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Entrevista: Paulo Nader

Entrevista: Paulo Nader

 

Claudia Zardo*

 

 

Paulo Nader é doutrinador, professor Emérito da Universidade de Juiz de Fora, membro efetivo da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e juiz de Direito aposentado e um apaixonado pelo saber. Nader começou a produzir obras jurídicas ainda na máquina de datilografar, em 1979. Hoje, como autor, detém os direitos autorais de mais de nove obras ; uma delas – Introdução ao Estudo do Direito – já está na 30ª edição. Recentemente, o também jurista completou o “Curso de Direito Civil”, obra composta por sete volumes, que começou escrever em 2003. Em entrevista, Paulo Nader com sapiência  fala sobre mercado e ensino jurídicos, concursos e comportamento.  Confira a seguir.

 

 

MERCADO JURÍDICO

 

Enquanto professor, o sr. tem observado algum tipo de tendência e/ou politicagem dentro da academia de Direito na qual obras didáticas são indicadas pelos professores mais por questões de amizade com o autor do que propriamente pela qualidade da obra?

 

Paulo Nader – Quem escreve, escreve para ser lido. Mas o que se nota na indicação dos livros, de uma parte, é muito mais o marketing das editoras. Algumas são muito agressivas. Então, em grande parte os professores são induzidos pelo marketing dessas editoras, que possuem um grupo enorme de divulgadores. Logo no início do ano letivo esses grupos comparecem nas universidades e doam obras aos professores. Alguns oferecem até coleções inteiras. Em grande parte os livros são, pois, indicados porque chegam aos formadores de opinião por meio de doação. Às vezes há também a questão de simpatia e de amizade, mas me parece que isso pesa muito pouco. Em contrapartida, os alunos passam a ser críticos das obras que lhes são apresentadas. Ademais, se a obra não tiver a desejada qualidade, ela pode até, no primeiro momento, impressionar e alcançar mais de uma edição, mas o tempo acaba lhe fazendo justiça. Obras que de fato são boas alcançam muitas edições por mérito próprio. O processo de assimilação delas pelo mercado pode ser lento, mas acabam prevalecendo o bom senso e a sua qualidade, alcançando  destaque entre tantas outras.

 

 

ENSINO JURÍDICO

 

Considerando que o percentual de aprovados no Exame de Ordem é baixo para a quantidade de bacharéis que se formam, além da falha pedagógica no ensino fundamental e médio, há também outro aspecto que passa despercebidamente: alguns professores universitários não têm qualquer talento para o magistério, mas conseguem ministrar aulas em faculdades muitas das vezes objetivando apenas o status e aumentar seu currículo pessoal. Não seria também necessário, então, que o MEC avaliasse a competência desses professores na mesma medida em que o aluno é testado pelo Exame de Ordem? Será mesmo que a causa do problema está unicamente no aluno ou há responsabilidade também por parte dos professores que não souberam repassar o conhecimento e/ou preparar bem o aluno?

 

 

Paulo Nader – Creio que o resultado do Exame de Ordem expressa não apenas a qualidade do ensino. Temos que ver esse problema dentro de uma cosmovisão. Porque o bom aluno, aquele que teve uma base sólida, uma grande motivação, ainda que tenha estudado em uma faculdade fraca, será um autodidata e brilhará no Exame. O ponto crítico está naqueles que não tiveram uma boa formação no ensino médio, fundamental, e que acabam por ingressar em instituições que também não são de qualidade; e assim, como resultado,  temos o atual quadro. O que deve haver, por parte da Comissão de Ensino Jurídico da OAB e dos organismos do MEC, é uma atitude firme. Eu não noto isso por parte do Ministério da Educação: só há certas recomendações, mas nunca vejo o MEC fechar efetivamente uma instituição de ensino superior. Creio que as instituições de ensino devem ser permanentemente avaliadas; nem tanto pelo resultado do Exame de Ordem, mas pelo dia-a-dia do que se passa dentro delas. Por exemplo, a faculdade X tem biblioteca? – Tem. Então vamos ver a relação das obras consultadas. Será que os professores fazem pesquisas? Às vezes o mau exemplo vem daí; nem os professores pesquisam nos livros que estão na biblioteca. Além disso, há grupos do MEC que vão até à instituição para efeito de reconhecimento, verificam as instalações, o quadro acadêmico e a biblioteca, mas, naquele momento, reúnem-se livros aqui e acolá e tudo parece perfeito, mas, após a verificação pela banca de avaliação, tudo volta ao que realmente era. O MEC também peca por estar extremamente politizado. Basta olhar o quadro de componentes de seus Conselhos,  para se constatar a sua politização.

 

 

CONCURSOS

 

As provas de concursos públicos têm exigido muito mais memorização do que propriamente raciocínio. Dentro do viés de análise da Filosofia, de que serve uma pessoa decorar, por exemplo, o pensamento de Rousseau, Kant, Hegel etc. e não saber aplicar o pensamento deles na análise dos problemas contemporâneos? Enfim, como o sr. avalia essa pedagogia e mensuração de conhecimento por meio do método de mera memorização?

 

Paulo Nader – Penso que ensinar é despertar a capacidade de problematização do acadêmico. Então, o professor tem de explorar o potencial de raciocínio dos alunos e não ser um mero repetidor de ciência. Aí vai uma consideração em relação aos professores: não devem ser apenas repetidores do  conhecimento. Há um desafio, um compromisso por parte do professor, que deve ser levado a sério: é o ato de servir à Ciência, situando-se adiante dos esquemas legais. Ou seja, o bom professor deve servir à Ciência, deve ser um desbravador, um pioneiro e um modelo para o aluno. Quanto aos concursos, não vejo como aferir a capacidade para o exercício de uma profissão apenas por esses testes de múltipla escolha. Até admito que, no conjunto de uma prova, haja uma seção de múltipla escolha, mas questões que exigem raciocínio sobre problemas atuais e práticos são essenciais. Há assim, a meu ver, que se diversificarem as provas com diversos métodos de aferição de conhecimento.

 

Ainda que sobrem vagas nos concursos para juízes, há uma grande tendência de termos juízes jovens (entre 22 e 27 anos) ingressando por este meio. Como o sr. avalia a questão?

 

Paulo Nader – Acho uma falha muito grande não se exigir um interstício maior entre a conclusão do curso de bacharelado e o ingresso na magistratura. É preciso que haja certo amadurecimento do iniciante na magistratura, porque o Direito é vida; é experiência que se alcança apenas vivendo. Tirando a parte de organização do Estado, o Direito dispõe sobre relações interindividuais, sobre os interesses humanos. Então é preciso ter uma vivência muito grande para poder avaliar os casos. O bom juiz é o que se coloca na posição do outro, no lugar daquele que está sendo julgado. Enquanto o juiz é novo – e também há de se citar o caso do jovem promotor de justiça -, a tendência dele é ficar adstrito ao esquema legal. Ele acha que, enquanto estiver seguindo, rigidamente, a cartilha legal, estará cumprindo o seu dever, não ficando vulnerável à crítica; o corregedor-geral de Justiça não poderá questionar o seu trabalho; igualmente, as Câmaras Cíveis ou Criminais também não irão ou censurá-lo. Sim, às vezes há censura dos autos – etc. Em especial o jovem que ainda está no estágio probatório acha que, aplicando a lei rigidamente e/ou aplicando-a conforme a jurisprudência do Tribunal, estará bem e imune à crítica. Já o juiz com mais vivência sabe que a lei é um esquema muito abstrato, que comporta classes de situações e em algumas dessas há adequação plena e em outras, não. Então é preciso decidir com eqüidade, ou seja, adaptar aquela norma abstrata de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Para tanto, é preciso ter vivido e ter sofrido também; o sofrimento, a angústia, a apreensão enriquecem a alma. E a vida bem nos ensina que não há como avaliar fatos e condutas do outro sem ao menos ter a experiência de vida necessária para entender o que o outro está vivenciando.

 

COMPORTAMENTO

 

E qual a crítica que o sr. faria ao comportamento de alguns juízes, sejam eles jovens ou não?

 

Paulo Nader – Às vezes a pessoa possui talento, vocação, cultura, mas não tem disposição para o trabalho. Infelizmente, no Judiciário, há aqueles que produzem além do suficiente – que “carregam o piano” – e há os que são lentos, omissos, desidiosos… Alguns juízes, por exemplo, não dão o devido andamento processual; a casa deles é um verdadeiro cartório, mas eles optam por dar prioridade a um processo quando percebem que despertará a atenção de muitos; visam a causar a falsa impressão de que são dedicados na prestação jurisdicional. Creio que a celeridade processual, tão desejada pela sociedade e pelo próprio Judiciário, requer um acompanhamento dos trabalhos de primeiro e segundo graus de jurisdição pelas corregedorias-gerais e pelo próprio Conselho Nacional de Justiça.  

 

* Jornalista e acadêmica de Direito

 

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Como citar e referenciar este artigo:
ZARDO, Claudia. Entrevista: Paulo Nader. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/entrevista-paulo-nader/ Acesso em: 21 nov. 2024