Monique Rodrigues Lopes[1]
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar o uso da técnica da Constelação Familiar dentro das formas de resolução de conflitos, mais especificamente dentro da mediação. Busca refletir à luz de pensadoras feministas acerca da problemática de se empregar teorias que utilizam uma abordagem individual em uma questão que é estrutural como nos casos de violência doméstica. Alerta-se sobre a importância de se considerar a trajetória de lutas das mulheres para a implementação de leis como a Lei 11.340/06- lei Maria da Penha que deve ser usada como aparato na utilização de técnicas de tratem do tema de violência contra mulheres.
Palavras Chave: Constelação Familiar; Mediação de Conflitos, violência doméstica, Justiça restaurativa.
Abstract: This paper aims to analyze the use of the technique of Family Constellation within the forms of conflict resolution, more specifically within mediation. It seeks to reflect in the light of feminist thinkers on the issue of employing theories that use as individual approach in na isse that is structural as in cases of domestic violence. The importance of considering the trajectory of womens struggles for the implementation of laws such as Law 11.340/06- Maria da Penha law, Which shold be used as na apparatus in the use of techniques to deal which shold be used as na apparatus in the use of techniques to deal with the issue of violence Against women, is alerted.
Keys Words: Family Constellation, Conflict Mediation, Domestic Violence, Restorative Justice.
Introdução
O presente trabalho tem por objetivo analisar a utilização da técnica da Constelação familiar como meio para auxiliar na resolução de conflitos. A técnica criada no século XX, objetivando, de modo fenomenológico e sistêmico, a representação de conflitos familiares e lógica percepção pelos pacientes, denominados constelados, das dificuldades emocionais e origem dos conflitos existentes em seus casos específicos (CÉSPEDES, 2017, p.12). Criada pelo alemão Bert Hellinger passou a ser utilizada fala facilitar e aumentar o diálogo nas relações familiares emocionalmente desgastadas. No Brasil, vem sendo utilizada dede os anos 2000 trabalhando as partes suas questões raízes e auxiliando assim na resolução de conflitos.
Nos questionamos até que ponto se pode em nome de uma justiça restaurativa da conta de resolver questões complexas como os casos de violência doméstica, e ate que ponto o uso da técnica não distorce os objetivos da Lei11.340/06- Maria da Penha que prevê além de medidas punitivistas, medidas preventivas e protetiva.
Assim, a referida lei deveria ser parâmetro para a análise de casos de violência doméstica. Essa lei possui um ainda um caráter educativo que deveria seguir de guia também para quem vai tratar de casos que não são individuais como se apresentam nos casos concretos. Estamos falando uma um típico especifico de violência e que por isso deve ser tratado de forma diferente.
A provocação, portanto, é pensar em como discutir esses novos modelos de resolução de conflitos aplicada no ordenamento jurídico brasileiro. Considerando que a violência de que estamos tratando esta inserida em todas as classes sociais, em todas as regiões, faixas etárias, em diferentes raças. Sendo um fenômeno estrutural e sistêmico.
Dividido em três tópicos em que o primeiro traz um panorama acerca dos principais métodos de resolução de conflitos e utilizados no Brasil; o segundo versa sobre o significado e aplicação das Constelações e por fim, o último tópico traz a contribuição da importância do questionamento no que se refere a técnicas que não levam em consideração a estrutura patriarcal em que vivemos e que a reprodução de métodos que não bebam nas fontes de epistemologias feministas, ou seja, que não pondere questões estruturais diferentemente de questões individuais, possui sérios problemas.
1. Formas de Resolução de Conflitos no Ordenamento Jurídico Brasileiro
Não é fácil definir o que é conflito, principalmente considerando a perspectiva sociológica, psicológica, jurídica e econômica. Para Carnelutti(2000):
O conflito se manifesta como uma contraposição intersubjetiva de direitos e obrigações, como um fenômeno que se produz quando a respeito de um mesmo lado e uma resistência do outro.
Por meio do direito se busca estabelecer uma forma para administrar os conflitos nascidos no campo da comunidade, assim como cunhar uma direção a todos os membros do grupo social. Muitos são os óbices ainda encontrados no que se tange também o acesso à justiça e a efetividade do sistema processual com toda a sua gama de recursos para a resolução de conflitos.
A cerca do assunto Mauro Cappelletti, jurista italiano, realizou um estudo para fazer uma análise das causas de ineficiência do sistema processual na década de 1970. Assim, dividiu em três os empecilhos para o acesso a justiça, sendo de motivos econômicos, organizacional e processual.
A primeira questão, versa sobre os elevados custos do processo que abarcam o custo com advogados, custas processuais, periciais entre outras. Na ordem organizacional o autor analisa que nem sempre os dissídios são resolvidos na esfera individual na sociedade, que tem demandas coletivas e o custo de acesso a justiça muitas vezes não faz jus ao beneficio pretendido. Derradeiramente verificou o autor que a solução alcançada não corresponde a expectativa da defesa alguns direitos.
Assim, idealizou juntamente com Garth que uma renovação deveria orbitar entre preceitos que atendessem a assistência judiciária gratuita aos menos favorecidos, utilização de novos mecanismos para a resolução de conflitos e o aprimoramento da máquina processual.
Essas formas alternativas à resolução de conflitos, muito utilizadas nos Estados Unidos também desde os anos 1970, e que no Brasil ficou conhecido como “Tribunais Multiportas”. Onde se tem além do processo tradicional, meios variados para solucionar o litígio. Nesse sentido das mudanças pragmáticas em relação as formas de resolução de conflitos no mundo, temos que somente no ano de 2016, quando entrou em vigor no novo Código de processo Civil, é que podemos vislumbrar mudanças significativas. Entre elas, o incentivo e o estimulo as chamadas formas alternativas de resolução de conflitos. Assim, com o intuito de tornar o processo mais célere e acessível à população são institucionalizados a conciliação, a mediação e a arbitragem.
Dessa maneira, podemos colocar a conciliação como um meio utilizado pelo poder Judiciário no intuito das componentes chegarem a um acordo por concessões feitas por ambas as partes. O conciliador nesse caso possui a prerrogativa de sugerir uma solução para cada caso e assim solucionar o conflito.
Já na Mediação, temos que esta ocorre de algumas formas como a pré-processual, realizada por homologação judicial em centros judiciais, Casas de Cidadania, Postos de atendimento de conciliação; temos ainda a mediação Judicial que ocorre durante o tramite do processo, podendo ocorrer inclusive em segundo grau; e a mediação extrajudicial, que pode acontecer nas câmeras privadas de Conciliação e Mediação.
A a diferença básica entra conciliação e mediação é que na primeira, o conciliador visa auxiliar as partes a solucionar o conflito, apresentando opções, demonstrando maneiras que melhor deliberariam a lide a qual as partes estão sujeitas. Por sua vez na mediação, o mediador tem um papel mais passivo na proposta de sugestões, este tem como objetivo primordial trabalhar o conflito com as partes, com o intuito de que elas próprias cheguem a uma solução viável.
Por ultimo temos a Arbitragem, que no Brasil é regulada pela Lei 9.307/96.
Cretella Júnior ( 1998, p.128) define a mesma como:
Um sistema especial de julgamento com procedimento, técnica e princípios informativos próprios e com força executória reconhecida pelo direito comum, mas a este subtraído, mediante qual duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas, de direito privado ou público, em conflitos de interesse escolhem de comum acordo, contratualmente, uma terceira pessoa, o árbitro, a quem confiam o papel de resolver-lhes a pendencia anuindo os litigantes em aceitar a decisão proferida.
Destaca-se que o árbitro não precisa ser advogado. Poder ser de outra área cujo parecer técnico seja mais apropriado a resolução daquele conflito especifico. Ele é eleito pelas partes através da chamada convenção de arbitragem, clausula contratual que viabilizará meios para se entender a questão de direito da lide. Apesar disso, a pratica da arbitragem é pouco desenvolvida no ordenamento jurídico brasileiro visto que nunca foi largamente utilizado, em razão de sempre ter se encontrado certa resistência por parte dos juristas, da sociedade e também do poder judiciário.
Considerando então o objeto do presente artigo, adentraremos na questão do que é considerado um método de mediação de conflitos, o método da Constelação Familiar. Identifica-se com a mediação por considerar o mediador como auxiliar da justiça, como alguém imparcial, exercendo uma espécie de tradutor entre as partes do diálogo. Assim a desempenho é baseado na utilização de empatia, termos mais simples do ponto de vista linguísticos no lugar dos termos tecnos do direito e paciência durante o caso em conflito. (NETA VARJÃO, 2017 p.60)
Desta forma, processualmente falando, no que tange ao procedimento comum instituído pelo NCPC o réu citado para comparecer à audiência de conciliação e mediação e não para oferecer sua resposta, como dispunha o antigo procedimento ordinário. Assim, não sendo o caso de improcedência liminar do pedido e preenchendo os requisitos essenciais o juiz designara a audiência de conciliação e mediação, observadas no art. 334, do NCPC. Na apreciação de vários autores, a audiência prévia se apresenta como positiva e expande as possibilidades de que as partes cheguem a um acordo.
Assim, há uma lógica aparentemente mais amigável, de acordo, de cooperação do que a lógica competitiva do processo judicial propriamente dito. Abordaremos então o tópico seguinte o uso da técnica da referida Constelação Familiar para mais adiante traçarmos os eventuais problemas da aplicação da mesma, principalmente no que tange os casos de violência contra mulher, abrangidas pela Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha.
2. O uso Técnica de Constelação familiar na Resolução de Conflitos
A Técnica da Constelação Familiar fora desenvolvida pelo filósofo, psicoterapeuta e teólogo alemão Bert Hellinger na década de 1980. Concebe-se que o estudioso não criou efetivamente a técnica, mas sim decompôs e uniu outras anteriormente existentes em saberes de comunidades tribais, teorias e métodos de outros autores da filosofia, teologia, psicologia e psicanálise, extraindo princípios que norteariam a nova propositura de abordagem, revestindo a de um caráter mais científico. (CÉSPEDES, 2017, p.12). Com o objetivo de dentro de uma concepção sistêmica, fazer a representação de conflitos familiares e consequente percepção pelos pacientes, denominados constelados, das dificuldades emocionais e origem dos conflitos existentes em seus casos concretos. (ibidem p.12)
De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça, 2014), a técnica passou a ser utilizada em algumas áreas no intuito de ampliar o diálogo entre pessoas com restrição de caráter emocional complicadas nas relações com seus familiares. Muito utilizada nos litígios de direito de família, objetivando resgatar um contato mais saudável entre as partes.
Neste sentido, que se busca sair da lógica do ganhador-perdedor muitas vezes inexequível é que se tem a utilização da técnica de mediação em conflitos familiares. Com o objetivo de trabalhar a raiz desses problemas de ordem paternal ou conjugal e diminuir as demandas futuras ao judiciário.
Para de conseguir os objetivos alvitrados, a técnica é regida por três princípios básicos, de ordens do amor, como se observa no trecho abaixo:
Denominados ordens do amor e que representam as necessidades essenciais para a manutenção sadia dos relacionamentos humanos e da constituição dos sistemas, ou seja, de grupos sociais. São elas: o pertencimento ou vinculação a um grupo; a necessidade de se estabelecer uma ordem, a importância de se estruturar o sistema em relação ao tempo de ingresso no mesmo, à função ou à hierarquia entre os membros; e a manutenção entre o dar e o receber (HELLINGER, 2015, p. 25)
Assim, as culpas e as consequências regressam às pessoas a que pertencem, e começa a acontecer por meio de um equilíbrio o que gera o mal a partir do mal. Quando os novos aceitam suas “heranças” o sucesso acontece.
A partir do momento que estamos de posse de todos os que nos pertencem, de todos os que fazem parte do nosso sistema familiar, sentimo-nos inteiros e plenos no amor que pode fluir e crescer. Aquilo que se coloca a caminho, sem nenhuma intenção, sem medo e sem vontade de ajudar alguém de qualquer maneira. Por meio do trabalho com os representantes eles se movimentam e encontram soluções que estão além da influência do constelador ou do terapeuta. (CARVALHO, 2012, p. 43)
A utilização da terapia das constelações familiares como método auxiliar à prática forense fora iniciada no Brasil em 2006, com a atuação do magistrado Sami Storch, titular da comarca de Castro Alves, interior da Bahia. Com um Significado próprio do termo Direito Sistêmico, o juiz propõe a utilização de um método sistêmico-fenomenológico de solução de conflitos, a atuar na origem do problema. (CÉSPEDES, 2017, p. 37).
3. Os problemas do uso da Constelação Familiar nas resoluções de Conflito: Questões individuais e estruturais na ordem das epistemologias feministas
Chegamos agora ao ponto principal deste artigo, com uma reflexão que de fato durante as aulas da disciplina de Resolução de conflitos a que se refere este trabalho, foi por mim colocada e questionada. Juntando então com uma base que me é anterior no que tange ao estudo da violência contra mulheres e de como ela se dá numa esfera estrutural e não individual é que gostaria de pensar na utilização da técnica da Constelação familiar nos casos de resolução de conflitos derivados da violência de gênero, mais especificamente nos casos de violência doméstica, objeto da Lei 11.340/06 Lei Maria da penha. Porém antes se faz necessário pontuar o que vem a ser esse tipo especifico de violência.
Assim, para Scott, (1995, p. 21) gênero é recebido como elemento constitutivo das relações sociais, baseado nas diferenças percebidas entre os sexos e ainda analisando o gênero como uma forma elementar de constituir as relações de poder. Sendo assim, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, Convenção de Belém do Pará, ratificada pelo Brasil em 1995 e promulgada pelo Decreto n° 1.973, caracteriza violência de gênero como ofensa a dignidade humana e a manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens. Desta maneira, os papéis atribuídos socialmente entre eles contribuem para que as mulheres fiquem inertes, muitas vezes frente à violência físicas, psicológicas, sociais e econômicas sofridas por elas.
Nesse sentido a violência de gênero não se confunde com os outros tipos de violência. Ela traz consigo um passado de cultura machista e patriarcal de desigualdades que “coisificam” as mulheres, numa afronta fulgente ao princípio da dignidade humana (SOUZA, 2009, p. 50), expressa no ordenamento jurídico e consolidada no art. 1°, inc. III da Constituição da República Federativa do Brasil.
A onipresença deste tipo específico de violência e os investimentos de tempo e de energia de muitas feministas permitem nos oferecer um panorama, embora cheio de omissões, do tratamento que a sociedade em geral e os homens em especial, dispensam às mulheres.
Assim, embora na socialização feminina esteja sempre presente a suspeita contra os desconhecidos e a prevenção de uma eventual aproximação com estes elementos, os agressores de mulheres são, geralmente parentes ou pessoas conhecidas, que se aproveitam da confiança desfrutada junto às suas vítimas. (SAFFIOTI E ALMEIDA 1995, p. 32).
Importante ressaltar que a violência de gênero desconhece qualquer fronteira, de qualquer classe social, de grau de cultura, de grau econômico, podendo ocorrer em qualquer lugar, público ou privado. Além disso, pode-se desenvolver desde a sociedade mais democrática até a mais fascista, tendo na família patriarcal seu cerne de proteção.
De tal modo, na qualidade de inaugurador das relações sociais, “o gênero é o primeiro modo de dar significado às relações de poder”. (Ibidem p.31)
Na vida cotidiana são os homens que fixam os limites de atuação das mulheres e definem as regras a serem cumpridas nos espaços, nos comportamentos, nas ações e nos julgamentos. Então, a violência faz parte integrante da normatização por ser parte indispensável do controle social. “Dessa maneira a violência contra mulher insere-se nas vísceras da sociedade masculina”. (ibidem, p. 32)
Nesse sentido, conforme a autora, podemos afirmar que a violência de gênero é estrutural: sendo a sociedade permeada por divisões de classes, raças/etnia e gênero, são as relações humanas atravessadas pelo poder. Dessa forma, o poder não é estagnado, ele flui e transita pelos sujeitos sociais de acordo com as relações de força do momento.
Dito isto, passemos para o desafio de como discutir essas novas formas de resolução de conflitos no processo da Lei Maria da Penha considerando as questões estruturais mencionadas e o fato de que mesmo com o advento dessa lei, que não vem sendo aplicada corretamente e levando em consideração que os modelos de justiça ditos restaurativos e punitivos também não dão conta de enfrentar as causas de reprodução da violência contra as mulheres, principalmente a violência doméstica.
A pauta da violência contra mulheres sempre esteve presente nas reivindicações do movimento de mulheres e feministas, mas é a partir do final dos anos 1970 que começa a ganhar mais força. Movimentos que reivindicaram sobre esse tipo de violência, como o “Quem ama não mata”, somados a visibilidade da mídia, a assinatura de acordos internacionais, o caso de Maria da Penha levado ao âmbito internacional. Somados a pressão nacional e internacional, temos na promulgação da Lei 11.340 em 2006 se tornando o grande marco legislativo que é hoje.
A necessidade de ter uma lei específica para tratar da violência contra mulher num ambiente doméstico faz com que pela primeira vez o Estado se adentre as questões privadas e regule o que muitas vezes era visto como um problema pessoal, doméstico, encoberto pela sociedade patriarcal.
Além de processar, julgar e executar as causas que tangem a violência doméstica a Lei se preocupou em estabelecer medidas mais rígidas, garantido a execução de medidas protetivas de urgência e sendo admitida a decretação de prisão preventiva. Há também uma preocupação da lei em ter um caráter pedagógico além do penal punitivista. Dessa maneira pautando o enfrentamento da violência doméstica dentro das instituições públicas indaga-se se a justiça restaurativa aplicada aos casos de violência doméstica principalmente como é apresentada no Brasil apresenta possibilidade de diálogo. Cremos ser essa alternativa equivocada e não solucionar o problema levando em consideração as diversas formas de violência arraigadas no sistema criminal e também não garante a efetividade dos direitos das mulheres que já são reconhecidos pela referida Lei Maria da Penha.
O uso dos chamados facilitadores restaurativos para se buscar soluções com a participação do ofensor não é previsto na Portaria que institui a Politica Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres (Portaria 15 de 8 de março de 2007). Somado a isto temos ainda o fato que a própria Lei Maria da Penha já prevê em seu texto legal, em seu artigo 41 ao afastar a incidência da Lei 9.009/95, repele os procedimentos despenalizadores e conciliatórios. Ressalta-se ainda que a ONU, no processo de monitoramento da convenção, recomenda expressa e destacadamente aos Estados que: “assegurem que casos de violência contra as mulheres, incluindo violência doméstica, sob nenhuma circunstância sejam encaminhados para qualquer procedimento alternativo de resolução de disputas” (ONU, 2016).
Nesse sentido a incidência dessas práticas de resolução de conflitos reforçam padrões patriarcais nas práticas, reforçando “papeis” de uma estrutura familiar tradicional heterossexuais que colocam todos os esforços e lutas das mulheres e feministas ao longo dos anos para desmitificar essas amarras de pensamento que tanto são prejudiciais a vida das mulheres. Assim, como podemos notar nas palavras de Santos, C. M e Machado, I.V:
Não bastasse isso, a comunidade científica internacional tem mobilizado outro conjunto de críticas severas à prática. Herman Nimis (2005) sublinha a lacuna na formação teórica das pessoas que vêm conduzindo os círculos de constelação familiar, fazendo-o de modo amador, além da falta de um acompanhamento ulterior daqueles/as que se submetem às intervenções. O autor destaca, ainda, que o modelo proposto resgata padrões morais que privilegiam uma concepção hierárquica de família em que o pai é a liderança, a quem se submete, por sua vez, a figura da esposa e das crianças. Santos, C. M e Machado, I.V, 2018, p.253
A prática da Constelação reforça, portanto, posicionamentos reacionários ao buscar uma pretensa paz as custas da não vontade das mulheres, silenciadas historicamente em uma engenharia muito sofisticada de podas de vontade, numa sociedade castradora que impõe as mesma desde antes do nascimento, quando se tem os chás de revelação do sexo da criança, um comportamento a ser seguido, repetido e não questionado.
Somada a isso ressaltemos que estamos inseridos num sistema judicial que ainda não está a disposto a considerar os casos de violência domestica na sua real amplitude, enquanto fenômeno não individual e pontual. Assim Muito embora a lei Maria da Penha preveja eixos múltiplos de intervenção, ela não tem sido aplicada nem mesmo em seu aspecto punitivista, nos outros aspectos como a criação de varas mistas, onde se garantisse o encaminhamento dos casos, muito menos. Desta maneira ainda que nas varas de família se tenha uma compreensão entre buscar uma solução consensual e buscar a reconciliação do casal, o que se impõe a mulher que vivenciou a situação de violência é um procedimento criminal que lhe garanta o afastamento do agressor e não um procedimento civil que lhe coloque de frente com seu agressor. (ibidem p.256)
Fica claro, portanto, que quando o Estado propõe uma negociação de paz a esse tipo de violência específica, não leva em consideração a rede de apoio, saberes coletivos e também a extensa literatura feminista a cerca do assunto alertando justamente para o perigo de soluções que atribui valores individuais numa questão estrutural no mundo.
Conclusão
A proposta de mudanças nas formas de resolução de conflitos que busquem soluções efetivas e transformem de fato a sociedade precisam estar ancoradas na análise de questões estruturais fundantes para apresentar propostas novas e inseri-las no cotidiano forense. É preciso ouvir mulheres, suas necessidades, num sistema de justiça que de fato seja emancipatório.
Ao longo do trabalho procuramos analisar a questão das novas formas de resolução de conflitos aplicadas no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente do que tange a questão da mediação e a técnica da Constelação Familiar usada como proposta de facilitador de acordo. Analisamos que o uso da técnica no uso de casos de violência doméstica é problemático e necessita ser melhor revisado pelo ordenamento jurídico.
O caminho para se enfrentar um problema que é coletivo e não individual como fora reinterado no artigo muitas vezes passa pela vida coletiva. Um dialogo entre os movimentos de mulheres, movimentos feministas, Ongs, Fundações que se dedicam a essa causa, é de fundamental importância.
Desafiar teorias e discursos que coloquem as mulheres como objeto e não se preocupem em refletir sobre questões já tão debatidas dentro da sociedade pelos grupos feministas e de mulheres no intuito de questionar o padrão reificante de silenciamento da vontade das mulheres, a fim de se alcançar um modelo de justiça que se seja de fato emancipatória e inclusiva.
Referências:
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre, RS: Sergio Antonio Fabris, 1988.
CARNELUTTI, Francesco. Instituições do processo civil. São Paulo: Classic Book, 2000, v.1.
CARVALHO, E. V. Constelações familiares sistêmicas. Revista Saúde Quântica, v. 1, n. 1, p. 43-45, 2012.
CÉSPEDES, A. S. R. A constelação familiar aplicada ao direito brasileiro a partir da Lei de Mediação. Monografia (Gradução em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Florianópolis, 2017.
ENTELMAN, Remo F. Teoria de conflictos. Barcelona: Gedisa Editorial, 2005.
HELLINGER, B. A simetria oculta do amor: por que o amro faz os relacionamentos darem certo. São Paulo: Cultrix, 2008.
GOZAÍNI, Osvaldo Alfredo. Formas alternativas para la resolución de conflictos.
Buenos Aires: Depalma, 1995
NETA VARJAO, Elizabeth Moraes. A mediação e os princípios fundamentais. In: MATOS, Taysa; GOSTINKI, Aline (Orgs.). Meios adequados de resolução de conflitos. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. p. 60.
SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.
SANTOS, C. M. Da Delegacia da Mulher à Lei Maria da Penha: Lutas feministas e políticas públicas sobre violência contra mulheres no Brasil. Oficina Centro de Estudos Sociais. nº 301; março de 2008
SANTOS, C. M. C.; MACHADO, I. V. Punir, restaurar ou transformar? Por uma justiça emancipatória em casos de violência doméstica. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 146, n. 26, p. 241-271, ago. 2018.
SECCO, M.; LIMA, E. P. Justiça restaurativa: problemas e perspectivas. Revista de Direito & Práxis, v. 9, n. 1, p. 443-460, 2018. Disponível em: . Acesso em: 16 jun. 2019.
SCOTT, Joan W.Gênero: Uma Categoria Útil para a Análise Histórica. Traduzido pela SOS: Corpo e Cidadania. Recife, 1990.
[1] Doutoranda em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais – PPGSD/UFF. Especialista em Filosofia e Sociologia (FETREMIS/RS). Bacharela em Direito- UNESA/RJ. Historiadora- UFV/MG.Membro do Ius Commune (Grupo de estudos e pesquisa em História da Cultura Jurídica (UFSC/Cnpq).