Erick José Cutrim Falcão[1]
Felipe Cristian Campos Souza[2]
RESUMO
É de conhecimento notório o fato de o sistema judiciário brasileiro encontrar-se abarrotado de processos, de modo a afetar-se a plena efetivação dos princípios da celeridade, eficiência e duração razoável do processo. Desta feita, novas formas de acesso à justiça e resolução de conflitos mostram-se não apenas necessárias, mas insurgentes, de modo que o presente artigo intenta demonstrar a eficácia das técnicas de autocomposição para alcançar um deslinde justo para as partes em conflito, o valor da justiça negocial, e o protagonismo das partes nos seus diálogos para chegar a um resultado aceitável por todos.
Palavras-Chave: Autocomposição. Justiça Negocial. Conflitos.
ABSTRACT
It is of notorious knowledge the fact that the judiciary system is overloaded with processes, so as to affect the full effectiveness of the principles of celerity, efficiency and reasonable duration of the process. As such, new forms of access to justice and conflict resolution are not only necessary but insurgent, so the present article attempts to demonstrate the effectiveness of self-composition techniques to achieve a fair solution for the conflicting sides, the value of negotiating justice, and the protagonism of the parties in their dialogues to arrive at a result acceptable to all.
Key-Words: Self-composition. Negotial Justice. Conflitcs.
Introdução
“Ubi societas, ibi jus”[3]. Isto é, onde há sociedade, há direito. Desta feita, tem-se que essa assertiva abrange o Brasil, de modo que os nacionais são submissos a um ordenamento jurídico, dentro do qual no momento em que se constata uma quebra de alguma norma – seja regra ou princípio- o Poder Judiciário está disposto a solucionar o caso. Pontua-se, ainda, a inércia presente. O processo terá início com a provocação da parte (art. 2º, do CPC)[4].
O presente artigo visa ratificar a perspectiva de que a existência duma lide não pressupõe necessariamente a gênese duma demanda judicial. Galga-se essa pretensão na Lei nº 13.140/2015 (Lei de Conciliação e Mediação). Ademais, intenta demonstrar a eficácia dessa norma, para alcançar um deslinde justo para as partes, o valor da justiça negocial, e o protagonismo das partes nos seus diálogos para chegar a um resultado aceitável por todos.
Além disso, destaca-se a necessidade de promover uma justiça menos contenciosa. Como resultado, percebe-se a desobstrução das vias judiciais e, assim, a efetivação mais consistente de princípios processuais como: o devido processo legal, a duração razoável do processo e a própria celeridade.
Nessa esteira, a melhor doutrina constitucional e processualista, pautada no ordenamento jurídico brasileiro, enrijecem o valor das soluções jurídicas por autocomposição. Outrossim, os dados da justiça em números e outras estatísticas do próprio Poder Judiciário corroboram com essa visão.
JUSTIÇA NEGOCIAL: SEU DESIGN NOS MÉTODOS DE AUTOCOMPOSIÇÃO
A lide é um dos elementos basilares da Teoria Geral do Processo, na qual Carnelutti (1936) conceituou como: “o conflito de interesses, qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela resistência do outro – o conflito de interesses, qualificado por uma pretensão resistida (discutida) ou insatisfeita”.
Frisa-se como ferramenta de deslinde de conflitos a heterocomposição. Nessa técnica o Estado-Juiz, terceiro imparcial, substitui a vontade das partes. O exercício da atividade jurisdicional, na mentalidade hodierna, está demasiadamente associado à aplicação do Direito. De fato, o Juiz é figura criativa que impõe o seguimento das normas positivadas. Entretanto, essa técnica não pode ser a suma primazia.
Nesse sentido, aponta-se a submissão a qual as partes se sujeitam:
“Exercendo a jurisdição, o Estado substitui, com uma atividade sua, as atividades daqueles que estão envolvidos no conflito trazido à apreciação. Não cumpre a nenhuma das partes interessadas dizer definitivamente se a razão está com ela própria ou com a outra; nem pode, senão excepcionalmente, quem tem uma pretensão invadir a esfera jurídica alheia para satisfazer-se (DIDIER, Fred, 2016, p. 157 apud GRINOBER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido; CINTRA, Antônio Carlos Araújo. Teoria geral do processo, cit., p. 132)”.
Não obstante, as contendas existentes entre os indivíduos não pressupõem a provocação do Poder Judiciário. As partes, essencialmente, almejam receber uma decisão que seja justa e isso não requer, necessariamente, a via judicial.
Nessa toada, rememora-se os ensinamentos de Aristóteles sobre Justiça. Neles o filósofo asseverava que “justiça significa dar às pessoas o que elas merecem, dando a cada um o que lhe é devido. Mas o que uma pessoa merece? Quais são as justificativas relevantes para o mérito? (SANDEL, Michael J, 2014, p. 234)”.
Munido dessas informações, questiona-se o valor do protagonismo dos beligerantes numa eventual lide. Não só como personagens da trama processual, mas, sobretudo, como agentes ativos na busca por uma decisão que seja equitativa e satisfatória a todos.
A respeito desses mecanismos alternativos de resolução de entraves tem-se também a Conciliação e a Mediação, como ramificações da autocomposição. Elas são não-jurisdicionais, mas podem se submeter ao controle jurisdicional. Meios outros de pacificação social.
A conciliação e a mediação, ao contrário da heterocomposição, possuem o destaque dos contendores na construção da decisão jurídica. Este adjetivo, exatamente, ratifica a obediência que ela deve ter ao Direito.
Vale ressaltar que a figura do mediador está mais próxima a uma postura discreta, tão-somente facilitadora da comunicação entre as partes em conflito. Noutro giro, o conciliador assume um papel mais ativo, ao ponto de, por vezes, propor soluções.
Pelo exposto, a autocomposição se expressa como uma maneira de concretizar uma justiça negocial. Os envolvidos se dispõem a dialogar para encontrar um ponto comum, um consenso. Por isso mesmo, fatalmente, concessões são feitas, por mínimas que sejam.
Ocorre que uma equação um tanto quanto complexa se forma. Normas que são favoráveis ao pleito do resignado; as positivações que são contrárias àquilo requerido por uma das partes; além da demora do deslinde da demanda pela via judicial.
Essa noção de justiça negocial é reforçada nos próprios princípios que regem os meios de autocomposição, quais sejam: a independência- “o dever de atuar com liberdade, sem sofrer pressão interna ou externa (DIDDIER, Fred, 2016, p. 275)”; o autorregramento da vontade- “tudo é pensado para que as partes definam a melhor solução para seu problema jurídico (DIDDIER, Fred, 2016, p. 276)”; a oralidade, a informalidade e a isonomia entre as partes.
OS INSTRUMENTOS LEGAIS DE AUTOCOMPOSIÇÃO
É perceptível o estímulo legal à utilização de métodos de autocomposição, de modo que o próprio Código de Processo Civil dispõe, além do claro incentivo do art. 3ª, determinadas regras para as modalidades de mediação e arbitragem, conforme segue, in litteris:
Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.
§ 1o A composição e a organização dos centros serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.
§ 2o O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
§ 3o O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.
Art. 166. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.
Por sua vez, o art. 334 dispõe ainda que um dos atos iniciais do processo comum, será sempre a possibilidade da audiência de conciliação entrepartes, de modo a tentar solucionar-se o conflito de forma pacífica, conforme segue, in litteris:
Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
Interessante ainda notar que, o silêncio da parte a respeito da realização ou não da referida audiência, será tratado pelo julgador não como vício, mas como anuência à sua realização.
Destrinchando-se brevemente as modalidades, entende Fredie Didier (2015. p. 275) que o mediador/conciliador exerce um papel de catalisador da solução negocial do conflito, ou seja, o terceiro presente na autocomposição serve apenas para conduzir adequadamente a vontade das partes, cabendo a elas a solução e acordo final.
Especificamente, o autor compreende (2015, p. 276), ao analisar as disposições do Código Civil acima aludidas, que o conciliador tem uma participação mais ativa no processo de negociação, podendo, inclusive, sugerir soluções para o litígio, de modo que a técnica da conciliação é mais indicada para os casos em que não havia vínculo anterior entre os envolvidos.
Por sua vez, ainda no entendimento do autor:
“o mediador exerce um papel um tanto diverso. Cabe a ele servir como veículo de comunicação entre os interessados, um facilitador do diálogo entre eles, auxiliando-os a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam identificar, por si mesmos, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos”.
De todo modo, tem-se que o mediador não propõe soluções aos interessados, sendo esta modalidade indicada nos casos em que já exista relação anterior entre os interessados.
Neste mesmo pensamento, a cartilha de Mediação e Arbitragem expedida pela comissão especial de conciliação, mediação e arbitragem da OAB/MT, compreende a mediação da seguinte forma:
A mediação é mais célere do que um processo adversarial; está resguardada pela confidencialidade; costuma ser bastante eficaz na resolução das questões, pois trata dos interesses e não das posições; representa menor custo financeiro e emocional. A grande inovação da Mediação, em relação aos demais métodos de resolução de disputas, consiste na criação de um ambiente de confiança, no qual todos possam expor o máximo de informações úteis à negociação e gerar resultados para além das expectativas. Essa alquimia acontece a partir dos seguintes diferenciais: imparcialidade, confidencialidade (inclusive entre os participantes) e visão prospectiva.
[…]
A mediação tem por características a celeridade, a informalidade, a autonomia da vontade das partes, o protagonismo, a confidencialidade, a efetividade, a exequibilidade e a prevenção de con- 15 flitos. O procedimento da mediação é simples e flexível, permitindo a construção conjunta de regras que atendam à disponibilidade dos envolvidos e suas reais necessidades, pautado na autonomia da vontade e no protagonismo dos mediandos, os quais, por conhecerem bem o conflito, apresentam soluções adequadas e, ao mesmo tempo, diminuem os riscos que podem advir de uma decisão imposta por terceiros. Como a solução do conflito é decidida pelos próprios envolvidos, sem a opinião do mediador, os acordos são mais efetivos, espontaneamente cumpridos e também previnem a reedição do conflito. O acordo obtido na mediação e reduzido a termo constitui título executivo extrajudicial podendo, a critério das partes, ser homologado judicialmente, hipótese em que se converterá em título executivo judicial. A confidencialidade é regra na mediação, o que a torna atraente quando por qualquer motivo a publicidade dos atos seja inconveniente. A mediação apresenta uma ótima relação custo-benefício diante da agilidade na resolução do conflito, que resulta em economia de tempo e menor desgaste emocional. Evita ainda gastos com recursos e outros atos judiciais/processuais.
Importante figura a ser reparada são os centros de solução de conflitos, aludidos no art. 165, que, obrigatoriamente, deverão ser criados. Conforme Didier (2015, p. 278), estes centros serão preferencialmente responsáveis pela realização das sessões e audiências de conciliação e mediação, que ficarão a cargo de mediadores ou conciliadores – a realização da mediação ou da conciliação no próprio juízo onde tramita o processo deve ser encarada como algo excepcional (art. 1 65, caput, CPC).
Além disso, ainda nas palavras do autor, estes centros têm o dever de atender e orientar o cidadão na busca da solução do conflito (art. 1 65, caput, CPC, e art. 8°, caput, da Resolução n. 1 25/201 o, CNJ). Os centros contarão com um juiz coordenador e, se necessário, com um adjunto, aos quais caberá a sua administração, bem como a supervisão do serviço de conciliadores e mediadores (art. 9o, caput, Resolução n. 1 25/2010, CNJ). As sessões de conciliação e mediação pré-processual deverão ser realizadas nesses centros.
Com efeito, a Lei 13.140/2015 dispõe especificamente sobre a mediação como forma de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.
Segundo a Lei, os seguintes princípios orientam a mediação:
Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios:
I – imparcialidade do mediador;
II – isonomia entre as partes;
III – oralidade;
IV – informalidade;
V – autonomia da vontade das partes;
VI – busca do consenso;
VII – confidencialidade;
VIII – boa-fé.
Discorre Didier (2015, p. 277) sobre o princípio da imparcialidade:
“A imparcialidade é indispensável em um processo de mediação ou conciliação, de modo que o mediador e conciliador não podem ter qualquer espécie de interesse no conflito. Trata-se de um reflexo do princípio da impessoalidade, próprio da administração pública (art. 37, caput, CF/1988).”
No que tange ao princípio do autorregramento e autonomia da vontade, comenta o autor:
“O princípio do autorregramento da vontade é colorário da liberdade. Na mediação e na conciliação, é um pressuposto e, ao mesmo tempo, a sua própria razão de ser: tudo é pensado para que as partes definam a melhor solução para o seu problema jurídico. O respeito à vontade das partes é absolutamente fundamental, podendo ser considerado, aliás, o princípio mais importante”.
Já a confidencialidade, pelo que entende o autor (2015, p. 277), estende-se a todas as informações produzidas ao longo do processo, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes.
Por fim, comenta-se sobre os princípios da oralidade e informalidade, que também orbitam as práticas de mediação e arbitragem, de modo a tornar o procedimento mais digerível aos litigantes, com menor burocracia que a presente nos processos jurídicos de fato, de modo a facilitar a linguagem e a solução entrepartes.
Percebe-se, através dos olhos do autor, que os princípios que regem as técnicas de autocomposição prezam pela autonomia da vontade das partes, de modo a, juntas, chegarem a um consenso, um acordo a respeito da problemática conjuntamente enfrentada. Para tal fim, é crucial um diálogo franco e claro, através de meios objetivos e informais, devidamente guiado por um mediador/conciliador totalmente imparcial e alheio às pretensões das partes, de modo que, a partir da própria autonomia e protagonismo dos litigantes, a solução comum seja criada.
A AUTOCOMPOSIÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NO MEIO JURÍDICO
Conforme aludido, os métodos de resolução negocial de conflitos entrepartes têm ganhado maior notoriedade e relevância no que tange ao acesso à justiça. Isto pois, as resoluções mediante autocomposição pelas partes, ao prescindir da esfera jurídica per se, não apenas facilitam a chegada a uma solução viável sem toda a longa burocracia dos processos judiciários, mas também geram a possibilidade de desafogamento do próprio ordenamento jurídico brasileiro, já tão abarrotado de processos.
Realidade conhecida de qualquer operador do Direito, é notório o fato de que a cada dia, novos processos adentram o engarrafado ordenamento jurídico brasileiro, de modo que, tal qual uma via de trânsito, um grande volume acaba por gerar morosidade, impedindo, portanto, a plena efetivação dos princípios da eficiência e duração razoável do processo.
Em contrapartida a esta problemática, o acesso à justiça por outras formas que não especificamente pelo judiciário, cada vez mais mostra-se necessário, de modo a escapar-se da cultura de judicialização e buscar-se soluções alternativas, tal qual a aqui defendida autocomposição. Como consequência, é tangível a desobstrução do sistema de justiça em razão da maior utilização da alternativa proposta[5].
Giza-se que, para uma autocomposição efetiva, as partes chegarão a um comum acordo, fruto de seu protagonismo e de suas livres e espontâneas vontades, sendo, portanto, uma decisão mais fácil de acatar do que, digamos, a de um terceiro julgador, individual, investido de autoridade, que virá a estabelecer possíveis vencedor e perdedor.
Nesta linha, concatenam CAPPELLETTI e GARTH (1988, p. 83-84):
Existem vantagens óbvias tanto para as partes quanto para o sistema jurídico, se o litígio é resolvido sem necessidade de julgamento. A sobrecarga dos tribunais e as despesas excessivamente altas com os litígios podem tornar particularmente benéficas para as partes as soluções rápidas e mediadas. Ademais, parece que tais decisões são mais facilmente aceitas do que decretos judiciais unilaterais, uma vez que eles se fundam em acordo já estabelecido entre as partes. É significativo que um processo dirigido para a conciliação — ao contrário do processo judicial, que geralmente declara uma parte ‘vencedora’ e a outra ‘vencida’ — ofereça a possibilidade de que as causas mais profundas de um litígio sejam examinadas e restaurado um relacionamento complexo e prolongado
Entende-se que a busca por um acordo entre as partes, de modo que não necessariamente uma delas saia derrotada, mas ambas cheguem a um consenso favorável, traduz um novo e mais civilizado caminho a ser trilhado pela sociedade, sendo, de todo modo, uma forma mais célere e eficaz para combater conflitos, tão comuns em toda relação interpessoal. Assim, busca-se, parafraseando Didier Junior, a transformação de uma cultura de conflitos para uma cultura de conciliação. Segue o entendimento do autor (2015, p. 273):
Compreende-se que a solução negocial não é apenas um meio eficaz e econômico de resolução dos litígios: trata-se de importante instrumento de desenvolvimento da cidadania, em que os interessados passam a ser protagonistas da construção da decisão jurídica que regula as suas relações. Neste sentido, o estímulo à autocomposição pode ser entendido um reforço da popular no exercício do poder – no caso, o poder de solução dos litígios. Tem, também por isso, forte caráter democrático. O propósito evidente é tentar dar início a uma transformação cultural – da cultura da sentença para a cultura da paz.
Desta feita, não é difícil verificar as benesses da prática de autocomposição dos conflitos, ao considerar-se que, não apenas as partes em litígio terão uma solução consensual ao problema, mas também, como consequência, o próprio poder judiciário terá reduzido o número de casos enfrentados, de modo a poder tratar com maior celeridade e de forma menos custosa os conflitos que, necessariamente, precisam da tutela judicial.
Para explicitar tal consideração, utiliza-se citação de Didier (2015, p. 280) a Flávio Yarshell (2009):
Com preocupação semelhante, Flávio YARSHELL, que acrescenta: “a conciliação não pode e não deve ser prioritariamente vista como forma de desafogar o Poder judiciário. Ela é desejável essencialmente porque é mais construtiva. O desafogo vem como consequência, e não como a meta principal. Essa constatação é importante: um enfoque distorcido do problema pode levar a resultados indesejados. Vista como instrumento de administração da máquina judiciária, a conciliação passa a ser uma preocupação com estatísticas.” (YARSH ELL, Flávio Luiz. ” Para pensar a Semana Nacional da Conciliação”. Folha de São Paulo, o8. 1 2.2009, p. A3.)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em conseguinte à explanação há de ceder as benesses das técnicas de autocomposição de conflitos. Decerto, as implicações positivas que a conciliação e a mediação provocam na sociedade superam os efeitos diretos de resolução de lides.
Destaca-se que a máquina do Poder Judiciário é desobstruída. Como decorrência, os julgadores e seus assistentes possuem maior disponibilidade de tempo e recursos humanos e tecnológicos ao seu dispor. Ademais, fomenta-se a cultura antibeligerante, nesse campo temático implica dizer, no incentivo à cultura de conciliação. O insurgente como agente ativo da construção da sua concepção de justiça no caso concreto.
Ressalta-se ainda que recorrer a essas técnicas de autocomposição de conflitos promove uma aceitação social maior. A adequação externa do Ordenamento Jurídico é enrobustecida, isto é, a sensação de justiça no fato suscitado é mais consistente.
A conciliação e a mediação são valiosas ferramentas que o legislador disponibilizou aos cidadãos para solucionar seus conflitos. Ampliou a abrangência do pensamento negocial. A provocação judicial não é caminho para o enriquecimento, mas para satisfação mediante o sentimento de justiça.
Assim, resolver seus próprios conflitos é um exercício de civilidade. Como consequência acidental as vias judiciais são favorecidas. Antes da positivação do Direito como se conhece contemporaneamente já existiam os conflitos, portanto nutrir a conciliação e a mediação é em certa medida regressar à essência do Direito – esta, enquanto ciência localizada na esfera social.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
_______. Lei n° 13105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm.
_______.Lei n° 13140 de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm
DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17 ed. V. 1. Salvador: Jus Podivm, 2015.
CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.
OAB/MT. Comissão Especial de Conciliação, Mediação e Arbitragem. Cartilha Mediação, Arbitragem e Câmaras Privadas. Disponível em: https://www.oabmt.org.br/admin2//Arquivos/Documentos/201804/PDF39652.pdf
BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. 2016, p. 30. Editora edipro.
DIDDIER, Fred, 2016, p. 157 apud GRINOBER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido; CINTRA, Antônio Carlos Araújo. Teoria geral do processo, cit., p. 132
SANDEL, Michael J. Justiça O que é fazer a coisa certa. 2014. Editora Civilização Brasileira.
YARSH ELL, Flávio Luiz. ” Para pensar a Semana Nacional da Conciliação”. Folha de São Paulo, o8. 1 2.2009, p. A3.)
JUSTIÇA FEDERAL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Portal TRF2. Notícias. Conciliação: mais de três milhões de processos solucionados por acordo. Publicado em 31/08/2018. Disponível em: http://www10.trf2.jus.br/portal/conciliacao-mais-de-tres-milhoes-de-processos-solucionados-por-acordo/
[1] Discente do 9º período do Curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão. E-mail: erickfalcao_@hotmail.com
[2] Discente do 9º período do Curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão. E-mail:
[3] (BOBBIO, Norberto, 2016, p. 30)
[4] Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.
[5] Em toda a Justiça brasileira foi de 12,1% o índice de processos resolvidos no ano passado por meio de acordos, frutos de mediação ou conciliação. O dado faz parte do Relatório Justiça em Números 2018 (ano-base 2017), publicado nesta segunda-feira (27/8). O Índice de Conciliação, medido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), permite que o país tenha ideia da contribuição – em termos estatísticos – das vias consensuais de solução de conflito em relação ao total de decisões terminativas e sentenças. Em termos absolutos, o número de sentenças homologatórias em 2017 foi de 3,7 milhões, em um universo de 31 milhões de sentenças.