Foi prevista pela Lei 13.804/19, com a criação do artigo 278 – A e, especificamente, seu § 2º., CTB (Lei 9.503/97), cautelar semelhante àquela já existente no Código de Trânsito em seu artigo 294.
É agora possível que o juiz, no caso de prisão em flagrante por crimes de receptação, descaminho e contrabando, sendo o suspeito condutor de veículo automotor, tendo agido usando o veículo para as práticas criminosas, venha a suspender, em decisão motivada, sua permissão para dirigir ou CNH ou mesmo proibir a obtenção de permissão, acaso não seja habilitado.
Neste caso, a lei prevê que a cautelar poderá ser decretada de ofício pelo Juiz ou mediante requerimento do Ministério Público ou representação da Autoridade Policial. Tratando-se de lei posterior à Lei 12.403/11, entende-se que o decreto de ofício se sobrepõe à norma do artigo 282, § 2º., CPP que somente permite a ação de ofício do magistrado na fase processual, embora seja isso de duvidosa constitucionalidade. Afinal, o artigo 282,§ 2º., CPP veio a lume exatamente para evitar a atuação “ex ofício” do Juiz na fase investigatória.
A cautelar, porém, somente poderá ser imposta se houver necessidade para a garantia da ordem pública, isso em qualquer fase da investigação ou da ação penal.
Frise-se que o artigo 278 –A, “caput” prevê a cassação da habilitação e a proibição de obter habilitação pelo prazo de 5 (cinco) anos, quando o infrator for condenado com trânsito em julgado pelos crimes de receptação, descaminho ou contrabando, usando veículo automotor. Não obstante, agora não se trata de cautelar, mas de efeito secundário ou extrapenal imperativo da condenação. Esse condenado poderá voltar a habilitar-se, passado o período de cinco anos, desde que se submeta a todos os exames necessários para a primeira habilitação. Isso está disposto no artigo 278 – A, § 1º., CTB, para impedir a ocorrência de pena de caráter perpétuo, o que seria inconstitucional.
Certamente irá surgir polêmica sobre ser esse efeito da condenação pelos crimes ali previstos automático ou uma faculdade judicial. De acordo com a redação da lei, não parece haver outro caminho interpretativo coerente que não seja o de que o efeito é automático, decorrendo diretamente do comando legal, ainda que não seja mencionado na sentença. O artigo 278 – A, “caput”, CTB é redigido na forma verbal imperativa (“terá cassado seu documento”), não deixando margem à dúvida. Note-se ainda que no caso da cautelar, prevista no mesmo artigo, no seu § 2º., o legislador optou pela redação facultativa, usando o verbo “poderá” ao se referir à aplicação da suspensão pelo Juiz. Isso é natural, pois que a aplicação de medidas cautelares deve ser “ultima ratio” em face da presunção de inocência. É exatamente a discrepância entre a redação do “caput”, que se refere a um efeito da sentença condenatória transitada em julgado e a redação do § 2º., que se refere a uma cautelar, que enseja a certeza de que o efeito do “caput” é automático.
Tanto na cautelar do §2º., como no efeito da condenação, previsto no “caput” do artigo 278 – A, CTB, parece não restar dúvida de que nos crimes de contrabando e descaminho a aplicação será genérica, ou seja, em todas as suas formas. Já com relação à receptação, não parece restar dúvida que abrangerá a dolosa simples e qualificada. Poderá surgir, entretanto, discussão sobre se a condenação por receptação culposa também gerará o mesmo efeito. Não houve qualquer discriminação pelo legislador, de modo que parece que o mais correto é que o efeito previsto no artigo 278 – A, “caput”, CTB e a cautelar do seu § 2º., terão cabimento, inclusive nos casos de receptação culposa.
Embora o Código de Trânsito Brasileiro não especifique, tendo em vista a semelhança entre os dispositivos do artigo 278 –A, § 2º. e o artigo 294, CTB, certamente o recurso cabível para a suspensão cautelar, também será o Recurso em Sentido Estrito, usando como fundamento o artigo 581, CPP c/c art. 294, Parágrafo Único, CTB.
Já quanto ao efeito da condenação, previsto no artigo 278 – A, “caput”, CTB, apenas poderá ser objeto de discussão em apelação, visando impedir o trânsito em julgado da condenação pelos crimes de receptação, contrabando ou descaminho. Após esse trânsito, nada mais poderá ser feito, a não ser, em caso de fato novo, por meio de eventual Revisão Criminal.
No que tange à “vacatio legis”, previa o artigo 6º., da Lei 13.804/19 que os artigos 3º. e 4º. somente entrariam em vigor decorridos 120 dias da publicação. Acontece que ambos os artigos supra mencionados foram vetados, de modo que essa especial vacância da lei não tem aplicação prática.
Poderia ocorrer que se julgasse que o restante da lei, então, iria entrar em vigor somente 45 dias após a publicação, nos termos do artigo 1º., da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Porém, no início do artigo 6º., da Lei 13.804/19 está inscrito que tal diploma entra em vigor na data de sua publicação, somente sendo exceção os artigos acima, que acabaram vetados. Dessa forma, considerando que o artigo 1º., da LINDB, permite que “disposição” legal em contrário altere ou elimine a “vacatio legis”, fato é que a Lei 13.804/19, entrou em vigor de imediato. [1]
Em se tratando de efeito da condenação prejudicial ao réu, não poderá haver retroatividade a casos anteriores quanto à cassação por condenação transitada em julgado (artigo 278 – A, “caput”, CTB). Já quanto à cautelar, em se tratando de norma processual, pode haver discussão. Sendo norma processual, sua aplicação se daria de imediato. Não obstante, trata-se de norma com caráter limitativo de direitos do indiciado ou réu, de modo que se apresenta como hibrida. Dessa forma, também não deverá retroagir (artigo 278 –A, § 2º., CTB). [2]
REFERÊNCIAS
ESPÍNOLA, Eduardo, ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Volume 1. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
QUEIROZ, Paulo. Retroatividade da Lei Processual Penal. Disponível em http://www.pauloqueiroz.net/retroatividade-da-lei-processual-penal/ , acesso em 12.02.2019.
Autor: Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós – graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia, Medicina Legal e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós – graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal.
[1] ESPÍNOLA, Eduardo, ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Volume 1. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 11.
[2] Este é o entendimento defendido neste trabalho. Cf. QUEIROZ, Paulo. Retroatividade da Lei Processual Penal. Disponível em http://www.pauloqueiroz.net/retroatividade-da-lei-processual-penal/ , acesso em 12.02.2019.