Processo Penal

A necessidade de unanimidade em uma decisão condenatória no Tribunal do Júri

João Manoel Vidal de Souza

O termo “veredito” tem sua origem no latim e provém dos vocábulos vere (verdade) e dictus (dizer), em tradução livre, significa o “dizer da verdade” ou a “verdade dita”. Essa é a natureza da decisão proferida pelos jurados do conselho de sentença no Tribunal do Júri.

Após a primeira fase do procedimento do júri, em que são colhidas e formadas as provas válidas, a instrução em plenário diante dos jurados e após os gloriosos e acirrados debates entre acusação e defesa, finalmente cumprirá aos sete membros do conselho de sentença “dizer a qual é a verdade” ao proferirem seu veredito. No entanto, não raras as vezes, as vozes dos julgadores se mostram dissonantes entre si, enquanto umas apontam ao “não” outras ao “sim” e, nesse cenário, qual das verdades é a verdadeira?

Não caberá a esta simplória reflexão definir qual o conceito de verdade e determinar quando ela ocorre, entretanto, uma coisa é certa: a verdade dos fatos é única, não se podendo admitir existirem duas verdades dissidentes sobre um mesmo acontecimento, pois estaríamos, então, diante de versões fictícias e hipotéticas nos colocando sob o risco das armadilhas das falácias e do engano que nos distanciam da verdade e do julgamento justo

Também se faz necessário reconhecer as mazelas do Processo Penal no Brasil que impossibilitam que algumas investigações criminais tornem pacíficos, de maneira completa e imaculada os fatos sob investigação. Há quem diga ser impossível chegar à verdade através do Processo Penal e que existiriam duas verdades: a real e a processual, e que os julgamentos se pautariam pela segunda, diante da impossibilidade de se alcançar a primeira. Entretanto, caso haja dissonância entre as duas, estaríamos fadados a promover julgamentos que não correspondem com a verdade dos fatos.

Portanto, é inerente que os jurados, ao formularem seus vereditos, precisarão aliar à sua análise dos autos elementos paralelos ao processo, como, por exemplo, suas próprias experiências de vida e convicções pessoais, além de inúmeros elementos subjetivos de foro íntimo que se aliarão às provas postas nos autos. Esses elementos são aceitos pelo Código de Processo Penal, com base no princípio da íntima convicção dos jurados e pela não necessidade de fundamentação de suas decisões. Eis que surge nova problemática: quando estes elementos subjetivos maculam o julgamento justo e o desviam da verdade.

Por esta razão o conselho de sentença é formado, no presente Código de Processo Penal, por sete pessoas que serão responsáveis por trazer sete visões diferentes àquela história que está sendo posta a julgamento.

Mas voltando à questão que originou esta reflexão, qual sentença deve prevalecer caso haja discordância entre os julgadores?

Tanto o atual Código de Processo Penal, no artigo 489, quanto o Projeto de Lei 8.045/2010[1], que disciplina o Novo Código de Processo Penal, adotam o critério da maioria simples dos votos para estabelecer qual veredito deve predominar. Ou seja, qual decisão for tomada por quatro jurados ou mais prevalecerá. Nessa questão é importante destacar que o PL 8.045/45 aumenta o número de jurados para oito e determina que em caso de empate prevalecerá o veredito que favorecer o réu, em respeito ao princípio do in dubio pro reo, obrigando, assim, a acusação a convencer um jurado a mais que a defesa sempre.

No entanto, mesmo a perspectiva do Novo Código de Processo Penal ser mais positiva ao réu do que seu antecessor ela ainda não se mostra a ideal.

Dando um passo à frente, pode-se defender a adoção da maioria qualificada para os julgamentos do Tribunal do Júri. Sendo assim, a condenação só poderia se sustentar por 2/3 dos votos dos jurados, suplementando, assim, a dúvida razoável. No modelo atual, portanto, a condenação só poderia se dar a partir dos cinco votos pelo conselho de sentença.

Esse sistema é adotado em diversos países do mundo, como na Inglaterra em que se possuem doze jurados e a condenação só se dará a partir dos 10 votos[2]. Na Espanha, entre nove jurados são necessários sete votos condenatórios.[3] Na França entre doze jurados, a acusação precisa angariar oito votos favoráveis à sua tese.[4]

Entretanto, o modelo dos Estados Unidos se mostra o mais interessante a fim que se respeite os princípios constitucionais e processuais brasileiros. No modelo americano, é necessário que o veredito condenatório seja proferido de maneira unânime, com a concordância dos doze jurados, pois tem-se a ideia que a absolvição por parte de um jurado demonstra existir dúvida razoável acerca das circunstâncias do fato e, assim como disciplina o princípio do in dubio pro reo, a dúvida jamais poderá sustentar uma condenação e, portanto, deverá favorecer o réu.

Esse modelo se mostra o mais acertado, tendo em vista que, existindo um veredito absolutório por parte de um jurado evidencia-se, por parte deste julgador, a certeza da inocência do réu, sendo assim, a dúvida razoável se torna insuperável, mesmo por parte dos outros jurados. Desta maneira, em existindo um voto favorável ao réu, deverá ser aplicado o princípio do in dubio pro reo de maneira ampla e irrestrita, no sentido da absolvição deste.

Noutro prisma, esse se mostra o momento ideal para adoção de um novo sistema de votação no Tribunal do Júri, tendo em vista a votação pelo Congresso Nacional do Novo Código de Processo Penal que visa reformar nosso sistema criminal que é, de fato, tão antiquado.

Entretanto, há vozes que defendam que o sistema que se propõe e o de maioria qualificada se tratam de uma trilha que deverá ser obrigatoriamente trilhada pela nossa legislação, pois nossa maturação seria gradativa e dependeria do decurso do tempo. Permito-me aqui discordar desta posição, pois o que vemos é que o progresso vem sendo gradual e lento, enquanto o retrocesso galga vigoroso e desenfreado sob a narrativa da urgência à revelia da própria lei posta e da Constituição Federal. As garantias se fazem cada dia mais necessárias e a sede de Justiça é perpetua!



Como citar e referenciar este artigo:
SOUZA, João Manoel Vidal de. A necessidade de unanimidade em uma decisão condenatória no Tribunal do Júri. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-penal/a-necessidade-de-unanimidade-em-uma-decisao-condenatoria-no-tribunal-do-juri/ Acesso em: 05 jul. 2025