Raul Campos Silva Pinheiro
RESUMO
O presente artigo tem por escopo analisar a constitucionalidade do direito de greve, a sua história dentro da sociedade brasileira, as suas referências anteriores e a importância desta para a solidificação dos direitos sociais e, principalmente, a harmonização na relação laboral e as relações interpessoais entre empregado e empregador. Indubitavelmente se faz necessário analisar a Lei específica sobre o tema, Lei 7.783/89 e as nuances apresentadas pelo legislador no que tange aos serviços essenciais. Além disso, é primordial compreender a aplicação desta aos servidores públicos ante a ausência de norma jurídica aplicável exclusivamente aos agentes estatais. E por fim, entender como e por quais razões a decisão do R.E. 693.456/RJ, julgado pelo STF, ataca esse direito constitucional.
Palavras-Chave: Constituição – Greve – Direitos Sociais – Servidores Públicos
ABSTRACT
The purpose of this article is to analyze the constitutionality of the right to strike, its history within brazilian society, its previous references and the importance of this for the solidification of social rights and, especially, the harmonization in the labor relation and interpersonal relations between employee and employer. Undoubtedly it is necessary to analyze the specific Law on the subject, Law 7.783 / 89 and the nuances presented by the legislator with regard to essential services. In addition, it is essential to understand the application of this to public servants in the absence of a rule of law applicable exclusively to state agents. And finally, to understand how and for what reasons the decision of R.E. 693.456 / RJ, judged by the STF, attacks this constitutional right.
Keywords: Constitution – Strike – Social Rights – Public Servants
1. Considerações Iniciais
A Constituição brasileira trata expressamente no rol dos direitos fundamentais, significativamente no contexto dos direitos sociais, sobre o exercício do direito de greve. Não resta dúvida quanto a sua importância dentro da relação trabalhista e o seu papel instrumental de reivindicação visando a otimização no ambiente de trabalho.
Ocorre que é necessário discutir as nuances desse direito, posto que o seu raio de incidência abrange as mais variadas camadas de trabalhadores, sejam eles da iniciativa privada ou servidores públicos.
Nesse diapasão, desejamos discutir além das características gerais referente a esse direito, as relações da greve com a figura do funcionário público, permeando os aspectos jurídicos mais relevantes no que se refere a aplicação da Lei 7.783/89 e da mais recente decisão do STF que permite o corte de salário dos servidores públicos grevistas antes mesmo da greve ser declarada ilegal.
2. O direito constitucional a greve
O direito a greve está previsto constitucionalmente no artigo 9º, CFRB/88. Porém, não foram todas as cartas constitucionais brasileiras que permitiram aos empregados a fruição desse direito.
A Constituição de 1934 proibia a realização do movimento grevista. Seguindo a mesma linha autoritária, a Constituição de 1937, em seu artigo 139, considerava a greve e o lockout como recursos antissociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatível com os superiores interesses da produção nacional. Não se trava apenas de proibições constitucionais, o próprio Código Penal considerava crime a paralisação temporária do trabalho se houvesse perturbação da ordem pública ou se fosse contrário aos interesses públicos.
As Cartas de 1946 e de 1967, reconheciam a greve mas impunham algumas restrições e ressalvas, ou seja, não reconheciam como direito, apenas toleravam a sua realização, entretanto, é perceptível que houvera grande evolução quanto a liberação dessa prática.
Por fim, é cediço que a CFRB/88 já apresenta o direito de greve como um direito fundamental, elencando no rol dos direitos sociais, sendo assegurada a sua realização, in verbis:
Art. 9° E assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§ 1° A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
§ 2° Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei
Portanto, a greve passou pela fase de proibição, depois foi tolerada e agora se constitui em um direito (CASSAR, 2014).
A conceituação de greve é de extrema relevância aos estudos do direito coletivo de trabalho, haja vista que o seu exercício representa uma das principais formas de reivindicação de melhorias nas condições de trabalhistas.
A legislação específica brasileira, notadamente a Lei n. 7.783/89 no bojo do art. 2º, conceitua a greve como: “para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”
A doutrina pátria também redige diversas conceituações. Segundo Vólia Bonfim Cassar, greve é a cessação coletiva e voluntária do trabalho, decidida por sindicatos de trabalhador assalariados de modo a obter ou manter benefícios ou para protestar contra algo (CASSAR, 2014).
Alice Monteiro de Barros define como não simplesmente uma paralisação do trabalho, mas uma cessação temporária do trabalho, como o objetivo de impor a vontade dos trabalhadores ao empregador sobre determinados pontos. Ela implica a crença de continuar o contrato, limitando-se a suspendê-lo (BARROS, 2016).
Por fim, Luciano Martinez define a greve como um direito fundamental que legitima a paralisação coletiva de trabalhadores realizada de modo concertado, pacífico e provisório, como instrumento anunciado de pressão para alcançar melhorias sociais ou para fazer com que aquelas conquistas normatizadas sejam mantidas e cumpridas (MARTINEZ, 2016).
A natureza jurídica do direito de greve segue sendo assunto para muitos debates doutrinários. A doutrina brasileira não chegou a um consenso no que se refere a esse instituto. Entretanto, a corrente majoritária entende se tratar de um direito coletivo.
Fugindo dessa concepção, faz-se mister notar o entendimento do ilustre Maurício Godinho, que compreende a greve como um direito fundamental de caráter coletivo, resultante da autonomia privada coletiva inerente às sociedades democráticas. Por isso, segundo o autor, sua natureza jurídica é de direito fundamental, é um superdireito (CASSAR, 2014).
A greve tem por finalidade pressionar o empregador para que determinadas demandas dos empregados sejam aceitas. Pode ser compreendida como um instrumento de autotutela e também de força e pressão, tendo em vista que há uma união de trabalhadores formando uma massa incompreendida que almeja melhorias nas condições de trabalho, funcionando, portanto, como ferramenta para barganha com escopo de equilibrar as relações entre os patrões e os empregados hipossuficientes.
Doutrinariamente há diversos tipos de greve, ou seja, uma verdadeira classificação no que se refere as suspensões na realização do trabalho. Porém, as principais, segundo Alice Monteiro Barros, é a greve típica e a greve atípica. Essas modalidades de greve podem ser definidas desse modo: a) Típica: a paralisação que tem fins econômicos e profissionais e b) Atípica: a parada cujo os fins são políticos, religiosos e sociais.
Há ainda as greves protestos, que tem o escopo de traduzir as insatisfações contra os abusos e arbitrariedades praticadas contra os trabalhadores no campo hierárquico e disciplinar e também no descumprimento das normas e determinações legais.
Portanto, infere-se que o direito a greve se constitui como essencial para demonstrar as insatisfações dos trabalhadores nos seus postos de trabalho e além disso, deve ser considerado um direito fundamental, previsto constitucionalmente assegurado todas as suas garantias.
No ordenamento jurídico brasileiro temos uma lei específica, a 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, definindo as atividades essenciais e regulando o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim como apresenta os deveres e responsabilidades dos paredistas.
3. A regulamentação do direito de greve
Como exarado anteriormente, a greve é prevista constitucionalmente no rol dos direitos sociais da CRFB/88, constituindo, portanto, um direito fundamental assegurado aos trabalhadores. É cediço que a maioria das normas constitucionais encontram exceção e são passíveis de abuso, nesse sentido, o constituinte estabeleceu nos §1º e §2º, art. 9º da Constituição, hipóteses em que mitigam o direito de greve e atribuem responsabilidades aos indivíduos que cometerem os abusos.
Para regulamentar o instituto da greve foi publicada primeiramente a Medida Provisória n. 50, em 27 de abril de 1989, e, em seguida, a Medida Provisória n. 59, em 26 de maio de 1989. Alguns meses depois, a referida medida provisória, com múltiplas alterações, cedeu espaço à Lei n. 7.783, em 28 de junho de 1989, atual diploma legislativo que disciplina a matéria.
O artigo 2º do referido diploma conceitua a greve, determinando que o direito de greve será exercido na forma estabelecida na lei. E para os fins desta lei, “considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”.
Além disso, são assegurados aos grevistas diversos direitos, dentre eles, a possibilidade de utilização de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve, entretanto, é totalmente vedada o emprego de meios que possam violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.
É essencial notar que as determinações expostas se encaixam também aos empregadores, que não podem adotar qualquer instrumento para constranger o empregado a comparecer aos postos de trabalho. Ademais, caminha em consonância com a legalidade, a possibilidade de arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento, sendo proibida a frustração da divulgação por parte do empregador.
Nesse diapasão, seguindo as determinações constitucionais, o legislador ordinário criou um rol de atividades consideradas essenciais, na qual deve-se respeitar os anseios sociais e o interesse público na sua continuidade. Está consagrada no artigo 10 do referido diploma, in verbis:
Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:
I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II – assistência médica e hospitalar;
III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV – funerários;
V – transporte coletivo;
VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII – telecomunicações;
VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X – controle de tráfego aéreo;
XI – compensação bancária.
Por imposição legal, é consagrado na legislação que nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, posto que constituem atividades inadiáveis que caso não atendidas colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde e a segurança da população.
Por fim, na greve em serviços ou atividades essenciais, é responsabilidade das entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação.
4. A ausência de regulamentação do direito de greve ao servidor público e aplicação da lei geral
Primeiramente, faz-se mister destacar que nem todos os agentes públicos tem direito a greve, isto é, os servidores militares fogem à regra geral e não possuem, portanto, essa prerrogativa por determinação expressa da CFRB/88 que veda tal prática. Nessas corporações, a hierarquia e disciplina são matéria predominante e a realização de movimentos grevistas poderia prejudicar as relações tratadas e, atingir o a segurança da sociedade de modo devastador.
Com relação aos servidores públicos civis, é constitucionalmente previsto o direito de greve, posto que este não deve ser diferenciado do trabalhador civil ordinário nesse aspecto. O artigo 37, VII, CFRB/88 garante tal direito e determina que será exercido conforme lei específica.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;
Entretanto, desde 1988 até o ano de 2016 a atividade legislativa, com a máxima vênia, regada a letargia, não aprovou lei ordinária que regulamentaria o tema, cabendo tal função ser realizada de modo indireto pelo Poder Judiciário, reflexo do ativismo judicial atual, que nesse caso em específico apresenta uma faceta positiva, haja vista a inefetividade do Poder Legislativo.
A jurisprudência pátria encontra-se pacificada nessa questão, determinando que enquanto não houver lei específica a regulamentar a greve dos servidores, será utilizada a lei geral de greve (Lei 7.783/89) para o exercício desse direito. Tal entendimento, tem por escopo garantir que a omissão do Poder Legislativo não afete negativamente direitos determinados constitucionalmente, além dos interesses sociais.
Com o objetivo de embasar tal entendimento, é necessário que se colacione determinados julgados, nos quais possamos observar o sentido que a jurisprudência brasileira está tomando no que tange a situação da greve dos servidores públicos, conforme exposto em:
DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. HIPÓTESE DE OMISSÃO LEGISLATIVA INCONSTITUCIONAL. MORA JUDICIAL, POR DIVERSAS VEZES, DECLARADA PELO PLENÁRIO DO STF. RISCOS DE CONSOLIDAÇÃO DE TÍPICA OMISSÃO JUDICIAL QUANTO À MATÉRIA. A EXPERIÊNCIA DO DIREITO COMPARADO. LEGITIMIDADE DE ADOÇÃO DE ALTERNATIVAS NORMATIVAS E INSTITUCIONAIS DE SUPERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE OMISSÃO. 3. Tendo em vista as imperiosas balizas jurídico-políticas que demandam a concretização do direito de greve a todos os trabalhadores, o STF não pode se abster de reconhecer que, assim como o controle judicial deve incidir sobre a atividade do legislador, é possível que a Corte Constitucional atue também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo. 3.4. A mora legislativa em questão já foi, por diversas vezes, declarada na ordem constitucional brasileira. Por esse motivo, a permanência dessa situação de ausência de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis passa a invocar, para si, os riscos de consolidação de uma típica omissão judicial. 3.5. Na experiência do direito comparado (em especial, na Alemanha e na Itália), admite-se que o Poder Judiciário adote medidas normativas como alternativa legítima de superação de omissões inconstitucionais, sem que a proteção judicial efetiva a direitos fundamentais se configure como ofensa ao modelo de separação de poderes (CF, art. 2o). DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. REGULAMENTAÇÃO DA LEI DE GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL (LEI No 7.783/1989). FIXAÇÃO DE PARÂMETROS DE CONTROLE JUDICIAL DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL. 4.1. A disciplina do direito de greve para os trabalhadores em geral, quanto às “atividades essenciais”, é especificamente delineada nos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989. Na hipótese de aplicação dessa legislação geral ao caso específico do direito de greve dos servidores públicos, antes de tudo, afigura-se inegável o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos servidores públicos civis (CF, art. 9o, caput, c/c art. 37, VII), de um lado, e o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua a todos os cidadãos (CF, art. 9o, §1o), de outro. Evidentemente, não se outorgaria ao legislador qualquer poder discricionário quanto à edição, ou não, da lei disciplinadora do direito de greve. O legislador poderia adotar um modelo mais ou menos rígido, mais ou menos restritivo do direito de greve no âmbito do serviço público, mas não poderia deixar de reconhecer direito previamente definido pelo texto da Constituição. Considerada a evolução jurisprudencial do tema perante o STF, em sede do mandado de injunção, não se pode atribuir amplamente ao legislador a última palavra acerca da concessão, ou não, do direito de greve dos servidores públicos civis, sob pena de se esvaziar direito fundamental positivado. Tal premissa, contudo, não impede que, futuramente, o legislador infraconstitucional confira novos contornos acerca da adequada configuração da disciplina desse direito constitucional. 4.2 Considerada a omissão legislativa alegada na espécie, seria o caso de se acolher a pretensão, tão-somente no sentido de que se aplique a Lei no 7.783/1989 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis (CF, art. 37, VII). 4.3 Em razão dos imperativos da continuidade dos serviços públicos, contudo, não se pode afastar que, de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado ao tribunal competente impor a observância a regime de greve mais severo em razão de tratar-se de “serviços ou atividades essenciais”, nos termos do regime fixado pelos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989. Isso ocorre porque não se pode deixar de cogitar dos riscos decorrentes das possibilidades de que a regulação dos serviços públicos que tenham características afins a esses “serviços ou atividades essenciais” seja menos severa que a disciplina dispensada aos serviços privados ditos “essenciais”. 4.4. O sistema de judicialização do direito de greve dos servidores públicos civis está aberto para que outras atividades sejam submetidas a idêntico regime. Pela complexidade e variedade dos serviços públicos e atividades estratégicas típicas do Estado, há outros serviços públicos, cuja essencialidade não está contemplada pelo rol dos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989. Para os fins desta decisão, a enunciação do regime fixado pelos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989 é apenas exemplificativa (numerus apertus). (MI 708, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-02 PP-00207 RTJ VOL-00207-02 PP-00471.
Infere-se, portanto, que apesar de muitas discussões doutrinárias quanto a aplicação ou não da Lei 7.783/89 ao servidor público, o STF entendeu por necessário fazer essa correlação, posto que a omissão legislativa começava a apresentar sinais prejudiciais ao direito constitucionalmente previsto e também porque a falta de regulamentação enseja os mais diversos tipos de abuso por ambas as partes da relação trabalhista, no caso do servidor público, entre o Estado e o agente.
5. R.E. 693.456/RJ e o ataque ao direito constitucional a greve
O recurso extraordinário interposto pela Fundação de Apoio à Escola Técnica – FAETEC, em face de acórdão proferido pelo TJ/RJ, volta-se contra decisão que determinou à fundação que se abstivesse de efetivar o corte de ponto correspondente aos dias não trabalhados por servidores em greve. A questão interposta pela presente ação consiste em saber a constitucionalidade do corte de ponto daqueles servidores que deixam de trabalhar por aderir ao movimento paredista.
Os ministros decidiram por 6 a 4 que é possível o corte ponto de servidores públicos que decidirem entrar em greve. Com essa decisão, ficam apenas excepcionados os dias parados que não poderão ser cortados se a paralisação for decorrente de alguma ilegalidade do poder público, como a falta de pagamento de salário.
O Ministro Dias Toffoli, votou pelo provimento do recurso extraordinário, confirmando a possibilidade do corte de ponto em caso de greve, independentemente de ser a paralisação legal ou não, ressalvando, o caso de greves decorrentes do não pagamento dos salários ou de outras situações em que a paralisação tenha sido causada por culpa da Administração.
O Ministro Edson Fachin tomou sentido diametralmente oposto, assinalando que a lógica da greve no setor privado é distinta da lógica da greve no setor público. Segundo o Eminente Ministro, “enquanto no âmbito da inciativa privada, empregador e trabalhador sofrem prejuízos em decorrência da paralisação e têm urgência em chegar a um acordo, no âmbito público, a Administração não estaria sujeita aos mesmos estímulos para buscar um ajuste que colocasse fim à greve com celeridade” (R.E. 693.456/RJ).
Com base neste fundamento, Fachin afirmou que “a suspensão do pagamento de servidores públicos que aderirem a movimento paredista exige ordem judicial que reconheça a ilegalidade da greve, em concreto, ou que fixe condições para o exercício deste direito”. Posicionamento este também adotado pelo Ministro Marco Aurélio e que reflete as determinações constitucionais, haja vista o fato de que tal greve constituiu-se de modo regular, seguindo todos os mandamentos legais postos na Lei 7.783/89.
Após pedido de vistas, o Ministro Barroso acompanhou o relator, dando provimento ao R.E., fixando como tese de repercussão geral: “A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do próprio Poder Público” (R.E. 693.456/RJ).
Complementou ainda o Ilustríssimo Ministro, “sinalizo, ainda, minha inclinação pessoal pela possibilidade de implementação, pelo tribunal competente, de decisão intermediária, que determine o corte parcial e/ou a compensação parcial dos dias de paralisação, em caso de greve de longa duração, em que haja indícios de que o próprio poder público: i) esteja se recusando a negociar com os servidores, ii) esteja recalcitrante na efetiva busca de acordo ou iii) pareça beneficiar-se, por qualquer razão, em termos imediatos, com a permanência da paralisação. Tal decisão intermediária deve ter o propósito de distribuir os ônus da greve entre poder público e servidor, de forma a provocar a superação de impasses que ensejem paralisações prolongadas” (R.E. 693.456/RJ).
Ante o exposto, coadunamos com o entendimento vencido do Ministro Fachin e do Ministro Marco Aurélio, posto que, fica evidente o cerceamento do direito de greve quando há corte de ponto e consequente retirada da remuneração do dia não trabalhado, mesmo sendo considerada legal.
É evidente que a linha permissiva, a qual garante ao servidor passar diversos dias em greve recebendo sua remuneração integral não representa a alternativa mais correta, entretanto, vislumbramos que o corte de ponto dos servidores grevistas funciona como meio de coação com o objetivo de desestimular o movimento paredista. É verdade dispersão do movimento.
O ponto chave do questionamento da constitucionalidade ou não desse corte, reside na possibilidade de incidência sobre greves legais, isto é, movimentos paredistas que seguem os ritos e trâmites advindos da Lei 7.783/89, que como visto anteriormente, aplica-se aos servidores públicos. É cediço que estamos presenciando um ataque direto ao direito de greve.
Por isso, compreende-se que a linha seguida pelo Ministro Fachin e pelo Ministro Marco Aurélio está coerentemente embasada, isto é, o desconto na remuneração dos agentes administrativos somente se faz necessária quando houver decisão judicial que considere a greve ilegal, antes disso, não merece lograr êxito o corte, caracterizando verdadeiro atentado a direito social previsto constitucionalmente.
Nesse diapasão, brilhante é o posicionamento do Ministro Barroso ao propor uma decisão intermediária com o escopo de dividir o ônus da greve entre a Administração e os servidores. Nas hipóteses em que se constatar a recusa da Administração em negociar com os servidores ou quando parecer beneficiar-se com a manutenção da paralisação, é cabível decisão judicial que determine o corte parcial ou a compensação de trabalho no caso de greves prolongadas.
Por fim, a 2ª Turma do STJ também emitiu posicionamento quanto a possibilidade de desconto no salário de servidor grevista, defendendo o possível parcelamento do corte, haja vista que a remuneração do servidor constitui indubitavelmente verba de caráter alimentar.
6. Considerações Finais
A construção de todo o complexo regulatório do exercício grevista se faz necessário para a manutenção da ordem pública e a delimitação das atividades essenciais ao interesse público. Desse modo, concluímos que a forma e a regulação constituem uma garantia, tanto ao empregado quanto ao empregador. No que tange a greve do servidor público, o entendimento jurisprudencial dos tribunais superiores no que versa sobre a aplicação da Lei Geral de Greve aos servidores públicos é louvável, posto que transmite a ideia de garantia a esta classe que não possuía ainda regulamentação específica. Entretanto, a posição atual adotada pelo Supremo no julgado aqui referido, não coaduna com os preceitos constitucionais, haja vista constituir-se claramente como uma afronta ao direito de greve. Portanto, a tese do corte de salário dos servidores públicos antes mesmo de decisão judicial que considere a greve ilegal deve ser modificada, pois a nossa vista constitui clara inconstitucionalidade.
7. Referências
BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 10ª ed. São Paulo: LTr, 2016
BOMFIM, Vólia. Direito do Trabalho. 9ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
BRASIL. Lei n. 7.783, de 28 de junho de 1989. Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-out-27/supremo-autoriza-corte-ponto-servidor-grevista> Acesso: 19/11/2016
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Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-nov-08/desconto-salario-servidor-grevista-parcelado-stj> Acesso: 19/11/2016
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=693456&classe=RE&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M> Acesso: 17/11/2016
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE_693_456__RELATORIO.pdf> Acesso: 17/11/2016
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=298959> Acesso: 17/11/2016