Processo Penal

O relatório conclusivo (ou de finalização) de investigação policial pelo delegado de polícia no procedimento policial e seu valor informativo e probatório para a persecução penal

A força probante e informativa do relatório policial de finalização investigativa da autoridade policial no inquérito policial e autos apuratórios de ato infracional que deve ter as impressões (juízos de valores) do aludido agente de segurança pública

Joaquim Leitão Júnior[1] e Tristão Antonio Borborema de Carvalho[2]

Não existe absolutamente nada de referencial teórico publicado sobre a temática em sites especializados de doutrina policial, versando acerca do relatório conclusivo (ou de finalização) de investigação policial pelo delegado de polícia no procedimento policial e seu valor informativo e probatório para a persecução penal.

Fato é que apesar da doutrina conservadora ter desprezado o valor informativo e probatório do relatório e do próprio inquérito policial ao longo da história – quando em regra as ações penais em sua grande maioria esmagadora tem suporte no inquérito policial – , agora se tem a oportunidade de descer as minucias e solapar as falácias propaladas pela doutrina classista. Certamente esta doutrina conservadora era movida por interesses classistas de desprezar a importância das investigações policiais no sistema acusatório, ignorando mormente as premissas basilares do sistema acusatório quando cada instituição deve atuar dentro do seu quadro exclusivo de atribuições nitidamente separadas pela Constituição Federal, como investigar, acusar, julgar e defender, sob pena de violar a paridade das armas.

Ou seja, por maior que seja a latitude hermenêutica que estamos dispostos a nos autoconceder, é preciso dar rotatividade ao olhar para analisar o instituto sobre vários ângulos – denotando que concepções maciças podem ser flexibilizadas. Poucas “verdades absolutas” resistem a uma honesta guinada de pescoço proporcionando vislumbrar a real roupagem conferida ao relatório policial sem ignorar sua potencialidade e funcionalidade. Cumpre-nos vocalizar a outra vertente, por entendermos que não é dado ao exegeta remodelar fatos a seu capricho.

Nesse norte, o tema atinente à força probante e informativa do relatório final do inquérito policial e autos apuratórios de ato infracional merece um recorte mais aprofundado, lembrando que o relatório conclusivo (ou de finalização) de investigação policial sintetiza de forma retrospectiva os fatos (objetos de investigação) e todos os acontecimentos ocorridos no trajeto investigativo.

Afinal, qual a sua força probante e informativa?

Advertimos que, antes de responder a tais provocações, mister visitar conceitos e dispositivos legais.

O art. 10, §1º, do Código de Processo Penal preconiza que “autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente”:

Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.

§ 1o A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente.

Da redação do art. 10, §1º, do Código de Processo Penal identifica-se um vocábulo nuclear desta discussão, qual seja, “minucioso” relatório (relatório este de conclusão/finalização de investigação policial).   O vocábulo minucioso vem exprimir de significadocheio de detalhes, dos mínimos pormenores (diz-se de trabalho, descrição, quadro etc.); circunstanciado, pormenorizado, detalhado; que se esforça para não excluir nenhum detalhe no que faz (diz-se de indivíduo); detalhista.

Ainda a reboque, mister buscarmos os conceitos de “valor”, “prova” e “elementos informativos”.

Assim, extrai-se do léxico que a expressão “valor” traduz identidade com as seguintes locuções: aquilo que “pode ser útil”, tenha “prestígio, qualidade, a relevância e importância de”; “mérito”. Ainda, sem seu sentido jurídico, representa a “capacidade de ação jurídica que tem de produzir determinados resultados” (dicio.com.br).

Noutro quadro de análise, as “provas” tecnicamente falando segundo a doutrina e jurisprudência majoritária, são aquelas produzidas sob o crivo do contraditório e ampla defesa. Inclui-se também as provas irrepetíveis[3], cautelares e antecipadas que podem se produzidas inclusive no âmbito do inquérito policial, ainda que ratificadas em juízo.

Sobre o conceito de prova e elementos de informação (ou “elementos informativos”), RENATO BRASILEIRO DE LIMA, ensina que:

“[…] A palavra prova só pode ser usada para referir aos elementos de convicção produzidos, em regra, no curso do processo judicial, e, por conseguinte, com a necessária participação dialética das partes, sob o manto do contraditório (ainda que diferido) e da ampla defesa. O contraditório funciona, pois, como verdadeira condição de existência e validade das provas, de modo que, caso não sejam produzidas em contraditório, exigência impostergável em todos os momentos da atividade instrutória, não lhe caberá a designação de prova”. Por outro lado, elementos de informação são aqueles colhidos na fase investigatória, sem a necessária participação dialética das partes (LIMA, 2014, p. 550) [grifos nossos].

Já nos dizeres de NOBERTO AVENA

“[…] logo, é intuitivo que, embora não tenha o legislador proibido a utilização de elementos angariados na fase investigativa, determinou que a regra deverá ser a de que as decisões proferidas pelo Poder Judiciário fundamentem-se na prova produzida perante o contraditório judicial, ressalvando-se desta exigência tão somente as provas cautelares, realizadas antecipadamente c não sujeitas à repetição (v.g., exame de corpo de delito, diligências de busca e apreensão e interceptações telefônicas realizadas na fase do inquérito policial)” (AVENA, 2015, p. 32).

Calcado neste ponto, temos a conclusão lógica e inarredável de que a distinção entre elementos de informação (elementos informativos) e prova se dá no exato momento em que elas são produzidas em regra, trazendo as consequências na carga do valor probatório que possuem.

Ademais, temos o consenso de que durante o curso do Inquérito Policial pode se dar a produção de provas irrepetíveis (não repetíveis), antecipadas e cautelares, que integrarão o contraditório diferido, ulterior ou postergado, ou seja, que o contraditório e a ampla defesa serão exercidos em outro momento posterior – que não aquele em que é produzida, ordinariamente.

De outro lado, também é ponto consensual que o elemento informativo advém na fase pré-processual (investigativa), e sua produção se dá sem o crivo do contraditório e ampla defesa, já que o inquérito policial seria inquisitivo (inquisitoriedade mitigada, devido às alterações dadas pela Lei Federal nº 13.245/16[4] e pela Lei 13.964/2019[5] – Pacote Anticrime).

Dando sequência, o Código de Processo Penal estabelece que os elementos informativos não seriam suficientes para sustentar uma possível condenação:

“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.

Em verdade, estes elementos informativos prestariam numa cognição moderada (descaracterizando uma cognição sumária, de um extremo, e sem ser uma cognição exauriente em outro) para a decretação de medidas cautelares e para a formação da opinio delicti. Ademais, servem também para que conjugados com as provas sob o contraditório e ampla defesa sirvam para condenação – ou absolvição, lembrando a bidirecionalidade do inquérito policial.

Noutro quadrante, a prova propriamente dita, na sua vertente de se provar algum fato, é aquela produzida na fase judicial, sob o crivo dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Referida prova sob o rígido aspecto técnico possuiria amplo valor probatório.

Daí, antolha-se cogente conclusão de que o correr do inquérito policial implica iluminar os calcanhares de vidro do criminoso (perseguir a prova e elemento informativo), com um itinerário que assegure o sucesso apuratório. Assim, cada passo deve ser precedido de uma ponderação (por que foi eleita aquela pesquisa? O que se pretende com ela?). Nesse sentir, não podemos olvidar que ao contrário do propalado pela doutrina clássica, é no inquérito policial que se tem a maior possibilidade do aspecto da oportunidade e conveniência de levantar as provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas ao redor da infração penal e do seu responsável.

Deste modo, parece afrontar a intelecção a máxima que veda ao Delegado estabelecer um juízo de valor no seu relatório final. Com efeito, se a formalização de seu desfecho condensa todas as diligências materializadas e se escuda na eleição e no resultado de cada uma delas, pode-se inferir que a sua epítome, muito mais que uma resenha, é um testemunho do dominus investigatio sobre o material ali produzido e seus consectários. Assim como já discorremos em artigo sobre o nível de cognição horizontal e vertical do delegado de polícia em suas deliberações em flagrante delito, com maior razão no relatório final conclusivo de investigação policial, o Delegado de Polícia pode e deve reconhecer dentro daquele limite discorrido da manifesta ou da alta probabilidade de ocorrência dos institutos abaixo[6]:

  •  excludente de antijuridicidade ou de ilicitude
  • excludente de culpabilidade
  • erro de proibição e erro de tipo
  • desistência voluntária (ponte de ouro), arrependimento eficaz (ponte de ouro ou resipiscência), arrependimento posterior (ponte de prata), crime impossível, crimes continuados, delitos em concurso de crimes materiais e formais, crimes qualificados, crimes majorados/circunstanciados, crimes com causa de aumento de pena, com causa de diminuição de pena, tipicidade conglobante, tipicidade material, entre outras matérias de direito

Conquanto a doutrina clássica/tradicional/conservadora insista no argumento de que não caberia ao Delegado de Polícia enfrentar estas matérias, ousamos divergir.

Não há motivo justificável para apartar do Delegado de Polícia a cognição de horizontal, acerca da desistência voluntária (ponte de ouro), arrependimento eficaz[7](ponte de ouro ou resipiscência), arrependimento posterior(ponte de prata), crime impossível, crimes continuados, delitos em concurso de crimes materiais e formais, crimes qualificados, crimes majorados/circunstanciados, crimes com causa de aumento de pena, com causa de diminuição de pena, tipicidade conglobante, tipicidade material, entre outras matérias de direito no relatório policial conclusivo, já que são matérias que diretamente ou indiretamente afetam o “jus libertatis” do investigado e estão dentro do feixe de atuação do Delegado de Polícia.

Notadamente, a carreira de Delegado de Polícia é reconhecida como jurídica pela Lei Federal nº 12.830/2013 e é ao mesmo tempo operador do direito. Não faz sentido alijar do rol de matérias de sua atuação, assuntos umbilicalmente ligados à sua atuação e que implicam reflexos diretos e indiretos no direito à liberdade, em que a autoridade policial deve ser o primeiro garantidor das garantias e liberdades fundamentais. A par disto, o magistrado penalista GUILHERME DE SOUZA NUCCI assevera que:

O delegado de polícia é o primeiro juiz do fato típico, sendo Bacharel em Direito, concursado, tem perfeita autonomia para deixar de lavrar a prisão em flagrante se constatar a insignificância do fato, ou, se já deu início a lavratura do auto, pode deixar de recolher ao cárcere o detido. Lavra a ocorrência, enviado ao juiz e ao Ministério Público para avaliação final, acerca da existência – ou  não – da tipicidade (NUCCI, 2015, p. 545).

A lição moderna dos delegados de polícia FRANCISCO SANNINI e HENRIQUE HOFFMANN leciona que não há diferença entre o status das confecções jurídicas dos operadores do direito,  que possuem igual formação jurídica:

[…] não há diferença entre o status das confecções jurídicas dos operadores do direito,  que possuem igual formação jurídica, sendo elas manifestadas no mesmo patamar e apenas em momentos distintos” (…).  Tal entendimento[deixar de lavrar auto de prisão em flagrante em caso da presença de causa excludente de ilicitude]  respeita a Constituição Federal, já que soa ilógico o delegado de polícia confirmar a prisão flagrante de uma pessoa que agiu, por exemplo, em legítima defesa, partindo-se do princípio que sua conduta é causa de absolvição (artigo 386, VI, do CPP), Devendo-se aplicar, aqui, a mesma regra da homogeneidade vista allures, ou seja, sabendo-se que é provável que o acusado sequer será condenado, não há razão para ratificar sua prisão em flagrante e manter sua segregação cautelar. E não custa lembrar que a autoridade policial possui formação superior obrigatória em Direito (artigo  2º da lei 12830/2013),  tendo toda a aptidão e conhecimento para valorar a situação jurídica concreta (ARAÚJO; COSTA, 2020, p. 753).

Com isto sustentamos que caberá legitimamente e legalmente ao Delegado de Polícia em sede de relatório conclusivo de investigação policial promover a cognição de horizontal, respeito da desistência voluntária (ponte de ouro), arrependimento eficaz (ponte de ouro ou resipiscência), arrependimento posterior(ponte de prata), crime impossível, crimes continuados, delitos em concurso de crimes materiais e formais, crimes qualificados, crimes majorados/circunstanciados, crimes com causa de aumento de pena, com causa de diminuição de pena, tipicidade conglobante, tipicidade material, entre outras matérias de direito.

Além de um catálogo de evidências documentadas, há uma discricionariedade de eleição de métodos e raciocínio investigativo subjacentes. Por que referida perícia? Quais os motivos da audição de determinada testemunha? Por que razão apreender determinado objeto (ou deixar de apreendê-lo)? Por que se decidiu pela acareação? Quais as razões de indiciar suspeitos em função de testemunhos anteriores contraditórios – os quais ora abona e ora rechaça a tese de autoria? Por que uma inquirição prepondera sobre outra?

A discricionariedade (marca indelével do inquérito policial) não é um traço que deva passar despercebido. Mais que um rígido rito, a sorte de cada investigação repousa em análise casuística. A cada fato, partindo de dados conhecidos (ex: localização do corpo crivado a balas), tenciona-se chegar ao desconhecido (quem detonou o revólver contra a vítima). Nesse tablado, temos que o Delegado descortina um leque de hipóteses e estabelece de que maneira elas podem ser confirmadas ou descartadas. Para tanto elege, pela sua máxima experiência, diligências legais a serem materializadas, a seu talante, e dentro do “cardápio” legal conferido pelo ordenamento jurídico.

Isso se chama encadeamento. Quando se pavimenta uma investigação, há passos que não são estanques. A Autoridade Policial edifica pontes, liames e vínculos entre referidas atitudes, dando não só conformação e uniformidade, mas de sua máxima experiência, deflui conclusões. Nas palavras de ADRIANO SOUZA COSTA e LAUDELINA INÁCIO DA SILVA, “o relatório é um grande instrumento facilitador no que tange à cadeia de custódia das informações da investigação policial, levando em conta que elas cheguem de forma mais concatenada e ordenada ao titular da ação penal”. (COSTA; SILVA, 2016. p. 341).

Ora, a resposta para as interpelações acima apontadas é calcada inevitavelmente em ponderações e indisfarçavelmente carreada de valores.

Não por outra razão, doutrinadores vocacionados e experientes nessa seara da investigação criminal caminham nesse sentido. A investigação tem início (notícia-crime), meio (eleição de fontes de prova e sua produção) e fim (o desfecho, com impressões sobre o produto instrutório angariado). Sob esse prisma, citamos MÁRCIO ALBERTO GOMES DA SILVA:

“não se trata de simples descrição dos atos praticados no curso do feito. A carreira de Delegado de Polícia é jurídica e isso impõe que ele desça a minúcias na análise do crime (…) posicionando-se de forma expressa acerca dos elementos informativos e das provas por ele coligidas, fundamentando o ato de indiciamento (…) ou as razões que o levaram a não indiciar o suspeito/investigado (…) . ilógico que o delegado de polícia leve a efeito atos como representações (objetivando interceptações telefônicas, busca e apreensão e prisão, por exemplo), ouça pessoas, requeste perícias e, por fim, não possa se manifestar juridicamente acerca do cabedal probante por ele produzido” (GOMES SILVA, 2021. p. 130).

A esse propósito, complementando a brilhante exposição, alçamos a linha argumentativa de AMINTAS VIDAL GOMES:

“O inquérito – já foi dito – não é instrumento de acusação, mas meio de apurar a verdade. Por isso mesmo, o relatório, narrativa honesta e singela do que houver sido esclarecido, não pode assumir foros de denúncia (…) será por vezes conveniente mostrar no relatório, a trilha seguida nas investigações, citando-se os recursos usados na consecução das provas. Poderá também ser apreciada a atitude do indiciado no correr do inquérito, cabendo ainda salientar as testemunhas que depuseram com mais segurança ou isenção na opinião da autoridade processante”. (GOMES, 2015, p. 569).

Ao ilustrar seu pensamento, o autor epigrafado aponta os motivos pelos quais, não raras vezes, o Delegado é convocado como testemunha pelo Parquet, em especial em casos de Sessões Plenárias do Tribunal do Júri, para relatar suas investigações. Ali poderão ser expressas suas impressões e seu juízo – abonatório ou de reproche, sobre cada fonte de prova. Também nesse cenário, a Autoridade Policial desenha as contradições ou coerências da produção de cada uma delas. Exemplo: entende que a testemunha foi lacônica, demonstrava medo e receio, na exegese do teor de seu relato.

E nem se invoque o traço marcante do relato testemunhal é a objetividade, cuja demonstração cinge-se apenas aos que seus sentidos capturaram do palco sob análise. O artigo 213 do CPP franqueia ao depoente manifestar suas impressões pessoais quando inseparáveis da narrativa do fato. Referido liame – raciocínio e exegese do pervagar apuratório – é a essência do seu relato.

Tanto que o STF (HC 87662, Rel. Min. Carlos Brito, j. 5/9/2006) valida, enquanto instrumento de prova, depoimento em juízo da Autoridade Policial que presidiu o inquérito policial ou que tenha presenciado o momento do flagrante, não implicando imediata suspeição.

Assim, mais uma vez se reforça o caráter valorativo, pois se todas as diligências já se encontram materializadas nos autos, o que se busca nesse tipo de audiência é justamente conferir qual peso o Delegado, em contato direto com a produção de cada fase da instrução preliminar, empresta ao caderno apuratório. Ou seja, quais seus vetores. Somente quem tem intimidade com a ocorrência pode traduzir impressões subjacentes a elas e melhor delinear o quadro de tudo quanto se apurou. Sabe atalhos e meandros de um labirinto que, juntamente com sua esquipe, planificou.

Neste lastro, EUGÊNIO DE OLIVEIRA PACCELI admite um juízo “acerca do fatos e do direito a eles aplicável, isto é, a respeito de eventual ocorrência de prescrição ou de qualquer outra causa extintiva de punibilidade, bem como acerca da suficiência ou insuficiência da prova, da existência ou inexistência do crime” (PACELLI, 2007, p. 43).

Sob tal métrica, outro ponto a se destacar é a possibilidade de o Delegado de Polícia elaborar o relatório final oralmente, usando recursos tecnológicos audiovisuais.

Com efeito, os inquéritos policiais digitais proporcionam que vídeos sejam inseridos nos procedimentos informatizados, em especial o relato de vítimas, testemunhas e indiciados. No Estado do Paraná, o programa PPJ-e (Procedimento de Polícia Judiciária Eletrônico) possibilita a gravação, em tempo real por recursos audiovisuais (inclusive mediante videoconferência), de todas as oitivas realizadas no inquérito policial (sem redução a termo). Referida plataforma comunica-se com o sistema forense, de modo que, tão logo produzidas, sejam inseridas no programa PROJUDI (de responsabilidade do Poder Judiciário paranaense) e acessadas por juízes, promotores e advogados.

Desse modo, ilustramos que nada impede que o Delegado se direcione até a cena do crime e, ali, grave seu relatório (total ou parcialmente), conferindo dinamismo e fidelidade. Além disso, proporciona a análise espacial do que anuncia, ao historiar os fatos. O fenômeno ganha contornos revolucionários e adequa à finalidade precípua do procedimento, ou seja, reconstruir o fato criminoso e suas circunstâncias, apreciando os elementos que foram carreados.

À guisa de ilustração, o relatório gravado pode demonstrar o porquê determinado testemunho demonstra ser débil frente a outro, suas incongruências, cotejando com o palco da ocorrência e filmando à medida que narra. Pode apontar onde foram coletadas as fontes de prova (ex: indicar a localização da câmera de segurança pela qual imagens da cena do crime foram gravadas). Isso enriquece, prestigia e empresta valor probatório ao relatório de inquérito policial. Confere minúcias cuja letra fria estampada em papéis jamais teria o condão de evidenciar de forma tão transparente o apurado. Deposita, ali, o Delegado -, como timoneiro do feito- , suas impressões umbilicalmente ligadas a tudo que foi produzido, ou seja, são juízos indissociáveis do que ali foi apurado.

O expediente gravado guarda coerência com o estatuído no artigo 405, parágrafo único, do CPP (por interpretação extensiva – artigo 3° do mesmo diploma):

§ 1o Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações . (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

DA COGNIÇÃO VERTICAL E HORIZONTAL DO DELEGADO DE POLÍCIA EM SEDE DE COGNIÇÃO MODERADA OU EXAURIENTE EM SUA DIAGNOSE DURANTE A TRAMITAÇÃO DO PROCEDIMENTO POLICIAL E EXERCIDO NO RELATÓRIO POLICIAL DE FINALIZAÇÃO INVESTIGATIVA DA AUTORIDADE POLICIAL

Sem dúvidas, o delegado de polícia emprega durante a tramitação do procedimento policial e exerce no relatório policial de finalização investigativa da autoridade policial a cognição moderada (aquela que não exaure todas as nuances) ou exauriente (aquela que se esgota todas as linhas de investigações possíveis) em sua diagnose.

O delegado de polícia HENRIQUE HOFFMANN MONTEIRO DE CASTRO no ensina sobre o “juízo de prognose” e “juízo de diagnose” que estariam em nosso sentir no campo da cognição:

Para tanto, a autoridade de polícia judiciária faz ao longo da apuração criminal dois juízos, a saber, prognóstico e diagnóstico, o primeiro no início e durante a investigação policial, e o segundo ao final do inquérito policial, sendo ambos exclusivos.

No início e no curso do procedimento policial, com a existência de poucos ou inexistentes vestígios, ao decidir por uma ou outra diligência, o delegado de polícia formula um juízo de prognose. Com base nos parcos dados até então disponíveis, opta pelas medidas investigativas mais aptas a descortinar o evento delitivo, tanto em sua materialidade quanto autoria. Um leque de diligências se abre à autoridade policial, que pode adotar uma ou outra conforme sua percepção quanto à necessidade, adequação e proporcionalidade da medida[7], o que evidencia seu protagonismo na gênese dos elementos de convicção. Trata-se de um olhar para frente, em busca de um objetivo, qual seja, a procura pela verdade possível ou probabilidade qualificada[8].

Sendo a presidência do inquérito exclusiva da autoridade de polícia judiciária, que age com isenção e imparcialidade[9] e sem hierarquia em relação aos demais atores jurídicos[10], não fica sujeita a interferências externas na escolha do iter investigativo a ser percorrido. A condução do inquérito policial pelo delegado de polícia:

pressupõe a direção, o exercício de toda a atividade investigatória desenvolvida no decurso do inquérito policial, o que implica a inadmissibilidade de interferências internas, dentro do próprio órgão da polícia judiciária, ou externas, provenientes de demais participantes da persecução penal, impedindo-os de se imiscuir na esfera decisória do delegado de polícia. (…) No curso do inquérito policial, compreendido entre a portaria de instauração e a confecção do relatório final, cabe unicamente ao delegado de polícia decidir sobre a diligência investigatória empregada, momento adequado para execução, técnicas de inteligência necessárias e teses jurídicas que se mostrarão úteis para a apuração dos fatos[11].

Nem mesmo o Ministério Público pode interferir no juízo de prognose. Na fase anterior à instauração da investigação criminal e durante o seu curso, o parquet desempenha sua função fiscalizatória, exercendo estritamente um controle de legalidade em todo o desenrolar da fase inquisitorial. Trata-se de atividade de caráter vinculado, sendo-lhe vedada a invasão na discricionariedade de escolha do caminho apuratório conferida à autoridade policial, sob pena de indireta assunção da presidência do inquérito policial.

Portanto, até o encerramento da investigação policial, notam-se atuações bem definidas do Ministério Público (caráter fiscalizador e vinculado) e da polícia judiciária (caráter investigador e discricionário)[12]. A fase posterior ao encerramento do inquérito policial, entre a confecção do relatório e a propositura da denúncia, é o momento adequado para o Ministério Público requisitar diligências investigatórias, desde que imprescindíveis para a denúncia (artigo 16 do CPP). Essa interpretação sistemática da legislação, sob a lente constitucional, resguarda a função preservadora do inquérito policial, impedindo uma visão monocular que hipertrofie a acusação e desprestigie a defesa.

Portanto, o juízo de prognose na escolha da marcha procedimental e o juízo de diagnose na decisão de indiciamento formam o núcleo cognitivo por meio do qual o delegado de polícia busca ultrapassar a barreira epistemológica que oculta a verdade para além da dúvida razoável[20] (CASTRO, 2016, p. 1) [destaques nossos].

Em outras palavras o delegado de polícia HENRIQUE HOFFMANN MONTEIRO DE CASTRO no explica sobre o “juízo de prognose” e “juízo de diagnose” que:

[…] Já o segundo diagnóstico (diagnose) é implementado ao final do inquérito policial quando da análise de todos elementos informativos colhidos na investigação, sendo ambos exclusivos da atividade persecutória. Diga-se de passagem, que o juízo de diagnose se dá na deliberação pelo indiciamento – formando o núcleo cognitivo por meio do qual o delegado de polícia busca ultrapassar a barreira epistemológica que oculta a verdade para além da dúvida razoável[20]. (KNIJNIK, Danilo.A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 39; STF, AP 470, rel. min. Joaquim Barbosa, DJ 17/12/2012). Assim, ao final do procedimento policial, “tendo em mãos os elementos informativos e probatórios amealhados como resultado das investigações desenvolvidas, a autoridade de polícia judiciária faz um juízo de diagnose. Cuida-se de um lançar de olhos para trás, a fim de se decidir pela existência ou não de informações e provas acerca da materialidade e autoria delitivas” (CASTRO, 2016, p. 1) [destaques nossos].

DA COGNIÇÃO DE PROGNOSE (SUMÁRIA/EFÊMERA/SUPERFICIAL) E COGNIÇÃO MODERADA/COGNIÇÃO EXAURIENTE (DIAGNOSE) EXERCIDO NO RELATÓRIO POLICIAL DE FINALIZAÇÃO INVESTIGATIVA DA AUTORIDADE POLICIAL NAS FACETAS DA COGNIÇÃO VERTICAL E HORIZONTAL

Já tivemos oportunidade de abordar a cognição vertical e horizontal no campo das deliberações pelo Delegado de Polícia em sede de prisão flagrancial.

Não podemos olvidar que a cognição de prognose (sumária/efêmera/superficial) também é exercida no nascimento do Inquérito Policial, através de Portaria ou Auto de Prisão em Flagrante Delito, que dão início ao Inquérito Policial quando o delegado de polícia analisando o acervo diminuto – na maioria das vezes e sem profundidade fática pela própria forma de estar iniciando ali – encampa dentro da cognição vertical (elementos probatórios e informativos fáticos) e horizontal (matérias de direito) avaliar os indícios de autoria, materialidade delitiva, circunstâncias e justa causa para instaurar o procedimento policial na fase inicial, o que, em momento posterior, pode se demonstrar o contrário (não se ter nada daquilo que “ab initio” se visualizava: indícios de autoria, materialidade delitiva, circunstâncias e justa causa) ou de maneira diversa com variações (a autoria recai em outra pessoas ou várias pessoas; o crime foi outro; etc). Em outras palavras, há naturais mutações de teses e hipóteses que emergem durante o correr investigatório.

De outro lado, a cognição moderada como regra, no procedimento policial que não é uma cognição superficial ou cognição exauriente (diagnose) [a cognição a ser idealizada no mundo ideal] se dá após a devida investigação policial, exercida no relatório policial de finalização investigativa da autoridade policial nas facetas da cognição vertical e horizontal, na qual o delegado de polícia encampa dentro da cognição vertical (elementos probatórios e informativos fáticos) e horizontal (matérias de direito) o exame também a existência e manutenção dos indícios de autoria, materialidade delitiva, circunstâncias e justa causa para apontar o desfecho do procedimento policial na fase final, o que lá na frente pode se demonstrar o contrário. Aqui surge para o delegado de polícia várias situações como: indiciamento, não indiciamento, sugestão de arquivamento por inúmeros argumentos etc.

O DELEGADO DE POLÍCIA DEVE FAZER JUÍZO DE VALOR NO RELATÓRIO POLICIAL DE FINALIZAÇÃO INVESTIGATIVA DA AUTORIDADE POLICIAL, À VISTA DO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO, MORMENTE EM RELAÇÃO A VIGÊNCIA DA LEI FEDERAL Nº 12.830/2013

A propósito das discussões, confiram-se as disposições insertas no art. 2º,§§ 1º e 6º, todos da Lei nº 12.830/2013:

“Art. 2o  As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.  

§ 1o  Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

[…]

§ 6o O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias”.

Por isso, o Delegado de Polícia deve fazer juízo de valor no relatório policial de finalização investigativa, frente ao ordenamento jurídico pátrio, mormente em relação a vigência da Lei Federal nº 12.830/2013 que impõe esta tarefa por ato fundamentado da análise técnico-jurídico do fato, já que inevitavelmente a Autoridade Policial deverá enfrentar dentro do acervo probatório e informativo, se estão presentes os indícios de autoria, materialidade delitiva e circunstâncias para fins de indiciamento ou não.

Aliás, não existem palavras inúteis no texto de lei, e quando o legislador ordinário federal estampou essa previsão do Delegado de Polícia por “ato fundamentado da análise técnico-jurídico do fato” (art. 2º, § 6º) levou a obrigatoriedade do enfrentamento motivadamente dos fatos postos obtidos no curso da investigação, reclamando a análise e apontamentos da Autoridade Policial se estariam presentes os indícios de autoria, materialidade delitiva e circunstâncias para fins de indiciamento ou não, dentro do acervo probatório e informativo.

DOS INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA E CIRCUNSTÂNCIAS QUE DEVEM SER DEMONSTRADOS (OU NÃO SE FOR O CASO DE NÃO INDICIAMENTO OU IMPUTAÇÃO) NO RELATÓRIO POLICIAL CONCLUSIVO DE INVESTIGAÇÃO

Com a nova Lei 12.830/2013, que veio disciplinar sobre as investigações presididas pelo Delegado de Polícia, conferiu expressamente a possibilidade deste em tecer comentários sobre a autoria e materialidade delitiva e sobre o indiciamento, fatos estes que já eram possíveis diante da finalidade do inquérito policial (art. 4º, do CPP) ou do auto apuratório de ato infracional.

A propósito das discussões, confiram-se as disposições insertas no art. 2º,§§ 1º e 6º, todos da Lei nº 12.830/2013:

“Art. 2o  As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.  

§ 1o  Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

[…]

§ 6o O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias”.

Assim, eis as considerações pertinentes doravante em relação à autoria, materialidade delitiva e suas circunstâncias.

Os indícios de autoria e materialidade delitiva estão presentes nas circunstâncias investigadas. Neste sentido, consoante o Código de Processo Penal, indícios são:

“CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – TÍTULO VII

CAPÍTULO I – DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

CPP, CAPÍTULO X – DOS INDÍCIOS

Art. 239 – Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”.

Sobre o indício, importante a preleção de HÉLIO TORNAGHI:

“Enquanto que, relativamente à existência do crime, o Código exige prova (querendo significar prova cabal), no que se refere à autoria, ele se contenta com indícios, isto é, meros sinais. Se houver maiores provas, tanto melhor; mas a lei não as exige” (Curso de Processo Penal, 2/85, Saraiva, 1983).

VINCENZO MANZINI, ainda sobre indício, em seu “Tratado de Derecho Procesal Penal”, afirma que o:

“Indício é um fato ou circunstância certa, da qual se pode tirar, por indução lógica, uma conclusão acerca da subsistência ou insubsistência de um fato a provar. Este conceito foi determinado na obra citada onde Código de Processo Penal a adotou, simplificando o conceito, como fato ou circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outras circunstâncias ou fatos.”

JULIO FABBRINI MIRABETE, sobre indícios, em seu comentário ao Código de Processo Penal, simplifica ainda mais dizendo que “indícios são a representação do fato a ser provado através da construção lógica, a qual revela um outro fato ou circunstância.” (Código de Processo Penal Interpretado, 11ª ed, Atlas, 2003, p. 803).

Por sua vez, sobre a materialidade delitiva, o grande professor VICENTE GRECO FILHO pondera que: 

Prova do fato significa convicção da existência da materialidade da infração. Em princípio, em se tratando de infração que deixou vestígios, a presença do exame de corpo de delito. […] outros elementos probatórios dão a certeza da ocorrência do fato”. (Greco Filho, Vicente. Manual de processo penal / Vicente Greco Filho. – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012 pag. 287).

A junção dos indícios de autoria e materialidade delitiva permitem o ato de indiciamento. Sobre o indiciamento o professor, RENATO BRASILEIRO DE LIMA, conceitua o apontado instituto como:

“O indiciamento é o ato resultante das investigações policiais por meio do qual alguém é apontado como provável autor de um fato delituoso. Cuida-se, pois, de ato privativo do Delegado de Polícia que, para tanto, deverá fundamentar-se em elementos de informação que ministrem certeza quanto à materialidade e indícios razoáveis de autoria. Portanto, se a atribuição para efetuar o indiciamento é privativa da autoridade policial (Lei n° 12.830/13, art. 2°, § 6°), não se afigura possível que o juiz, o Ministério Público ou uma Comissão Parlamentar de Inquérito requisitem ao delegado de polícia o indiciamento de determinada pessoa[8]” (BRASILEIRO, 2015, p. 146).

Portanto, inegavelmente num relatório policial conclusivo de investigação, os indícios de autoria e materialidade delitiva e circunstâncias deverão ser demonstrados (ou não se for o caso de não indiciamento ou imputação) e havendo, por exemplo provas citadas com exposições ou elementos informativos no corpo do relatório, inegavelmente este relatório trará em si uma carga probatória ou informativa, a depender da circunstância.

DA TIPIFICAÇÃO PENAL (INFRACIONAL) DA(S) SUPOSTA(S) CONDUTA(S) EM SEDE DE RELATÓRIO CONCLUSIVO (OU DE FINALIZAÇÃO DE INVESTIGAÇÃO POLICIAL)

A Lei 12.830/2013 restou claro que o ato de indiciamento é ato privativo do Delegado de Polícia de carreira, logo, para o indiciamento é necessário o mínimo de motivação, ainda que de maneira sucinta e apoiado as premissas fáticas do próprio relatório, sem necessário esgotamento, mesmo porque não é essa a ideia e nem a finalidade do relatório.

O Manual de Polícia Judiciária em seu ensinamento aborda como possível a Autoridade Policial inserir opiniões ou impressões pessoais, assim como obras doutrinárias e jurisprudenciais, mesmo porque o indiciamento exige fundamentação e apontamentos. A propósito confira:

“(…) o relatório, peça técnica com forte conteúdo subjetivo, nada impedindo que nele sejam inseridos opiniões ou impressões pessoais, doutrinárias é até jurisprudenciais, determinando o juízo de valor da autoridade policial e que servem para indicar as razões do seu convencimento sobre o término do inquérito policial” (Manual de Polícia Judiciária. 6ª edição. 2012. p. 59).

Neste pensar, não se pode vedar ao delegado de polícia avaliar os elementos probatórios e informativos angariados com as suas impressões (juízos) e para tipificações dentro da análise dos indícios de autoria, materialidade e circunstâncias, com indiciamento ou não da pessoa investigada.

Com isto num relatório policial conclusivo de investigação, os indícios de autoria e materialidade delitiva e circunstâncias com a tipificação penal deverão ser demonstrados (ou não se for o caso de não indiciamento ou imputação) e havendo, por exemplo provas citadas com exposições ou elementos informativos no corpo do relatório, indiscutivelmente este relatório trará em si uma carga probatória ou informativa, a depender da circunstância.

Em reforço a nossa argumentação do que já foi dito em linhas passadas, calha registrar que não existem palavras inúteis no texto de lei, e quando o legislador ordinário federal fez esta previsão do Delegado de Polícia por “ato fundamentado da análise técnico-jurídico do fato” (art. 2º, § 6º) levou a obrigatoriedade do enfrentamento de forma motivada dos elementos postos colhidos no curso da investigação, reclamando a análise e apontamentos da Autoridade Policial se estariam presentes os indícios de autoria, materialidade delitiva e circunstâncias para fins de indiciamento ou não, dentro do acervo probatório e informativo.

Portanto, qualquer tentativa de alijar este alcance de atuação[9] do Delegado de Polícia deve ser repelida, pois não é dado ao intérprete restringir aquilo que o legislador ordinário conferiu por lei a este agente público no exercício do seu múnus. Aliás, não faz sentido obstruir o delegado de polícia que tem a dominus investigatio para atuar com isenção, imparcialidade e dentro da bidirecionalidade que se presta o inquérito policial na visão contemporânea – que deve ser desgarrada da doutrina clássica e conservadora classista.

DA INSERÇÃO NO CORPO DO RELATÓRIO POLICIAL CONCLUSIVO (OU DE FINALIZAÇÃO) DE INVESTIGAÇÃO POLICIAL PELO DELEGADO DE POLÍCIA DE PROVAS, VÍDEOS, E ELEMENTOS INFORMATIVOS

Não raras vezes, zelosos delegados de polícias carreiam para o bojo do próprio relatório conclusivo provas e elementos informativos.

Deste modo, na circunstância em que há inserção no corpo do relatório policial conclusivo (ou de finalização) de investigação pelo delegado de polícia de provas, vídeos, e elementos informativos não há dúvidas da força probante e informativa do relatório policial de finalização investigativa da autoridade policial no inquérito policial e autos apuratórios de ato infracional. Neste diapasão, não se pode vedar ao delegado de polícia avaliar os elementos probatórios e informativos angariados com as suas impressões e para tipificações dentro da análise dos indícios de autoria, materialidade e circunstâncias, com indiciamento ou não.

DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conclusão, temos para nós que é possível prestar valor probatório e informativos ao relatório conclusivo (ou de finalização) de investigação policial pelo delegado de polícia no procedimento policial na persecução penal, mormente na circunstância em que há inserção no corpo do relatório policial conclusivo (ou de finalização) de investigação pelo delegado de polícia de provas, vídeos, e elementos informativos. Nestas situações não há dúvidas da força probante e informativa do relatório policial de finalização investigativa da autoridade policial no inquérito policial e autos apuratórios de ato infracional. Neste diapasão, não se pode vedar ao delegado de polícia avaliar os elementos probatórios e informativos angariados com as suas impressões e para tipificações dentro da análise dos indícios de autoria, materialidade e circunstâncias, com indiciamento ou não. 

Por fim, os delegados de polícia dentre outros atores da persecução penal devem entender de uma vez que o relatório conclusivo (ou de finalização) de investigação policial é de extrema importância e deve ser tratado com seriedade e com zelo.

Referências bibliográficas:

ARAÚJO, Fábio Roque; COSTA, Klaus Negri. Processo Penal Didático. Salvador: JusPodivm. 2020.

AVENA, Norberto Cláudio Pêncaro. Processo penal: esquematizado – 7.ª ed. – Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2015.

BRASIL, STF, HC 87662, Rel. Min. Carlos Brito, j. 5/9/2006.

COSTA, Adriano Souza; SILVA, Laudenina Inácio. Prática Policia Sistematizada. Impetus. 2016. 

CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. ACADEMIA DE POLÍCIA. Juízos de prognose e diagnose do delegado são essenciais na investigaçãoSite CONJUR. Publicado em 9 de agosto de 2016. Disponível em:<< http://www.conjur.com.br/2016-ago-09/academia-policia-juizos-prognose-diagnose-sao-essenciais-investigacao.>> Acessado em 24 de outubro de 2016. 

CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Investigação e acusação não são regidas pelo in dubio pro societate. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: /www.conjur.com.br/2019-set-25/academia-policia-investigacao-acusacao-nao-sao-regidas-in-dubio-pro-societate. Acesso em 06 de junho de 2021.  

GOMES, Amintas Vidal. Manual do Delegado. 9ª ed. Método. 2015. 

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: Volume Único. 2ª Edição, revista, ampliada e atualizada. Salvador: Editora Juspodivm, 2014. 

JÚNIOR LEITÃO, Joaquim; CARVALHO, Tristão Antônio Borborema de.O nível de cognição do delegado de polícia relativo à profundidade de análise nas deliberações em situações flagranciais Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26n. 654230maio2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90725. Acesso em: 20 jun. 2021. 

PACELLI, Eugênio de Oliveira. Curso de Processo Penal. 7ª ed. Belo Horizonte. Del Rey, 2007. 

SILVA, Márcio Alberto Gomes. Processo Penal Para Carreiras Policiais. 6ª ed. Salvador: Juspodivm. 2021. 

Site: dicio.com.br. Acesso em 17/06/2021.



[1] Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Professor de cursos preparatórios para concursos públicos. Colunista do site Justiça e Polícia, palestrante, coautor de obras jurídicas e autor de artigos jurídicos.

[2] Delegado de Polícia no estado do Paraná desde o ano 2008. Ex-Delegado de Polícia Civil do Estado de São Paulo (aprovado em primeiro lugar – DP1/99). Professor concursado da disciplina de Direito Penal da Academia de Polícia Civil do estado de São Paulo (ACADEPOL). Especialista em Gestão de Segurança Pública pela Escola Superior da Polícia Civil do Estado do Paraná.

[3].      Aquelas provas essencialmente realizadas na fase investigatória que materialmente seria impossível à reprodução e repetição durante a fase processual da ação penal.

[4].Art. 7º, inciso XXI, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil:

“[…]

[5] “Art. 14-A. Nos casos em que servidores vinculados às instituições dispostas no art. 144 da Constituição Federal figurarem como investigados em inquéritos policiais, inquéritos policiais militares e demais procedimentos extrajudiciais, cujo objeto for a investigação de fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, de forma consumada ou tentada, incluindo as situações dispostas no art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), o indiciado poderá constituir defensor. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

§ 1º Para os casos previstos no caput deste artigo, o investigado deverá ser citado da instauração do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a contar do recebimento da citação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 2º Esgotado o prazo disposto no § 1º deste artigo com ausência de nomeação de defensor pelo investigado, a autoridade responsável pela investigação deverá intimar a instituição a que estava vinculado o investigado à época da ocorrência dos fatos, para que essa, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, indique defensor para a representação do investigado. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)”

[6] Nesta direção, oportuna faz a citação do delegado de polícia Leonardo Marcondes Machado: “Agora o que deve ficar claro é que existem limites cognitivos entre as fases, ou melhor, que o grau ficou com emissão da instrução preliminar não pode ser do mesmo do processo penal (… ) a investigação parte de um juízo de possibilidade para análise de uma probabilidade delitiva.  O processo por sua vez, se inicia tem um juízo limitado de probabilidade e apenas poder, ao final, redundar em decreto condenatório se restar comprovada a procedência da imputação acusatória em ´um elevado ou elevadíssimo grau de probabilidade´ (ou certeza relativa).  O que também expresso por alguns como “para além da dúvida razoável”. (MACHADO, 2020, p. 22).

Comugando deste posicionamento, o delegado de polícia,Henrique Hoffmann Monteiro de Castro, em precisa análise aborda que: “Do estado de inocência decorrem duas regras básicas:[1] (a) a regra probatória segundo a qual a dúvida na persecução criminal milita em favor do réu (in dubio pro reo), e (b) a regra de tratamento de acordo com a qual a prisão cautelar configura exceção.

Quanto à regra probatória, grande parte dos estudiosos limita sua incidência após a deflagração do processo penal (depois do recebimento da acusação), a fim de que o magistrado faça, no momento da sentença, a valoração da prova.

Contudo, a valoração da prova ocorre também nos momentos anteriores à sentença, a saber, instauração ou não do inquérito policial, indiciamento ou não indiciamento, oferecimento da denúncia ou requerimento de arquivamento, e recebimento ou não da denúncia. E nessas fases costuma-se falar em princípio do in dubio pro societate como suposta variação da regra probatória penal (…) Embora não se tenha alcançado um consenso quanto ao significado preciso dos standards probatórios, podemos falar em prova crível, prova preponderante e prova para além de dúvida razoável, para exprimir respectivamente o juízo de possibilidade, juízo de probabilidade e juízo de certeza necessários nas diferentes fases da persecução criminal (…) (CASTRO, 2019, p. 1).

Em seguida, o delegado Henrique Hoffmann Monteiro de Castro arremata: “O que precisa ficar claro é que, havendo dúvidas sobre a existência de indícios mínimos de materialidade e autoria, não se deve instaurar o inquérito policial. E se for incerta a presença de indícios veementes do crime e de seu autor, o indiciamento e a acusação não devem ser feitas. A dúvida, portanto, continua beneficiando o imputado, por aplicação do in dubio pro reo” (CASTRO, 2019, p. 1) [grifos nossos].

[7] Vale pontuar que, a natureza jurídica da desistência voluntária e do arrependimento eficaz é polêmica, havendo doutrinadores defensores da classificação como (i) causa pessoal de extinção da punibilidade (ex: Zaffaroni), (ii) causa de exclusão da culpabilidade (ex: Claus Roxin), prevalecendo, porém, na doutrina e jurisprudência pátria a concepção de que são verdadeiras (iii) causas de exclusão da tipicidade. 

[8] No sentido de que não cabe ao juiz determinar à autoridade policial o indiciamento formal de investigados: STF, 2ª Turma, HC 115.015/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 27/08/2013; STJ, 5ª Turma, RHC 47.984/SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 04/11/2014.

[9] No prisma de avaliar os elementos probatórios e informativos angariados com as suas impressões (juízos) e para tipificações dentro da análise dos indícios de autoria, materialidade e circunstâncias, com indiciamento ou não da pessoa investigada.

Como citar e referenciar este artigo:
JÚNIOR, Joaquim Leitão; CARVALHO, Tristão Antonio Borborema de. O relatório conclusivo (ou de finalização) de investigação policial pelo delegado de polícia no procedimento policial e seu valor informativo e probatório para a persecução penal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2021. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-penal/o-relatorio-conclusivo-ou-de-finalizacao-de-investigacao-policial-pelo-delegado-de-policia-no-procedimento-policial-e-seu-valor-informativo-e-probatorio-para-a-persecucao-penal/ Acesso em: 26 dez. 2024