “ É necessário examinar a quantidade e o teor dos recursos a serem eventualmente interpostos para concluir-se pelo caráter protelatório ou não”. Ademais, o Ministro lembrou que “ já foi determinada a proibição de os condenados se ausentarem do país, sem prévio conhecimento e autorização do Supremo Tribunal Federal, bem como a comunicação dessa determinação às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional ”.

Como se disse, nada obstante surpreendente, devemos reconhecer, diante de tantos erros grosseiros neste processo do “Mensalão”, que a Constituição finalmente foi respeitada. Quase inacreditável! É bem verdade que já houve tempo em que o réunão poderia apelarsem recolher-se à prisão, ouprestarfiança, salvo se fosse primário e tivesse bonsantecedentes (sic), assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado porcrimeque se livre solto. (art, 594, CPP, já revogado).

Ora, o art. 5º., LVII, da Constituiçãoproclamaque “ninguém será considerado culpado até o trânsitoem julgado de sentençapenal condenatória”, sendo de todoinadmissívelquealguém seja presoantes de definitivamente julgado, salvo a hipótese desta prisãoprovisória se revestir de carátercautelar. Soa, portanto, estranhoalguémser presumivelmente considerado não culpado (poisaindanão condenado definitivamente) e, ao mesmotempo, ser obrigado a se recolher à prisão, mesmonão representando a sualiberdadenenhumrisco seja para a sociedade, seja para o processo, seja para a aplicação da leipenal. Prisão provisóriaanterior a uma decisão transitada em julgado só se reveste de legitimidadecaso seja devidamente fundamentada (art. 5º., LXI, CF/88) e reste demonstrada a suanecessidade ( periculum libertatis [1] ). Neste sentido, o atual art. 387, parágrafo único do Código de Processo Penal.

Se temos a garantiaconstitucional da presunção de inocência, é evidentequenão pode serefeito de um acórdão condenatório recorrível (ainda que do Supremo), pura e simplesmente, umdecreto prisional, semque se perquira quanto à necessidade do encarceramento. Como sabemos, entrenós, cabível será a prisão preventiva sempreque se tratar de garantir a ordempública [2] , a ordemeconômica, oupor conveniência da instrução criminal ouparaassegurar a aplicação da leipenal. Sãoestes os requisitos da prisão preventiva e que configuram exatamente o periculum libertatis. Estesrequisitos, portanto, representam a necessidade da prisão preventiva, quenão é outracoisasenão uma medida de naturezaflagrantementecautelar, poisvisa a resguardar, emúltimaanálise, “a ordem pública”, a instrução criminal ou a aplicação da leipenal (há, ainda, os pressupostos desta prisão, quenãonos interessam no presente artigo [3] ).

Se assim o é a prisão será uma decorrência de uma sentença condenatória recorrível sempreque, in casu, for cabível a prisão preventiva contra o réu, independentemente de suacondiçãopessoal de primário e de terbonsantecedentes; ou seja, o que definirá se o acusado aguardará presoouemliberdade o julgamentofinal do processo é a comprovação da presença de um daqueles requisitosacima referidos. Conclui-se que a necessidade é o fatordeterminanteparaalguémaguardarpreso o julgamentofinal do seuprocesso, jáque a Constituição garante que “ninguém será considerado culpado até o trânsitoem julgado de sentençapenal condenatória.”

Segundo Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, “ a questão é tentar quase o impossível: compatibilizar a Constituição da República, que impõe um Sistema Acusatório, com o Direito Processual Penal brasileiro atual e sua maior referência legislativa, o CPP de 41, cópia malfeita do Codice Rocco de 30, da Itália, marcado pelo princípio inquisitivo nas duas fases da persecutio criminis, logo, um processo penal regido pelo Sistema Inquisitório. (…) Lá, como é do conhecimento geral, ninguém duvida que o advogado de Mussolini, Vincenzo Manzini, camicia nera desde sempre, foi quem escreveu o projeto do Codice com a cara do regime (…) ” [4]

A respeito, veja-se a preocupação dos juristas espanhóis Gimeno Sendra, Moreno Catena e Cortés Dominguez: “ Tampoco puede atribuirse a la prisión provisional un fin de prevención especial: evitar la comisión de delitospor la persona a la que se priva de libertad. La propia terminología más frecuentemente empleada para expresar tal idea – probable comisión de ´otros´ o ´ulteriores´ delitos – deja entreverque esta concepción se asienta en una presunción de culpabilidad. (…) Por las mismas razones no es defendible que la prisión provisional deba cumplir la función de calmar la alarmasocial que haya podido producir el hecho delictivo, cuando aún no se ha determinado quién sea el responsable. Sólo razonando dentro del esquemalógico de la presunción de culpabilidad podría concebirse la privación en un establecimiento penitenciario, el encarcelamiento del imputado, comoinstrumento apaciguador de las ansias y temores suscitados por el delito . (…) La vía legítimaparacalmar la alarmasocial – esa especie de ´sed de venganza´ colectiva que algunos parecen alentar y por desgracia en ciertos casos aflora – no puede ser la prisión provisional, encarcelando sin más y al mayor número posible de los queprima facie aparezcan comoautores de hechos delictivos, sinounarápida sentencia sobre el fondo, condenando o absolviendo, porque sólo la resolución judicial dictada en un proceso puede determinar la culpabilidad y la sanción penal .” [5]

Na Itália, o Juiz de Instrução Criminal do Tribunal de Pádua, Palombarini, assim decidiu acerca da prisão preventiva: “ Pena e prisão preventiva têm diversa natureza jurídica, diferentes objectivos, diversa função… Para decidir se uma certa garantia individual deve aplicar-se a um determinado instituto, é necessário atender, em primeiro lugar, à incidência do mesmo instituto sobre a esfera do indivíduo. Ora a prisão preventiva – embora diversa, como se disse, da pena – traduz-se para o indivíduo numa restrição total de sua liberdade. Diferentes os institutos, idênticos os valores em jogo e o perigo de lesão do fundamental direito da liberdade .” [6]

A propósito, vejamos a lição de Ronald Dworkin: “ O direito penal poderia ser mais eficiente se desconsiderasse essa distinção problemática e encarcerasse homens ou os forçasse a aceitar tratamento sempre que isso parecesse ter probabilidade de reduzir crimes no futuro. Mas isso, como sugere o princípio de Hart, significaria cruzar a linha que separa tratar alguém como ser humano e como nosso próximo e tratá-lo como um recurso para o benefício dos outros. Para as convenções e práticas de nossa comunidade, não pode haver insulto mais profundo que esse. O insulto é da mesma grandeza quando o processo recebe o nome de punição ou tratamento. É verdade que algumas vezes impomos restrições e submetemos a tratamento um homem apenas porque acreditamos que ele não tem controle sobre sua conduta. Fazemos isso com base em leis que regem a custódia de civis e, de modo geral, após um homem ter sido absolvido de um crime sério com base numa alegação de insanidade. Mas devemos reconhecer o compromisso de princípio que essa política implica. Deveríamos tratar um homem contra a sua vontade apenas quando o perigo que ele representa é real e não sempre que calculamos que o tratamento poderá reduzir a ocorrência de crimes, se for adotado .” [7]

Afinal de contas, comojá escreveu James Goldshimidt [8] a estrutura do processopenal de umpaís indica a força de seuselementosautoritários e liberais. [9] É óbvio que o ProcessoPenal funciona emumEstadoDemocrático de Direitocomoummeionecessário e inafastável de garantia dos direitos do acusado. Não é ummeroinstrumento de efetivação do DireitoPenal, mas, verdadeiramente, uminstrumento de satisfação de direitoshumanosfundamentais e, sobretudo, uma garantiacontra o arbítrio do Estado. Aliás, sobreprocesso, já afirmou o mestre Calmon de Passos, nãoser “algo que opera comosimplesmeio, instrumento, simumelementoque integra o próprioser do Direito. A relaçãoentre o chamado direitomaterial e o processonão é uma relaçãomeio/fim, instrumental, como se tem proclamado comtantaênfase, ultimamente, porforça do prestígio de seusarautos, sim uma relação integrativa, orgânica, substancial .” [10] Nesta mesmaobra, o eminente processualista adverte que o “devido processoconstitucional jurisdicional (comoele prefere designar) , paraevitarsofismas e distorções maliciosas, não é sinônimo de formalismo, nemculto da formapelaforma, do ritopelorito, simumcomplexo de garantiasmínimascontra o subjetivismo e o arbítrio dos que têm poder de decidir .” [11]

Certamentesemumprocessopenalefetivamentegarantidor, não podemos imaginar vivermos em uma verdadeira democracia [12] . Como afirma Ada Pelegrini Grinover, “ o processo penal não pode ser entendido, apenas, como instrumento de persecução do réu. O processo penal se faz também – e até primacialmente – para a garantia do acusado. (…) Por isso é que no Estado de direito o processo penal não pode deixar de representar tutela da liberdade pessoal; e no tocante à persecução criminal deve constituir-se na antítese do despotismo, abandonando todo e qualquer aviltamento da personalidade humana. O processo é uma expressão de civilização e de cultura e consequentemente se submete aos limites impostos pelo reconhecimento dos valores da dignidade do homem .” [13]

O Processo Penal é antes de tudo “um sistema de garantias face ao uso do poder do Estado.” Para Alberto Binder, por meio do Processo Penal “ procura-se evitar que o uso deste poder converta-se em um fato arbitrário. Seu objetivo é, essencialmente, proteger a liberdade e a dignidade da pessoa ” [14]

 

Norberto Bobbio afirmava que os “direitos do homem, a democracia e a pazsãotrêsmomentosnecessários do mesmomovimentohistórico: semdireitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; semdemocracia, não existem as condiçõesmínimaspara a soluçãopacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãosquandolhessão reconhecidos algunsdireitosfundamentais .” [15] Poroutrolado, continua o filósofo italiano, “(…) os direitos do homem, pormaisfundamentaisque sejam, sãodireitoshistóricos, ou seja, nascidos emcertascircunstâncias, caracterizadas porlutasemdefesa de novasliberdadescontravelhospoderes, e nascidos de modogradual, nãotodos de uma vez e nem de uma vezpor todas .” [16]

Assim, a norma processual, ao lado de suafunção de aplicação do DireitoPenal (que é indiscutível), tem a missão de tutelaraquelesdireitosprevistos nas constituições e nostratadosinternacionais. Exatamenteporisso, o processopenal de umPaís o identifica como uma democraciaoucomoumEstado totalitário. Tornaghi com muitíssima propriedadejá afirmava que “ a lei de processo é o prolongamento e a efetivação do capítuloconstitucionalsobre os direitos e as garantiasindividuais”, protegendo “ os quesão acusados da prática de infraçõespenais, impondo normasque devem serseguidasnosprocessoscontraeles instaurados e impedindo queeles sejam entregues ao arbítrio das autoridades processantes .” [17]

Como dizia Frederico Marques, “ o processo é instrumento de atuaçãoestatal vinculado, quasesempre, às diretrizespolíticasque plasmam a estrutura do Estado. Impossível, porisso, subtrair a norma processual dos princípiosque constituem a substânciaética do Direito e a exteriorização de seusideais de justiça. No processopenal, então, emque as formas processuais se destinam a garantirdireitosimediatamente tutelados pelaConstituição, das diretrizespolíticas desta é que partem os postulados informadores da legislação e da sistematização doutrinária. [18]

Não há dúvidasquetodo o conjunto de garantiaspenais reconhecidas, defendidas e buscadas pelos penalistas “ quedaría incompletosi no fuese acompañado por el conjunto correlativo o, mejor dicho, subsidiário de las garantías procesales, expresadas por los princípiosque responden a nuestras dos últimas preguntas, ´cuándo´ y ´cómo juzgar`: la presunción de inocencia hasta prueba en contrario, la separación entre acusación y juez, la carga de la prueba e el derecho del acusado a la defensa .” [19] Assim, porexemplo, ao DireitoPenalmínimo corresponde umDireito Processual Penalgarantidor.

Como ensina Alberto Bovino, não é possível “ que a situação do indivíduo ainda inocente seja pior do que a da pessoa já condenada, é dizer, de proibir que a coerção meramente processual resulte mais gravosa que a própria pena. Em conseqüência, não se autoriza o encarceramento processual, quando, no caso concreto, não se espera a imposição de uma pena privativa de liberdade de cumprimento efetivo. Ademais, nos casos que admitem a privação antecipada da liberdade, esta não pode resultar mais prolongada que a pena eventualmente aplicável. Se não fosse assim, o inocente se acharia, claramente, em pior situação do que o condenado. ” [20]

Entendemos, pois, incabível a decretação imediata da prisão dos réus do chamado processo do Mensalão, pois, como ensina Antonio Scarance Fernandes, “s e o réu apenas pode ser considerado culpado após sentença condenatória transitada em julgado, a prisão, antes disso, não pode configurar simples antecipação de pena, somente se justificando quando tiver natureza cautelar. Em suma, qualquer prisão durante o processo, para não haver ofensa ao princípio da presunção de inocência, deve ter natureza cautelar e não pode significar antecipação de pena, pois esta, necessariamente, deve ocorrer de sentença condenatória transitada em julgado .” [21]

Julian Lopez Masle e Maria Inês Horvitz afirmam que “ el principio de inocência no excluye, de plano, la posibilidad de decretar medidas cautelares de carácter personal durante el procedimiento. En este sentido, instituiciones como la detención o la prisión preventiva resultan legitimadas, en principio, siempre que no tengan por consecuencia anticipar los efectos de la sentencia condenatória sino asegurar fines del procedimiento ” [22]

Também Alberto M. Binder: “ Já vimos que todas as medidas de coerção penal são, em princípio, excepcionais. Dentro dessa excepcionalidade, a utilização da prisão preventiva deve ser muito mais restringida e, para assegurar essa restrição devem ser considerados dois tipos de suposição. Em primeiro lugar, não se pode aplicar a prisão preventiva se não existe um mínimo de informação que fundamente uma suspeita sobre limite essencial e absoluto: se não existe sequer uma suspeita racional e com fundamento de que uma pessoa possa ser autora de um fato punível, de maneira nenhuma é admissível uma prisão preventiva. Porém, este requisito não é suficiente. Por mais que se tenha uma suspeita com fundamentos, tampouco seria admitida constitucionalmente a prisão preventiva se não houverem outros requisitos, os chamados ‘requisitos processuais’. Estes se fundamentam em que a prisão preventiva seja direta e claramente necessária para assegurar a realização do julgamento ou assegurar a imposição da pena. ” [23]

Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça na Bahia. Foi Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça e Coordenador do Centro de ApoioOperacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). É Coordenador do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pelaUniversidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). EspecialistaemProcessopelaUniversidade Salvador-UNIFACS (Curso coordenado peloProfessor J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da AssociaçãoBrasileira de Professores de CiênciasPenais e do InstitutoBrasileiro de Direito Processual. Associado ao InstitutoBrasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim e ao MovimentoMinistérioPúblicoDemocrático. Integrante, por duas vezes consecutivas, de bancas examinadoras de concursopúblicoparaingresso na carreira do MinistérioPúblico do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia, do Curso JusPodivm, do Curso IELF, da Universidade Jorge Amado e da Fundação Escola Superior do Ministério Público. Autor das obras “Direito Processual Penal”, “Comentários à Lei Maria da Penha” (em co-autoria) e “Juizados Especiais Criminais”– Editora JusPodivm, 2008, além de organizador e coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal”, Editora JusPodivm, 2008. Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados na Bahia e no Brasil.



[1] Expressão preferida pelos italianos, ao invés do periculum in mora (cfr. Delmanto Junior, Roberto, in As Modalidades de PrisãoProvisória e seuPrazo de Duração, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 67).

[2] Conceito pordemaisgenérico e, exatamenteporisso, impróprioparaautorizar uma custódiaprovisóriaque, como se sabe, somente se justifica no processopenalcomoumprovimento de naturezacautelar (presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis). Há mais de doisséculos Beccaria já preconizava que “ o réunão deve ficar encarcerado senão na medidaemque se considere necessáriopara o impedir de escapar-se ou de esconder as provas do crime ” (Dos delitos e das penas, São Paulo: Hemus, 1983, p. 55), o que coincide comdoisoutrosrequisitos da prisão preventiva emnossoPaís ( conveniência da instrução criminal e asseguração da aplicação da leipenal). Decreta-se a prisão preventiva no Brasil, muitas vezes, sob o argumento de se estar resguardando a ordempública, quando, porexemplo, quer-se evitar a prática de novosdelitospelo imputado ouaplacar o clamorpúblico. Não raras vezes vê-se prisão preventiva decretada utilizando-se expressõescomo “alarmasocial causado pelocrime” oupara “aplacar a indignação da população”, e tantas outras frases (só) de efeito. Ressaltamos que o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Nelson Jobim, deferiu emparte a liminarpedida no Habeas Corpus nº. 84548, pois considerou que o decreto de prisão preventiva do acusado teria se desviado dos requisitos do art. 312 do Código de ProcessoPenal, porlhefaltar as indicações do que consiste a periculosidade do paciente e a quaisriscos a ordem pública estaria exposta se ele respondesse à açãopenalem liberdade, salientando, outrossim, que o entendimento do STF não permite queclamorpúblico sirva comofundamentopara a prisão preventiva. Ele observou que o acusado sempre colaborou com a instrução criminal e as investigações. Assim, o Ministro deferiu a liminarpararevogar a prisão preventiva, se poroutromotivo o acusado não estiver preso. Em outra oportunidade, a 1ª. Turma do SupremoTribunalFederal concedeu habeas corpus(Processo nº. 84778) a umservidorpúblicoque responde a processopelaprática de trêscrimes de concussão (art. 316 do CódigoPenal). O Ministro Sepúlveda Pertence, relator do processo, concedeu a ordempararevogar o decreto de prisão preventiva e permitirque o réu aguarde o julgamento da apelaçãoemliberdade. ConsoantePertence, não há comofalarem conveniência da instrução criminal se esta já terminou, nem invocar a garantia da ordempúblicaparanãocomprometer a imagem do PoderJudiciário. “ repisei minhaconvicçãoacerca da ilegitimidade constitucional da prisão preventiva fundada na necessidade de satisfazer a ânsiaspopulares de repressãoimediataemnome da credibilidade das instituições públicas, dentreelas o PoderJudiciário “, afirmou. Para o Ministro, taisconsiderações ” desvelam o abuso da prisão processual parafinsnão cautelares, seja o de antecipação da pena, que aborrece a presunção da não-culpabilidade, seja a instrumentalização do encarceramento do acusado para a popularização do Judiciário, que repugna o princípiofundamental da dignidadehumana “. Por fim, sustentou o relatornãosermotivoidôneopara a prisão preventiva a invocação da gravidade do crimeou o prestígio e a credibilidade do Judiciário. O voto do ministro-relator foi acompanhadopelosdemaisintegrantes da PrimeiraTurma. Em um outrocaso, umadvogado acusado de participar da organizaçãoconhecidacomo “Rede Chebabe”, que operava fraudesfiscais no ramo do comércio de combustíveis, vai responder às acusaçõesemliberdade. A decisão foi tomada n no dia 14 de dezembro de 2004 pela 1ª. Turma do SupremoTribunalFederal e foi estendida a outrostrêssupostos participantes da organização, co-réus na denúnciacontra o advogado. Nesta oportunidade, todos os Ministros da Turma seguiram o voto do relator, Ministro Sepúlveda Pertence, salientando “que o Supremo tem negado a manutenção de prisão preventiva quando o motivo é a invocação da gravidade do crime imputado.” O MinistroMarco Aurélio sustentou que “ há de se aguardar a comprovação do fatocriminoso a cargo do MinistérioPúblicoparaposteriormente ter-se as conseqüências.” (HC nº. 85068). Em outradecisãorecente, o Ministro do SupremoTribunalFederal, Marco Aurélio, concedeu duas liminares, emhabeas corpus, a dois condenados porseqüestro, emasculação e assassinato de menoresem Altamira, no Pará, entre 1989 e 1992. Com a decisão, eles poderão aguardaremliberdade o julgamento dos recursos de apelaçãoque tramitam na 15ª VaraPenal do Tribunal do Júri de Belém (PA), contra as sentenças condenatórias. As respectivas prisões preventivas haviam sido decretadas combase no fato dos réus residirem emEstadosdiferentes do local do julgamento. Nas decisões monocráticas, o MinistroMarco Aurélio destacou que os condenados sãoréusprimários, têm bonsantecedentes e estão presos há mais de umano. Afirmou que a circunstância de os condenados viverem emunidades da Federação diversas daquela emque foram julgados não é motivoparaensejar, porsisó, a custódia, “ afigurando-se o recolhimentocomoexecuçãoprecoce, açodada, temporã do títulojudicial, sujeitoainda a modificação, emface da recorribilidade ordinária ”, observando, ainda, que “ o barulho da turba, a repercussão dos acontecimentos na sociedade, na mídia, não podem servir à execuçãoprecoce da pena”. (HC-85223). Mais recentemente (15/03/2005), a 1ª. Turma do Supremo Tribunal Federal confirmou liminar do Ministro Eros Grau que concedeu, em dezembro de 2004, liberdade provisória para um policial acusado de assassinar um Delegado da Polícia Civil em Minas Gerais. A decisão foi tomada no julgamento final de habeas corpus impetrado em favor do policial. Alegando ” a notoriedade do clamor público em torno do caso e a repercussão na ordem pública“, a Justiça de 1º. grau negou a possibilidade de o policial recorrer em liberdade da decisão que determinou seu julgamento pelo Tribunal do Júri por homicídio qualificado. Essa decisão foi mantida pelo Superior Tribunal de Justiça. O Ministro Eros Grau, ao deferir o pedido de habeas corpus e libertar o acusado, afirmou que os fundamentos no clamor público e na repercussão do caso não são “idôneos” para a manutenção da prisão preventiva. Na decisão, ele relacionou julgamentos do Supremo nesse sentido . (HC-85046 – grifo nosso). Também a falta de fundamentação do decreto de prisão levou a 5ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça a colocar em liberdade um acusado de participar da ação que resultou na morte de cinco integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra). Segundo o STJ, a decisão da 5ª. Turma revoga a prisão preventiva decretada por um Juiz de primeira instância de Minas Gerais e confirmada por um colegiado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Após realizar leitura detalhada do decreto de prisão expedido contra o réu, o ministro entendeu que a decisão da Justiça mineira não contém fundamentos concretos para justificar a manutenção da custódia cautelar, destacando quatro aspectos do decreto de prisão que, no seu entendimento, não são idôneos para embasar o argumento de ser a prisão necessária para garantia da ordem pública. O primeiro deles foi a existência de prova de materialidade e indícios de autoria do crime. Os outros foram a credibilidade da Justiça, a gravidade do delito e a ocorrência de comoção social. Para o Ministro, descolados de fatos concretos e respaldados em suposições, esses argumentos não são suficientes para justificar a custódia cautelar. Nesse sentido, citou vários julgados com entendimento semelhante do STJ e do Supremo Tribunal Federal. (HC nº. 41601).

[3] Fumus commissi delicti : indícios da autoria e prova da materialidade do crime.

[4] O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 175, junho/2007, p. 11.

[5] Derecho Procesal Penal, Madrid: Colex, 3ª. ed., 1999, pp. 522/523.

[6] Apud Américo Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, Coimbra Editora, 1990, p. 251.

[7] “Levando os direitos a sério”, São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 18/19.

[8] Para Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, “ nunca foi tão importante estudar os Goldschmidt, mormente agora onde não se quer aceitar viver de aparências e imbrogli retóricos .” (O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 175, junho/2007, p. 12).

[9] Apud José Frederico Marques, in Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1998, p. 37.

[10] Direito, Poder, Justiça e Processo, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 68.

[11] Idem, p. 69.

[12] Apesar de que, comoensina Norberto Bobbio, “(…) a Democraciaperfeitaatéagoranão foi realizada em nenhuma parte do mundo, sendo utópica, portanto.” (Dicionário de Política, Brasília: Universidade de Brasília, 10ª. ed., 1997, p. 329).

[13] Liberdades Públicas e Processo Penal – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª. ed., 1982, pp. 20 e 52.

[14] Introdução ao Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 25, na tradução de Fernando Zani.

[15] Norberto Bobbio, A Era dos Direitos, Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 01.

[16] Idem, p. 05.

[17] Compêndio de ProcessoPenal, Tomo I, Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1967, p. 15.

[18] José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1998, p. 37.

[19] Luigi Ferrajoli, Derecho y Razón, Madrid: Editorial Trotta, 3ª. ed., 1998, p. 537.

[20] Apud Rogerio Schietti Machado Cruz, “Prisão Cautelar – Dramas, Princípios e Alternativas”, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 100.

[21] Processo Penal Constitucional. 4ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 315.

[22] Derecho Processual Penal Chileno, Tomo I, Santiago do Chile : Editorial Jurídica de Chile, 2003, p. 83.

[23] Introdução ao Direito Processual Penal, Tradução de Fernando Zani, Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2003, p. 150.

Como citar e referenciar este artigo:
INVESTIDURA, Portal Jurídico. O apressado come cru … ou a história do Procurador-Geral Da República que ganhou um presente de grego no natal!. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2013. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/o-apressado-come-cru-ou-a-historia-do-procurador-geral-da-republica-que-ganhou-um-presente-de-grego-no-natal/ Acesso em: 23 fev. 2025