Sociedade

Eixo definidor: Violência como narrativa da história humana

Resumo: “Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história”. É uma frase de Hannah Arendt, apesar de que a violência permaneça em ser o eixo definidor da evolução da sociedade humana.

Palavras-chave: Violência. História. Evolução Humana. Hobbes. Leviatã. Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

No fundo, idealizamos a espécie humana. A violência é eixo definidor das relações humanas. E, foge ao controle e se redimensiona com a mesma engenhosidade com a qual buscamos impor os limites à destruição.

Hobbes[1] havia pensado a guerra de todos contra todos era parte constitutiva das sociedades humanas. Concluiu tal pensamento, justamente, em Paris enquanto era tutor do futuro Rei Carlos II[2], quando ambos fugiam da violenta guerra civil que assolava a Inglaterra. Existia um mundo hostil e repleto de cólera.

Hobbes defendeu que para evitar a total destruição, surgia o Estado, entendido que conteria todos por monopolizar a violência. O Leviatã que dá título à obra mais conhecida de Hobbes, foi somente publicada dois anos depois de seu retorno da França, representava o maior monstro de todos os oceanos.

A anomalia aquática era uma metáfora bíblica, que estava no topo do poder das criaturas, e com seu tamanho e potência, estabeleceria a paz possível. A guerra de todos contra todos seria, enfim, detida pelo Estado forte, o Leviatã[3].

Mesmo nos textos sagrados, há tradicionalmente, páginas violentas e sangrentas, contendo ainda a incitação ao ódio, o esforço de muitas religiões é mesmo na direção de controlar a natureza degenerada da espécie humana.

Na lógica de Walter Benjamin[4], precisamos conter a violência é porque, sem a mordaça, a tendência da boca humana é mesmo gritar e morder. A tradicional utilidade das entidades religiosas e organizadas é concentrar o mal e a violência em atividades e propagar ideias que possam ser focadas nas quais a destruição não se alastre.

Mesmo numa cruzada[5] ou auto de fé[6], o que foi popular na Idade Moderna, há muitos espetáculos de luta, que ridicularizavam as vítimas, acidentes na estrada, filmes de guerra, histórias trágicas e, tudo mais que ainda funciona e dinamiza a catarse sedutora da violência.

Ao analisarmos o nazismo como sendo a encarnação mais perfeita da violência, todos os horrores do holocausto endossam tal ideia. E, conforme afirmava o famoso oficial nazista em seu julgamento por crimes de guerra[7], nos anos de 1960, quando, então, Hannah Arendt[8] refletiu que o mal não era algo assim tão excepcional que atacaria seres sádicos e malévolos. O mal, infelizmente, era banal. E, Adolf Eichmann[9] fora o alvo de observação e estudo da cientista política, mostrava-se como um bom pai de família e exemplar na convivência social cotidiana. Era um homem calmo, dominantemente, organizado, e ordinário em muitos aspectos, apesar de ter sido responsável pelo óbito de centenas de milhares de seres humanos.

Assim, a ação era monstruosa realizada por um indivíduo comum. Enfim, na obra Eichmann em Jerusalém traduz claramente que a violência está bem próxima de nós. Os norte-americanos denominam a blue line que é metáfora sobre a cor azul do uniforme do policial, apontando a tênue linha que separa a sociedade ordeira da barbárie violenta[10].

A polícia, a lei o sistema de costumes e também as regras morais garantidas pela punição correspondem ao reforço dessa fronteira delicada que divorcia, de forma invisível, a coesão social do horror. Enfim, a sociedade humana caminha em paz tal como um elefante numa loja de cristais. É curioso como um rio de ódio flui de forma perene sob as águas que, superficialmente, são calmas. Basta um gesto, uma frase apenas e, tudo desaba.

E a pulsão de morte freudiana ressuscita o caráter primitivo do ser humano. A força catártica gera explosões de violência e, são uma constante na história da humanidade.

Enfim, há poucos momentos de harmonia na história quando seria possível tocar avena e tanger a harpa em pleno campo florido com cordeiros, trata-se apenas mais um sonho árcade. Pelo menos, não morremos hoje, o que já é um alívio conforme nos ensina Karnal. Porém, jamais uma redenção.

Observando-se as derradeiras transformações políticas do último século, percorrendo, ainda, os estudos de Voltaire, Kant e Hegel por muito tempo acreditou-se num contínuo aperfeiçoamento da condição humana, tida como uma inexorável marcha reta em direção à razão[11].

Foi o Holocausto[12] perpetrado em um dos mais avançados país da Europa é que evidenciou que a luta pela dignidade humana ainda tem que ser exercida de forma contínua e consciente. Mesmo depois da II Guerra Mundial, ocorreram outros genocídios como em Ruanda, Iugoslávia, Camboja, China, Coréia, Vietnã o que nos força refletir sobre a convivência entre os homens nesse século XXI[13].

Paradoxalmente, a globalização ao mesmo tempo que aprofunda e interliga os homens, vem acompanhada de forte localismo e particularismo religioso, étnico, político e cultural, promovendo ódios, incompreensões em escala crescente.

Registra-se, contemporaneamente, o mais baixo nível de tolerância e a violência adentra as relações de gênero, na religião, na cultura e aborda, igualmente, a questão de direitos humanos, principalmente sob o prisma de diferentes sistemas culturais.

A etimologia[14] da palavra violência, vem do latim vis significando força, virilidade que pode ser positiva em termos de transformação social, no sentido de violência revolucionária, quando utilizada como meio de se tentar transformar uma sociedade em determinado momento histórico. Em outra ponta, há a violência considerada institucional que procuram manter o status quo e as relações de poder.

Lembremos que o legado deixado pelo positivismo é atribuir ao estatuto ontológico a simples qualidades das ações. Cogita-se, portanto, de crime, de agressão e de violência como se fossem entidades em si, independentes dos seus processos de produção e atribuição de significação por parte da sociedade.

Um efeito perverso disso é a prática de transformar “certos” autores de crimes e de atos violentos sim, porque não se aplica a todos em personagens cuja rotulação de “criminoso”, “bandido”, “violento” ou “psicopata” qualifica não tanto as ações quanto o seu ser. Uma prática que nos transposta ao século XIX, ao tempo de L’uomo criminale (1876) de Cesare Lombroso (1835-1909)[15], que encontrava o “ser criminoso” nas formas anatômicas dos condenados por crime.

Outra dificuldade é o fato de o fenômeno da violência apresentar diversas dimensões, como ocorre na divisão que se faz entre violência expressiva, aquela cujo objetivo é infligir algum tipo de mal a alguém, e violência instrumental, vista como um simples meio normal para atingir um determinado fim social (estima, status, poder etc.), de forma que o mal que esta pode ocasionar é considerado uma mera consequência e, não um objetivo da ação. Enquanto a primeira é considerada ilegal e socialmente inaceitável, a segunda é considerada legal e socialmente aceitável (Ball-Rokeach, 1980).

É preciso sublinhar que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de 2017 que serve de referência para a construção de currículos de todas as escolas brasileiras prevê dez competências gerais que devem nortear os trabalhos em todos os anos e componentes curriculares da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio principalmente no combate à violência.

Na prática, as dez competências consubstanciam, no âmbito pedagógico, os direitos de aprendizagem e desenvolvimento de crianças e de adolescentes. Dentre as 10 (dez) competências gerais, para o contexto das discussões sobre a Educação que protege contra a violência, o UNICEF[16] destaca as seguintes:

• Competência 7

Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.

• Competência 8

Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.

• Competência 9

Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.

• Competência 10

Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. Fica evidente, portanto, o papel do currículo escolar como um importante elemento dentre as diversas ações que precisam ser tomadas para a prevenção de todas as formas de violência contra crianças e adolescentes.

Recentemente, foi publicada no Diário Oficial da União, em 14.6.2021. In litteris: Lei Federal n° 14.164/21, cujo teor:

a) Alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), incluindo conteúdo sobre a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica e

b) Instituiu a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher[17].

 O art. 26 da LDB passa a informar que conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de violência contra a criança, o adolescente e a mulher serão incluídos, como temas transversais, nos currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio, observadas as diretrizes da legislação correspondente e a produção e distribuição de material didático adequado a cada nível de ensino.

Já a instituição da Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher, a ser realizada anualmente, no mês de março, em todas as instituições públicas e privadas de ensino da educação básica, tem como objetivos: I – contribuir para o conhecimento das disposições da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha); II – impulsionar a reflexão crítica entre estudantes, profissionais da educação e comunidade escolar sobre a prevenção e o combate à violência contra a mulher; III – integrar a comunidade escolar no desenvolvimento de estratégias para o enfrentamento das diversas formas de violência, notadamente contra a mulher; IV – abordar os mecanismos de assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, seus instrumentos protetivos e os meios para o registro de denúncias; V – capacitar educadores e conscientizar a comunidade sobre violência nas relações afetivas; VI – promover a igualdade entre homens e mulheres, de modo a prevenir e a coibir a violência contra a mulher; e VII – promover a produção e a distribuição de materiais educativos relativos ao combate da violência contra a mulher nas instituições de ensino.

A Lei entrou em vigor na data de sua publicação (11/06/2021).

Há, realmente, um esforço para que o combate à violência dirigida seja à mulher, criança ou adolescente e, até mesmo idosos seja efetivo, principalmente, em meio de uma séria crise sanitária como a presente. Tanto que o Estado procura oferecer permanente capacitação aos servidores da segurança, justiça, educação e saúde dentre outros, em parceria com o sistema de justiça e o movimento de mulheres. Pois capacitar permanentemente os profissionais de saúde e da educação para prover o adequado atendimento de casos de violência em conformidade às Normas Técnicas do Ministério da Saúde (vide in:  https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_pessoas_violencia_sexual_norma_tecnica.pdf ;  https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/politica-nacional-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres ).

Referências:

BACHELARD, G. La formation de l’esprit scientifique Paris: Vrin, 1972.

BALL-ROKEACH, S.J. Normative and deviant violence from a conflict perspective. Social Problems, Washington, v. 28, n. 1, p. 45-62, oct. 1980.

FREUD, S. El malestar en la civilización. In: FREUD, S. Obras completas Madrid: Biblioteca Nueva, 1968. p. 37-38.

HOBBES, T. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil Tradução de Rosina D’Angina. 2. ed. São Paulo: Ícone, 2003.

HOMERO, Vilma. Violência: presente e passado da história. Disponível em:  http://www.faperj.br/?id=1518.2.4 Acesso em 14.6.2021.

KARNAL, Leandro. Diálogo de culturas. São Paulo: Contexto, 2017.

PINO, Angel. Violência, educação e sociedade: um olhar sobre Brasil contemporâneo. Disponível em:  https://www.scielo.br/j/es/a/Fcw4BTVQtGJKZTcky7Y5hzx/?lang=pt Acesso em 14.6.2021.



[1] Thomas Hobbes (1588-1679) foi teórico político e filósofo inglês. Sua obra de maior destaque é o Leviatã que representa um tratado polícia centralizado na defesa do absolutismo e na tese do contrato social. Thomas Hobbes nasceu em Westport, Inglaterra, no dia 5 de abril de 1588. Filho de um clérigo anglicano, vigário de Westport, teve uma infância marcada pelo medo da invasão da Inglaterra pelos espanhóis, na época da rainha Elizabeth I. Inculto e violento, após uma briga com outro clérigo na frente de sua igreja, seu pai abandonou sua esposa e os três filhos, deixando-os sob a tutela de seu irmão. Educado por seu tio, aos quatro anos, Hobbes ingressou na escola da igreja de Westport, em seguida em uma escola particular e, aos 15 anos foi matriculado na Magdalen Hall da Universidade de Oxford, onde se formou em 1608. Thomas Hobbes teve toda sua vida ligada à monarquia inglesa. Tornou-se preceptor de William Cavendish, que viria a ser o segundo duque de Devonshire, ficando amigo da família por toda a vida. Como era hábito na época viajou com seu aluno para a França e Itália, entre 1608 e 1610, descobriu que a filosofia de Aristóteles, que estudou em Oxford, estava sendo combatida e desacreditada devido às descobertas de Galileu e Kepler. Entre 1621 e 1625, secretariou Francis Bacon ajudando-o a traduzir alguns de seus ensaios para o latim. Em 1628, com a morte de seu aluno, Hobbes voltou a viajar como preceptor do filho de Sir Gervase Clifton. Durante sua estada na França, entre 1629 e 1631, Hobbes estudou Euclides e despertou o interesse pela matemática. Em 1631, foi chamado como preceptor de outro filho da família Cavendish. Em 1634, acompanhado de seu novo aluno, fez a terceira viagem pelo continente, ocasião em que entrou em contato com o matemático e teólogo Marin Mersenne e, em 1636, esteve com Galileu e Descartes, mas desdenhava do experimentalismo de Galilei como também do de Francis Bacon.

[2] Em 1646, ainda em Paris, vira professor de matemática do Príncipe de Gales, o futuro Carlos II, que também se encontrava exilado em Paris devido à Guerra Civil Inglesa. Em 1651, dois anos após a decapitação do rei Carlos I, Hobbes decide voltar para a Inglaterra com o fim da Guerra Civil e o começo da Ditadura de Cromwell. Neste ano, também publica “Leviatã”, que provoca o início de sua disputa com John Bramhall, bispo de Derry, o principal acusador de Hobbes como sendo um “materialista ateu”.

[3] Leviatã (1651) Ainda em Paris, em 1651, Hobbes publicou “Leviatã”, onde defende a monarquia absolutista. A razão disto deriva da visão que ele tinha da sociedade, segundo ele sempre ameaçada por uma guerra civil, onde todos os seus integrantes vivem em uma situação de permanente conflito: “uma guerra de um contra todos e de todos entre si”. O estado da natureza, segundo ele, não tinha nada de harmonioso. O mundo antigo dos primeiros homens era um mundo de feras, onde “o verdadeiro lobo do homem era o próprio homem”. Para se chegar a uma sociedade civil era necessário que todos, por meio de um “contrato social”, concordassem em transferir as suas liberdades naturais a um só homem: o rei, somente ele deveria deter o monopólio da violência. Somente o rei deve ter poderes que lhe permitam impor sua vontade sobre todos para o bem geral da comunidade. No seu ponto de vista, não existe o direito à propriedade, nem à vida, nem à liberdade, que não sejam garantidos pela autoridade real. Rebelar-se contra ela, significa regredir no reino animal, onde impera sempre a violência, pondo em risco as conquistas da civilização. A obra desagradou a Igreja Católica e o Governo Francês, por ser muito radicalista e, sob essa pressão foi obrigado a deixar o país.

[4] Walter Benjamin (1892-1940) foi um filósofo, ensaísta, crítico literário e tradutor alemão. Deixou vasta obra literária, além de ter contribuído para a teoria estética, para o pensamento político, para a filosofia e para a história. Walter Benedix Schönflies Benjamin nasceu em Berlim, Alemanha, no dia 15 de julho de 1892. Filho de Emil Benjamin, dono de um antiquário, e de Paula Schönflies, uma família abastada da burguesia judia. Estudou no Friedrich Wilhelm Gymnasium em Berlim. Em 1904, por causa de sua frágil saúde, foi matriculado em um internato, no campo, na Turíngia, onde conheceu o pedagogo Gustav Wynecken e sob sua influência ingressou no Movimento da Juventude, que tinha o objetivo de reformar o sistema de Educação da Alemanha. Em 1933, com a ascensão do regime nazista, Emil Benjamin emigra para Paris. Em 1935, as revistas e jornais alemães não aceitam mais nenhum de seus artigos. A partir de 1937 recebe ajuda mensal do Instituto de Pesquisa. Sua tentativa de naturalização francesa não teve sucesso. Em 1939 foi destituído da cidadania alemã. Com a invasão nazista na França. Walter Benjamin atravessa Paris com o objetivo de chegar à Espanha e embarcar para os Estados Unidos. No dia 26 de setembro chega ao porto de fronteira, mas os espanhóis o recusam dar passagem. Se vendo ameaçado de cair nas mãos dos nazistas, se suicida com uma dose letal de morfina que tinha trazido consigo.

[5] Tradicionalmente cogita-se em nove Cruzadas, mas, na realidade, elas constituíram um movimento quase permanente. Cruzada Popular ou dos Mendigos (1096); Primeira Cruzada (1096-1099); Segunda Cruzada (1147-1149); Terceira Cruzada (1189-1192); Quarta Cruzada (1202-1204); Cruzada Albigense; Cruzada das Crianças (1212), A batalha de Azaz, uma das mais sangrentas, ocorreu a 11 ou 13 de junho de 1125, entre as forças dos estados cruzados comandadas pelo rei Balduíno II de Jerusalém e o exército seljúcida de Suncur Burcuci, quando a vitória dos cristãos forçou o fim do cerco muçulmano a Azaz. Para além de levantar o cerco a Azaz, esta vitória recuperou muita da influência que os cruzados tinham perdido após a derrota na batalha do Campo de Sangue em 1119. O rei de Jerusalém ainda planearia um ataque a Alepo, mas em 1126 Boemundo III de Antioquia atingiu a maioridade e entrou em conflito com Edessa, pelo que a aliança cruzada não se realizou. Em 1128, Zengui obteve o controlo de Alepo e Mossul – a sua forte liderança levaria ao enfraquecimento do poder cruzado no norte da Síria e, em 1144, à reconquista de Edessa pelos muçulmanos.

[6] No dia 27 de novembro de 1095, o papa Urbano II fez um comício ao ar livre nas cercanias da cidade de Clermont, na França. Na audiência, além de muitos bispos, havia nobres e cavaleiros. Depois desse sermão, o mundo nunca mais seria o mesmo. Nesse discurso, o papa tentou convencer os ouvintes a embarcar numa missão que parecia impossível que era cruzar três mil quilômetros até a cidade santa de Jerusalém e expulsar os muçulmanos, que dominavam o lugar desde 638. De acordo com os historiadores, Urbano II utilizou uma linguagem vibrante e provavelmente cogitou sobre os horrores que os peregrinos cristão à Terra Santa estavam vivenciando. Do alto de sua autoridade divina de substituto de São Pedro na Igreja, o papa prometeu: quem lutasse contra os infiéis ganharia o perdão de todos os pecados e lugar garantido no país. Enfim, esse prêmio cobiçado e tentador no imaginário do homem cristão medieval, sempre atormentado pela ameaça de queimar no inferno. Segundo os historiadores, a intenção do papa era convocar apenas cavaleiros bem-preparados. Mas seu discurso empolgou especialmente os camponeses pobres que tinham pouco a perder. As cruzadas terminariam entrando para a história como o maior movimento populacional da Idade Média, redefinindo para sempre o mapa do mundo.

[7] O Tribunal de Nuremberg ficou responsável pelo julgamento de criminosos envolvidos com o assassinato, extermínio, escravidão, deportação, abuso de poder, entre outros crimes. A Convenção de Genebra (1949) instituiu uma lista de crimes de guerra – atos cometidos durante conflitos militares que são condenáveis e proibidos. Alguns dos atos considerados crimes de guerra são: utilizar gás venenoso, lançar ataques propositalmente contra civis, privar prisioneiros de guerra de um julgamento justo, torturar prisioneiros de guerra e pegar reféns entre a população civil. Um crime de guerra é uma violação do direito internacional ocorrida em guerras, principalmente com violação dos direitos humanos. Os crimes de guerra são definidos por acordos internacionais, incluindo as Convenções de Genebra e, de maneira particular, o Estatuto de Roma (no artigo 8), gerindo as competências da Corte Penal Internacional (CPI).

[8] Hannah Arendt (1906-1975) nasceu no subúrbio de Linden, em Hannover, Alemanha, no dia 14 de outubro de 1906. Quando tinha três anos sua família mudou-se para a Prússia. De origem judia, “Johannah Arendt”, foi uma menina precoce. Tinha sete anos quando o pai morreu, mesmo assim procurou consolar a mãe: “Pense – isso acontece com muitas mulheres”, disse ela para espanto da viúva. Com 14 anos leu a obra de Kant, Crítica da Razão Pura. Em 1951 naturalizou-se americana. Nesse mesmo ano, publicou “Origem do Totalitarismo”, obra que a tornou conhecida e respeitada nos meios intelectuais. Na obra, dividida em “Antissemitismo”, “Imperialismo” e “Totalitarismo”, ela procura analisar de que modo se forjou na Europa uma verdadeira máquina de destruição, capaz de levar ao horror do holocausto. Em 1961 publicou “Entre o Passado e o Futuro” quando afirma que a palavra e a ação, para se converterem em política, requerem a existência de um espaço que permita o aparecimento da liberdade. Em 1963, publicou “Eichmann em Jerusalém” que nasceu de uma série de artigos publicados na revista The New Yorker. Na obra, Hannah trata do julgamento do oficial da Alemanha nazista que entrou para a história como o administrador da “solução final”. O extermínio sistemático de judeus na II Guerra Mundial. Era ele quem organizava a logística das deportações em massa para campos de extermínio. Depois de se esconder na Argentina, foi levado para ser julgado em Jerusalém, onde foi condenado à morte na forca. As conclusões de Hannah que retratou o nazista não como a encarnação da maldade, mas como um mero burocrata, preocupado em subir na carreira e inconsciente da dimensão psicopata de seus atos causou polêmicas e acabou sendo isolada até pelos amigos. Do livro que ela publicou nasceu a expressão “banalidade do mal”. Na obra ela defende que o mal não é uma força metafísica, maior que a vida cotidiana, e sim que existe por questões políticas e históricas. Ainda em 1963, Hannah Arendt passa a lecionar na Universidade de Chicago, onde permanece até 1967. Nesse mesmo ano, muda-se para Nova Iorque, onde é contratada pela New School for Social Research, onde permaneceu até 1975. Sua última obra – “A Vida do Espírito”, só foi publicada após sua morte. Hannah Arendt faleceu em Nova Iorque, Estados Unidos, no dia 4 de dezembro de 1975.

[9] Adolf Eichmann foi um dos principais responsáveis pela deportação dos judeus europeus durante o Holocausto. Embora tenha nascido na Alemanha, ele foi para a Áustria quando menino. Em 1932, entrou no Partido Nazista Austríaco e nas SS, e rapidamente galgou posições nas organizações nazistas. Eichmann foi um dos principais desenvolvedores do Holocausto Nazista. Nascido no interior da Alemanha, se mudou para Áustria quando era criança, onde o pai tinha uma empresa de mineração. Em 1932, voltou à Alemanha e foi convidado a integrar o Partido Nazista, ganhando um emprego como cabo da SS em Dachau. Lá, conheceu Reinhard Heydrich e foi integrado na Secretaria de Assuntos Judeus. Em 1937, foi enviado à Palestina para verificar a possibilidade de uma migração em massa para a região. Eichmann administrou o extermínio judaico e foi o responsável pela proposta da Solução Final em 1942. Pouco tempo depois, se tornou o principal responsável pela logística dos campos de extermínio. Com o fim da Guerra, foi preso pelas tropas estadunidenses, mas fugiu em 1950 e chegou na Argentina com o nome de Ricardo Klement. Em 1960, Eichmann foi identificado e sequestrado pelo Mossad. Em seguida, foi levado para Israel e julgado por seus crimes de guerra. O alemão manteve a posição de que não era antissemita e que apenas seguia ordens, apontando incompetência do tribunal, que não teria jurisdição sobre ele. Mesmo assim, foi sentenciado à morte por seu envolvimento com as execuções nazistas, sendo enforcado em Ramla, no ano de 1961.

[10] A morte do afro-americano George Floyd por policial branco desencadeou protestos nos EUA. Longe de ser um caso isolado, ela se encaixa numa tendência sistêmica, que envolve também a impunidade dos perpetradores. Nos EUA, a violência policial corresponde a outra epidemia americana. Slogans como “Black Lives Matter” (Vidas negras importam) e “Não consigo respirar” simbolizam uma frustração muito mais profunda com a brutalidade policial, e a exigência de uma mudança sistemática no sistema de policiamento americano, sobretudo em relação às minorias.

[11] Outro problema no estudo da violência é sua relação com a racionalidade. Os atos violentos mais graves, como os praticados com requintes de crueldade, são vistos por alguns autores e alguns setores da mídia e da opinião pública como atos irracionais, seja porque escapam ao controle da razão, seja por ver neles a expressão de tendências desumanas resultado de uma maldade inerente à natureza da pessoa.

[12]Holocausto é o nome que se dá para o genocídio cometido pelos nazistas ao longo da Segunda Guerra Mundial e que vitimou aproximadamente seis milhões de pessoas entre judeus, ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová, deficientes físicos e mentais, opositores políticos etc. De toda forma, o grupo mais foi vitimado no Holocausto foi o dos judeus. Estes, por sua vez, preferem referir-se a esse genocídio como Shoah, que em hebraico significa “catástrofe”.

[13] Apesar de ser o discurso de ódio um dos grandes problemas da atualidade, considerando-se os vários fatores que o compõe. Impede destacar, quando ao texto constitucional refere-se a livre manifestação de pensamento como um dos direitos fundamentais, logo, entende-se que o discurso é irrestrito a qualquer manifestação de pensamento. Entretanto, é curial lembrar que os direitos fundamentais não são absolutos e, por isso, ao momento em que outros direitos garantidos começam a serem ameaçados ou violados, vê-se a necessidade de se estabelecer uma determinada limitação ao uso da livre manifestação de pensamento. Neste sentido, o discurso de ódio pode, por fim, resultar na aplicação das normas de Direito Civil e Direito Penal inclusive, valendo ressalvar, a possibilidade da execução de ambas as normas de forma simultânea.

[14] Se toda palavra é por natureza polissêmica, susceptível de múltiplos sentidos, há algumas em particular que adquirem um sentido tal que lhes confere um potencial evocativo capaz de provocar intensas reações racionais ou emocionais nas pessoas. Este parece ser o caso da palavra violência e dos adjetivos correspondentes, cujo poder evocativo faz com que a força do seu sentido seja maior que a do seu significado. O sentido se alimenta da experiência coletiva da humanidade, extremamente rica em fatos violentos, em que o imaginário de certos indivíduos encontra farto material para alimentar seus devaneios destrutivos.

[15] Cesare Lombroso foi um professor universitário e criminologista italiano, nascido a 6 de novembro de 1835, em Verona. Tornou-se mundialmente famoso por seus estudos e teorias no campo da caracterologia, ou a relação entre características físicas e mentais. … Foi também diretor de um asilo mental em Pesaro, Itália. O médico italiano Cesare Lombroso, fundador da chamada antropologia criminal, procurou demonstrar que algumas alterações estruturais do cérebro produziam comportamento violento. Os criminosos apresentavam características de uma espécie de retrocesso evolutivo, atributos que poderiam ser constatados por medição. A sua obra mais famosa intitula-se L’uomo delinquente (1876). Nesta obra, Lombroso aborda a génese do crime de um ponto de vista evolutivo e positivista. Para o efeito, estuda o crime e a prostituição entre os “selvagens”, chegando mesmo a examinar determinados comportamentos das plantas e dos animais. Estuda também a loucura moral e o crime infantil. Contudo, a parte mais importante da obra é consagrada ao estudo da anatomia patológica e da antropologia criminal. Examina centenas de crânios e milhares de indivíduos e reproduz estudos sobre o crânio, bem como sobre diversas anomalias cranianas. Conclui que os grandes criminosos apresentavam uma fossa occipital semelhante à dos vertebrados superiores. Dito de outro modo, Lombroso defende que o bandido é um ser atávico, do ponto de vista físico, e que se poderiam encontrar reminiscências de raças primitivas entre os criminosos natos.

[16] Metade das crianças do mundo, ou aproximadamente 1 bilhão de crianças a cada ano, é afetada por violência física, sexual ou psicológica, sofrendo ferimentos, incapacidades e morte, porque os países não seguiram estratégias estabelecidas para protegê-las. Isso está de acordo com um novo relatório publicado hoje pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o representante especial do secretário-geral das Nações Unidas sobre Violência contra as Crianças e a Parceria pelo Fim da Violência. “Nunca há nenhuma desculpa para a violência contra crianças”, disse o Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS. “Temos ferramentas baseadas em evidências para evitá-la, e instamos todos os países a que as implementem. Proteger a saúde e o bem-estar de crianças é fundamental para proteger nossa saúde e nosso bem-estar coletivo, agora e para o futuro”. O relatório Global Status Report on Preventing Violence Against Children 2020 (Relatório de Status Global sobre Prevenção da Violência contra Crianças 2020 – disponível em inglês) é o primeiro de seu tipo, mapeando o progresso em 155 países em relação ao marco “INSPIRE”, um conjunto de sete estratégias para prevenir e responder à violência contra crianças. O relatório sinaliza uma clara necessidade em todos os países de intensificar os esforços para implementar essas estratégias. Embora quase todos os países (88%) possuam leis importantes para proteger as crianças contra a violência, menos da metade dos países (47%) afirmou que essas leis estavam sendo fortemente aplicadas. A OMS e seus parceiros continuarão a trabalhar com os países para implementar totalmente as estratégias INSPIRE, aprimorando a coordenação, desenvolvendo e implementando planos de ação nacionais, priorizando a coleta de dados e fortalecendo os marcos legislativos. É necessária uma ação global para garantir que os apoios financeiro e técnico necessários estejam disponíveis para todos os países. O monitoramento e a avaliação são cruciais para determinar até que ponto esses esforços de prevenção são efetivamente entregues a todos que deles precisam. In: Países estão falhando em prevenir a violência contra crianças, alertam agências. Relatório de status global sobre a prevenção da violência contra crianças exige mais ações dos governos e alerta para o “impacto dramático” da Covid-19. Disponível em:  https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/paises-estao-falhando-em-prevenir-violencia-contra-criancas Acesso em 14.6.2021.

[17] “O isolamento do lockdown realmente levou a muita violência”, disse. “O fato de não poder sair e ganhar o pão de cada dia é uma grande fonte de estresse para as pessoas.” Descobertas semelhantes estão surgindo em outros países com populações significativas de pessoas deslocadas. O Global Protection Cluster – uma rede liderada pelo ACNUR de ONGs e agências da ONU que fornece proteção às pessoas afetadas por crises humanitárias – observou em agosto que a violência de gênero estava ocorrendo com uma incidência maior em 90 por cento de suas operações, incluindo no Afeganistão, Síria e Iraque. Enquanto isso, quase três quartos das mulheres refugiadas e deslocadas entrevistadas recentemente pelo Comitê Internacional de Resgate em três regiões da África relataram um aumento da dos casos de violência de gênero em suas comunidades. In: FERRERO, Fabíola; ACNUR. Violência contra a mulher aumenta durante a pandemia de COVID-19. Disponível em:  https://www.acnur.org/portugues/2020/11/25/violencia-contra-a-mulher-aumenta-durante-a-pandemia-de-covid-19/ Acesso em 14.6.2021.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Eixo definidor: Violência como narrativa da história humana. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2021. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/eixo-definidor-violencia-como-narrativa-da-historia-humana/ Acesso em: 26 dez. 2024