João Fernando Vieira da Silva[1]
PETIÇÃO INICIAL
A petição inicial é a peça que inaugura um processo judicial e serve como referencial para apreciação dos pedidos do autor da ação quando proferida sentença. Deve seguir uma série razoável de exigências processuais para que seja apta e para que todas as pretensões do autor sejam efetivamente apreciadas em sentença de mérito.
A petição inicial tem seus requisitos basicamente expostos no art. 319 do CPC, o que não elimina requisitos em outros dispositivos específicos do CPC e em legislação extravagante, variando conforme o tipo de ação ajuizada. A petição inicial tem fixações rituais conforme o rito a ser seguido. Se seguir o rito comum, terá requisitos atrelados a tal rito. Importante gizar que o rito comum é a regra a ser seguida (CPC, art. 381), inclusive aplicando-se subsidiariamente em caso de lacunas no rito especial.[2] Se seguir ritos especiais, terá pedidos adaptados a tais ritos. Havendo cumulação de pedidos de ritos diferenciados, a tendência é que a petição inicial possa cumular a peculiaridade de rito cada pedido, mas o processo na qual está inserida, em regra, seja de rito comum (CPC, art. 282, parágrafo segundo). Não há de se esquecer que a petição inicial, adotando-se rito de legislações esparsas que tratem de temas especiais, assim será lavrada.
Feitas tais ponderações, cumpre um estudo sobre os requisitos da petição inicial no procedimento comum, elencados no art. 319 do CPC, tentando, de forma concisa e didática, comentá-los.
Segundo o art. 319, I, na petição inicial deve ser indicado o juízo a que é dirigida, indicando-se o órgão judiciário e não o nome da pessoa física do juiz. É a partir daí que o autor da ação fixa a competência da ação. Um equívoco nesta escolha gera o ajuizamento da ação em foro incompetente, com ofensa a pressuposto processual e possível deslocamento da ação para o foro competente.[3] Se for caso de incompetência absoluta, de ofício o juiz pode reconhecer a incompetência e enviar para o juízo competente. Se for hipótese de incompetência relativa, poderá o juiz, nos casos de cláusula de eleição de foro abusiva, de ofício, declarar-se incompetente e enviar para o juiz competente, isto antes da citação (e se não se postar assim, cabe o réu, no momento processual oportuno, manifestar a incompetência relativa, sob pena de preclusão e prorrogação da competência). Nos demais casos de incompetência relativa, o juiz não atua de ofício, de tal maneira que só pode reconhecer tal incompetência quando alegada em preliminares de contestação (CPC, art. 337, II e parágrafo único).[4]
O art. 319, II, exige que a inicial tenha nomes, prenomes, estado civil, a existência de eventual união estável, profissão, número de inscrição no CNPJ ou CPF (uma novidade), endereço eletrônico (outra novidade), domicílio e residência de autor e réu. A identificação correta das partes serve para escorreita citação e intimação das mesmas e inclusive para evitar homonímias, ou seja, que pessoa com nome igual a uma das partes seja indevidamente envolvida em processo do qual não faz parte. Sendo desconhecido o domicílio e residência do réu, o autor pode solicitar, em juízo, diligências para obtenção de local para citação do réu (CPC, art. 319, parágrafo segundo).[5] Teremos aqui, a nosso aviso, a hipótese, por exemplo, de envio de solicitação ao TRE, INFOJUD, outros órgãos de cadastro de nomes e endereço das pessoas, tudo com fincas a permitir a citação do réu. Isto é acesso à Justiça! Cumpre inclusive dizer que a petição inicial não será indeferida pelo não atendimento do disposto no inciso II se a obtenção de informações para citação do réu tornar-se impossível ou excessivamente onerosa. Mais um ponto positivo na busca do acesso à Justiça. Em casos onde o réu não é encontrado, entendemos que a saída deve ser a formulação de pedido de citação por edital (CPC, arts.257 e seguintes).[6] Urge ainda apontar que a fixação do estado civil das partes (inclusive se possui união estável- um ditame constitucional é que a união estável é equiparada ao casamento e não tem inferioridade hierárquica em relação a este- CF-88, art. 226, parágrafo terceiro) é muito importante para esclarecer e verificar a necessidade de outorga uxória ou material, havendo casos nos quais a citação do réu e de seu cônjuge é fundamental.[7]
O art. 319, III, traz como requisito a exposição do fato e fundamentos jurídicos do pedido, ou seja, a indicação do direito subjetivo que pretende se exercitar contra o réu e apontamento do fato geratriz do direito. Aqui é externada a causa de pedir. Podemos dizer que a causa de pedir remota são os fatos e a causa de pedir imediata é o Direito (embora ainda persistam confusões e divergências quanto à estas nomenclaturas entre os doutos). Trata-se do princípio da substanciação, ou seja, é necessário, além de expor fatos, narrar as conseqüências jurídicas dos mesmos. Importante dizer que não é obrigatória ou imprescindível a menção do texto legal que garante o pretenso direito subjetivo material que o autor opõe ao réu. Mesmo a invocação errônea de norma legal não impede que o juiz aprecie a pretensão do autor à luz do preceito adequado. O importante é a revelação da lide através da exata exposição do fato e da conseqüência jurídica que o autor pretende atingir. Ao juiz incumbe solucionar a pendência, segundo o direito aplicável a espécie (“iura novit curia”).
O art. 319, IV, tem como requisito da inicial o pedido, com suas especificações, ou seja, a revelação do objeto da ação. Neste ínterim, torna-se importante diferenciar pedido imediato (pedido para que seja proferida a sentença que solucione a lide, de natureza processual) com pedido mediato (a tutela específica ao bem jurídico violado ou ameaçado, podendo consistir numa condenação, declaração, constituição de estado ou relação jurídica. Relaciona-se com o direito substantivo).
Causa de pedir e pedido são elementos da ação que devem ser observados com bastante atenção em uma petição inicial. A ausência ou fundamentação insuficiente dos mesmos pode gerar emenda da inicial (CPC, art. 320), no prazo de 15 dias, ou até mesmo indeferimento da inicial (CPC, arts. 330, I, parágrafo primeiro I), com extinção do processo, sem resolução de mérito (CPC, art. 485, I).
Ademais, causa de pedir e pedido só podem ser alterados unilateralmente antes da citação do réu. Com o réu citado, só podem ser alterados com anuência do réu. Se houver saneamento do processo, não podem ser alterados, posto ter ocorrido estabilização da demanda (CPC, arts. 329.
O art. 319, V, dita como requisito da inicial o valor da causa.
O valor da causa influi na fixação de competência (causas até 40 salários mínimos, segundo a Lei 9099/95, são de competência do Juizado Especial Estadual; no Juizado Especial Federal, o teto é de 60 salários mínimos, o mesmo teto dos Juizados Especiais da Fazenda Pública), na determinação do rito (o rito sumário tem por base causas até 60 salários mínimos- e seguirá sendo seguido quanto aos processos ajuizados antes da vigência do novo CPC), no valor do recolhimento de custas e despesas processuais.
A toda causa deve ser dado um valor certo, mesmo naquelas sem conteúdo econômico imediato (CPC, art. 291).
O valor da causa deve ser fixado na petição inicial (CPC, art. 292).
Os critérios legais para fixação do valor da causa estão elencados no art. 292 do CPC. Senão vejamos:
Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será:
I – na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação;
II – na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida;
III – na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor;
IV – na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido;
V – na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido;
VI – na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles;
VII – na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor;
VIII – na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal.
§ 1o Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras.
§ 2o O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações.
§ 3o O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes.
Eventual impugnação ao valor da causa deve ser manifestada em preliminar de contestação (CPC, art. 293) Se a preliminar for de impugnação for acolhida, o juiz fixará o valor definitivo da causa (CPC, art. 292, parágrafo segundo).
O juiz deve, de ofício, determinar, quando julgar cabível, a alteração do valor da causa, a qualquer tempo do processo. Alterado o valor da causa, o autor deve complementar custas correspondentes.
Segundo o art. 319, VI, é exigido da inicial a indicação das provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados (testemunhal, perícia, depoimento pessoal, etc). Os documentos indispensáveis à propositura da ação devem ser encartados junto à inicial (CPC, art. 320), sob pena de emenda. Documento que representar substância de ato por lei e não for juntado na inicial retira a presunção de veracidade de fatos alegados na petição inicial e não impugnados, em contestação, pela parte Requerida (CPC, art. 341, II).
Já o art. 319, VII, traz consigo uma novidade. Cabe ao autor indicar, expressamente, a opção ou não de audiência de conciliação ou mediação.
A audiência de conciliação ou mediação ganhou ares de grande relevância com o novo CPC, repletos de princípios, impregnado de mandamentos constitucionais, e que busca, permanentemente, a cooperação entre todos aqueles que atuam em um processo judicial (CPC, art. 6).
A audiência de conciliação ou mediação vem prevista no art. 334 do novo CPC, e só não será realizada se tanto autor, quanto réu, não quiserem sua realização. Há quem entenda que, com a Lei da Mediação (Lei 13140-15), editada após o novo CPC, a mediação deve ser obrigatória (tudo com base no art. 27 da aludida lei). Os defensores de tal tese advogam de que trata-se de lei especial (que vence no conflito com lei geral-lembremos dos velhos critérios de resolução de antinomias, estudados, com muito afinco, entre outros, pelo digno pensador Norberto Bobbio) e lei cronologicamente posterior ao novo CPC (novamente Bobbio e os critérios para solução de antinomias de primeiro grau devem ser lembrados). Há, contudo, uma questão pragmática a ser analisada. O Direito, para além das análises doutrinárias e fundadas na interpretação da lei, deve estar antenado com a realidade social e com os reclames de praticidade, eficiência e economia processual. Não é inútil o questionamento sobre a viabilidade de audiência de conciliação ou mediação se ocorrer inviabilidade total expressa de acordo externada pelas partes litigantes antes da audiência.
Além dos requisitos enumerados no art. 319 do CPC, outros requisitos não podem ser esquecidos. Há necessidade da petição inicial conter indicação do advogado quanto ao endereço no qual receberá as intimações (CPC, art. 39, I) e, se tal lacuna não for preenchida após ordem judicial, em 48 horas, cabe até falar em indeferimento da inicial. Qualquer mudança “a posteriori” do endereço do advogado deve ser comunicada ao escrivão (CPC, art. 39).
A inicial também deve ser acoplada à exibição de instrumento do mandato judicial (CPC, arts. 104-105), salvo os casos de evitar prescrição, decadência, preclusão ou para prática de ato urgente. Ocorrendo isto, deve o advogado juntar a procuração no prazo de 15 dias, prorrogável por igual período pelo juiz, sob pena do ato ser reputado ineficaz e do advogado responder por perdas e danos.
A inicial deve ser datada e assinada pelo procurador do autor ou pelo próprio autor quando este, tendo capacidade postulatória, agir em causa própria.
Quando advogar em causa própria, deve o advogado indicar seu nome, o nome do Escritório de Advocacia para o qual labora e eventuais mudanças de endereço (CPC, art. 106). Se não cumprir tais ditames, terá o prazo de 05 dias para sanar tal omissão, sob pena de indeferimento da petição inicial.
A inicial deve ser escrita no vernáculo, não sendo admitidos em juízo documentos escritos em língua estrangeira, salvo se acompanhados de tradução oficial (CPC, art. 192).
Havendo litisconsórcio passivo necessário, o juiz determinará emenda da inicial para citação de todos os litisconsortes, no prazo que assinalar, sob pena de indeferimento da inicial (CPC, art. 115, parágrafo único).
[1] Professor e Coordenador do Curso de Direito das redes Doctum-unidade Leopoldina- MG; Especialista em Direito Civil pela UNIPAC; Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio; Advogado; Administrador judicial em falência de sociedades empresárias; Juiz leigo na unidade jurisdicional do Juizado Especial Cível de Cataguases- MG
[2] O novo CPC não mais fala em rito sumário ou ordinário como espécies do rito comum. O rito comum se aplica, de maneira uniforme, sem subdivisões, a todas as causas a ele submetidas. Contudo, é imperioso dizer que as causas anteriores ao novo CPC que eram submetidas ao rito sumário e ao rito especial continuam a eles atreladas, de maneira que resquícios do CPC de 1973 ainda continuarão em voga.
[3] Nos Juizados Especiais Cíveis um equívoco na indicação do foro competente gera extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 51 da Lei 9099-95.
[4] Não há que se falar mais, portanto, no cabimento de exceção de incompetência. O objetivo do novo CPC é abreviar ritos, tornar mais célere os processos e evitar incidentes processuais que gerem vários apensos, burocracia demasiada, formalismo estéril, suspensões e mais suspensões de processo, dificuldades das partes, dos advogados, dos serventuários e dos juízes entenderem e resolverem os processos. Contudo, neste início de aplicação do novo CPC, creio que, até total atualização dos operadores do Direito (houve uma vacatio legis de um ano para aplicação do novo CPC, mas temos o vício de deixar sempre para última nova nossos estudos e adaptações a novas legislações) seja de bom tom que magistrados, em nome do Acesso à Justiça, da instrumentalidade do processo, da razoabilidade, acatem, sem maiores formalismos, a interposição de exceções de incompetência, apenas determinando que não mais sejam autuadas e que a peça, em verdade, seja juntada aos autos principais (afinal de contas, os verdadeiros autos) e o incidente de exceção de incompetência seja terminado. Isto, em nosso modesto entender, nem impede ao magistrado de analisar a alegação de incompetência relativa do réu e inclusive dar acolhimento, determinando a remessa ao juiz competente. Importante ponderar que, da decisão de exceção de incompetência, analisando, detidamente o art. 1015 do CPC, não comporta agravo de instrumento. Explicamos: a interpretação dominante é de que o agravo de instrumento só cabe nas hipóteses taxativamente previstas no artigo acima mencionado e que, em casos nos quais decisões não comportarem recursos, poderíamos falar em mandado de segurança. Nos cumpre também alertar que o tema ainda não é pacífico. Muitos processualistas de renome questionam a idéia de decisões que não comportam recursos típicos (a irrecorribilidade das decisões interlocutórias é típica do processo do trabalho, e, ainda assim, comporta exceções). Entendemos que as hipóteses de cabimento de agravo de instrumento devem fixar adstritas ao fixado no art. 1015 (mitigar recursos é uma medida sensata quando pensamos em celeridade processual), mas não devem ser interpretadas literalmente, de tal maneira que analogia e a interpretação extensiva tomem conta do rol daquilo que é passível de agravo de instrumento e o que não é.
[5] Importante ressaltar que, segundo o art. 256 do CPC, ao falar em cabimento de citação do edital, é deixado bem claro que deve o juiz, antes de determinar citação por edital, enviar requisição a órgãos públicos, cadastros de órgãos públicos e até a concessionárias de serviços públicos no sentido de encontrar o paradeiro do réu.
[6] A citação por edital tem novidades. É fixada tendo em vista afirmação do autor ou do Oficial de Justiça de sua necessidade. Deve ser feita com publicação do edital, de 20 a 60 dias, na rede mundial de computadores, no site do Tribunal e na plataforma de editais do CNJ. O novo CPC busca celeridade, informalidade, adaptação do processo ao contemporâneo. Havendo citação por edital e não sendo encontrado o réu, será nomeado curador especial (a Defensoria Pública exercerá esta função), constando tal advertência no edital citatório. A publicação em jornais de ampla circulação ou por outros meios deixa de ser regra. Até pode ocorrer, mas é uma faculdade do juiz, que observará, para fixar tal medida, peculiaridades da Comarca, Seção ou Subseção Judiciárias.
[7] Para ilustrar tal afirmação, segue a íntegra dos arts. 73 e 74 do CPC:
Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens.
§ 1o Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:
I – que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens;
II – resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato praticado por eles;
III – fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família;
IV – que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges.
§ 2o Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado.
§ 3o Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos.
Art. 74. O consentimento previsto no art. 73 pode ser suprido judicialmente quando for negado por um dos cônjuges sem justo motivo, ou quando lhe seja impossível concedê-lo.
Parágrafo único. A falta de consentimento, quando necessário e não suprido pelo juiz, invalida o processo.